Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
45/15.6GAMDL.G1
Relator: ANA TEIXEIRA
Descritores: BUSCA DOMICILIÁRIA
ORDENADA POR JUIZ
SUSPEITO ANALFABETO E SEM ADVOGADO
DILIGÊNCIA VÁLIDA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 12/18/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO PENAL
Sumário:
I) Estando em causa uma diligência processual ordenada por um juiz em que não é obrigatória a presença do arguido, a diligência em si está legitimada independentemente das condições pessoais do arguido visado.

II) A obrigatoriedade de assistência é devida nos casos de particular vulnerabilidade do arguido, motivada por circunstâncias pessoais objetivas, resultantes de debilidade de cognição e, por isso, quando existe debilidade de cognição tem lugar o equilíbrio do processo mediante a obrigatoriedade de assistência.

III) No caso em apreço, na medida em que está em causa uma busca que foi determinada por entidade que avaliou da sua necessidade e a fundamentou, não é a presença do arguido ou suspeito que a pode impedir pois nem sequer a sua presença é determinante e, como tal, seja ele analfabeto ou não a diligência tem lugar independentemente da sua presença.

IV) Mesmo que presente, sendo analfabeto, e sem advogado, a diligência também seria realizável, sem estar ferida de nulidade, e tudo porque emana da ordem de um juiz.
Decisão Texto Integral:
O TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES – SECÇÃO CRIMINAL

Acórdão

I - RELATÓRIO

No processo Comum tribunal Singular supra identificado, o arguido A. A., foi condenado nos seguintes termos []:

1. Condenar o arguido A. A. pela prática, como autor material, de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo art.º 86.º, n.º 1, alínea c), da Lei nº 5/2006, de 23/02 na pena de 250 (duzentos e cinquenta euros) dias de multa, à taxa diária de € 5,00 (seis euros), no total de € 1.250 (mil duzentos e cinquenta euros);

Inconformado, o arguido recorre, extraindo da respetiva motivação as seguintes conclusões [fls. ]:

«(…)
CONCLUSÕES

A- O recurso restringir-se-á matéria de direito de saber-se se é necessária/obrigatória a assistência de advogado ou defensor oficioso para a realização de buscas ordenadas no âmbito de um mandado de busca quando o visado seja analfabeto, nos termos do art° 64 n°1 alínea c) do C.P.P. sob pena de se verificar a nulidade insanável do art° 119 alínea c) do C.P.P.

B-O arguido foi condenado nos presentes autos por crime de detenção de arma proibida p. e p. pelo art° 86 n° 1 alínea c) da lei n° 5/2006 de 23/02 do C. Penal na pena de multa de 1.250,00 (mil duzentos e cinquenta euros).

C-Da discussão da causa resultaram provados para além de outros factos os seguintes factos com interesse para a causa que foram ordenadas buscas domiciliárias á residência do arguido A. A. e que aquele é analfabeto.

D- Douta Sentença recorrida decidiu que as buscas domiciliárias efetuadas foram ordenadas pelo juiz de instrução, pelo que não careciam do consentimento do arguido A. A., nos termos do disposto no art° 177 n° 1 do C.P.P.

E- Mais decidiu douta sentença, que não é aplicável às buscas realizadas o disposto no art° 68 n° 1 alínea d) já que o art° 176 do CPP nem sequer exige a presença do arguido ou do visado nas buscas (o art° 176 prescreve apenas que é entregue á pessoa que tem a disponibilidade do lugar, cópia do despacho que determinou a busca, que pode fazer-se acompanhar e substituir por pessoa da sua confiança, e na sua falta a um parente, vizinho, porteiro ou alguém que a substitua)

F-Concluindo daquele modo que as buscas realizadas às residências do arguido são válidas,

G- Dispõe o art. 64.°, n.° 1, al. d), do CPP, que é obrigatória a assistência do defensor “em qualquer ato processual, à exceção da constituição de arguido, sempre que o arguido for cego, surdo, mudo, analfabeto, desconhecedor da língua portuguesa, menor de 21 anos, ou se suscitar a questão da sua inimputabilidade ou da sua imputabilidade diminuída.”

H- Entendemos que é obrigatória a aplicação desta norma que impõe a assistência de defensor quando o visado numa busca domiciliária seja analfabeto, mesmo quando aquela tenha sido ordenada pelo juiz de instrução.

1-Trata-se de casos de particular vulnerabilidade em que se impõe, por uma questão de equilíbrio, a obrigatoriedade de assistência por defensor.

J-Tal necessidade é confirmada pelas circunstâncias concretas em que a busca se realizou que ultrapassaram em muito a realização do mandado de buscas ordenado, tendo sido realizada também numa residência sita na rua S. …, S/N. Torneiros e numa roulotte pertença do filho do arguido, atingindo terceiros que não eram visados pelos mandados emitidos.
1-A busca domiciliária realízada na residência do arguido sita na rua S. …, S/N, Torneiros não foi realizada em plenas condições de legalidade, visto não ter sido dado cumprimento ao disposto no artigo 177, n°s. 1 e art° 174 n.º 5 alínea b) e art° 177 n°3 do C.P.P.

M-Todo este circunstancialismo consubstancia uma violação clara dos direitos, liberdades e garantias do arguido e dos seus direitos de defesa e traduz ainda uma série de atropelos às regras processuais estabelecidas.

N- O n° 3 do artigo 32.° da Constituição remete para a lei a definição dos casos em que é obrigatória a assistência por advogado, o que significa que cabe no âmbito da liberdade de conformação do legislador a seleção das situações em que a assistência deve ser obrigatória.

O- É constitucionalmente exigível que essa seleção seja materialmente adequada à relevância dos diversos atos e fases do processo criminal, desde logo por ser condição de garantia dos direitos de defesa dos cidadãos

P- Ora a realização de buscas domiciliárias contende frontalmente, ou pelo menos tem um potencial elevado de contender com a defesa dos direitos. liberdades e garantias dos cidadãos tratando-se nesse sentido, de um ato de extrema relevância no processo criminal.

Q- A exigência de representação do arguido, por advogado, significa imediatamente a necessidade de haver pessoa idónea legalmente habilitada no conhecimento do direito que possa agir e zelar juridicamente pelos direitos dos cidadãos no processo.

R- A defesa dos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos é uma das tarefas fundamentais do Estado.

S- Prescreve o artigo 32.°, n.° 1, da C.R.P que o processo criminal assegura todas as garantias de defesa do arguido.

T- É esta a dimensão da alínea c) do n.º 1 do art° 64 do C.P.P,

U- A realização de buscas quando o visado é analfabeto caí por isso no âmbito de aplicação do art° 64°, n° 1, al. d) do Cód. de Proc. Penal.

V- Impõe-se a assistência de defensor nos casos em que o visado numa busca seja analfabeto, sob pena de violação do artigo 32.°, n.° 1. da C.R.P, por só dessa maneira se assegurar as garantias de defesa.

X- Consideramos inconstitucional a norma do n.° 1, do artigo 176 do Código de Processo Penal, quando interpretada no sentido de que é possível a realização dc buscas quando o visado seja analfabeto e não esteja acompanhado de defensor.

W- Inconstitucionalidade que desde já se invoca para todos os efeitos legais.

Y- Verifica-se e assim, por parte do tribunal a quo uma errada interpretação da norma do art° 64°, n° 1, al. c) e do art° 176 do Código de Processo Penal

Z- Em consequência da verificação da supra alegada nulidade, as provas obtidas nas residências do arguido são por isso ilegais e ilícitas e, por isso, nulas, não podendo as mesmas serem utilizadas como provas, nos termos dos art.°s 126°, n° 3 e 122°, n° 1 do Cód. de Proc. Penal.

AA-O que impõe uma decisão diversa da recorrida declarando-se, necessariamente, a nulidade da busca domiciliária e a consequente nulidade da prova obtida com a mesma e a absolvição do arguido do crime que vinha acusado.

Foram assim violadas as seguintes disposições legais:

-Art° 64°, n° 1, al. d) Código de Processo Penal.

- Art.º 119 alínea c) do C.P.P.

- Art°s 122°, n° 1 e art° 126 n° 3 do Cód. de Proc. Penal.

- Art° 32 n°1 da C.R.P

- Art° 176, art°177 n°1, art 174 n° 5 alínea b) e art 177n°3 do C.P.P.

O arguido dispõe de apoio judiciário na modalidade de isenção de custas

TERMOS EM QUE o presente recurso deve ser julgado procedente e em consequência deve ser revogada a sentença e substituída por outra que absolva o arguido da prática do crime de detenção de arma proibida p. e p pelo art° 86 n° 1 alínea c) da lei n° 5/2006 de 23/02.

Assim se fazendo INTEIRA JUSTIÇA

(…)»

1. Na resposta, o Ministério Público refuta todos os argumentos do recurso, pugnando pela manutenção do decidido [fls.246 ].

2. Nesta instância, o Exmo. procurador-geral-adjunto emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso [fls.255 ].

3. Colhidos os vistos, realizou-se a conferência.

4. A sentença/acórdão recorrida deu como provados e não provados os seguintes factos, seguidos da respectiva motivação [fls. ]:

«(…) FUNDAMENTAÇÃO:
Discutida a causa, resultaram provados os seguintes factos:

1) Os arguidos A. A. e D. A., que são entre si pai e filho, respetivamente, eram suspeitos da prática de ilícitos criminais, pelo que lhes foi instaurado o processo com o NUIPC 70/15.7 GAVFL, que correu termos nos Serviços do Ministério Público de Vila Flor;
2) Nesse processo foram ordenadas buscas domiciliárias à residência do arguido A. A.;
4) O arguido A. A. tem ainda uma residência, sita na rua de …, S/N, Torneiros, Vila Real;
5) Assim, no dia 22 de Julho de 2015, pelas 08h, militares da GNR de Mirandela, entraram na residência do arguido A. A., sita na rua da …, Vila Real, onde encontraram, entre outras armas cuja detenção é permitida, as seguintes armas e munições proibidas:
5.1- Na cozinha da casa entre uma viga de madeira e as chapas do telhado, uma arma de fogo, marca Marocchi, calibre 12, de origem italiana, com o número 10…, com o comprimento total de 114,5cm, de tiro a tiro de dois canos sobrepostos de alma lisa, que é carregada mediante a introdução manual de dois cartuchos nas câmaras, de sistema de percussão central, uma vez que o atirador ao fazer pressão sobre o gatilho liberta o percussor, fazendo este deflagrar o cartucho por impacte no fulminante colocado no centro da base do cartucho, em bom estado de conservação, vulgarmente designada por espingarda de caça, arma que se encontra registada em nome de J. D., residente no Bairro …, S/N, Sernacelhe;
5.2- No mesmo local o arguido A. A. tinha guardados 25 cartuchos de marca Nobel Sport, calibre 12, próprios para utilização em armas de fogo de cano de alma lisa, espingardas de caça, em bom estado de conservação e aptas a serem deflagradas em armas de calibre compatível;
5.3- Ainda na cozinha, em cima de uma prateleira junto à chaminé, dentro de um cesto, o arguido A. A. tinha uma munição calibre 7,65mm, de marca Sellier & Belloot, destinada a ser utilizada em armas de fogo curtas (pistolas de calibre 7,65mm), em bom estado de conservação e apta a ser disparada;
5.4- No armário da cozinha foram ainda encontrados e apreendidos mais 23 cartuchos de calibre 12, semelhantes e com as mesmas características dos cartuchos já descritos e aptos a serem disparados por estarem em bom estado de conservação;
5.5- No quarto onde dorme o arguido A. A., atrás de um arcaz, este arguido tinha uma arma de fogo, calibre 6,35mm, marca FN Browning, modelo Baby, com o comprimento de cano de 5,5cm e o comprimento total de 10,3cm, de funcionamento semiautomático, que após cada disparo se carrega automaticamente e que não efetua mediante uma única ação sobre o gatilho mais que um disparo, de sistema de percussão central, uma vez que o atirador ao fazer pressão sobre o gatilho liberta o percutor, fazendo este deflagrar a munição por impacte no fulminante colocado no centro da base da munição, em razoável estado de conservação e em condições de efetuar disparos;
5.6- Esta arma pertence a J. M., residente na rua …, nº 120, 4º, Dto., Porto;
6) Na residência da rua de …, S/N, Torneiros, Vila real, o arguido A. A. tinha na cozinha, dentro de uma bolsa que estava em cima de um armário, 69 munições de calibre 9mm Luger, marca Geco, 17 munições de calibre 25 auto ou 6,35mm, marca Magtech, e 5 munições de calibre 9mm de uso militar de marca FNM, 41 munições de calibre 357 Magnum, marca G.F.L. que podem ser utilizadas em revolveres de calibre.38, todas em razoável estado de conservação e aptas a serem disparadas;
7) Ainda em cima do armário estava uma arma branca dissimulada de bengala, com o comprimento total de 90cm, constituída por um tubo cilíndrico em metal com o comprimento de 78cm, e por um punho com uma pega também em metal com 12cm, que se enrosca no tubo cilíndrico, tendo incorporado uma haste perfurante em aço inoxidável, sem gumes, tipo estilete, com o comprimento de 47,5 cm, e um punhal de marca Albacete, composto por uma lâmina em aço inoxidável com o comprimento de 14 cm, e por um cabo em metal revestido com plástico rijo de cor preta, com o comprimento total de 24cm;
8) Os arguidos não são detentores de licença de uso e porte de arma, sendo que é desconhecida a forma como as armas e munições chegaram à posse do arguido A. A.;
9) O arguido A. A. sabia que não podia deter e usar as armas e munições supra descritas, uma vez que não é detentor de licença de uso e porte de armas e estas não estão manifestadas nem registadas em seu nome, sendo que é absolutamente proibida a detenção de algumas delas, mas mesmo assim detinha as armas e munições nas circunstâncias descritas, como quis e aconteceu;
10) Agiu o arguido A. A., livre, deliberada e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei;
11) Os arguidos não têm antecedentes criminais;
12) O arguido A. A. é analfabeto;
13) Está reformado e recebe a pensão de cerca de € 200 por mês;
14) Vive com a mulher, que está desempregada, e uma filha menor de 16 anos, estudante;
15) O arguido A. A. tem uma casa ainda não acabada e uma carrinha Peugeot, já com vários anos;
16) O arguido não tem outros bens nem rendimentos.

Na motivação da matéria de facto o tribunal consignou:

Os arguidos suscitaram a nulidade das buscas efetuadas, mas sem razão quanto às buscas em que o visado era o arguido A. A..
Como resulta das cópias de mandados de busca e apreensão e despachos que os fundamentaram (fls. 36 a 42) as buscas na residência do arguido na Rua da … e na Rua de S. …, em Torneiros, foram ordenadas pelo juiz de instrução criminal, pelo que não careciam do consentimento do arguido A. A. (cfr. art.º 177.º, n.º 1, do CPP). Por outro lado, apesar de o arguido A. A. ser analfabeto, não é aplicável às buscas realizadas o disposto no art.º 68.º, n.º 1, al. d), do CPP, já que o art.º 176.º do CPP nem sequer exige a presença do arguido ou do visado nas buscas (o art.º 176.º prescreve apenas que é entregue à pessoa que tem a disponibilidade do lugar cópia do despacho que determinou a busca, que pode fazer-se acompanhar e substituir por pessoa da sua confiança, e na sua falta a um parente, vizinho, porteiro ou alguém que a substitua).
Atento o exposto, as buscas realizadas às residências do arguido A. A. são válidas, nada obstando a que o órgão da polícia criminal apreenda, como aconteceu no caso em apreço, objetos (mormente armas e munições) não relacionados com a investigação dos crimes que fundamentaram as buscas e que tenham sido encontrados de forma fortuita.

(…)»

II – FUNDAMENTAÇÃO

5. Como sabemos, o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões formuladas pelo recorrente (art. 412º, nº 1, in fine, do C.P.P., Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, 2ª Ed., III, 335 e jurisprudência uniforme do S.T.J. - cfr. acórdão do S.T.J. de 28.04.99, CJ/STJ, ano de 1999, pág. 196 e jurisprudência ali citada e Simas Santos / Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, 5ª Ed., pág. 74 e decisões ali referenciadas), sem prejuízo do conhecimento oficioso dos vícios enumerados no art. 410º, nº 2, do mesmo Código.

6. Face às conclusões apresentadas, que delimitam o objecto do recurso, importa decidir as seguintes questões:
· Matéria de direito - saber-se se é necessária/obrigatória a assistência de advogado ou defensor oficioso para a realização de buscas ordenadas no âmbito de um mandado de busca quando o visado seja analfabeto, nos termos do art° 64 n°1 alínea c) do C.P.P. sob pena de se verificar a nulidade insanável do art° 119 alínea c) do C.P.P.;
Analisemos a questão.

As buscas domiciliárias são um meio de obtenção de prova, e “será considerada a diligência efetuada num local que se enquadre num conceito normativo constitucional de domicílio, com o objetivo de descobrir recolher e apreender objetos – provas reais matérias – que permitam, através do seu exame e interpretação, indicar se existiu ou não crime e, em caso afirmativo, localizar, contactar os seus agentes para posterior apresentação ao tribunal “ Vide, Manuel Monteiro Valente, Buscas e Revistas, pág. 104”.

O seu regime está previsto no artigo 177.º, conjugado com o artigo 174.º e seguintes do CPP, normas que emanam e são consequência direta do preceituado no artigo 34.º da CRP, que consagra o domicílio como um direito inviolável, como “liberdade e garantia fundamental de qualquer cidadão português estrangeiro ou apátrida, desde que disponha de uma residência, independentemente das relações jurídicas subjacentes, abrangendo todos os membros da família; advém também da lei 43//86 de 26 de Setembro198 (Autorização Legislativa em Matéria de Processo Penal). Como também sabemos, de acordo com o n.º 2 do artigo 174º do Código de Processo Penal, uma busca apenas pode e deve ser realizada quando houver indícios de que objetos relacionados com um crime ou que possam servir de prova se encontram em lugar reservado ou não livremente acessível ao público.

A realização de buscas domiciliárias é um meio de obtenção de prova no âmbito de uma investigação criminal, à semelhança do que acontece com um depoimento ou a realização de uma peritagem. Os requisitos de admissibilidade das buscas domiciliárias reforçam o seu carácter excecional, pois têm requisitos mais exigentes que outros meios de prova previstos no osso Código de Processo Penal, que se justifica pela lesão aos direitos fundamentais do visado, mas também com as garantias de processo criminal, previstas no artigo 32.º da CRP, que impõe a verificação, em processo penal, de todas as garantias de defesa do arguido, nomeadamente o direito ao silêncio e a direito à recusa de depoimento.

Por força do artigo 34.º n.º2, 32.º n.º4 e também o artigo 202.º da Constituição, a autoridade competente para decretar a busca domiciliária, é uma autoridade judiciária, visto que está em causa a restrição a direitos fundamentais.

O artigo n.º1 alínea b) do CPP define a autoridade judiciária como sendo o Juiz, o Juiz de Instrução Criminal e o Magistrado do Ministério Público, cada um para os atos processuais relativos às suas competências.

A Constituição, no seu artigo 202.º n.º2, prevê que competem unicamente aos juízes as funções materialmente judiciais, pelo que só estes poderão imitir mandados judiciais de autorização de busca domiciliaria. E o artigo 177.º n.º 1 do CPP declara que o primeiro pressuposto de uma busca domiciliária é que esta só pode ser ordenada ou autorizada por um juiz, e isto justifica-se “pela necessidade de salvaguardar a reserva da privacidade do domicílio e da sua inviolabilidade, como marcos fulcrais da liberdade individual inserida numa sociedade democrática e num Estado de Direito. (Vide, Simas Santos, Leal-Henriques, Borges Pinho, Código de Processo Penal Anotado, Rei dos Livros, 1996, VOL I, pág. 684).

As buscas são, em princípio, ordenadas ou autorizadas por despacho da autoridade judiciária competente, podendo, no entanto, nos casos delimitados no n.º 5 dessa mesma disposição legal, ser efetuadas por órgão de polícia criminal sem a mencionada ordem ou autorização. Tratando-se de uma busca em casa habitada ou numa sua dependência fechada a competência para a ordenar ou autorizar esse ato pertence ao juiz (artigo 177º, n.º 1), sem prejuízo de, em determinados casos, ele poder também ser ordenado pelo Ministério Público ou efetuado por órgão de polícia criminal (n.º 3 desse mesmo preceito).Tal acontece, nomeadamente, quando «os visados consintam, desde que o consentimento prestado fique, por qualquer forma, documentado» [alínea b) do n.º 5 do artigo 174º e n.º 3 do artigo 177º do Código de Processo Penal].Se o visado pela busca for o arguido, o consentimento só pode ser prestado com a assistência do defensor sempre que ele, nomeadamente, for analfabeto ou menor de 21 anos ou se suscitar a questão da sua inimputabilidade ou da sua imputabilidade diminuída (artigo 64º).

Nos casos em que existe autorização prévia da autoridade competente para a busca domiciliária, a presença do arguido não é obrigatória, devendo apenas ser-lhe comunicado que pode assistir à diligência e fazer-se acompanhar ou substituir por alguma pessoa que seja da sua confiança. (Vide, Acórdão do STJ de 15 de Dezembro de 1998, Manuel Maia Gonçalves, Código de Processo Penal Anotado, pág. 437 e seguintes). Também não é exigível, neste caso a comparência, nem o consentimento da pessoa visada com a busca domiciliária (233 Vide, Acórdão do TC n.º 16/97, disponível no site http://www.dgsi.p )

Decorre do exposto que a questão de direito suscitada não cabe na circunstância de a busca ter sido ordenada por Juiz pois, desde que fundamentada a decisão, não é necessária a prévia autorização ou consentimento. Aliás nem sequer é obrigatória a presença do visado, independentemente de o mesmo ser ou não analfabeto. Este tem de ser representado por defensor em atos judiciais por essa circunstância mas a lei não o exige perante realização de busca ordenada por juiz.

Tratando-se de diligência processual ordenada por juiz em que não é obrigatória a presença do arguido, a diligência em si está legitimada independentemente das condições pessoais do arguido visado.

A obrigatoriedade de assistência é devida nos casos de particular vulnerabilidade do arguido, motivada por circunstâncias pessoais objetivas, resultantes de debilidade de cognição e por isso quando existe debilidade de cognição tem lugar o equilíbrio do processo mediante a obrigatoriedade de assistência. Mas no caso em apreço, na medida em que a busca foi determinada por entidade que avaliou da sua necessidade e fundamentou, não é a presença do arguido ou suspeito que a pode impedir pois nem sequer a sua presença é determinante e, como tal, seja ele analfabeto ou não, esteja ele representado ou não a diligência tem lugar independentemente da sua presença. Estamos em condições de dizer mais: mesmo que presente, sendo analfabeto, e sem advogado, a diligência também seria realizável, sem estar ferida de nulidade, e tudo porque emana da ordem de um juiz. Diferente seria se não emanasse diretamente de ordem judicial, mas esse não é o nosso caso.

De todo o exposto improcede a sua pretensão.

III – DISPOSITIVO

Pelo exposto, os juízes acordam em:

· Negar provimento ao recurso interposto pelo recorrente A. A..

· Condená-lo no mínimo de taxa de justiça

[Elaborado e revisto pela relatora]
Guimarães, 18 de Dezembro de 2017


[Ana Maria Martins Teixeira]
[Maria Isabel Cerqueira]