Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
2536/18.8T8BRG.G1
Relator: MARIA JOÃO MATOS
Descritores: CONTRATO A FAVOR DE TERCEIRO
ARRESTO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 06/28/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
SUMÁRIO (da Relatora):

I. O acordo celebrado entre A) e B), mediante o qual este cede àquele um quinhão hereditário próprio, contra a promessa do mesmo afectar o produto da sua posterior alienação à desoneração de C) - garante de um mútuo concedido antes a uma Sociedade de que B) era sócio -, consubstancia um contrato a favor de terceiro.

II. Tem-se por digno de protecção legal o interesse moral de B), de assim assegurar que C), sua cunhada, não perderia a fracção autónoma hipotecada em benefício exclusivo da Sociedade mutuária (de que ele próprio, e uma Irmã daquela, sua mulher, eram então únicos sócios).

III. Face a este entendimento, C) tem um efectivo direito de crédito sobre A), resultante precisamente da promessa que o mesmo fez a B) - de a desonerar das suas responsabilidades de garante, contra a cedência, por ele, de um quinhão hereditário -, podendo exigir em juízo o seu cumprimento.

IV. Tendo C) alegado deste modo a existência do seu crédito, e bem assim que A) se encontra a alienar o património integrante do dito quinhão hereditário, sem afectar o produto da venda à sua desoneração, restando apenas um único direito sobre um bem, que aquele intenta igualmente alienar, alegou factos suficientes para preencherem os pressupostos legais de procedência do arresto daquele remanescente direito (a provável existência de um crédito, e o justo receio da perda da garantia patrimonial respectiva)
Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência (após corridos os vistos legais) os Juízes da 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães, sendo

Relatora - Maria João Marques Pinto de Matos;
1º Adjunto - José Alberto Martins Moreira Dias;
2º Adjunto - António José Saúde Barroca Penha.
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I – RELATÓRIO

1.1. Decisão impugnada

1.1.1. Fernanda (aqui Recorrente), residente na Rua …, em Arcozelo, concelho de Barcelos, propôs a presente providência cautelar de arresto, contra Luísa, residente na Rua …, em Barcelos, pedindo que

· se procedesse ao arresto do direito que a Requerida tem sobre o prédio urbano, composto de casa de três pavimentos, sito na Rua …, freguesia e concelho de Barcelos, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº …, e inscrito na respectiva matriz predial urbana sob o artigo …- actual artigo … urbano da União de Freguesias de … (incluindo naquele direito o que lhe foi cedido sobre o mesmo prédio por seu filho Manuel).

Alegou para o efeito, em síntese, que tanto ela própria, o então seu marido (Miguel) e uma irmã sua (Maria), como a Requerida, uma irmã desta (Margarida) e dois filhos dela (José e Paulo), foram fiadores num mútuo de € 200.000,00, concedido pela Banco C, S.A. a X - Comércio e Equipamento de Automóveis, Limitada, mercê das relações de parentesco e de afinidade mantidas com os seus dois únicos sócios, Ana (sua irmã, e nora da Requerida) e marido, Pedro (seu cunhado, e filho da Requerida); e constituíram ainda cada uma delas, para garantia do mesmo crédito, uma hipoteca sobre um imóvel de que eram co-titulares, no seu caso uma fracção autónoma adquirida conjuntamente com o então seu marido (Miguel), e no caso da Requerida, Irmã e Filhos referidos, sobre o prédio urbano cujo arresto aqui se pretende.

Mais alegou que, vindo a Sociedade mutuária (X - Comércio e Equipamento de Automóveis, Limitada) a ser declarada insolvente, e deixando de ser cumprido o empréstimo de que beneficiara, foram executadas as suas garantias, em acção executiva movida pela Banco C, S.A. contra todos os fiadores; e, por isso, foram aí penhorados os dois imóveis hipotecados.

Alegou ainda a Requerente que o Sócio da Sociedade insolvente (Manuel) e a Requerida sua mãe (Luísa) acordaram então que aquele cederia a esta o quinhão hereditário que possuía na herança do respectivo pai e marido, por forma a que Requerida o vendesse e liquidasse a totalidade da dívida (neste momento de cerca de € 150.000,00); e, desse modo, permitisse a desoneração dela própria do seu pagamento, bem como o levantamento da penhora incidente sobre a sua fracção autónoma (tudo conforme ambos assumiram perante si, e a Requerida assumiu inclusivamente em declaração escrita).

Contudo, tendo a Requerida procedido, conjuntamente com as suas Irmãs e Filhos, à alienação de vários prédios na cidade de Barcelos, por um valor declarado de € 600.000,00 mas real de € 1.200.000,00, negociou a desoneração das suas responsabilidades bancárias, bem como as dos seus Familiares, com outra Instituição Bancária (Banco P) e com a Banco C, S.A., mas não fez outro tanto quanto a ela própria; e, por isso, a Banco C, S.A. viria a extinguir a acção executiva movida antes contra todos os fiadores apenas quanto à Requerida e seus Familiares directos, prosseguindo a mesma contra si própria, o seu ex-marido (Miguel) e a sua irmã (Maria).

Por fim, a Requerente alegou não pretender a Requerida desonerá-la de qualquer montante, nem da penhora que incide sobre a sua fracção autónoma, já que estaria a desfazer-se de todo o seu património, com a ajuda dos seus Filhos, fazendo-o por valores de venda declarados manifestamente abaixo dos valores reais de alienação e de mercado, e sem proceder ao pagamento que era contrapartida da cedência do quinhão hereditário com que foi beneficiada; e ter como único e remanescente bem o direito a imóvel cujo arresto aqui pediu, para o qual inclusivamente já tem comprador.

Defendeu, por isso, a Requerente deter um crédito sobre a Requerida, resultante precisamente da obrigação assumida por ela perante si (de desoneração respectiva, pelo produto da venda do quinhão hereditário recebido do seu filho Manuel); e encontrar-se a sua futura satisfação em risco, face à vontade manifestada por aquela de o não cumprir (ao não afectar o produto do património vendido à sua desoneração) e à iminente alienação do único bem que possui (nomeadamente, para aquele até agora frustrado efeito).

1.1.2. Foi proferido despacho liminar, indeferindo o procedimento cautelar de arresto, lendo-se nomeadamente no mesmo:

«(…)
Não obstante o que vem alegado sobre as diligências realizadas pela Requerida enquanto mãe do sócio e gerente da sociedade afiançada pela Requerente, e também ela como fiadora desta sociedade, a verdade é que a Requerente não detém qualquer crédito sobre a Requerida.

A declaração subscrita pela Requerida, é uma declaração unilateral onde esta assume que ficará com o quinhão hereditário do seu filho e com ele procederá ao pagamento das dívidas e mais afirma que a requerente ficará livre de qualquer ónus e encargos. Sem entrarmos na validade e configuração jurídica desta declaração, que não tem qualquer eficácia para com terceiros, a verdade é que a “obrigação” ali expressa não tem a virtualidade de se converter num crédito da Requerente.

Dito de outro modo, o incumprimento do compromisso assumido pela Requerida, atenta a sua natureza, não transforma a Requerente em credora da Requerida.
O crédito que poderá emergir da relação de fiança (decorrente do incumprimento pelo devedor principal) é alheio a este compromisso assumido pela Requerida, pois que a Requerida nada tem a ver com a relação de fiança estabelecida entre a Requerente, o devedor e o credor.
Donde, não se encontra perfectibilizado o primeiro requisito da providência cautelar de arresto, dado que não se demonstrou como provável a existência de um crédito por parte da Requerente.

(…)
Ora, no caso “sub júdice” não alega a Requerente factos reveladores da existência de um crédito, o que implica o indeferimento da presente providência cautelar.
Por outo lado, com vista a fundamentar de facto o necessário receio de perda da garantia patrimonial do crédito, a Requerente alega que sendo manifesta a falta de vontade de cumprir o assumido na "Declaração", a Requerida esta a tratar de levantar os ónus que recaem sobre o imóvel com vista a poder transacioná-lo, perdendo desta forma a Requerente a garantia do seu crédito.
Ora, estes factos e conclusões não são circunstâncias suficientes para preencher a previsão normativa do citado art. 391º nº 1 do C.P.C., dado que não revelam em si mesmos qualquer receio justificado, nem vêm acompanhados de factos concretos que fundamentem esse receio de perda da garantia patrimonial.

Na verdade, não vem alegado pela Requerente um único facto atual e concreto indiciador da vontade da Requerida de alienar o património com vista a furtar-se ao cumprimento do assumido na “Declaração”, e tendente a exonerar a Requerente da “qualquer ónus e encargos”.

A alegada pretensão de venda do imóvel, não configura por si só uma dissipação de bens, sendo até um comportamento normal de quem tem compromissos a saldar.
A Requerente limita-se, no fundo, a invocar que tem justo receio de não ser ressarcida do prejuízo que venha a sofrer por força da fiança prestada.
É certo que toda a providência cautelar visa impedir a lesão grave e irreparável (ou de difícil reparação) de um direito que se receia venha a suceder, assim se combatendo o periculum in mora, ou seja, o perigo da demora inevitável do processo.
No entanto, é necessário que tal receio seja atual, sério e fundado e que não se traduza em meras hipóteses ou conjeturas.
Sem colocarmos em causa que a Requerente receie não conseguir reaver o valor que venha a pagar em consequência da fiança, o certo é que os factos alegados não vêm acompanhados de uma única circunstância concreta que permita considerar fundado ou justificado esse receio, consubstanciando, efetivamente, simples conjeturas, suposições e palpites que não são, obviamente, tutelados pelo direito nesta sede.
Estamos, pois, perante um mero receio subjetivo que não vem fundado em circunstâncias concretas e objetivas evidenciadoras de um comportamento dissipatório e descapitalizador das finanças da Requerida.

Assim, da factualidade trazida para o requerimento inicial não decorre, em primeiro lugar, a existência de um crédito, depois que se verifique em concreto qualquer ameaça atual e grave de algum direito e, muito menos, periculum in mora.
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III - Por tudo o exposto, decide-se indeferir liminarmente o presente procedimento cautelar de arresto.
Custas pela requerente.
Registe e notifique.
(…)»
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1.2. Recurso

1.2.1. Fundamentos

Foi precisamente inconformada com esta decisão, que a Requerente interpôs o presente recurso de apelação, pedindo que fosse provido, determinando-se a imediata produção de prova sobre a factualidade por si alegada.

Concluiu as suas alegações da seguinte forma (reproduzindo-se aqui ipsis verbis as respectivas conclusões):

1 - Após fiança prestada pela Requerente a entidade bancária, a Requerida assumiu perante a Requerente que suportaria integralmente, por si, tal pagamento, entre outros desonerando a Requerente de quaisquer ónus ou encargos.

2 - Para tanto a Requerida emitiu uma «Declaração», na qual, perante a cedência para si efectuada de quinhão do seu filho Manuel, a mesma responsabilizou-se pelo pagamento total das dívidas para com a Banco C e Banco P, ficando este livre de qualquer responsabilidade, ao passo que da mesma sorte a Requerente ficaria livre de qualquer ónus e encargos.

3 - Para a Requerente, para o cidadão médio ou comum, outro entendimento não poderá resultar da declaração senão a assunção do pagamento da dívida.

4 - Mas se tal não bastasse, resulta explícito na declaração assumida o contexto em que a mesma foi produzida, e a manifesta e expressa declaração da Requerida de que iria usar o quinhão hereditário que lhe foi cedido para pagamento total das dívidas.

5 - Todavia, a 1ª instância indeferiu liminarmente a providência considerando que a «obrigação» ali expressa não tem a virtualidade de se converter num crédito da Requerente.

6 - Posição com a qual respeitosamente não se pode concordar, acrescendo à negação liminar do crédito que, quanto ao justo receio de perda de garantia patrimonial, o douto tribunal de 1.ª instância na sua sentença considerou «não vem alegado um único facto actual e concreto da vontade da Requerida de alienar património com vista a furtar-se ao cumprimento do assumido».

7 - Respeitosamente o douto tribunal recorrido ignorou e é absolutamente omisso na sentença em crise ao vertido pela Requerente em 23.º, 24.º, e 25.º, bem assim à prova documental junta, mormente a escritura de venda efectuada (doc. 7) e o prosseguimento da execução contra Requerente (doc.6).

8 - O alegado não são meras e hipóteses ou conjecturas; mas fundam-se em factos que foram alegados que a primeira instância obstou a conhecer e apreciar.

9 - À Requerente foi negado o direito de provar o alegado, rectius sequer de indiciar o alegado.

10 - Julgando-se respeitosamente que caso houvesse uma deficiente alegação de factos, o que não se concede, sempre não se justificava o indeferimento liminar, antes reclamando o convite ao aperfeiçoamento da petição.

11 - Da mesma banda, nada obstaria à convolação de providência cautelar de arresto em comum se fosse o caso; todavia igualmente não se concede, julgando-se a providência de arresto requerida a providência a adequada e necessária a acautelar a dissipação de imóvel, ou melhor, do direito que a Requerida detém sobre o imóvel identificado nos autos.

12 - De qualquer forma, os presentes centram-se no indeferimento liminar da petição de arresto e na negação da produção de prova indiciária.

13 - A prova da existência do crédito há-de fazer-se na acção principal, sendo que no presente deveria bastar a probabilidade de existência desse.

14 - Probabilidade não conjectural ou abstracta mas que no caso se funda em factos concretos, quer quanto ao crédito, quer quanto a fundado receio de perda da garantia patrimonial, o qual aliado aos actos alegados e praticados pela Requerida (até reforçados pelo o documento presentemente emitido e ora junto de extinção da execução em relação à Requerida) resulta manifesto o periculum in mora.

15 - A decisão proferida pela primeira instância veda o direito da Requerente de provar ainda que de forma indiciária os factos alegados e bem assim o perigo ou impossibilidade de cobrança de um crédito, leia-se obrigação assumida pela Requerida, impedindo que a sentença a produzir no futuro alcance qualquer efeito prático.

16 - Viola a sentença produzida, caso não seja considerada nulidade para efeitos do art. 615, n.º1, d) do Código Processo Civil, o direito a uma tutela jurisdicional efectiva, protegida e consagrada pela Lei Fundamental no art. 20, n.º1 e n.º5.
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1.2.2. Contra-alegações

Atenta a natureza dos autos (que pressupõem falta de citação da parte contrária, até que seja deferido e concretizado o arresto impetrado), necessariamente que não foram apresentadas quaisquer contra-alegações pela (por ora inactiva) parte contrária.
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II - QUESTÕES QUE IMPORTA DECIDIR

2.1. Objecto do recurso - EM GERAL

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente (arts. 635º, nº 4 e 639º, nºs 1 e 2, ambos do CPC), não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso (art. 608º, nº 2, in fine, aplicável ex vi do art. 663º, nº 2, in fine, ambos do CPC).
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2.2. QUESTÕES CONCRETAS a apreciar

Mercê do exposto, uma única questão foi submetida à apreciação deste Tribunal:

· Questão única - Errou o Tribunal a quo na interpretação e aplicação das normas legais que deveria considerar, ao indeferir liminarmente o arresto impetrado, por a Requerente ter alegado factos suficientes para preencherem os pressupostos do seu decretamento (nomeadamente, a provável existência do crédito por si invocado, e o seu justo receio de perda da respectiva garantia patrimonial) ?
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III - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Com interesse para a apreciação da questão enunciada, encontra-se assente a tramitação dos autos já referida em «I - RELATÓRIO», que aqui se dá por integralmente reproduzida.
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IV - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

4.1. Determinação e interpretação do Direito aplicável

4.1.1. Pressupostos legais de decretamento de arresto

Lê-se no art. 601º do C.C. que pelo «cumprimento da obrigação respondem todos os bens do devedor susceptíveis de penhora, sem prejuízo dos regimes especialmente estabelecidos em consequência da separação de patrimónios».

Mais se lê, no art. 619º do C.C., que o «credor que tenha justo receio de perder a garantia patrimonial do seu crédito pode requerer o arresto de bens do devedor, nos termos da lei de processo» (o que é reiterado no art. 391º, nº 1 do C.P.C.).

Logo, o arresto visa acautelar um direito de crédito, sendo por isso um meio de conservação da garantia patrimonial dos credores.
Lê-se ainda, no art. 392º, nº 2 do C.P.C., que o «arresto consiste numa apreensão judicial de bens, à qual são aplicáveis as disposições relativas à penhora, em tudo o que não contrariar o preceituado nesta secção».

Logo, o arresto consiste numa apreensão judicial de bens do devedor, quando exista «justificado o receio de [o credor] perder a garantia patrimonial do seu crédito», por aquele primeiro vir a inutilizar, dissipar ou ocultar os ditos bens. Pode, por isso, afirmar-se que o fim último do arresto é o de evitar que determinado direito de crédito fique insatisfeito, por não haver à data da sentença que o reconheça - a proferir na acção principal (de que o procedimento cautelar será dependência) - bens no património do devedor condenado, suficientes para o satisfazerem.

Ponderou-se que, «em sistemas como o nosso, onde a responsabilidade do devedor se cinge à execução do seu património, a conservação da garantia patrimonial, através da apreensão oportuna de bens susceptíveis de responder pelas suas dívidas, constitui a arma mais eficaz que a lei coloca à disposição do credor quando tenha razões objectivas para recear pela solvabilidade do devedor.

Quando este não cumpre as suas obrigações pecuniárias, resta ao credor o direito de promover a execução dos seus bens, o que só será eficaz se as diligências executivas ainda puderem encontrar bens passíveis de serem penhorados» (António Santos Abrantes Geraldes, Temas de Reforma do Processo Civil. IV Volume - 6. Procedimentos Cautelares Especificados, Almedina, Março de 2001, p. 159).

Compreende-se, por isso, que se leia no art. 622º, nº 1 do C.C., que os «actos de disposição dos bens arrestados são ineficazes em relação ao requerente do arresto, de acordo com as regras próprias da penhora», repercutindo-se deste modo na esfera jurídica de terceiros (sem prejuízo, porém, das regras próprias do registo, relativamente aos bens a ele sujeitos).

A procedência do arresto preventivo depende da prova (conforme arts. 391º, n.º 1 e 392º, n.º 1, ambos do C.P.C.) de que:

a) é provável a existência do crédito - isto é, não de que o mesmo é certo ou indiscutível (prova que ficará reservada para a acção principal), mas sim que há grandes probabilidades de ele existir, reconduzindo-se à aparência do direito, e por isso bastando que a existência do direito se apresente como verosímil (Alberto dos Reis, B.M.J. n.º 3, p. 51).

Também não se exige que a obrigação seja exigível e líquida, ou que se encontre já reconhecida pelos tribunais, não podendo, porém, reportar-se a uma obrigação futura, ou a uma mera esperança subjectiva do credor, ou a uma pretensão destituída de fundamento, como seja uma obrigação natural (Marco Carvalho Gonçalves, Providências Cautelares, 2ª edição, Almedina, Fevereiro de 2016, p. 227 e 228).

Por outras palavras, e no caso da obrigação ilíquida, a «sentença condenatória não é constitutiva do direito, mas simplesmente declarativa, pressupondo a sua existência na esfera jurídica do autor». Já no caso da obrigação futura, «a sua constituição ainda está dependente de eventos vindouros, podendo existir, porventura, uma expectativa quanto à sua concretização, mas que não encontra nas regras do arresto qualquer espécie de tutela» (António Santos Abrantes Geraldes, Temas de Reforma do Processo Civil. IV Volume - 6. Procedimentos Cautelares Especificados, Almedina, Março de 2001, p. 173 e 174).

É, ainda, irrelevante a origem do crédito, isto é, «não existe qualquer exigência específica quanto à fonte geradora do direito de crédito e da correspondente obrigação» (António Santos Abrantes Geraldes, Temas de Reforma do Processo Civil. IV Volume - 6. Procedimentos Cautelares Especificados, Almedina, Março de 2001, p. 159).

Neste contexto, «a palavra credor (…) deve ser tomada em sentido rigorosamente estrito e de significado comum: aquele a quem se deve certa quantia» (Moitinho de Almeida, Do Arresto, Scientia Iuridica, Tomo XIII, p. 291).

b) há receio justificado de perda da garantia patrimonial - isto é, deve ser razoável essa possibilidade, por existirem condições de facto capazes de por em risco a satisfação do direito aparente ou, pelo menos, tornar consideravelmente difícil a realização do mesmo (Ac. da RP, 21.06.1987, C.J., Ano XII, Tomo 4, p. 218).

Compreendem-se, na «perda da garantia patrimonial», todas as situações em que haja: suspeita de fuga do devedor; abandono de empresa ou de estabelecimento; subtracção ou ocultação de bens; dissipação de bens; actual ou iminente superioridade do passivo face ao activo (v.g. pluralidade de credores, com créditos globais superiores ao valor do património do devedor); falta de cumprimento de obrigações que, pelo montante ou circunstância do incumprimento, revele a impossibilidade de satisfazer pontualmente a generalidade das obrigações; ou risco de perda de garantias dadas antes em benefício do crédito invocado.

Não se exige, porém, que esta perda da garantia patrimonial seja já efectiva.

Já quanto ao «receio», importa que seja «justo», isto é, que se configure em razões objectivas, convincentes, capazes de justificarem a pretensão drástica do requerente, de subtrair bens à livre disposição do seu titular (não bastando por isso meras convicções daquele, simples desconfianças de carácter subjectivo, um receio porventura conjecturado e exagerado); e há-de assentar em factos concretos, que o revelam à luz de uma prudente apreciação (Ac. STJ., de 20.10.1953, R.T. 72º, 16, B.M.J., 39º, 244, Ac. da RP, de 16.11.1956, J.R., 2º, 1069, Ac. do STJ, de 3.05.1957, B.M.J., 67º, 481, e Ac. do STJ, de 08.11.1960, B.M.J., 101º, 559).
Consubstanciará, em princípio, justo receio uma situação de insuficiência do activo do devedor para fazer face ao passivo (Alberto Reis, Código de Processo Civil Anotado, Vol. II, Coimbra Editora, Limitada, p. 19) quer dizer, quando o devedor decaiu muito de fortuna e tem dívidas em montante superior ao activo.

Compreende-se, por isso, que se afirme que o «justo receio de perda da garantia patrimonial do crédito» equivalerá ao «justo receio de insolvência» que é o estado económico-jurídico que precede a insolvência, cujo traço característico é a impossibilidade em que o devedor se encontra de solver os seus compromissos, impossibilidade resultante, naturalmente, do facto de o passivo ser superior ao activo: o devedor ainda não está insolvente mas caminha para essa situação - há factos e circunstâncias que tornam legítima a suspeita de que está eminente a insolvência do devedor (ponderando-se, com utilidade, todos os factores elencados para o efeito no art. 20º, nº 1 do C.I.R.E.- Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas).

Já se o crédito está garantido por hipoteca ou por fiança, não se justificará em princípio o emprego do arresto; é que, nesses casos, não há o periculum in mora que está na base do decretamento da providência. Se diminuir o valor daquelas garantias, o que pode fazer o credor é pedir o seu reforço; e se este não for prestado, então sim, poderá fazer uso do processo cautelar, quanto à parte do crédito que corre perigo de não vir a se satisfeita.

Concluindo, não basta qualquer receio: é necessário que seja justo, o que significa que o requerente há-de alegar e provar por forma clara factos positivos que, apreciados no seu verdadeiro valor, façam admitir como razoável a ameaça de insolvência próxima, não bastando invocar o simples receio, nem sequer fazer uma prova mais ou menos conjectural.
(Vide, a propósito, Almeida Costa, Direito das Obrigações, 4ª edição, Coimbra Editora, 1984, p. 311, e Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, Vol. III, Coimbra Editora, Limitada, p. 19, onde se fornecem critérios que continuam a ter plena aplicabilidade à apreciação do apontado requisito, já que, pese embora a diversa redacção da lei, nada há, neste aspecto, que os invalide. Para um outro e actualizado elenco, com indicação de mais recente e conforme jurisprudência, vide Marco Carvalho Gonçalves, Providências Cautelares, 2ª edição, Almedina, Fevereiro de 2016, p. 233 a 239).

Dir-se-á, assim, que, conforme «vem sendo entendido pela nossa jurisprudência, o arresto “foi gizado pelo legislador como uma via poderosa para obrigar os devedores relapsos a cumprirem as suas obrigações”. Deste modo, pela sua especial natureza coerciva, o arresto só deve ser concedido em situações especiais e/ou de natureza excepcional e sempre como dependência de uma ação principal, presente ou futura, onde se peticione o reconhecimento do crédito e a condenação do réu no seu pagamento. Na verdade, o arresto caracteriza-se, fundamentalmente, por ser um procedimento sumário, destinado a privilegiar o “fazer rápido” em vez do “fazer bem”, em que se sacrifica temporariamente a ponderação e a justiça a favor da celeridade, sob pena de total ineficácia da decisão a ser proferida na ação principal» (Marco Carvalho Gonçalves, Providências Cautelares, 2ª edição, Almedina, Fevereiro de 2016, p. 224).
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4.1.2. Contrato a favor de terceiro

Lê-se no art. 443º, nº 1 e nº 2 do C.C. que, por «meio de contrato, pode uma das partes assumir perante outra que tenha na promessa um interesse digno de protecção legal, a obrigação de efectuar uma prestação a favor de terceiro, estranho ao negócio», nomeadamente remitindo dívida deste, dizendo-se «promitente a parte que assume a obrigação e promissário o contraente a quem a promessa é feita».

«Essencial ao contrato a favor de terceiro, como figura jurídica autónoma, é que o contraentes (promitente e promissário) ajam com a intenção de atribuir, através dele, um direito (de crédito ou real) a terceiro (beneficiário) ou que dele resulte, pelo menos, uma atribuição patrimonial imediata para o beneficiário», sendo que o direito deste «resulta imediatamente do contrato, pois o promitente fica vinculado perante ele à prestação» (Pires e Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Volume I, 4ª edição revista e actualizada, Coimbra Editora, Limitada, 1987, p. 424-5, com bold apócrifo).

Logo, existe aqui, por desejo do promissário, uma atribuição patrimonial indirecta dele ao terceiro beneficiário (que não é interveniente, nem parte, no contrato em causa), e que é executada pelo promitente.
Dir-se-á ainda que, se o «interesse do promissário deve ser digno de protecção legal», não «carece de ser um interesse patrimonial», podendo apenas ser «simplesmente moral», como sucederá com «interesse de ordem familiar» (Pires e Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Volume I, 4ª edição revista e actualizada, Coimbra Editora, Limitada, 1987, p. 425-6).

Mais se lê, nos arts. 444º, nº 1, 447º, nº 3 e 448º, nº 1, todos do C.C. que o «terceiro a favor de quem for convencionada a promessa adquire direito à prestação, independentemente de aceitação», sendo que, ocorrendo esta, «mediante declaração, tanto ao promitente como ao promissário», tornará em princípio irrevogável a promessa feita em benefício do terceiro.

Logo, a atribuição patrimonial indirecta do promissário a favor do terceiro beneficiário consubstancia um direito deste, nascido directamente na sua esfera jurídica, mas a ser exercido contra o promitente (precisamente, em função do compromisso prévio deste para com o promissário); e, ao nascer o dito direito de forma automática à sua aceitação, consubstancia uma excepção ao regime da ineficácia dos contratos em relação a terceiros (art. 406º, nº 2 do C.C.). O terceiro não é, pois, o simples receptor material da prestação prometida, destinada a beneficiá-lo; e, por isso, pode exigir directamente do promitente o cumprimento da mesma.

Fala-se, assim, de uma situação jurídica complexa, de natureza triangular, que se decompõe em «duas relações (causais) diferentes: a estabelecida entre o promissário e terceiro e a existente entre o promissário e promitente», dando-se a esta última «o nome de relação e cobertura ou de provisão, visto ser ela que alimenta ou subsidia a outra», e àquela segunda «a designação de relação de valuta» (Pires e Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Volume I, 4ª edição revista e actualizada, Coimbra Editora, Limitada, 1987, p. 427).

Acresce ainda àquelas duas uma relação de execução, estabelecida entre o promitente e o terceiro, e no âmbito da qual aquele tem de executar em benefício deste a determinação do promisssário (Luís Manuel Teles de Menezes Leitão, Direito das Obrigações, Volume I, 8ª edição, Almedina, Abril de 2009, p. 266. Ainda Mário Júlio de Almeida Costa, Direito das Obrigações, 4ª edição, Coimbra Editora, 1984, p. 238).
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4.2. Caso concreto (subsunção ao Direito aplicável)

4.2.1. «Provável existência do crédito»

Concretizando, verifica-se que a Requerente alegou, como fonte do seu crédito:

. o compromisso que «Manuel e sua mãe Luísa, assumiram pessoalmente perante» ela própria, de que «iriam resolver a questão [o mútuo de € 200.000,00, concedido pela Banco C, S.A., a X - Comércio e Equipamento de Automóveis, Limitada, então em incumprimento e objecto de uma acção executiva movida pela Devedora contra todos os garantes daquele credito], vendendo património próprio e liquidando a totalidade da dívida», que qualquer deles afiançara em benefício da Sociedade mutuária (artigo 14º do requerimento inicial);

. a cedência que, para esse preciso efeito, «Manuel» fez do «seu quinhão hereditário por óbito do pai a sua mãe», e a consequente compromisso de «Luísa» de que «com o mesmo liquidaria a totalidade da dívida, livrando a requerente da penhora que incidia sobre o seu prédio» (artigos 15º e 16 do requerimento inicial);

. a conforme «DECLARAÇÃO» escrita da dita Luísa, onde «declara para todos os efeitos legais, que o seu filho Manuel cedeu-lhe o seu quinhão hereditário para fazer face ao pagamento total das dívidas para com a Banco C, S.A. e Banco P Portugal S.A., ficando deste modo livre de qualquer responsabilidade, assim como a sua esposa Ana»; e onde mais «declara que, não irá assim com os seus filhos José, Margarida e Paulo, requerer o direito de regresso, uma vez que será o seu quinhão mais o quinhão que o seu filho Manuel lhe cedeu que irão fazer face ao pagamento total as dívidas»; e por fim declara «tal como, Miguel, Maria e Fernanda se encontram livres de qualquer ónus ou encargos» (documento que é fls. 27 dos autos, e que aqui se dá por integralmente reproduzido).

Logo, o crédito invocado pela Requerente sobe a Requerida resulta do contrato celebrado entre esta última e o seu filho Manuel, por via do qual, e contra a cedência por este de um quinhão hereditário àquela, a Cessionária prometeu ao Cedente desonerar a Requerente (não parte/interveniente naquele acordo) da respectiva responsabilidade de garante (fiadora, e co-titular de prédio hipotecado) perante a Banco C, S.A., por prévio mútuo concedido por esta a X - Comércio e Equipamento de Automóveis, Limitada; e tem-se aqui por digno de protecção legal o interesse moral de Manuel, de assim assegurar que a sua Cunhada não perderia a fracção autónoma hipotecada em benefício exclusivo da Sociedade de que ele próprio, e a Irmã daquela, eram então únicos sócios.

Considera-se, por isso, que pese embora nem a Requerente, no seu requerimento inicial, nem o Tribunal a quo, na sua decisão liminar de indeferimento, tenham qualificado o acordo em causa, o mesmo é susceptível de consubstanciar um contrato a favor de terceiro, surgindo como promitente a Requerida, como promissário o seu filho Manuel, e como terceiro beneficiado a Requerente (perante a qual aqueles dois assumiram pessoalmente o efeito final da atribuição patrimonial indirecta, mas imediata, que resultaria do respectivo acordo de vontades, desse modo indiciando que a reconheciam como muito mais do que a mera destinatária final da prestação destinada a beneficiá-la).

Ora, e face a este entendimento, a Requerente tem um efectivo direito de crédito sobre a Requerida, resultante precisamente da promessa que a mesma fez ao seu Filho, de a desonerar das suas responsabilidades de garante, contra a cedência, por ele, do quinhão hereditário na herança do respectivo Marido e Pai; e tendo-o, pode exigir em juízo o seu cumprimento.

Rejeita-se assim, e salvo o devido respeito pela sua opinião contrária, o entendimento do Tribunal a quo, quando defende na decisão recorrida que, sem «entrarmos na validade e configuração jurídica desta declaração, que não tem qualquer eficácia para com terceiros, a verdade é que a “obrigação” ali expressa não tem a virtualidade de se converter num crédito da Requerente», uma vez que «o incumprimento do compromisso assumido pela Requerida, atenta a sua natureza, não transforma a Requerente em credora da Requerida».

Dir-se-á ainda que a própria Requerente assumiu desde logo não ser o dito contrato a favor de terceiro (depois espelhado em posterior «DECLARAÇÃO» da Requerida) «oponível à Banco C» (artigo 27º do seu requerimento inicial), distinguindo-o claramente da prévia e distinta relação de fiança que constituíra perante aquela Instituição Bancária.

Rejeita-se assim, e salvo novamente o devido respeito pela sua opinião contrária, o entendimento do Tribunal a quo, quando parece pressupor na decisão recorrida que o crédito invocado pela Requerente sobre a Requerida radique de alguma forma na relação de fiança constituída por ela perante a Banco C, ao afirmar que o «crédito que poderá emergir da relação de fiança (decorrente do incumprimento pelo devedor principal) é alheio a este compromisso assumido pela Requerida, pois que a Requerida nada tem a ver com a relação de fiança estabelecida entre a Requerente, o devedor e o credor».

Dir-se-á, por fim, que, tendo sido alegado que a Requerida beneficiou efectivamente da cedência do dito quinhão hereditário (artigo 30º do requerimento inicial), posteriormente vendeu bens que o integravam, e não procedeu à desoneração da Requerente com o produto das ditas vendas, do mesmo modo ficou expresso que aquela incumpriu o dito contrato a favor de terceiro, assistindo por isso a esta última o direito de exigir judicialmente o seu cumprimento.

Deverá, assim, decidir-se em conformidade, considerando que a Requerente alegou sobejamente factos que tornam verosímil a existência do seu direito de crédito contra a Requerida (resultante de um contrato a favor de terceiro, em que esta última surge como promitente incumpridora da prestação prometida realizar a Pedro, nele promissário, precisamente em seu benefício, ali terceira).
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4.2.2. «Justo receio de perda da garantia patrimonial»

Concretizando novamente, verifica-se que a Requerente alegou, como factos concretizadores do justo receio da perda da garantia patrimonial do seu crédito, que:

. a Requerida «não pretende desonerar a requerente de qualquer montante, nem da penhora que impende sobre o seu prédio», «porque a mesma com a ajuda dos seus filhos se está a desfazer de todo o seu património, por valores declarados inferiores ao valor real da venda, manifestamente abaixo do valor real e de mercado, e não satisfazendo a totalidade das dívidas como se comprometeu», utilizando o produto obtido apenas para se desonerar a ela própria e aos seus familiares directos, e prosseguindo a acção executiva contra a Requerente, o seu ex-Marido e a sua Irmã (artigos 17º, 18º, 19º, 20º, 21º, 22º e 23º, do requerimento inicial);

. isto mesmo já sucedeu «em 10-04-2018», quando «Luísa conjuntamente com os seus filhos e irmãs, procederam à alienação de vários prédios nesta cidade de Barcelos», pelo «valor de venda declarado (…) de 600.000,00€ (…), sendo que o valor real foi de 1.200.000,00», com um posterior «acordo com a Banco C», mediante o qual a prévia acção executiva movida contra todos os fiadores «apenas prosseguirá para venda do prédio da requerente» (artigos 24º, 25º, 26º e 34º, do requerimento inicial);

. e o prédio que se pretende arrestar é «o último bem de que dispõe» a Requerida, estando a mesma, já e igualmente, a diligenciar pela sua venda (artigos 28º, 29º, 30º, 31º e 32º, do requerimento inicial).

Logo, o justo receio da Requerente, de que a Requerida dissipe o único e remanescente bem que integra o seu património (melhor dizendo, o seu direito ao imóvel identificado), resulta da pretérita actuação da mesma, de vender património integrante de um quinhão hereditário que lhe fora cedido, e próprio seu, por valores declarados abaixo dos efectivamente recebidos, e sem que afectasse os mesmos ao pagamento das responsabilidades garantidas pela Requerente, (desse modo a desonerando delas), ao arrepio do que se obrigara; e de neste momento só restar um único direito/valor no património da Requerida, que a mesma tenta igualmente alienar, sendo verosímil que continue a não empregar o respectivo preço na desoneração da Requerente.

Rejeita-se assim, e salvo sempre o devido respeito pela sua opinião contrária, o entendimento do Tribunal a quo, quando defende na decisão recorrida que «não vem alegado pela Requerente um único facto atual e concreto indiciador da vontade da Requerida de alienar o património com vista a furtar-se ao cumprimento do assumido na “Declaração”, e tendente a exonerar a Requerente da “qualquer ónus e encargos”», estando-se «perante um mero receio subjetivo que não vem fundado em circunstâncias concretas e objetivas evidenciadoras de um comportamento dissipatório e descapitalizador das finanças da Requerida».

Deverá, assim, decidir-se em conformidade, considerando que a Requerente alegou sobejamente factos que tornam justificado o seu receio de perda da garantia patrimonial do seu crédito (resultante da reiterada alienação de património pela Requerida, integrante do quinhão hereditário que lhe fora cedido para desonerar a Requerente, por valores superiores aos declarados, sem que haja afectado o produto das vendas àquela desoneração, restando-lhe agora apenas um direito a imóvel, que igualmente intenta vender a terceiros).
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Procede, deste modo, o recurso interposto.
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V - DECISÃO

Pelo exposto, e nos termos das disposições legais citadas, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar procedente o recurso de apelação interposto por Fernanda e, em consequência, em:

· revogar a decisão recorrida, ordenando a sua substituição por despacho a designar dia e hora para realização de audiência final, prosseguindo depois os autos os seus ulteriores e normais trâmites, consoante o resultado da produção de prova que ali ocorra.
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Custas a atender na acção principal (artigos 527º e 539º, ambos do CPC).
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Guimarães, 28 de Junho 2018.

Maria João Marques Pinto de Matos
José Alberto Martins Moreira Dias
António José Saúde Barroca Penha