Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
37/14.2GAVRM.G1
Relator: ALDA CASIMIRO
Descritores: DESOBEDIÊNCIA
CONSUMAÇÃO DO ILÍCITO
INSUFICIÊNCIA PARA DECISÃO DA MATÉRIA DE FACTO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 02/06/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário: I) O crime de desobediência do artº 348º, do CP, consuma-se com a prática do acto cuja omissão foi ordenada ou a omissão do acto cuja prática foi ordenada.
II) É o que sucede no caso dos autos, uma vez que se provou que, para além do mais, o arguido não observou a ordem que lhe foi dada pelos militares da GNR para se retirar imediatamente do local em que se encontrava, dado que corria perigo e estava a impedir que fosse levada a cabo uma acção legítima (o abate de animais bovinos não identificados e não rastreáveis, com recurso a arma de fogo), inexistindo quaisquer causas de justificação ou de exclusão da ilicitude.
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, na Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães,

Relatório

No âmbito do processo comum (Tribunal Singular), nº 37/14.2GAVRM que corre termos na Secção de Comp. Genérica (J1) da Inst. Local de Vieira do Minho, Comarca de Braga, foi o arguido,
J. A., divorciado, nascido em 29.12.1961 em Serzedelo, concelho da Póvoa de Lanhoso, filho de A. J. e de O. A., residente na Rua …, Vieira do Minho,
condenado, como autor material de um crime de desobediência, p. e p. pelo art. 348º, nº 1, alínea b) do Cód. Penal, na pena de seis (6) meses de prisão, a cumprir em dias livres (por trinta e seis (36) períodos, correspondentes a fins-de-semana, tendo cada um a duração de trinta e seis (36) horas e entrada às 08:00 horas de sábado, a iniciar no terceiro sábado seguinte ao trânsito em julgado da sentença). E foi absolvido da prática do crime de ameaça agravada p. e p. pelos arts. 153º, nº 1 e 155º, nº 1, alínea c), do Cód. Penal de que vinha acusado.
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Sem se conformar com a decisão, o arguido interpôs recurso pedindo a revogação da sentença recorrida e a sua absolvição.
Para tanto, formula as conclusões que se transcrevem:
Da insuficiência para a decisão de facto dada como provada
1. A questão não é a legitimidade e a autoridade da GNR no abate dos animais e na manutenção da Ordem;
2. A questão é saber se a ordem do abate era legítima e o Tribunal passou “a vol d’oiseaux” sobre o assunto;
3. E o seu tratamento permitiria saber se estaríamos ou não a reagir a uma ordem ilegítima e no caso, a exercer um direito de resistência, que justificaria a acção do arguido.
4. A questão prejudicial da legitimidade da ordem administrativa é que legitima, ou não, o direito de resistência e os limites da acção directa.
5. Um homem livre a defender os seus animais – figura muito para lá das coisas – vê-se resvalar para uma condenação iníqua e injusta.
6. Ninguém se mete no meio das balas por razões pueris, mas alguém na convicção de que está a defender a sua propriedade.
7. E ordem legítima não se presume e está subordinada ao ónus da prova.
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O Ministério Público junto da primeira instância contra-alegou, pugnando pela improcedência do recurso e pela inexistência do invocado vício.
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Nesta Relação, a Digna Procuradora-Geral Adjunta emitiu douto Parecer em que defende a improcedência do recurso.

Efectuado o exame preliminar e colhidos os vistos legais, foram os autos à conferência, cumprindo agora apreciar e decidir.
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Fundamentação

Na sentença recorrida deram-se como provados os seguintes factos:
1. No dia 19/02/2014, pelas 15:45horas, perto da estrada que liga Serradela a Salamonde, em Vieira do Minho, decorreu uma operação conjunta do SEPNA de Braga e Direção Geral de Alimentação e Veterinária (DGAV), tendo em vista o abate de dois animais bovinos não identificados e não rastreáveis, com recurso a arma de fogo.
2. Nas circunstâncias acima mencionadas, os militares da GNR envolvidos na operação, delimitaram um perímetro de segurança para levar a cabo a operação descrita, uma vez que a mesma implicava o uso de armas de fogo, nomeadamente de G3, espingarda de longo alcance e com munições do tipo perfurante, interditando, a quem quer que fosse, a aproximação daquele local.
3. Não obstante, o arguido, apesar da proibição imposta pelos elementos da GNR, aproximou-se do local onde estava a ser efetuado o abate, teimando em perfurar a área de segurança delimitada por aquela força policial.
4. Em face da sua conduta, o arguido foi advertido, por várias vezes, pelo major da GNR A. C., de que se encontrava num local em que corria perigo, do qual teria de se retirar imediatamente, uma vez que estava a impedir que fosse levada a cabo uma ação legítima, sob pena de, não o fazendo, incorrer na prática de um crime de desobediência.
5. O arguido, porém, ignorou as sucessivas advertências do major da GNR, mantendo-se no local referido.
6. Nessa sequência, os militares da GNR, recorrendo à força estritamente necessária para tal, conduziram o arguido para fora do local interditado, tendo-lhe sido dada voz de detenção.
7. Nessa ocasião, o arguido, dirigindo-se ao major A. C., proferiu a seguinte expressão: “Se estivéssemos só os dois sozinhos, logo via que o assunto era tratado de outra maneira… A ti, vou-te matar!”.
8. O arguido agiu de forma livre, voluntária e consciente, com o propósito concretizado de desrespeitar a ordem emanada de autoridade competente, que lhe fora regularmente comunicada pelos militares da GNR, abstendo-se de se retirar de um local que tinha sido delimitado pelo OPC, por razões de segurança.
9. Conhecia o arguido, a qualidade de membros das forças de segurança dos militares da GNR intervenientes na operação, os quais se encontravam devidamente uniformizados e identificados, não obstante, não se absteve de agir da forma descrita, não acatando as suas ordens, bem sabendo que aqueles se encontravam no exercício das suas funções.
10. O arguido conhecia a punição e proibição legal das suas condutas.
Condições pessoais e socioeconómicas do arguido
11. Comunitariamente, o arguido detém uma imagem associada à impulsividade e agressividade.
12. O arguido apresenta um reduzido sentido crítico e falta de interiorização do desvalor das suas condutas e a potenciais danos e vítimas.
13. O arguido está divorciado, mas reside na mesma habitação que a ex-esposa, os ex-sogros e os dois filhos, maiores de idade.
14. O arguido exerce a atividade profissional como agricultor e produtor pecuário, encontrando-se atualmente a sua exploração em situação de “sequestro”.
15. A sobrevivência do arguido é assegurada através do apoio de familiares e amigos.
16. De habilitações literárias, o arguido possui a 4.ª classe.
Antecedentes criminais
17. Por sentença proferida em 11/12/2001, transitada em julgado em 08/01/2002, no processo comum singular que correu termos no Tribunal Judicial de Vieira do Minho sob o n.º 16/01.0GCVRM, o arguido foi condenado pela prática em 15/01/2001, de um crime de ofensa à integridade física simples, p. e p. pelo artigo 143º, n.º1, do Código Penal, numa pena de 70 dias de multa, à razão diária de 1.000$00, entretanto extinta pelo cumprimento.
18. Por sentença proferida em 30/04/2002, transitada em julgado em 15/05/2002, no processo comum singular que correu termos no Tribunal Judicial de Vieira do Minho sob o n.º 278/01.2GCVRM, o arguido foi condenado pela prática em 13/10/2001, de um crime de ameaça, p. e p. pelo artigo 153º, n.º2, do Código Penal, numa pena de 100 dias de multa, à razão diária de €5,00, entretanto extinta pelo cumprimento.
19. Por sentença proferida em 31/10/2007, transitada em julgado em 15/11/2007, no processo comum singular que correu termos no Tribunal Judicial de Vieira do Minho sob o n.º 21/06.0GCVRM, o arguido foi condenado pela prática em 13/01/2006, de um crime de desobediência, p. e p. pelo artigo 348º, n.º1, alínea b), do Código Penal, numa pena de 70 dias de multa, à razão diária de €4,00, entretanto extinta pelo cumprimento.
20. Por sentença proferida em 29/03/2012, transitada em julgado em 31/01/2013, no processo comum singular que correu termos no Tribunal Judicial de Vieira do Minho sob o n.º 7/10.0GCVRM, o arguido foi condenado pela prática em 04/01/2010, de um crime de introdução em lugar vedado ao público, p. e p. pelo artigo 191º, do Código Penal, de um crime de injúria, p. e p. pelo artigo 181º, n.º1, do Código Penal e de um crime de coação, p. e p. pelo artigo 154º, n.ºs 1 e 2, do Código Penal, numa pena única de 150 dias de multa, à razão diária de €6,00, entretanto extinta pelo cumprimento.
21. Por sentença proferida em 06/07/2015, transitada em julgado em 01/10/2015, no processo comum singular que corre termos no Tribunal da Comarca de Braga – Instância Local de Vieira do Minho – Secção de Competência Genérica – J1 sob o n.º 305/12.8GAVRM, o arguido foi condenado pela prática, em 19/10/2012, de um crime de dano, p. e p. pelo artigo 212º, do Código Penal, numa pena de 150 dias de multa, à razão diária de €5,50.
22. Por sentença proferida em 08/10/2015, transitada em julgado em 09/11/2015, no processo comum singular que corre termos no Tribunal da Comarca de Braga – Instância Local de Vieira do Minho – Secção de Competência Genérica – J1 sob o n.º 294/13.1GAVRM, o arguido foi condenado pela prática em 18/11/2013, de um crime de dano, p. e p. pelo artigo 212º, do Código Penal, numa pena de cinco meses de prisão, suspensa pelo período de um ano, subordinada ao dever de, no período da suspensão, pagar ao ofendido a quantia em que foi condenado a título de indemnização civil.
23. Por sentença proferida em 21/11/2013, transitada em julgado em 06/01/2014, no processo comum singular que corre termos no Tribunal Judicial de Vieira do Minho sob o n.º 299/13.2GAVRM, o arguido foi condenado pela prática em 13/11/2013, de um crime de desobediência, p. e p. pelo artigo 348º, n.º1, alínea b), do Código Penal, numa pena de 110 dias de multa, à razão diária de €6,00, entretanto extinta pelo pagamento.
24. Por sentença proferida em 03/04/2014, transitada em julgado em 04/11/2014, no processo comum singular que corre termos no Tribunal da Comarca de Braga – Instância Local da Póvoa de Lanhoso – Secção de Competência Genérica – J1 sob o n.º 290/13.9GBPVL, o arguido foi condenado pela prática em 20/07/2013, de um crime de ofensa à integridade física simples, p. e p. pelo artigo 143º, n.º1, do Código Penal, numa pena de 200 dias de multa, à razão diária de €8,00, entretanto substituída por 200 horas de trabalho a favor da comunidade.
25. Por sentença proferida em 05/05/2015, transitada em julgado em 04/06/2015, no processo comum singular que corre termos no Tribunal da Comarca de Braga – Instância Local de Vieira do Minho – Secção de Competência Genérica – J1 sob o n.º 303/13.4GAVRM, o arguido foi condenado pela prática em 18/11/2013, de um crime de dano, p. e p. pelo artigo 212º, do Código Penal, numa pena de 120 dias de multa, à razão diária de €5,00.
26. Por sentença proferida em 10/01/2014, transitada em julgado em 10/02/2014, no processo sumário que corre termos no Tribunal da Comarca de Braga – Instância Local de Vieira do Minho – Secção de Competência Genérica – J1 sob o n.º 333/13.6GAVRM, o arguido foi condenado pela prática em 28/12/2013, de um crime de desobediência, p. e p. pelo artigo 348º, n.º1, alínea b), do Código Penal, numa pena de 90 dias de multa, à razão diária de €6,00 e na pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor pelo período de seis meses, entretanto extintas pelo cumprimento.
Na mesma sentença deu-se como não provado:
a) A ordem referida em 4 dos “factos provados” foi repetida pelos restantes militares envolvidos na operação em curso, nomeadamente, os cabos C. M..
b) Conhecia, ainda, o arguido o sentido ameaçador das expressões que dirigiu ao major A. C., agindo com o propósito concretizado de o atemorizar, bem sabendo que aquele atuava no exercício das suas funções e que, desta forma, praticava ato que não lhe era permitido por lei.
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Apreciando…
De acordo com a jurisprudência fixada pelo Acórdão do Plenário das Secções do STJ de 19.10.1995 (in D.R., série I-A, de 28.12.1995), o âmbito do recurso define-se pelas conclusões que o recorrente extrai da respectiva motivação, sem prejuízo, contudo, das questões de conhecimento oficioso, designadamente a verificação da existência dos vícios indicados no nº 2 do art. 410º do Cód. Proc. Penal.
O recorrente alega o vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada.
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Afirma o recorrente que faltou explicar (pela DGAV) se a “ordem administrativa de abate de animais” a que alude a sentença era legítima e o Ministério Público não provou a legitimidade dessa ordem administrativa. Mais diz que ao Tribunal competia suscitar esta questão prejudicial pois, sendo a ordem ilegítima, o recorrente tinha o direito de resistir contra ela e defender a propriedade dos animais.
O vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada a que alude a alínea a) do nº 2 do art. 410º do Cód. Proc. Penal, ocorre quando, da factualidade elencada na decisão recorrida, resulta que faltam elementos que, podendo e devendo ser indagados, são necessários para se poder formular um juízo seguro de condenação ou de absolvição e decorre da circunstância do tribunal não se ter pronunciado (dando como provados ou não provados) todos os factos que, sendo relevantes para a decisão da causa, tenham sido alegados pela acusação ou pela defesa, ou tenham resultado da discussão.
Trata-se de um vício que consiste em ser insuficiente a matéria de facto para a decisão de direito. Como refere o Prof. Germano Marques da Silva (Curso de Processo Penal, III vol., p. 339) “é necessário que a matéria de facto dada como provada não permita uma decisão de direito, necessitando de ser completada”. Ou seja, é necessário que se verifique uma lacuna no apuramento da matéria de facto necessária para a decisão de direito.
Como se refere no Acórdão do STJ de 21.06.2007 (Processo 07P2268), a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada é “a insuficiência que decorre da circunstância de o Tribunal não ter dado como provados ou não provados todos aqueles factos que, sendo relevantes para a decisão da causa, tenham sido alegados ou resultado da discussão, que constituam o objecto da decisão da causa, ou seja, os factos alegados pela acusação e pela defesa e os que resultarem da prova produzida em audiência, bem como todas as soluções jurídicas pertinentes, independentemente da qualificação jurídica dos factos resultantes da acusação ou da pronúncia, segundo o art. 339º, nº 4 do CPP”.
Analisados os factos provados, verificamos que ficou assente que no âmbito de uma operação conjunta do SEPNA de Braga e Direcção Geral de Alimentação e Veterinária (DGAV), tendo em vista o abate de dois animais bovinos não identificados e não rastreáveis, com recurso a arma de fogo, os militares da GNR envolvidos na operação, delimitaram um perímetro de segurança para levar a cabo a operação descrita interditando, a quem quer que fosse, a aproximação daquele local. Mais se provou que o arguido, apesar da proibição imposta pelos elementos da GNR, aproximou-se do local onde estava a ser efectuado o abate, teimando em perfurar a área de segurança delimitada por aquela força policial e que, em face da sua conduta, o arguido foi advertido, por várias vezes, pelo major da GNR A. A., de que se encontrava num local em que corria perigo, do qual teria de se retirar imediatamente, uma vez que estava a impedir que fosse levada a cabo uma acção legítima, sob pena de, não o fazendo, incorrer na prática de um crime de desobediência, mas o arguido não acatou tal ordem, agindo com vontade livremente determinada e sabendo que tal conduta não lhe era permitida.
Nos termos do nº 1 do art. 348º do Cód. Penal, “quem faltar à obediência devida a ordem ou a mandado legítimos, regularmente comunicados e emanados de autoridade ou funcionário competente, é punido com pena de prisão até 1 ano ou com pena de multa até 120 dias se: (a) Uma disposição legal cominar, no caso, a punição da desobediência simples; ou (b) Na ausência de disposição legal, a autoridade ou o funcionário fizerem a correspondente cominação”.
Como se refere na sentença recorrida, citando Cristina Monteiro (Comentário Conimbricense ao Código Penal, Coimbra Editora, tomo III, p. 350), o tipo legal em causa protege a autonomia intencional do Estado e, de uma forma particular, a não colocação de entraves à actividade administrativa por parte dos destinatários dos seus actos.
E citando a sentença recorrida, diremos:
«São os seguintes os elementos constitutivos do tipo:
- A ordem ou mandado;
- A legalidade substancial e formal da ordem ou mandado;
- A competência da autoridade ou funcionário para a sua emissão;
- A regularidade da sua transmissão ao destinatário;
- A existência de uma disposição legal que comine a punição da desobediência simples ou qualificada ou, na ausência de tal disposição legal, a cominação, expressa pelo emitente da prática do crime de desobediência simples, no caso de não acatamento da ordem ou mandado;
- O desrespeito da ordem ou mandado pelo destinatário;
- O dolo, em qualquer das suas modalidades.
O crime consuma-se com a prática do acto cuja omissão foi ordenada ou a omissão do acto cuja prática foi ordenada.
A ordem ou mandado é a imposição da obrigação de praticar ou deixar de praticar certo facto; traduz-se, assim, num comando que impõe a alguém uma determinada conduta positiva ou negativa.
A ordem ou mandado têm de se revestir de legalidade substancial, ou seja, tem que se basear numa disposição legal que autorize a sua emissão ou decorrer dos poderes discricionários do funcionário ou autoridade emitente.
Por outro lado, exige-se a legalidade formal que se traduz na exigência de as ordens ou mandados serem emitidos de acordo com as formalidades que a lei estipula para a sua emissão.
Requer-se, ainda, que a autoridade ou funcionário emitente da ordem ou mandado tenham competência para o fazer, isto é, que aquilo que pretendam impor caiba na esfera das suas atribuições.
Por fim, os destinatários têm de ter conhecimento da ordem a que ficam sujeitos, o que exige um processo regular e capaz para a sua transmissão, para que aqueles tenham conhecimento do que lhes é imposto ou exigido.
Na ausência de disposição legal, a cominação do crime de desobediência terá que ser expressa pelo emitente.
A alínea b), do n.º1, do artigo 348º, n.º1, do Código Penal existe para os casos em que nenhuma norma jurídica, seja qual for a sua natureza, prevê um determinado comportamento desobediente, caindo no âmbito da mesma, desobediências não tipificadas, não previstas em qualquer ramo do direito sancionatório, que ficam dependentes, para a sua relevância penal, de uma simples "cominação funcional” (obra citada).
Nesta conformidade, a autoridade ou o funcionário só podem impor a conduta, sob pena de desobediência, se o comportamento em causa não constituir um ilícito, seja ele de natureza criminal, contraordenacional ou outra.
Por fim, exige-se que o comando tenha sido desrespeitado, isto é, que se verifique violação do dever dele resultante.»
Posto isto, forçoso é concluir que a matéria de facto dada como provada é suficiente para permitir a decisão de direito, já que se mostram preenchidos todos os pressupostos do tipo legal pelo qual o arguido/recorrente foi condenado.
A ordem em causa – aquela a que o arguido desobedeceu – foi a de que se tinha que retirar imediatamente do local em que se encontrava, uma vez que corria perigo e estava a impedir que fosse levada a cabo uma acção legítima. Esta é que foi a ordem e é legítima.
Se a acção que estava a ser levada a cabo – o abate dos animais – era ou não legítima não nos cabe agora pronunciarmo-nos, mas tudo leva a crer que sim. Com efeito, tratava-se de uma operação conjunta do SEPNA de Braga e Direção Geral de Alimentação e Veterinária (DGAV), tendo em vista o abate de dois animais bovinos não identificados e não rastreáveis.
Clama o recorrente que tais animais lhe pertenciam, mas nem sequer há o mínimo indício de tal, considerando, como se disse, que os animais não estavam identificados nem eram rastreáveis. Ora a propriedade não se presume e não basta o arguido alegá-la para se ter como provada. Pelo contrário, o Ministério Público alegou e provou que os animais a abater não estavam identificados nem eram rastreáveis.
Falece assim, e desde logo, a possibilidade de se verificarem os pressupostos que legitimam a acção directa ou o exercício de direito de resistência do recorrente, inexistindo quaisquer causas de justificação ou de exclusão da ilicitude.
O art. 21º da Constituição da República Portuguesa estabelece que “todos têm direito de resistir a qualquer ordem que ofenda os seus direitos, liberdades e garantias e de repelir pela força qualquer agressão, quando não seja possível recorrer à autoridade pública”.
Mas, e como bem refere a Digna Magistrada do Ministério Público nas suas contra-alegações (mesmo que o arguido fosse o proprietário dos animais), “o direito de resistência apresenta-se assim como a ultima ratio do cidadão ofendido nos seus direitos, liberdades e garantias, subsidiária ao acesso aos tribunais e à justiça administrativa, em particular, como meio de defesa por excelência. No caso em análise, não resultaram provadas quaisquer causas de justificação ou de exclusão da ilicitude, porquanto ao agir como agiu o arguido não actuou no âmbito do exercício do direito de resistência, até porque, não concordando com a decisão administrativa de abate dos animais em causa tinha a disponibilidade de aceder à justiça administrativa, como meio de defesa por excelência”. Assim é.
Pelo que, sendo a matéria de facto dada como provada suficiente para permitir a decisão de direito – pois que se mostram preenchidos todos os pressupostos do tipo legal pelo qual o arguido/recorrente foi condenado e não se indicia a necessidade de mais averiguações – inexiste o invocado vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada.
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Decisão

Pelo exposto, acordam em negar provimento ao recurso, declarando-o totalmente improcedentes, e confirmam a sentença recorrida.
Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em cinco (5) UCs.
Guimarães, 6.02.2017 (processado e revisto pela relatora)
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(Alda Tomé Casimiro)
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(Paula Maria Roberto)