Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
164/11.8TACMN.1.G1.G1
Relator: ALCIDES RODRIGUES
Descritores: VENDA POR NEGOCIAÇÃO PARTICULAR
NOTIFICAÇÕES PARA PREFERÊNCIA
EXERCÍCIO DO DIREITO DE PREFERÊNCIA
ALTERAÇÃO DA PROPOSTA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 03/28/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I - Na venda por negociação particular o encarregado da venda deve notificar os titulares de preferências legais ou convencionais (revestidas de eficácia real) quando já tiver oferta de preço que entenda dever aceitar (cfr. arts. 819.º e 823.º “ex vi” do art. 811º, n.º 2, ambos do CPC.

II – Tendo o preferente legal manifestado, tempestiva e adequadamente, o propósito de exercer o seu direito de preferência na aquisição do bem penhorado na sequência da notificação, pelo encarregado da venda, da única proposta de aquisição apresentada, é inadmissível a alteração dessa proposta (para um valor superior) quando o preferente contra tal se insurja, a retratação não seja tempestiva e não seja invocado qualquer vício de vontade que afete a proposta inicial.
Decisão Texto Integral:
Acordam na 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães

I. Relatório

Por apenso ao processo comum colectivo n.º 164/11.8.TACMN, que correu termos na Instância Central Criminal – J2 – do Tribunal Judicial da Comarca de Viana do Castelo, a Freguesia de X (exequente e apelante) instaurou execução para pagamento de quantia certa contra H. V..
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Em 17/01/2018, a agente de execução determinou a venda mediante propostas em carta fechada do bem constante da verba número dois do auto de penhora elaborado em 2017-10-02, correspondente ao quinhão hereditário que o executado possui nas heranças indivisas, abertas por óbito de seus pais, M. M. e P. G., sendo o valor base de venda € 30.000,00, com a indicação de que seriam aceites propostas iguais ou superiores a 85% do valor de base (€25.500,00) - (cfr. Ref.ª/Citius 1793282).
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A Mmª Juíza “a quo” designou o dia 3 de Maio de 2018, pelas 14 horas, para abertura de propostas em carta fechada (cfr. Ref.ª/Citius 42366357).
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Face à inexistência de propostas de aquisição, foi determinada a venda por negociação particular (cfr. Ref.ª/Citius 1933273).
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Em 6/07/2018, a agente de execução juntou aos autos proposta de aquisição do bem penhorado (quinhão hereditário) apresentada por J. C., na qualidade de co-herdeiro das heranças abertas por óbito de M. M. e P. G., no valor de 10.000,00€ (cfr. Ref.ª/Citius 201185).
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Notificada para se pronunciar, a exequente declarou opor-se à venda do quinhão hereditário pelo valor proposto de € 10.000,00, porquanto o mesmo é muito inferior ao valor mínimo (€ 25.500,00).

Mais declarou apresentar proposta de aquisição do indicado quinhão, pelo valor de € 25.000,00, requerendo a dispensa do depósito do preço, nos termos do nº 1 do art. 815º do C.P.Civil, com salvaguarda das custas processuais, nos termos do art. 541º do C.P.C. (cfr. Ref.ª/Citius 2020733).
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Em 17/07/2018, a agente de execução notificou o proponente J. C. dando-lhe conta que a proposta de aquisição por este apresentada foi recusada, mais o notificando de ter sido apresentada pela exequente uma nova proposta de aquisição, pelo montante de € 25.000,00 (cfr. Ref.ª/Citius 2023946).
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Notificado da existência de uma proposta de aquisição pelo valor de 25.000,00€, o J. C., na qualidade de co-herdeiro da herança relativamente à qual está penhorado o quinhão hereditário do executado, apresentou proposta de aquisição do bem penhorado, no valor de 25.000,00€, declarando exercer o direito legal de preferência na compra (cfr. Ref.ª/Citius 2042493).
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Em 5/09/2018, a exequente dirigiu à agente de execução o seguinte requerimento (cfr. Ref.ª/Citius 2058243):

(…) notificada do requerimento junto aos autos pelo Sr. J. C., vem no seguimento da posição assumida pelo mesmo apresentar nova proposta de aquisição do quinhão, a vender, pelo valor de € 37.500,00 (trinta e sete mil e quinhentos euros), requerendo nos termos do artigo 815º nº 2 do C. P. Civil e sem prejuízo das custas processuais, a dispensa do depósito do preço.
(…)”
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Em 27/09/2018, o proponente J. C. requereu a aceitação da declaração de preferência exercida tempestivamente, a fixação do preço para a compra do bem, a indicação do dia e hora, e o modo e forma de pagamento e formalização legal (cfr. Ref.ª/Citius 2085238).
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Datado de 18-10-2018, a Mmª Juíza “a quo” proferiu o seguinte despacho (cfr. Ref.ª/Citius 43075209):

«Nos presentes autos (e prescindido, agora, de mencionar tudo o que se passou antes, porque para a decisão em causa é perfeitamente inócuo) foi designado dia para abertura de propostas em carta fechada, 03 de Maio de 2018, tendo-se verificado que não existia qualquer proposta, pelo que se determinou se prosseguisse com a venda por negociação particular nos termos do disposto no art. 832º al. d) do CPC.
No âmbito dessa venda apareceu uma proposta de compra pelo valor de €10.000,00 que foi rejeitada pela exequente, dizendo que a mesma era muito inferior ao valor mínimo - €25.500,00.
No mesmo requerimento a exequente faz ela própria uma proposta de compra pelo valor de €25.000,00.
A Sr.ª Agente de execução notifica o proponente anterior e este, na qualidade de co-herdeiro da herança relativamente à qual está penhorado o quinhão hereditário do executado, vem exercer o direito de preferência na compra.
Junta documento comprovativo da sua qualidade de herdeiro e requer lhe seja fornecido NIB para depósito de 5% do preço.
A Sr. Agente de execução notifica a exequente que, em resposta, vem dizer que, em face do mesmo, apresenta nova proposta, pelo valor de €37.500,00.
Em face deste novo requerimento veio J. C. requerer que fosse aceite a declaração de preferência tempestivamente apresentada.

Vejamos.

Não compreendemos, sequer, o requerimento apresentado pela exequente, fazendo, agora, uma proposta de €37.500,00.

Imagine-se que o preferente não tinha usado do seu direito nesta execução. O direito era vendido/adjudicado à exequente, pelo valor de €25.000,00, não obstante o direito de preferência não ficar precludido, podendo sempre o seu titular intentar acção de preferência nos termos gerais. Mas aí, como está bom de ver, apenas se substituía o comprador, mantendo-se intacta a venda. Ou seja, nesse caso, o preferente pagaria o preço efectivamente entregue, os €25.000,00.

Tendo a exequente apresentado uma proposta e tendo o ora requerente J. C. vindo exercer o direito de preferência, não há qualquer outra possibilidade de apresentação de novas propostas

Durante muito tempo foi discutida a natureza do direito de preferência, sendo defendido, por uns, tratar-se de um direito, enquanto que outros diziam tratar-se de uma mera expectativa jurídica.

Parece estar assente (e não esquecendo que a própria lei fala em “ direito “), segundo a opinião avalizada de A. Varela, que o direito de preferência é um direito real de aquisição limitada, que está em letargia até que surja o facto que o desperta.

Trata-se de um direito real de aquisição, mas limitado ao surgimento que o faz despertar, isto é, o negócio jurídico de alienação.

A lei consagra duas situações diferentes -- o direito legal de preferência e o convencional (os chamados pactos de preferência).

Ao lado da preferência fundada na estipulação das partes, há os direitos legais de preferência (a preferência resultante da lei), “ destinados em regra a facilitar a extinção de situações jurídicas que não são as mais consentâneas com a boa exploração económica dos bens ou a proporcionar o acesso à propriedade a quem está usando ou fruindo os bens no exercício de um direito pessoal de gozo tendencialmente duradouro “, vide A. Varela “ Das Obrigações em Geral “, pág. 339, citando Lalou.

De facto, quando o obrigado à preferência faz um tipo de comunicação do projecto de venda, o preferente, em bom rigor, não é chamado a preferir, mas a contratar.

Rematando amplas e judiciosas considerações sobre a matéria, escreveu Henriques Mesquita -Parecer publicado na CJ, XVI, tomo 2, pag. 225- -228):

"No regime de um direito legal de preferência (ou de um direito convencional de preferência a que tenha sido atribuída, nos termos do artigo 421, "eficácia real") importa distinguir duas fases - uma das quais se verifica sempre e a outra apenas nos casos em que o vinculado à prelação não cumpre determinadas condições.

Numa primeira fase, que se desencadeia a partir do momento em que o obrigado à preferência decide realizar o negócio... ao preferente assistem sucessivamente, antes que aquele negócio se efective, os seguintes direitos:

- o direito (creditório) a que lhe sejam notificados os termos essenciais do projecto de alienação;
- o direito (potestativo) de, na sequência desta notificação, declarar que pretende preferir - declaração esta que, conjugada com a do notificante, dará origem a uma relação creditória equiparável, pelo seu conteúdo e efeitos, a um contrato-promessa bilateral, ou tornará mesmo perfeito o contrato definitivo, se em ambas as declarações (a do obrigado à preferência, que equivale a uma proposta de contrato, e a do preferente, que se traduz na aceitação dessa proposta) houver sido observada a forma exigida para a celebração deste contrato; (…)

Tudo isto para dizer:

O requerente J. C. tem um direito legal de preferência – cfr. art. 2130º do CC (1. Quando seja vendido ou dado em cumprimento a estranhos um quinhão hereditário, os co-herdeiros gozam do direito de preferência nos termos em que este direito assiste aos comproprietários). Foi-lhe apresentada a proposta de aquisição do direito penhorado pelo valor de €25.000,00. O requerente exerceu o seu direito.

Com a manifestação da vontade de preferir o contrato tornou-se perfeito.

Deste modo, deve a Srª. Agente de execução dar cumprimento ao disposto no art.º. 824º nº 1 do CPC, por remissão do art. 823º nº 3 do CPC, fornecendo ao preferente as indicações para depósito dos 5% do valor da venda fixado em €25.000,00, dando continuidade ao processo.
(…)».
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Em 2-11-2018, a exequente formulou o seguinte requerimento (cfr. Ref.ª/Citius 2131465):

«(…)
Não subsiste qualquer dúvida que o requerente J. C. tem direito de preferência na aquisição do bem penhorado, na qualidade de co-herdeiro em direito de representação de sua mãe na herança de seus avós, e que ao ser–lhe comunicado o projeto de venda, não é chamado a preferir, mas a contratar. Podendo-o fazer ou não.

Contudo, para puder contratar, no caso em concreto entregar o preço e receber o bem (879º alíneas a), b) e c) do C. Civil), como em toda e qualquer compra e venda, é necessário que a proposta apresentada para a sua aquisição tenha sido aceite pela pessoa incumbida/encarregue da sua venda, uma vez que, o escopo visado nos processos de execução para pagamento de quantia certa, é a obtenção de proposta de maior valor, por forma satisfazer o crédito do credor e não de algum preferente e/ou de terceiro.

Ora, salvo o devido respeito e que é muito, não decorre dos presentes autos que a proposta apresentada pela exequente, frisamos apresentada, tenha sido aceite. O que se constata é que a Ex.ma Sr.ª Agente de Execução em face dessa proposta veio informar, por despacho datado de 17 de Julho de 2018, o preferente do seguinte: “ Fica V.ª Ex., pela presente notificado que após ter sido dado conhecimento à exequente de V. proposta de aquisição, a mesma foi recusada. Notifica-se ainda que pela exequente foi apresentada uma nova proposta de aquisição pelo montante de € 25.000,00.”

De nenhum dos despachos e/ou notificações juntos aos autos pela Ex.ma Sr.ª Agente de Execução decorre que a proposta de € 25.000,00 (vinte e cinco mil euros) apresentada pela exequente tenha sido aceite e que essa deve ser a importância pela qual tem de ser adjudicado o quinhão hereditário aqui objeto de penhora.

Pelo que, faltando tal premissa, seja, a aceitação, não pode a Ex.ma Sr.ª Agente de Execução a contendo do que esta explanado na decisão proferida por V. Ex.ª dar cumprimento ao aí fixado, prosseguindo com a venda do mesmo e adjudicação ao preferente.
(…)».
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Datado de 06-11-2018, a Mmª Juíza “a quo” proferiu o seguinte despacho (cfr. Ref.ª/Citius 43154809):
«Nada a acrescentar ao anteriormente decidido.
(…)».
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Inconformada, a exequente interpôs recurso dessa decisão (cfr. Ref.ª/Citius 2159476) e formulou, a terminar as respectivas alegações, as seguintes conclusões (que se transcrevem):

«- Decorre do preceituado no nº 1 do artigo 819º do CPC que: “ Os titulares do direito de preferência, legal ou convencional com eficácia real, na alienação dos bens são notificados do dia, da hora e do local aprazados para a abertura de propostas, a fim de puderem exercer o seu direito no próprio ato, se alguma proposta for aceite. (sublinhado e negrito nosso).”
- Mais dispõe o artigo 823º nº 1 “Aceite alguma proposta, (sublinhado e negrito nosso) são interpelados os titulares do direito de preferência presentes para que declarem se querem exercer o seu direito. “
- E ainda o no nº 2 do artigo 824º “Aceite alguma proposta, (sublinhado e negrito nosso) o proponente ou o preferente é notificado, para no prazo de 15 dias….”.
- Assim, decorre da lei, aplicável nos termos do nº 2 do artigo 811º do CPC, que independentemente da modalidade da venda do bem objeto de penhora, proposta por carta fechada e/ou negociação particular, para que este possa ser alienado/adjudicado é necessário que a proposta apresentada, quer pelo propoente quer pelo preferente, seja aceita.
- In casu e em contrário do que o Mm. Juiz a quo decidiu a proposta de aquisição apresentada pela exequente/recorrente no montante de € 25.000,00 (vinte e cinco mil euros,) aquando da sua comunicação ao preferente, ainda não tinha sido aceite.
- Havia apenas uma proposta que iria ser objeto de ponderação/apreciação por parte da Sr.ª Agente de Execução, a quem cabe a decisão de a aceitar ou não e/ou até de aguardar por melhor proposta, atento o escopo visado pela presente execução, obter a satisfação do crédito do credor.
- O Tribunal a quo tomou a proposta apresentada pela exequente/recorrente como definitiva, fixa e aceite, e isto porque menciona expressamente na sua decisão que “ (…) para depósito dos 5% do valor da venda fixado (sublinhado e negrito nosso) em € 25.000,00, (…)”, quando dos autos não decorre que tal premissa, ou que o bem tivesse sido “…vendido/adjudicado à exequente…”, como também refere.
- Não consta dos autos qualquer documento, designadamente auto lavrado pela Ex.ma Sr.ª Agente de Execução, exigido nos termos do previsto no artigo 827º do C.P. Civil, onde a mesma mencione, além de outras ocorrências, “…para cada proposta aceite, o nome do proponente, os bens que respeitam e o seu preço…”.
- Pelo que, nesse aspeto mal andou o tribunal recorrido ao decidir como decidiu, mandando prosseguir e dar continuidade ao processo, violando nitidamente o constante, nos artigos 819º nº 1 in fini, 823º nº 1, 824º nº 2 e 827º, todos do Código do Processo Civil.

Termos em que requer que a decisão do tribunal a quo seja alterada no sentido de que a proposta apresentada pela exequente seja levada à consideração da Ex.ma Sr.ª Agente de Execução para que esta possa decidir quanto à mesma, aceitando-a ou rejeitando-a, fazendo-se assim,
JUSTIÇA».
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Contra-alegou o preferente J. C., pugnando pela improcedência do recurso interposto pela exequente (cfr. Ref.ª/Citius 2171114).
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O recurso foi admitido como de apelação, a subir imediatamente, em separado e com efeito meramente devolutivo.
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Distribuídos à Secção Criminal, o Exmo Juiz Desembargador relator excecionou a incompetência em razão da matéria dessa Secção para julgar o recurso, tendo os autos sido redistribuídos à Secção Cível.
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Foram colhidos os vistos legais.
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II. Objeto do recurso

Sendo o âmbito dos recursos delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente – artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil (doravante, abreviadamente, designado por CPC), aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de junho –, ressalvadas as questões do conhecimento oficioso que ainda não tenham sido conhecidas com trânsito em julgado, a única questão que se coloca à apreciação deste Tribunal consiste em saber se, face à manifestação do exercício do direito legal de preferência pelo preferente na aquisição do bem penhorado, era lícito à exequente/proponente apresentar nova proposta de valor superior à anteriormente por si apresentada.
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III. Fundamentos

A. Fundamentação de facto

Os factos materiais relevantes para a decisão do presente recurso são os que decorrem do relatório supra (que, por brevidade, aqui se dão por integralmente reproduzidos).
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B. Fundamentação de direito.

A venda executiva não é incompatível, nem afasta o exercício dos direitos de preferência de terceiros na aquisição dos bens penhorados(1).

Decorre do art. 422º do Código Civil (abreviadamente designado por CC) que, no processo executivo, são reconhecidos os direitos legais de preferência (2) e o direito convencional de preferência que seja dotado de eficácia real (3), pelo que não são reconhecidas as preferências meramente obrigacionais (4).

No âmbito da venda mediante propostas em carta fechada, prescreve o art. 819º, n.º 1, do CPC, que “[o]s titulares do direito de preferência, legal ou convencional com eficácia real, na alienação dos bens são notificados do dia, da hora e do local aprazados para a abertura das propostas, a fim de poderem exercer o seu direito no próprio ato, se alguma proposta for aceite”.

A falta de notificação tem a mesma consequência que a falta de notificação ou aviso prévio na venda particular (n.º 2 do mesmo artigo).

A frustração da notificação do preferente não preclude a possibilidade de o mesmo propor ação de preferência, nos termos gerais (n.º 4 do citado artigo) (5).

No que concerne ao exercício do direito de preferência, estabelece o n.º 1 do art. 823º do CPC que, sendo aceite alguma proposta, são interpelados os titulares do direito de preferência presentes para que declarem se querem exercer o seu direito. Apresentando-se a preferir mais de uma pessoa com igual direito, abre-se licitação entre elas, sendo aceite o lance de maior valor (n.º 2 do citado artigo).

Aceite alguma proposta, o proponente ou preferente é notificado para, no prazo de 15 dias, depositar numa instituição de crédito, à ordem do agente de execução ou, nos casos em que as diligências de execução são realizadas por oficial de justiça, da secretaria, a totalidade ou a parte do preço em falta” (n.º 2 do art. 824º do CC).

“O preferente que não tenha exercido o seu direito no ato de abertura e aceitação das propostas pode efetuar, no prazo de cinco dias, contados do termo do prazo do proponente ou preferente faltoso, o depósito do preço por este oferecido, independentemente de nova notificação, a ele se fazendo a adjudicação” (n.º 3 do art. 825º do CPC).

Mostrando-se integralmente pago o preço e satisfeitas as obrigações fiscais inerentes à transmissão, os bens são adjudicados e entregues ao proponente ou preferente, emitindo o agente de execução o título de transmissão a seu favor, no qual se identificam os bens, se certifica o pagamento do preço ou a dispensa do depósito do mesmo e se declara o cumprimento ou a isenção das obrigações fiscais, bem como a data em que os bens foram adjudicados” (n.º 1 do art. 827º do CPC).

Segundo o n.º 2 do art. 811º do CPC, o disposto nos arts 819.º e 823.º – atinentes à notificação dos preferentes e ao exercício do direito de preferência – aplica-se, com as necessárias adaptações, a todas as modalidades de venda (6), com exceção da venda direta.

O que significa que na venda por negociação particular o preferente deve ser notificado do valor acordado com o negociante particular, embora não pareça que deva ser notificado para estar presente nas negociações com o terceiro (7). Por outras palavras, o encarregado da venda deve notificar os titulares de preferências legais ou convencionais (revestidas de eficácia real) quando já tiver oferta de preço que entenda dever aceitar (8).

Quanto ao momento do exercício do direito de preferência, na venda por negociação particular o preferente exercerá a preferência imediatamente a ter sido informado do valor acordado com o terceiro (9).

Se, regulamente notificado para tal, o preferente legal não exercer o seu direito de preferência no momento processual adequado, a sua não invocação na venda executiva não preclude o seu exercício numa transmissão posterior, mas tão só determinará que não possa mais preferir naquela ação. É que, dada a natureza legal, conservará, mesmo após a transmissão do direito penhorado, o seu direito perante o adquirente do direito em caso de futura alienação do mesmo bem (10).
Feitos estes breves considerandos legais e/ou teóricos sobre os institutos jurídicos relevantes para a apreciação do recurso em apreço importa, agora, particularizar o caso dos autos.

Diga-se, antes de mais, não estar em causa o direito de preferência de que o recorrido é titular nos termos do disposto no art. 2130º do CC (11).

Em causa está apenas o modo do seu exercício (a sua validade e eficácia) e as consequências que daí podem resultar.

De facto, defende a recorrente que o Tribunal recorrido laborou em erro de julgamento, visto que “tomou a proposta apresentada pela exequente/recorrente como definitiva, fixa e aceite”, quando dos autos não decorre a verificação dessa premissa, posto que aquela proposta de aquisição, no montante de € 25.000,00, aquando da sua comunicação ao preferente pela agente de execução, ainda não tinha sido aceite.

Ressalvando sempre o devido respeito por opinião contrária, julgamos não assistir razão à recorrente.

Conforme resulta dos autos, tendo sido penhorado o quinhão hereditário que o executado possui nas heranças indivisas, abertas por óbito de seus pais, M. M. e P. G., foi determinada a sua venda mediante propostas em carta fechada, sendo o valor base de venda de € 30.000,00, com a indicação de que seriam aceites propostas iguais ou superiores a 85% do valor de base (€25.500,00).

Face à frustração da venda por propostas em carta fechada, por inexistência de propostas de aquisição, ao abrigo do disposto no art. 832º, al. d) do CPC), foi determinada a venda por negociação particular.

Foi então apresentada uma proposta de aquisição do bem penhorado (quinhão hereditário), no valor de 10.000,00€, formulada por J. C., na qualidade de co-herdeiro das heranças abertas por óbito de M. M. e P. G., a qual foi prontamente rejeitada pela exequente, que não só declarou opor-se à venda do quinhão hereditário pelo valor proposto, por o mesmo ser inferior ao valor mínimo (€ 25.500,00), como igualmente declarou apresentar proposta de aquisição do indicado quinhão, pelo valor de € 25.000,00, requerendo a dispensa do depósito do preço, nos termos do nº 1 do art. 815º do C.P.Civil, com salvaguarda das custas processuais, nos termos do art. 541º do C.P.C.

Subsequentemente, a agente de execução notificou o proponente J. C. dando-lhe conta de que a proposta de aquisição por si apresentada havia sido recusada, mais o notificando de ter sido apresentada pela exequente uma nova proposta de aquisição do bem, pelo montante de € 25.000,00.

Notificado da existência dessa proposta de aquisição, o J. C., na qualidade de co-herdeiro da herança relativamente à qual está penhorado o quinhão hereditário do executado, apresentou proposta de aquisição do bem penhorado, no valor de 25.000,00€, declarando expressamente exercer o direito legal de preferência na compra.

De seguida, notificada desse requerimento, veio então a exequente apresentar nova proposta de aquisição do quinhão hereditário penhorado, mas agora pelo valor de € 37.500,00.

Nessa sequência, o proponente J. C. requereu a aceitação da declaração de preferência exercida tempestivamente, a fixação do preço para a compra do bem, a indicação do dia e hora, e o modo e forma de pagamento e formalização legal.

Ora, não oferece dúvidas que a declaração emitida pela exequente, na qual não aceitou a proposta de aquisição do bem penhorado apresentada pelo proponente, no valor de 10.000,00€, mas em que concomitantemente declarou apresentar proposta de aquisição do indicado quinhão, pelo valor de € 25.000,00, requerendo a dispensa do depósito do preço, nos termos do n.º 1 do art. 815º do C.P.Civil, com salvaguarda das custas processuais, constitui (nesta segunda parte) uma declaração negocial, tendente à aquisição do referido bem.

Importa por isso interpretar essa declaração negocial, bem como se, de algum modo, essa proposta chegou a ser aceite, e, na afirmativa, se, tendo sido manifestado o direito de preferir pelo preferente, ainda assim era lícito à exequente apresentar uma nova proposta de valor superior à proposta inicial.

Dispõe o art. 224.º, n.º 1, do Código Civil que “a declaração negocial que tem um destinatário torna-se eficaz logo que chega ao seu poder ou é dele conhecida; as outras, logo que a vontade do declarante se manifesta na forma adequada.”

A proposta de aquisição apresentada pela exequente deve qualificar-se como uma declaração recipienda ou receptícia, uma vez que para o seu aperfeiçoamento (rectius: perfeição) não basta a exteriorização da vontade do declarante, antes é ainda indispensável, como vem sendo entendido pela maioria da doutrina, que a declaração chegue à esfera pessoal do destinatário – é a teoria da receção, situada numa posição intermédia entre a da expedição e a do conhecimento: o destinatário fica vinculado logo que a declaração chegue ao seu poder, logo que seja posta ao seu alcance (12).

Neste mesmo sentido também Pires de Lima, quando refere que o art. 224.º do Código Civil consagra a teoria da receção temperada com a do conhecimento, situando a eficácia da declaração no momento em que esta entra na esfera do destinatário, presumindo-se, neste caso, juris et de jure, o conhecimento (13).

Por sua vez, segundo o n.º 1 do art. 230º do CC, salvo declaração em contrário, a proposta de contrato, depois de recebida pelo destinatário ou de ser dele conhecida, é irrevogável.

Do que antecede decorre que todas as propostas são em princípio irrevogáveis, a não ser que haja exceções, de resto admitidas logo no início do citado normativo. Todavia, a proposta nunca pode ser revogada depois de ter sido aceite, suposto que a aceitação leva à conclusão do contrato (art. 406º, n.º 1 do CC) (14).

Como referem Pires de Lima e Antunes Varela (15), «[a] doutrina do n.º 1 resulta já do disposto no n.º 1 do art.º 224.º. A recepção ou conhecimento da declaração negocial torna esta eficaz e, consequentemente, irrevogável”.

A retractação ou revogação é, pois, somente admitida até à recepção ou até ao conhecimento da proposta. O n.º 2 admite, mesmo que a revogação seja relevante, se for recebida ou chegar ao conhecimento do declaratário no próprio momento em que este recebe ou toma conhecimento da proposta”.

Nas palavras de Carlos Alberto da Mota Pinto, a “retractação ou revogação da proposta ou da aceitação tem lugar (…) se a declaração revogatória chegou ao poder da outra parte ao mesmo tempo ou antes do que as declarações de proposta ou de aceitação; releva para este efeito a relação temporal da possibilidade de conhecimento, não a ordem do conhecimento efetivo(16).

No caso em apreço temos por adquirido que a exequente rejeitou a proposta de aquisição do bem penhorado apresentada pelo preferente J. C. pelo valor de € 10.000,00 e, em contrapartida, formulou uma proposta de aquisição desse bem pelo preço de 25.000,00€.

Tendo a mesma sido rececionada e não rejeitada, estava a exequente vinculada à referida proposta contratual.

Constata-se, aliás, que a agente de execução/encarregada da venda não se limitou a informar o proponente/preferente J. C. da rejeição da proposta por si apresentada, tendo-lhe também dado conhecimento de ter sido apresentada pela exequente uma nova proposta de aquisição, pelo montante de € 25.000,00.

Tendo em conta todo o circunstancialismo antecedente atinente à venda executiva dos autos, pautada pela frustração da venda mediante propostas em carta fechada, por inexistência de propostas, pela rejeição (pela exequente) da proposta de aquisição apresentada pelo preferente, sob a alegação do seu valor ser inferior ao valor mínimo (€ 25.500,00), com apresentação de uma contraproposta de aquisição do bem penhorado pelo indicado valor de (€ 25.500,00), e não existindo nos autos notícia de quaisquer outras propostas de eventuais interessados, afigura-se-nos que a notificação feita pela agente de execução ao preferente J. C., nos termos em que foi realizada, equivale, no fundo, e com as necessárias adaptações, à interpelação do preferente para este, querendo, exercer o seu direito de preferência, nos termos e para os fins do disposto no n.º 1 do art. 819º “ex vi” do art. 811º, n.º 2, ambos do CPC.

O que pressupõe que a proposta de aquisição do bem formulada pela exequente, após ter sido ponderada pela agente de execução, tenha sido aceite, o que para os devidos efeitos assume relevância nos termos do n.º 1 do art. 823º do CC.

De outro modo – ou seja, a entender-se que a proposta de aquisição pela exequente não tinha sido ainda objeto de aceitação –, não faria sentido que a notificação ao proponente/preferente, além de menção da recusa à proposta por este apresentada, mencionasse também o facto de ter sido apresentada uma nova proposta, de valor superior, com a indicação do respetivo valor e a identificação do proponente (no caso a exequente). E tão pouco se compreenderia que essa notificação ao preferente tivesse sido efetivada se, porventura, a agente de execução entendesse não dever aceitar tal oferta de preço (no valor de € 25.500,00), apresentada pela exequente.

No indicado contexto, essa notificação é, quanto a nós, reveladora da intenção da agente de execução de aceitar a proposta de aquisição oferecida pela exequente.

Ademais, caso o preferente legal não manifestasse de imediato a intenção de exercer o seu direito de preferência na aquisição do bem penhorado, corria o sério risco de ver esse bem ser alienado à exequente, sem que não mais pudesse preferir na ação executiva, além de que mesmo em eventual ação autónoma de preferência a intentar nos termos gerais esta poderia ser julgada inviável caso obtivesse êxito a tese de o preferente, apesar de regularmente notificado pelo encarregado da venda nos termos e para os fins conjugados dos arts. 819º, n.º 1 e 811º, n.º 2, ambos do CPC, não ter exercido no momento processual adequado o direito de que era titular. Isto porque, se o preferente for regularmente notificado e não exercer o seu direito de preferência perde esse direito (17), ficando, portanto, inibido de o exercer posteriormente, quer no processo de execução, quer mediante proposição de ação de preferência (18).

Serve isto para dizer que, sendo válida e eficaz a proposta de aquisição do bem penhorado pelo valor de € 25.000,00 apresentada pela exequente, que não foi rejeitada pela agente de execução, e tendo o preferente legal manifestado, tempestivamente e pelo meio próprio, o direito de preferência na compra daquele bem, pelo valor de € 25.000,00, substituindo-se nessa aquisição à exequente, também nós entendemos ser de secundar a decisão recorrida.

Como aí (bem) se explicitou:

«O requerente J. C. tem um direito legal de preferência – cfr. art. 2130º do CC (…).

Foi-lhe apresentada a proposta de aquisição do direito penhorado pelo valor de €25.000,00. O requerente exerceu o seu direito.

Com a manifestação da vontade de preferir o contrato tornou-se perfeito».

A mais do já afirmado sempre se dirá que, no contexto dos autos, com a tempestiva declaração de vontade manifestada pelo preferente no sentido de pretender exercer o seu direito legal de preferência face à proposta de aquisição apresentada pela exequente no valor de 25.000,00, carece de qualquer fundamento a nova proposta por esta apresentada, que se traduz num aumento do valor de oferta do preço (agora na ordem dos 37.500,00 €).

Desde logo porque a exequente não alegou, nem provou, qualquer vício de vontade na proposta inicial por si formulada capaz de determinar a sua anulação.

E mesmo que se pretendesse ver nesta segunda proposta uma retractação – consubstanciada na retirada da proposta inicial e apresentação de nova –, a verdade é que a mesma não chegou ao declaratário no momento da inicial proposta, antes cerca de dois meses depois, pelo que temos de considerar que a proposta inicial é irrevogável, sendo por isso com base nela que a venda e o correlativo direito de preferência se deveria ter realizado.

Aliás, a ser deferida a pretensão da recorrente/exequente, com a consequente procedência da apelação, e na hipótese de o preferente legal ainda assim pretender preferir pelo novo valor indicado (37.500,00 €), uma vez que não houve ainda uma expressa e formal aceitação daquela proposta por parte da agente de execução, não estaria excluída a possibilidade da exequente apresentar uma nova proposta, de valor superior, a fim de eventualmente ver aumentado o preço por que o preferente teria de exercitar tal direito.

Como é bom de ver tal solução é de rejeitar, posto que seria atentatória do quadro legal subjacente à perfeição e irrevogabilidade da proposta contratual, pondo em causa valores como a certeza e segurança jurídicas.

Com efeito, tendo a exequente apresentado uma oferta de aquisição do direito penhorado pelo valor de 25.000,00 € – que possui o significado de proposta contratual –, relativamente à qual, tendo sido notificado por quem de direito (encarregada da venda) e sob a pressuposição da mesma ser aceite, o preferente legal imediatamente declarou o propósito de exercer o direito de preferência – o que equivale a aceitação daquela proposta –, com a receção daquela declaração de vontade tal proposta contratual tornou-se irrevogável, o que obsta a que a exequente pretenda agora fazer valer uma nova proposta de valor superior (19).

Daqui se conclui pois que o despacho recorrido é de manter, posto que a primeira proposta sendo irrevogável mantinha-se válida e inviabilizava a segunda, sendo sobre aquela que o preferente legal atempadamente manifestou o direito de preferência.
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A decisão recorrida merece, assim, plena confirmação, improcedendo as conclusões da apelante.
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Sumário (ao abrigo do disposto no art. 663º, n.º 7 do CPC):

I - Na venda por negociação particular o encarregado da venda deve notificar os titulares de preferências legais ou convencionais (revestidas de eficácia real) quando já tiver oferta de preço que entenda dever aceitar (cfr. arts. 819.º e 823.º “ex vi” do art. 811º, n.º 2, ambos do CPC.
II – Tendo o preferente legal manifestado, tempestiva e adequadamente, o propósito de exercer o seu direito de preferência na aquisição do bem penhorado na sequência da notificação, pelo encarregado da venda, da única proposta de aquisição apresentada, é inadmissível a alteração dessa proposta (para um valor superior) quando o preferente contra tal se insurja, a retractação não seja tempestiva e não seja invocado qualquer vício de vontade que afete a proposta inicial.
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IV. DECISÃO

Perante o exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar improcedente a apelação, confirmando a decisão recorrida.
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Custas da apelação a cargo da apelante.
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Guimarães, 28 de março de 2019

Alcides Rodrigues (relator)
Joaquim Boavida (1º adjunto)
Paulo Reis (2º adjunto)


1 - Cfr. Miguel Teixeira de Sousa, Acção Executiva Singular, Lex, 1998, pp. 378/379.
2 - Gozam, entre outros, do direito legal de preferência sobre os bens penhorados:
- o arrendatário de prédio urbano (art. 1091, n.º 1, al. a), do CC), o senhorio do prédio arrendado em caso de venda de estabelecimento comercial (art. 1112º, n.º 4 do CC), o proprietário de terrenos confinantes, quando um deles tenha uma área inferior à unidade de cultura (art. 1380º, n.º 1 do CC), o comproprietário em caso de venda da quota-parte do executado na compropriedade (art. 1409º, n.º 1 do CC), o proprietário do solo em caso de venda do direito de superfície (art. 1535º do CC), o proprietário do prédio onerado com a servidão de passagem em caso de venda do prédio dominante (art. 1555º), o co-herdeiro, em caso de venda de um quinhão hereditário (art. 2130º do CC), os sócios, a sociedade ou a pessoa por esta designada, em caso de venda de uma quota de uma sociedade por quotas (art. 239º, n.º 5 do CSC). - Cfr. Abílio Neto, Novo Código de Processo Civil Anotado, 4ª ed., março/2017, Ediforum, p. 1305.
3 - Este terá eficácia real quando as partes lha atribuam por meio de escritura pública e ficando dependente de inscrição no registo, desde que respeite a bens imóveis ou móveis sujeitos a registo (arts. 421º e 413º do CC e art. 2º, n.º 1, al. f) do Cód. Registo Predial).
4 - Cfr. Miguel Teixeira de Sousa, obra citada, p. 379, Fernando Amâncio Ferreira, Curso de Processo de Execução, Almedina, 1999, p. 235, José Lebre de Freitas, A Acção Executiva À Luz do Código de Processo Civil de 2013, 7ª ed., Gestlegal, p. 389.
5 - No caso de falta ou de frustração de notificação do preferente (n.ºs 2 e 4 do art. 819º do CPC), o preferente tem o poder de, por via judicial, através da ação de preferência, haver para si a coisa alienada, mediante o pagamento do preço da alienação.
Nos termos do n.º 1 do art. 1410º do CC, “o comproprietário a quem se não dê conhecimento da venda ou da dação em cumprimento tem o direito de haver para si a quota alienada, contanto que o requeira dentro do prazo de seis meses, a contar da data em que teve conhecimento dos elementos essenciais da alienação, e deposite o preço devido nos 15 dias seguintes à propositura da acção”.
E, de acordo com o estabelecido no art. 839º, n.º 2, do CPC, quando, posteriormente à venda, for julgada procedente qualquer ação de preferência, o preferente substituir-se-á ao comprador, pagando o preço e as despesas da compra.
Ou seja, com o recurso à ação de preferência, o preferente substitui-se ao adquirente e ocupa o seu lugar no negócio jurídico por este estabelecido.
6 - A venda pode revestir 7 (sete) modalidades (art. 811º, n.º 1 do CPC), quais sejam:
a) Venda mediante propostas em carta fechada;
b) Venda em mercados regulamentados;
c) Venda direta a pessoas ou entidades que tenham direito a adquirir os bens;
d) Venda por negociação particular;
e) Venda em estabelecimento de leilões;
f) Venda em depósito público ou equiparado;
g) Venda em leilão eletrónico.
7 - Cfr. Rui Pinto, A Acão Executiva, AAFDL, 2018, p. 883.
8 - Cfr. J. P. Remédio Marques, Curso de Processo Executivo Comum À Face do Código Revisto, Almedina, p. 393, Fernando Amâncio Ferreira, obra citada, p. 236/237. Nas palavras de Miguel Teixeira de Sousa, obra citada, p. 380, na venda por negociação particular “o encarregado da venda deve procurar informar-se junto do preferente se este pretende exercer o seu direito”.
9 - Cfr. Rui Pinto, obra citada, p. 884.
10 - Cfr. Miguel Teixeira de Sousa, obra citada, p. 389 e Rui Pinto, obra citada, p. 885.
Nas palavras de Manuel Henrique Mesquita, Obrigações Reais e Ónus Reais, Almedina, p. 196/197, enquanto o preferente legal “não fizer valer a prelação, cada venda de que o imóvel seja objecto origina um direito autónomo de preferência. O preferente pode, por conseguinte, desinteressar-se de determinada alienação e vir a preferir numa outra que ocorra posteriormente, O direito de preferência deriva da lei e nasce (ou renasce) sempre que se verifiquem os pressupostos que o condicionam. (…)
Diversamente, o direito convencional de preferência dotado de eficácia real, (…), esgota toda a sua eficácia na primeira venda de que a coisa sujeita a prelação venha ser objecto. Se o preferente não exercer aqui o direito que lhe assiste, este extingue-se e não renascerá em relação a uma nova venda que o adquirente do imóvel venha a fazer ulteriormente”.
11 - Prescreve o citado normativo que, “[q]uando seja vendido ou dado em cumprimento a estranhos um quinhão hereditário, os co-herdeiros gozam do direito de preferência nos termos em que este direito assiste aos comproprietários”.
A consagração do referido direito de preferência nasce do interesse que a lei tem de reunir nas mãos do menor número de co-herdeiros a titularidade dos diversos quinhões em que a sucessão fracionou a unidade da herança. O direito de preferência não tem lugar na venda ou dação em cumprimento do quinhão hereditário feita por um dos herdeiros a qualquer um dos co-herdeiros. A preferência só tem cabimento quando o adquirente é um terceiro - cfr. Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Vol. VI, Coimbra Editora, 1988, p. 211.
12 - Cfr. Vaz Serra, BMJ, 103, p. 6 e segs. e ainda Rui Alarcão, Confirmação, vol. I, p. 180.
13 - Cfr. RLJ, ano 102º, p. 143.
14 - Cfr. Heinrich Ewald Hörster, A Parte Geral do Código Civil Português - Teoria Geral do Direito Civil, Almedina, p. 458.
15 - Cfr. Código Civil Anotado, Vol. I, 4.ª Ed., Coimbra Editora, p. 219.
16 - Cfr. Teoria Geral do Direito Civil, 3ª ed. Coimbra Editora, p. 442.
17 - Sem embargo do que se disse quanto ao facto de não ficar precludido o exercício do direito legal de preferência numa eventual alienação posterior.
18 - Cfr. em sentido similar, por referência ao pretérito regime processual civil, Alberto dos Reis, Processo de Execução, Vol. 2ª, reimpressão, Coimbra Editora, pp. 342/343.
19 - A respeito do exercício do direito de preferência no pacto de preferência, refere Mário Júlio de Almeida Costa que a declaração de preferência assume o significado de uma aceitação. Pode, portanto, o contrato ficar desde logo concluído se as partes manifestam a vontade de uma vinculação definitiva, com observância da forma legal para aquela necessária. Acrescenta o citado autor que o obrigado à preferência e o preferente ficam vinculados à celebração do negócio (cfr. Direito das Obrigações, 6ª ed., 1994, Almedina, p. 373). E, segundo Inocêncio Galvão Teles, a notificação para preferir e a declaração de preferência forma, pelo seu encontro, um contrato. A primeira possui o significado de proposta contratual e a segunda de aceitação dessa proposta (cfr. Direito das Obrigações, Almedina, p. 95). Uma vez exercida a preferência, ambas as partes perdem a liberdade de decidir celebrar ou não o contrato, praticando um acto ilícito se voltarem atrás com a sua decisão. Isto porque, com a comunicação e exercício da preferência, ambas as partes formulam uma proposta de contrato e respetiva aceitação, que em princípio deveria implicar sem mais a celebração do contrato definitivo, desde que estejam preenchidos os seus requisitos de forma (Cfr. Luís Manuel Teles de Menezes Leitão, Direito das Obrigações, vol. I, 2ª ed., Almedina, p. 241).