Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
5844/18.4T8BRG.G1
Relator: VERA SOTTOMAYOR
Descritores: NULIDADE DA SENTENÇA
OMISSÃO DE PRONÚNCIA
IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
DESPEDIMENTO ILÍCITO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 11/19/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO SOCIAL
Sumário:
Sumário da Relatora:

I – Tendo sido formulado um pedido de declaração de ilicitude do despedimento, sendo esta a questão fulcral a decidir, da qual dependeria o conhecimento de todas as demais, em cumprimento do disposto no citado artigo 608.º n.º 2 do CPC, o juiz a quo tinha necessariamente de se pronunciar.

II - -Não é nula, por excesso de pronúncia, a sentença que se limita a apreciar o pedido formulado pelo autor na petição inicial.

III – É de julgar improcedente a impugnação da decisão de facto, quando não existe qualquer desconformidade entre os elementos de prova disponíveis e a decisão da matéria de facto que imponha a alteração de qualquer um dos pontos de facto impugnado.
Decisão Texto Integral:
APELANTE: P. B., LDA
APELADA: M. M.
Tribunal Judicial da Comarca de Braga, Juízo do Trabalho de Braga – Juiz 1

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Guimarães

I – RELATÓRIO

M. M., residente na Rua …, em Vila Verde instaurou acção declarativa de condenação com processo comum emergente de contrato individual de trabalho contra P. B., LDA, com sede na Rua …, Vila Verde, pedindo que se reconheça a ilicitude do seu despedimento e consequentemente se condene a Ré a pagar-lhe a quantia global de €3.087,42, a título de indemnização e créditos laborais, acrescida de juros de mora, calculados à taxa legal aplicável, devidos desde a citação e até efectivo e integral pagamento.

A Ré contestou a acção arguindo a ineptidão da petição inicial, impugnando os factos alegados pela Autora e concluindo pela improcedência da acção.

Os autos prosseguiram a sua normal tramitação e por fim foi proferida sentença pelo Mmo. Juiz, que terminou com o seguinte dispositivo:

Pelo exposto, decido julgar a presente acção parcialmente procedente e, em consequência:

1. Declaro a ilicitude do despedimento da autora que foi decidido pela ré;
2. Condeno a a pagar à autora a quantia de 2.777,42 (dois mil setecentos e setenta e sete euros e quarenta e dois cêntimos), a título de indemnização pelo despedimento ilícito e créditos laborais, acrescida de juros de mora a calcular à taxa legal supletiva desde a citação até integral pagamento.
Custas na proporção do decaimento a cargo da autora e da ré, sem prejuízo da isenção de que a autora beneficia.
Registe e notifique.“

Inconformada com esta sentença, dela veio a Ré interpor recurso de apelação para este Tribunal da Relação de Guimarães, apresentando a respectiva alegação, na qual formula as seguintes conclusões:

“i.- A recorrente considera que foram incorretamente julgados os factos contantes dos pontos 3, 4 e 5 da matéria de facto julgada provada, a saber:
a) que no dia 10 de setembro de 2018, a ré encerrou as suas instalações;
b) que a ré propôs à autora que acordasse na cessação do contrato de trabalho e comunicou-lhe que fosse para casa porque ali não havia trabalho; e
c) que no dia 17 de setembro de 2018, através de carta registada, a autora comunicou à ré a resolução do contrato de trabalho por justa causa;
ii.- Quanto aos pontos 3.º 4.º da matéria de facto provada, impunham decisão diversa da recorrida os depoimentos das testemunhas M. P. e M. D., depoimentos os quais se encontram gravados através do sistema de gravação judicial disponível na aplicação informática em uso no tribunal «a quo».
iii.- Do depoimento da testemunha M. P. é apenas possível extrair, quanto àquela matéria de facto, que a mesma disse saber “ (…) que a empresa fechou para férias (..) no mês de agosto (…) e que convidou as trabalhadoras a despedirem-se que iam fechar”, e que conhecia estes factos por ouvir dizer das suas ex-colegas. Mais disse que a M. M. lhe havia comentado “(…) que foi convidada a despedir-se (…)”. Afirmou ainda saber que a empresa “(…) não abriu mais naquelas instalações (…) e que a M. M. se “(…) apresentava ao trabalho e a porta estava fechada (…)”, uma vez que era o que a M. M. lhe dizia – cfr., teor do depoimento prestado entre os 4 minutos e os 6 minutos e 36 segundo.
iv.- Perguntada se podia situar no tempo, com precisão, os acontecimentos, respondeu que não – cfr., teor do depoimento prestado entre os 4 minutos e os nove minutos.
v.- Considerado o teor deste depoimento, e as respetivas razões de ciência apontadas, é seguro afirmar-se, com base nele, o tribunal não poderia ter dado como provado que:
a) no dia 10 de setembro a ré fechou as instalações, na medida em que a testemunha afirmou não saber o momento em que as instalações foram fechadas; i.e., do seu depoimento é apenas possível extrair que as instalações da Ré em Vila Verde foram fechadas, mas não se o foram no dia 10, 11, 18, 20 ou 30 de setembro de 2018;
b) a ré propôs à autora a cessação do seu contrato de trabalho, certo que, de acordo com as razões de ciência invocadas pela testemunha, tal adveio ao seu conhecimento apenas por o ter ouvido dizer da Autora;
c) que a ré comunicou à Autora que fosse para casa que ali não havia trabalho, uma vez que o depoimento da testemunha não teve tal matéria por objeto;
d) no dia 17 de setembro de 2018, através de carta registada, a autora comunicou à ré a resolução do contrato de trabalho por justa causa, uma vez que a testemunha afirmou perentoriamente não ter conhecimento do envio de qualquer carta.
v.- Do depoimento da testemunha M. D. é possível apenas extrair que a M. M. lhe havia dito que a patroa lhe pediu para apresentar carta de despedimento e que provavelmente já não abririam em setembro (…) e que acompanhou a Autora durante dois dias, das 8h30m às 17h30m, junto às instalações da Ré, não se recordando se foi no início ou no meio do mês de setembro – teor do depoimento entre os 2 minutos e os 5 minutos.
vi.- Mais se extrai do depoimento desta testemunha que no 2.º dia de “vigília”, pelas 8h30m, o Sr. F., representante da Ré, pediu à Autora para ir trabalhar; para entrar para ir trabalhar. Afirmou que a M. M. disse que não entrava, que tinha medo – teor do depoimento entre os 7 minutos e 30 segundos e os 9 minutos e 45 segundos.
vii.- Por último, é possível ainda retirar deste depoimento que cerca das 10 horas daquele 2.º dia de “vigília” a Autora disse ao Sr. F. que já estava disponível para trabalhar, tendo este respondido que teria de falar com o advogado e que depois daria a resposta. No entanto, segundo afirma, este saiu das instalações perto do meio-dia e nada disse. Mais afirmou que não não tem conhecimento de qualquer iniciativa posterior da parte da Autora – teor do depoimento entre os 10 minutos e os 13 minutos e 30 segundos.
viii.- Considerado o teor deste depoimento, e as respetivas razões de ciência apontadas, é seguro afirmar-se, com base nele, o tribunal não poderia ter dado como provado que:
a) no dia 10 de setembro a ré fechou as instalações, na medida em que a testemunha afirmou não saber se e o momento em que as instalações foram fechadas; i.e., do seu depoimento é apenas possível extrair que, em algum momento do mês de setembro, acompanhou a Autora às instalações da Ré em Vila Verde;
b) a ré propôs à autora a cessação do seu contrato de trabalho, certo que, de acordo com as razões de ciência invocadas pela testemunha, tal adveio ao seu conhecimento apenas por o ter ouvido dizer da Autora e, inclusive, por efeito de ter ouvido dizer, da boca do Sr. F., representante legal da Autora, a pedir à Autora, no 2.º dia de “vigília”, que fosse trabalhar;
c) que a ré comunicou à Autora que fosse para casa que ali não havia trabalho, uma vez que o depoimento da testemunha não teve tal matéria por objeto;
d) no dia 17 de setembro de 2018, através de carta registada, a autora comunicou à ré a resolução do contrato de trabalho por justa causa, uma vez que a testemunha afirmou perentoriamente não ter conhecimento de qualquer outra iniciativa da Autora relativamente ao seu contrato de trabalho.
ix.- A localização no tempo dos acontecimentos relatados pelas testemunhas, no que respeita à presença da Autora às portas das instalações, mostrava-se de primordial importância, a fim de ser aquilatado, por exemplo, se tais acontecimentos se verificaram antes, ou depois, do envio pela Autora e receção pela Ré da comunicação constante do documento junto com a petição com o n.º 3, i.e., se ocorreram antes ou depois de a Autora ter comunicado que se considerava despedida;
x.- No que concerne ao ponto 5.º da matéria de facto provado, impõe decisão diversa da recorrida o único meio de prova que teve tal matéria por seu objeto.
xi.- Da análise do texto do documento junto com a petição sob o número 3, conclui-se que a Autora não exerceu qualquer direito de resolução do contrato de trabalho.
xii.- Sublinhe-se ainda que os factos narrados no documento junto sob o n.º 3 com a petição não foram objeto de contraditório, e que o documento faz apenas prova plena quanto às declarações modo seu Autor, mas os factos compreendidos na declaração apenas se consideram provados na medida em que forem contrários ao interesse do declarante – cfr., artigo 376.º, n.ºs 1 e 2 do código civil.
xiii.- Deve dar-se como não provado que:
1.- no dia 10 de setembro de 2018, a ré encerrou as suas instalações;
2.- a ré propôs à autora que acordasse na cessação do contrato de trabalho e comunicou-lhe que fosse para casa porque ali não havia trabalho; e
3.- no dia 17 de setembro de 2018, através de carta registada, a autora comunicou à ré a resolução do contrato de trabalho por justa causa.
xiv.- O Tribunal deve considerar que Autora não foi despedida ilicitamente, uma vez que os factos considerados provados são insuficientes para demostrar tal realidade.
xvi.- Deve ser julgada improcedente a pretensão de que a Ré seja condenada a reconhecer a ilicitude do despedimento da Autora e a pagar a esta a indemnização devida por tal despedimento, no montante de € 1 860 (mil oitocentos e sessenta euros).

TERMOS EM QUE

A) Deve ser julgada procedente a nulidade arguida e reclamada, e em consequência, ser declarada nula a sentença; ou
B) Deve ser julgado procedente o presente recurso e, em consequência, ser revogada a sentença proferida, substituindo-se por outra que julgue improcedente a pretensão de que a Ré/recorrente seja condenada a reconhecer a ilicitude do despedimento da Autora e a pagar a esta a indemnização devida por tal despedimento, no montante de € 1 860 (mil oitocentos e sessenta euros).”
A Autora respondeu ao recurso concluindo pela sua improcedência, com as devidas e legais consequências.
Foi proferido despacho que admitiu o recurso na espécie própria e com o adequado regime de subida e foram os autos remetidos a esta 2ª instância.
Foi determinado que se desse cumprimento ao disposto no artigo 87.º n.º 3 do C.P.T., tendo o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitido douto parecer de fls.75 a 77, no sentido da improcedência do recurso.
Não houve qualquer resposta ao parecer.
Dado cumprimento ao disposto na primeira parte do nº 2 do artigo 657.º do Código de Processo Civil foi o processo submetido à conferência para julgamento.

II – OBJECTO DO RECURSO

Delimitado o objecto do recurso pelas suas conclusões e não sendo lícito ao tribunal ad quem conhecer de matérias nelas não incluídas, salvo as de conhecimento oficioso, que aqui se não vislumbram, no recurso interposto, coloca-se à apreciação deste Tribunal da Relação as seguintes questões:

- Da nulidade por excesso de pronúncia;
- Da impugnação da matéria de facto.

III – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Os factos provados são os seguintes:

1. A ré dedicava-se à actividade de confecção;
2. No dia 26 de Março de 2018, a ré admitiu a autora ao seu serviço, como sua trabalhadora por tempo indeterminado, para realizar as funções costureira qualificada, mediante a retribuição mensal de € 620,00, acrescida de subsídio de alimentação no valor de € 2,50 por cada dia de trabalho;
3. No dia 10 de Setembro de 2018, a ré encerrou as suas instalações;
4. A ré propôs à autora que acordasse na cessação do contrato de trabalho e comunicou-lhe que fosse para casa porque ali não havia trabalho;
5. No dia 17 de Setembro de 2018, através de carta registada, a autora comunicou à ré a resolução do contrato de trabalho por justa causa;
6. A ré não entregou à autora a quantia de € 917,42 relativa à retribuição pelos dias de trabalho no mês de Setembro de 2018, aos proporcionais dos subsídios de férias e de Natal e à formação profissional obrigatória que não havia sido prestada.

IV - APRECIAÇÃO DO RECURSO

1. Da nulidade da sentença por excesso de pronúncia – art.º 615.º n.º 1 al. d) do CPC

Refere a Recorrente que a sentença é nula, porquanto conheceu de questão que não podia tomar conhecimento, já que apesar da autora não alegar na petição inicial que foi despedida, o tribunal a quo apreciou a ilicitude do seu despedimento.

Vejamos:

Por força do disposto no art.º 615.º, n.º 1 do Código de Processo Civil, aplicável ex vi art. 1.º do Código de Processo do Trabalho, a sentença é nula quando:

“a) Não contenham a assinatura do juiz;
b) Não especifiquem os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;
c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível;
d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;
e) O juiz condene em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido.”

Esta nulidade decorre do disposto no n.º 2 do artigo 608º do CPC, nos termos do qual o juiz não “pode ocuparse senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras”. Se o juiz conhece de questão que nenhuma parte submeteu à sua apreciação nem constitui questão que deva conhecer ex officio, o vício reconduz-se ao excesso de pronúncia.
No caso em apreço tal vício não se verifica, já que o pedido formulado pela autora é precisamente que se reconheça a ilicitude do seu despedimento e para que o tribunal se pronunciasse sobre este pedido teria necessariamente de se pronunciar sobre o despedimento.
Como bem assinala o ilustre Procurador-Geral Adjunto no parecer que juntou aos autos “Não pode sofrer contestação que uma questão que obrigatoriamente o juiz terá de conhecer na sentença é aquela que diz respeito ao pedido, tal como ele é formulado pelo autor na Petição Inicial”.
Acresce dizer que o artigo 8.º da petição inicial, apesar de não ter uma redacção feliz acaba por remeter para a carta enviada pela autora à Ré e junta aos autos a fls. 8 daí resultando inequívocos os factos que são susceptíveis de conduzirem ao despedimento da autora. Por outro lado, da análise da petição inicial também resulta que é entendimento da autora ter sido despedida pela Ré.
Por fim, em sede de despacho saneador foi apreciada a excepção da ineptidão da petição inicial, a qual foi indeferida, mais aí se consignando que “a leitura da p.i. permite concluir que o entendimento da autora é que foi despedida pela ré”. A ré conformou-se com esta decisão, não fazendo assim, qualquer sentido a alegação de que ao conhecer do despedimento da autora a sentença constitui uma decisão surpresa legalmente não consentida.
A questão do despedimento, atento o pedido formulado nos autos não pode deixar de ser considerada como a questão fulcral a decidir, da qual dependeria o conhecimento de todas as demais, pelo que em cumprimento do disposto no citado artigo 608.º n.º 2 do CPC o juiz a quo tinha necessariamente de se pronunciar, não se vislumbrando assim qualquer excesso de pronúncia na sua apreciação.

Em face do exposto improcede a arguida nulidade.

2. Da impugnação da matéria de facto

A Ré/Recorrente pretende a alteração da decisão sobre a matéria de facto, com reapreciação da prova, designadamente dos depoimentos testemunhais gravados.

Dispõe o artigo 662.º n.º 1 do C.P.C. aplicável por força do disposto no n.º 1 do artigo 87.º do C.P.T. e no que aqui nos interessa, que a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.

Por seu turno, o art.º 640.º do C.P.C. que tem como epígrafe o “ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto”, dispõe que:

“1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.”

Do citado preceito resulta que quando se impugne a decisão proferida quanto à matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição, os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, os concretos meios probatórios que impunham decisão diversa, bem como, a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
Importa ainda referir que no nosso ordenamento jurídico vigora o princípio da liberdade do julgador ou da prova livre, consagrado no artigo no n.º 5 do artigo 607.º do CPC, segundo tribunal aprecia livremente as provas e fixa a matéria de facto em conformidade com a convicção que tenha formado acerca de cada um dos factos controvertidos, salvo se a lei exigir para a prova de determinado facto formalidade especial toda a apreciação da prova pelo tribunal da 1ª instância.
No que respeita à prova testemunhal mostra-se consagrado no artigo 396.º do CC, o princípio da livre apreciação da prova testemunhal, segundo o qual a prova é apreciada segundo as regras da experiência e livre convicção do julgador ao dispor o citado preceito legal que a força probatória dos depoimentos das testemunhas é apreciada livremente pelo tribunal.
Relacionado com este princípio estão os princípios da oralidade e da imediação. O primeiro exige que a produção de prova e a discussão na audiência de julgamento se realizem oralmente, para que as provas, excepto aquelas cuja natureza o não permite, sejam apreendidas pelo julgador por forma auditiva. O segundo diz respeito à proximidade que o julgador tem com o participante ou intervenientes no processo, ao contacto com todos os elementos de prova através de uma percepção directa ou formal. Esta perceção imediata oferece maiores possibilidades de certeza e da exacta compreensão dos elementos levados ao conhecimento do tribunal.
Segundo o Prof. Manuel de Andrade, in Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra Editora, pág. 386 estes princípios possibilitam o indispensável contacto pessoal entre o juiz e as diversas fontes de prova. Só eles permitem fazer uma avaliação, o mais corretamente possível, da credibilidade dos depoimentos prestados pelas testemunhas.
Todavia importa ter presente para além do princípio da liberdade do julgador na apreciação da prova, que toda a apreciação da prova pelo tribunal da 1ª instância tem a seu favor o princípio de imediação, que não pode ser esquecido no convencimento da veracidade ou probabilidade dos factos.
Sobre a reapreciação da prova impõe-se toda a cautela para não desvirtuar os mencionados princípios, sem esquecer que não está em causa proceder-se a novo julgamento, mas apenas examinar a decisão da primeira instância e respectivos fundamentos, analisar as provas gravadas e procedendo ao confronto do resultado desta análise com aquela decisão e fundamentos, a fim de averiguar se o veredicto alcançado pelo tribunal recorrido quanto aos concretos pontos impugnados assentou num erro de apreciação.

No caso em apreço, a Recorrente indicou os concretos pontos de facto que devem ser alterados, indicou a decisão que deve ser proferida sobre a questão de facto impugnada e indicou/sinalizou o depoimento das testemunhas que no seu entender impõe a alteração da decisão, considerando assim suficientemente cumprido o ónus de alegação no que respeita à impugnação da matéria de facto.

A Recorrente/Apelante, pretendem a alteração da decisão sobre a matéria de facto, relativamente aos pontos 3, 4 e 5 dos pontos de facto dados como provados, dos quais consta o seguinte:

“3. No dia 10 de Setembro de 2018, a ré encerrou as suas instalações;
4. A ré propôs à autora que acordasse na cessação do contrato de trabalho e comunicou-lhe que fosse para casa porque ali não havia trabalho;
5. No dia 17 de Setembro de 2018, através de carta registada, a autora comunicou à ré a resolução do contrato de trabalho por justa causa;”

Defende a Recorrente que a prova testemunhal produzida designadamente os depoimentos das testemunhas M. P. e M. D. foram manifestamente insuficientes para dar como provados tais factos.

Vejamos se lhe assiste razão.

O Mmo. Juiz motivou a sua decisão sobre a resposta positiva ao artigo 2.º da base instrutória da seguinte forma:

“O tribunal fundou a sua convicção nos documentos juntos aos autos, no depoimento das testemunhas ouvidas e nas declarações de parte do legal representante da ré.
As testemunhas ouvidas demonstraram que conheciam a factualidade que estava em discussão e confirmaram integralmente a matéria de facto provada, o que fizeram por forma que se afigurou sincera isenta.
A testemunha M. P. era colega de trabalho da autora e sabia que a ré encerrou as suas instalações e propôs a todas as trabalhadoras, incluindo a autora, que acordassem na cessação do contrato de trabalho, tendo-lhes comunicado que fossem para casa porque ali não havia trabalho. Esta testemunha foi especialmente isenta, tanto mais que afirmou que havia celebrado um acordo com a ré e que esta não lhe devia qualquer quantia.
A testemunha M. D. acompanhou a autora às instalações da ré por duas vezes para confirmar que estavam encerradas.
O legal de representante da ré, embora sem reconhecer expressamente, demonstrou que a ré encerrou as suas instalações e propôs às trabalhadoras que acordassem na cessação dos contratos de trabalho.”
Procedemos à análise de todos os documentos juntos aos autos e à audição da gravação da audiência de julgamento, afigurando-se-nos, desde já, dizer que a pretensão da recorrente não é de acolher.
Na verdade, os depoimentos de cada uma das testemunhas, por si só, seriam insuficientes para dar como provados os factos que constam dos pontos de facto provados sob os números 3 a 5, mas da sua conjugação, quer com o documento n.º 3 junto com a petição inicial, quer com as declarações de parte prestadas pelo legal representa da Ré, facilmente chegamos à conclusão de que tais factos se revelam de suficientemente provados.
Por um lado, a testemunha M. P., ex funcionária da Ré, revelando ter conhecimento directo dos factos (diariamente passava a pé, à porta das instalações da Ré), referiu que a empresa fechou para férias em Agosto e já não abriu; que a empresa convidou as funcionárias a despedirem-se porque ia fechar e que em Setembro foi ter com a autora às instalações da Ré e as mesmas estavam fachadas, tendo presenciado, por vários vezes que a autora esteve junto às instalações da empresa e que estas estavam fechadas.
Por outro lado, a testemunha M. D., amiga da autora que a acompanhou as instalações da Ré para servir de sua testemunha, referiu, que em Setembro, numa segunda e numa terça-feira acompanhou a autora às instalações da Ré tendo constatado que as portas estavam fechadas e na última vez em que apareceu o patrão, estando as instalações fechadas, este afirmou que iria resolver a situação, mas não deixou a autora entrar nas instalações.
Ora, tendo a autora estado de férias até ao dia 7 de Setembro de 2018 e tendo as testemunhas afirmado que a autora se apresentou para trabalhar depois das férias, facilmente se chega à conclusão que a 10 de Setembro (segunda-feira), a Ré encerrou as suas instalações.
Por fim, o documento n.º 3 junto com a petição inicial do qual constam os motivos de facto que levaram à cessação do contrato, conjugado com estes depoimentos que de forma sincera, espontâneos e isenta acabaram por confirmar o teor da carta enviada pela Autora à Ré, sustem suficientemente a matéria de facto dada como provada sob os números 3 e 4.
A carta que constitui o documento n.º 3 junto com a p.i. foi expedida no dia 17/09/2018, tal como resulta do teor de fls. 9, nela a autora descreve os factos ocorridos entre Agosto e 12 de Setembro de 2018 e informa a Ré que atenta a sua atitude se considera despedida ilicitamente. É precisamente através desta carta que a Autora comunicou à Ré a resolução do contrato de trabalho, razão pela qual bem andou o tribunal a quo em dar tal facto como provado, sem que daí ficasse prejudicado o facto de ter de ser a autora a lograr provar os factos integradores do despedimento, como efectivamente veio a suceder.
Em suma, não existe qualquer desconformidade entre os elementos de prova disponíveis e a decisão da matéria de facto que imponha a alteração de qualquer um dos pontos de facto impugnado, já que em nossa opinião não foi cometido pelo tribunal a quo qualquer erro na apreciação da prova. Ao invés a apreciação da prova pelo tribunal a quo revela-se de criteriosa, clara e assertiva não sendo merecedora de qualquer reparo.
Improcede a impugnação da matéria de facto e sendo de manter inalterada a decisão sobre a matéria de facto, nada mais há a conhecer, uma vez que a Recorrente na motivação e nas conclusões de recurso não prescinde da alteração da factualidade em resultado da impugnação para concluir pela sua absolvição do pedido.

V – DECISÃO

Pelo exposto, e ao abrigo do disposto nos artigos 87.º do C.P.T. e 663º do C.P.C., acorda-se, neste Tribunal da Relação de Guimarães em negar provimento ao recurso de apelação interposto por P. B., LDA, confirmando-se a decisão recorrida.
Custas a cargo da Recorrente.
Notifique.
Guimarães, 19 de Novembro de 2019

Vera Sottomayor (relatora)
Maria Leonor Barroso
Antero Veiga