Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
379/13.4TBGMR-B.G1
Relator: MARGARIDA ALMEIDA FERNANDES
Descritores: EMBARGOS DE EXECUTADO
CRÉDITO LITIGIOSO ADJUDICADO AO EXEQUENTE
EXECUÇÃO INCIDENTAL
OBJETO DA OPOSIÇÃO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 02/28/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2.º SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I – É nula a decisão por omissão de pronúncia que não conhece, sem que tal conhecimento tenha ficado prejudicado, em sede de embargos de executados, de alguns dos pedidos deduzidos.

II – Segundo a regra da substituição do tribunal recorrido prevista no art. 665º C.P.C. incumbe ao Tribunal da Relação suprir esta nulidade conhecendo as questões cuja apreciação foi omitida desde que previamente ouça as partes nos termos do nº 3 deste preceito.

III - No caso de crédito litigioso adjudicado ao exequente nos termos do art. 775º nº 2 do C.P.C. e em que o devedor não tenha efetuado o seu depósito, pode aquele instaurar execução incidental relativamente à ação executiva principal apresentando como título executivo o título de aquisição do referido crédito (art. 777º nº 3 e 703º nº 1 d) do C.P.C.).

IV - O objeto da oposição à execução incidental prevista no art. 777º nº 3 e 4 do C.P.C. circunscreve-se ao objeto do título executivo apresentado nessa execução (ex. impugnação da existência do crédito do executado originário sobre o devedor ou discussão do seu montante) não podendo ter por objeto fundamentos relacionados com a execução originária.

V – Nos termos do art. 731º do C.P.C. pode o executado desta execução incidental alegar como fundamento de oposição quaisquer fundamentos que seria lícito deduzir como defesa no processo de declaração, designadamente a compensação, a qual pressupõe a verificação dos requisitos previstos no art. 847º e ss. do C.C..
Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

I – Relatório

X – Comércio de Telemóveis, Lda., instaurou, em 01/02/2013, execução para pagamento de quantia certa contra J. S. apresentando como título executivo uma letra de câmbio, subscrita em 19/05/2011, com a data de vencimento em 01/08/2012, no valor de € 125.000,00, aceite pelo executado, na data da sua emissão, a qual lhe foi endossada por C. M. e representa o pagamento de uma divida que este tinha para com a exequente. Foi dado à execução o valor de € 127.500,00.

O executado foi citado e não deduziu oposição.

Em 13/11/2014 o Agente de Execução (A.E.) notificou exequente e executado que a instância se encontrava extinta por inutilidade superveniente da lide (falta de bens penhoráveis).
*
A exequente requereu a renovação da instância porquanto, no âmbito do proc. nº 2555/13.0TJVNF, que correu termos na 2ª Secção Cível – Juiz 3 da instância Central de Guimarães, foram D. M. e Y – Investimentos e Gestão Imobiliária, Lda. condenados a pagar ao executado a quantia de € 99.026,70, acrescida de juros de mora, vencidos e vincendos, desde 04/09/2013 sobre € 95.026,70 e desde aquela data (05/03/2015) sobre € 4.000,00.

Em 14/09/2016 foi penhorado o referido crédito.

Foram efectuadas as citações e os devedores pronunciaram-se dizendo não reconhecer qualquer crédito.

A exequente declarou que mantinha a penhora.

Em 30/09/2016 foi proferido despacho que considerou o crédito litigioso e como tal será transmitido ou adjudicado (art. 775º nº 2 do C.P.C.). Deste despacho vieram os devedores interpor recurso, o qual veio a ser julgado improcedente (Apenso A).

Em 01/02/2017 a A.E. notificou a exequente de que lhe foi adjudicado o crédito litigioso.
*
Em 27/12/2017 a exequente cumulou execução para pagamento de quantia certa contra Y – Investimentos e Gestão Imobiliária, Lda., D. M., M. M., referindo os factos supra referidos e acrescentado que, não obstante o trânsito em julgado do Proc. nº 2555/13.TJVNF, os devedores e executados, não procederam ao pagamento.

Referiu que nessa data a dívida total é de € 96.783,20, valor que deu a esta execução.

Por despacho de 23/01/2018 foi admitida a cumulação de execuções.

Os executados foram citados.

D. M., M. M. e Y – Investimentos e Gestão Imobiliária, Lda., em 20/02/2018, deduziram os presentes embargos de executado pedindo que:

a) seja declarada a inexistência do título executivo;
b) seja declarada a inexistência do crédito exequendo reclamado nos autos originários pela exequente X, Lda. sobre o executado originário J. S.;
c) seja declarada a inexistência do crédito exequendo reclamado nos autos cumulados pela exequente X, Lda. sobre os executados embargantes devendo ser reconhecido aos executados o direito de ver operada a compensação desse crédito nos termos alegados.

Referem que a decisão proferida em 30/09/2016 ainda não transitou em julgado uma vez que foi interposto recurso admitido pelo tribunal da 1ª instância. Mas ainda não foi definitivamente fixado o efeito a atribuir a este recurso. Assim, inexiste título executivo (art. 704º do C.P.C.).

Alegaram, em síntese, que J. S. tem instaurado várias acções contra os aqui executados: nº 485/06.1TCGMR.G1, no âmbito da qual foi proferido Ac. do S.T.J. a condenar D. M. a pagar-lhe a quantia de € 383.076,37, acrescida de juros, e condenada Y, Lda. a entregar-lhe um imóvel (Quinta de ...); 485/06.1TCGMR-B, providência cautelar que veio a ser julgada supervenientemente inútil; 199/12.3TCGMR referente a produção antecipada de prova; e nº 2555/13.0TJVNF.

A referida Quinta dos ... é o único bem propriedade do executado J. S. pelo que, uma vez penhorado o mesmo, ficava impedido D. M. de cobrar o seu crédito. Assim, J. S. em conluio com os seus falsos credores, decidiu simular dívidas, uma das quais a objecto da execução em apenso.

Outra dívida, no valor de € 250.000,00, titulada por letra de que é portador A. J., deu origem ao proc. nº 451/13.0TBGMR. Para dificultar a contestação da existência do crédito os intervenientes na letra tratam de a sujeitar a endosso para a retirar das relações imediatas. E A. J. é sócio gerente da empresa portadora da letra.

A letra dada à execução foi aceite por J. S. ao seu mandatário em todos os referidos processos, C. M., e na mesma refere-se que a aceitação foi efectuada a título de pagamento de serviços de honorários e despesas. Mas não é crível que o primeiro, que beneficia de apoio judiciário, tenha acordado com o segundo pagar-lhe honorários de € 125.000,00. Uma vez que C. M. endossou a letra a uma sociedade que comercializa telemóveis, também não é crível que este tivesse para com esta uma dívida de tal valor.

Assim, inexiste o crédito exequendo da X, Lda. contra J. S..

Inexiste igualmente o crédito reclamado nos autos cumulados da X, Lda. contra os aqui embargantes uma vez que operou a compensação desse crédito.

Referem que no proc. 2555/13.0TJVNF os aqui executados e aí réus interpuseram recurso da decisão aí proferida e prestaram caução com vista a obter o efeito suspensivo do mesmo, caução essa que foi constituída pelo penhor do crédito que D. M. detém sobre J. S. na parte em que excede o crédito hipotecário de € 429.045,93, o que foi aceite pelo tribunal. Transitada em julgado a decisão aí proferida o aqui executado D. M., por carta de 05/02/2018, dirigida a J. S. operou a compensação. Com efeito, em 05/02/18, a dívida dos ora executados para com J. S. era de € 97.703,90 e a dívida deste para com D. M. era de € 602.652,60 (no proc. nº 485/06.1TCGMR foi J. S. condenado a pagar a D. M. a quantia de € 383.076,37, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde 02/10/2006, até efectiva restituição – para garantia de € 429.045,53 D. M. efectuou hipoteca judicial sobre o imóvel descrito na C.R.P. de Guimarães sob o nº ... e inscrito na matriz urbana sob o art. 52º e na matriz rústica sob o art. 17º).
*
A exequente /embargada contestou dizendo o seguinte:

A sentença dada à execução é exequível nos termos do art. 703º nº 1 d) do C.P.C. tanto mais que ao referido recurso foi conferido efeito devolutivo.

Nesta fase e nesta execução os embargantes apenas podem tomar posição sobre a presente execução e não acerca existência ou não do crédito da exequente contra J. S..

O título executivo dado à presente execução é válido e exequível (os ora embargantes não pagaram a quantia em que foram condenados no processo nº 2555/13.0TJVNF, este crédito foi penhorado nos autos principais tendo sido negado pelos ora embargantes). Os próprios embargantes reconhecem a existência do crédito do executado J. S. sobre si.

O crédito de J. S. sobre os executados foi penhorado em 13/07/2016. foi adjudicado à exequente em 01/02/2017, como os ora embargantes não o pagaram assiste à exequente o direito de executar e penhorar o património dos executados para cobrança coerciva da dívida. Os executados apenas concretizaram a compensação depois do crédito estar penhorado e vendido. A alegada compensação realizada no proc. nº 2555/13.0TJVNF não foi admitida por decisão de 28/02/16. Ora, o momento de constituição do direito de compensação é a data em que exige judicialmente o pagamento ou em que o credor manifesta a sua vontade de exigir o pagamento do contra-crédito de que se diz titular. Mais impugna por desconhecimento a comunicação de 05/02/18.
A exequente nada deve aos embargantes pelo que não há lugar a qualquer compensação.

Por fim, a condenação no proc. 2555/93.0TJVNF corresponde a uma obrigação conjunta e divisível nos termos do art. 534º do C.P.C. e da mesma resulta que apenas existia crédito do embargante D. M. sobre J. S. pelo que os demais embargantes, M.M. e Y, Lda., não são titulares de qualquer crédito sobre J. S. susceptível de ser compensado.

Termina pedindo a improcedência dos embargos.
*
Segundo informação solicitada a decisão proferida no proc. 2555/13.0TJVNF transitou em julgado em 29/11/2017.
*
Foi dispensada a audiência prévia.

Por se ter entendido que o estado dos autos o permitia foi proferida sentença, em 23/04/2018, cuja parte decisória reproduzimos na íntegra:

“Pelo exposto, e na ausência de qualquer outra questão de facto e de direito, decido:
8.1.- julgar os presentes embargos improcedentes e, em consequência, determino o prosseguimento da instância executiva.
8.2.- Custas pelos embargantes.
8.3.- Registe e notifique.
8.4.- Informe o AE do teor da presente sentença.”
*
Não se conformando com a sentença vieram D. M., M. M. e Y – Investimentos e Gestão Imobiliária, Lda. dela interpor recurso de apelação, apresentando alegações e formulando as seguintes conclusões:

“Da nulidade da sentença por omissão de pronúncia

- O Tribunal a quo eximiu-se de conhecer, apreciar e proferir decisão sobre todas as questões que foram levadas ao seu conhecimento e sobre as quais se impunha tomar posição e, nessa medida, não tendo decidido todas a questões jurídicas que foram colocadas a sua apreciação e se mostram fundamentais a justa composição do litigio e a boa e justa decisão da causa, padece de nulidade por omissão de pronúncia.
- O Tribunal não proferiu qualquer decisão sobre e alegada e suscitada questão da INEXISTÊNCIA DE TÍTULO EXECUTIVO – INEXIBILIDADE DA DÍVIDA -, matéria que constitui fundamento de oposição à execução e que, enquanto verdadeira e essencial questão jurídica devia ser conhecida pelo tribunal.
- O Tribunal não proferiu qualquer decisão sobre e alegada e suscitada questão da INEXISTÊNCIA DO CRÉDITO EXEQUENDO -, matéria que constitui fundamento de oposição à execução e que, enquanto verdadeira e essencial questão jurídica devia ser conhecida pelo tribunal.
- Toda a argumentação expendida e prova requerida pelos recorrentes atinentes a demonstração de que o crédito exequendo não existe e que a letra (titulo) apresentada a execução constituiu uma fraude e uma simulação processual, foi ignorada pelo Tribunal, que para alem de não conhecer da questão jurídica alegada, não proferiu também qualquer decisão sobre o requerimento probatório.

Do demérito da decisão quanto ao julgamento da matéria de facto

- A sentença padece de erro de julgamento no que respeita a decisão sobre a matéria dos factos 2, 3 e 4 dados como provados, porquanto, face a inexistência de prova quanto aos mesmos o Tribunal não podia dar tais factos como provados, podendo tao só dar por provado que a exequente X ALEGOU esses factos na acção executiva originaria.
- Considerando que:

(i)os aqui recorrentes, por diversas vezes, através de diversos requerimentos juntos à execução originária, alegaram que o crédito exequendo é falso, que a letra apresentada a execução pela exequente X é falsa e que a execução constitui um caso de fraude e simulação processual,
(ii) os factos 2, 3 e 4 elencados na sentença se mostrarem consecutivamente e ad nauseam impugnados pelos aqui recorrentes,
(iii) o Tribunal não ordenou ou realizou quaisquer diligencias de prova tendentes a demostração da realidade de tais factos,
(iv) não resulta do processo prova documental autêntica e inequívoca que pudesse fazer prova plena dos factos,
(v) a confissão decorrente da falta de dedução de oposição por parte do executado J. S. na execução movida pela X apenas produz efeitos para o confitente, não produzindo qualquer efeito no presente apenso,
Os factos elencados nos pontos 2, 3 e 4 da sentença – 6.1. Factos provados com relevância para a decisão da causa – mereciam resposta diversa, devendo ser dados como não provados.
- A sentença padece de erro de julgamento no que respeita a decisão sobre a matéria dos factos não provados com relevância para a decisão da causa (Na pagina 14 da sentença recorrida pode ler-se “Não se provaram os demais factos alegados pelas partes que não estejam mencionados nos factos provados ou estejam em contradição com estes.”) na medida em que ignorou os factos alegados pelos recorrentes, factos, esses, integradores dos direitos e consequências jurídicas a que se arrogaram e, por isso, com relevância para a decisão da causa.
- Nos art. 15º a 61º do embargos deduzidos os embargantes alegaram inúmeros factos e requereram prova tendentes à demonstração da inexistência do credito exequendo. Atenta a prova produzida nos autos - documentos juntos aos autos na data de 22/04/2015, por requerimentos com as referências citius 19404606, 19405383, 09405808, 19405992 e 19406422, documentos juntos aos autos na data de 26/02/2016, com o requerimento referencia citius 21966339 e documentos juntos nº 1 e nº 2 com os embargos – impunha-se que estes factos fossem dados como provados.
- Nos arts. 62º a 87º do embargos deduzidos os embargantes alegaram inúmeros factos e prova produzida tendentes a demonstração da extinção do credito por compensação. Atenta a prova produzida nos autos - documentos nº 4 a 6 juntos com os embargos, documentos juntos aos autos com requerimentos com as referências citius 19404606, 19405383, 09405808, 19405992 e 19406422, de 22/04/2015 (das decisões proferidas, e já transitadas em julgado, no âmbito acção que correu termos nas Varas Mistas de Guimarães sob o nº 485/06.1TCGMR.G1, em que veio a ser proferido Acórdão pelo Supremo Tribunal de Justiça, que condenou o executado originário J. S. a pagar a quantia de 383.076,37 €, acrescida de juros, ao recorrente D. M.), - impunha-se que estes factos fossem dados como provados.
10º - A sentença fez ainda errado julgamento quanto a essencialidade do requerimento probatório apresentado pelos recorrentes, porque, na realidade, contrariamente ao decidido, o estado dos autos (...) não permite proferir uma decisão quanto a mérito dos presentes embargos à execução.
11º - O Tribunal a quo, na medida em que proferiu decisão quanto a matéria de facto relevante sem que previamente tivesse sido produzida a prova requerida, em virtude de tal produção ser essencial a demonstração de tais factos perante o Tribunal e ao conhecimento de todas as questões jurídicas relevantes e que por quele foram ignoradas, incorreu a decisão recorrida em manifesto erro de julgamento.
***
Do demérito da decisão quanto ao julgamento da matéria de direito - Da extinção da obrigação por meio da compensação

12º – A obrigação dos recorrentes encontra-se extinta por meio da compensação operada, isto porque sendo os recorrentes credores do executado originário por valor superior ao crédito que este detinha sobre os recorrentes (e que foi adjudicado litigiosamente a exequente) fizeram operar validamente a compensação, excepção que pode ser invocada perante a exequente.
13º - A adjudicação do crédito litigioso no âmbito de uma acção executiva e nos termos do art. 775º do Código de Processo Civil constitui uma forma de aquisição derivada intervivos que provoca uma modificação subjectiva da relação.
14º - Com a transmissão do credito, transmitem-se para o adquirente as garantias e outros acessórios do direito transmitido, que não sejam inseparáveis da pessoa do transmitente, podendo o devedor pode opor ao adquirente/adjudicatário do credito, ainda que este os ignorasse, todos os meios de defesa que lhe seria licito invocar contra o transmitente, com ressalva dos que provenham de facto posterior ao conhecimento da cessão.
15º - A operada transmissão/adjudicação do crédito litigioso não tem a virtualidade de mudar a natureza do crédito e os direitos que ao mesmo importam, não alterando a reciprocidade do crédito, nem a sua individualidade.
16º - O crédito em que o cessionário fica investido e o mesmo que pertencia ao cedente, podendo o devedor impugnar a existência do crédito ou invocar contra a pretensão do cessionário as mesmas excepções (dilatórias ou peremptórias) a que lhe era lícito recorrer contra o cedente.
17º - O artigo 585º do Código Civil esta, porem, redigido de modo a não deixar dúvidas de que, sendo o crédito invocado pelo devedor anterior ao conhecimento da cessão, ainda que se tenha vencido posteriormente, a compensação procede contra o cessionário.
18º - A compensação e uma forma de extinção das obrigações em que, no lugar do cumprimento, o devedor opõe o crédito que tem sobre o credor; quando o devedor e também credor do seu credor opera-se a circunstância jurídico substantiva da compensação, através deste fenómeno jurídico se consentindo que o devedor se desonere do seu debito a expensas deste seu consubstanciado credito.
19º - Assiste aos recorrentes direito a oporem a exequente X (enquanto adquirente do crédito penhorado), ainda que esta os ignorasse, todos os meios de defesa que seria licito aos recorrentes invocar contra o executado originário, com ressalva dos que provenham de facto posterior ao conhecimento da cessão.
20º - Os recorrentes, sendo credores do executado originário (por decisão transitada em julgado em 29/04/2013 – proc. Nº 485/06.1TCGMR) e sendo devedores perante esse executado originário, por valor inferior (por decisão de 26/10/2017 - processo nº 2555/13.0TJVNF) fizeram operar validamente a compensação, dando por extinta a sua obrigação.
21º - Assiste aos aqui recorrentes direito a, em sede de embargos de executado, arrogar-se do seu direito de proceder e fazer operar a compensação dos créditos, operando tal compensação pela simples comunicação a contraparte.
22º - O direito dos recorrentes ao exercício da compensação SEMPRE foi do conhecimento da exequente X, que dele ficou a saber muito antes do momento da adjudicação do crédito!
23º – Os recorrentes podem opor a exequente X a compensação do crédito e a excepção peremptória de extinção do credito, meio de defesa que seria licito aos recorrentes invocar contra o executado originário!!!
24º - Ao decidir em sentido contrário ao propugnado, e, manifesto que a sentença em crise padece de flagrante erro de julgamento!

Da litigiosidade do crédito - penhora de créditos: natureza e regime

25º - O crédito executado nos autos foi transmitido com caracter litigioso, carácter que não se resume ao seu definitivo reconhecimento judicial, isto é, não basta que o crédito se mostre reconhecido judicialmente por decisão transitada em julgado para, sem mais, tal crédito deixe de ser litigioso.
26º - Os recorrentes, por diversas vezes e de forma expressa através de diversos requerimentos apresentados nos autos, negaram e contestaram a existência do crédito nos termos e para os efeitos do disposto no art. 775º do Código de Processo Civil, tendo, desde sempre, colocado em causa a exigibilidade do crédito adjudicado a X atento o direito de compensação dos créditos recíprocos que detinham sobre o executado originário.
27º - A compensação e uma causa de extinção das obrigações e o exercício desse direito SEMPRE foi invocado pelos recorrentes como fundamento para a inexigibilidade do credito, pelo que crédito mantem o seu caracter litigioso.
28º - A decisão em crise, na medida em que, de forma simplista e com chocante ligeireza, determina que, tendo a sentença que condenou os embargantes no pagamento de uma quantia certa já transitado em julgado, o crédito deixou de ser litigioso e, como tal, deve ser depositado nos autos, padece de flagrante erro.
29º - A decisão em crise, na medida considera nos autos de execução e, na data da prolação da sentença, indubitavelmente devido pelos ora embargantes/aqui recorrentes, padece de erro, porquanto:

(i) o crédito penhorado nos autos de execução foi transmitido como litigioso, tendo sido colocada em causa a sua exigibilidade,
(ii) os recorrentes deduziram embargos tendo, além do mais, alegado, como fundamento da sua oposição a inexequibilidade do título, a inexistência do crédito exequendo (direito de credito da X sobre o executado originário) e ocorrência de um facto extintivo da obrigação (existência de um contracrédito com vista a obter a compensação de créditos) – matéria que constitui fundamento de oposição.
30º - Face aos embargos deduzidos, o crédito mantem o seu caracter litigioso.
31º - A decisão em crise, na medida, em que decidiu que “ora “embargantes” têm obrigatoriamente de depositar esse valor, sob pena de prosseguimento da execução nos termos já peticionados pelo exequente.”, padece de flagrante erro.
32º - O simples facto do crédito se considerar vencido por forca do trânsito em julgado da sentença não conduz a obrigação de proceder ao seu depósito nos autos, em virtude do devedor o ter contestado e essa excepção se mostrar expressamente prevista na nº 1 do art. 777º do Código de Processo Civil.
33º - Atento o regime legal previsto nos arts. 773º, 775º e 777º do Código de Processo Civil, e ainda que a sentença proferida no âmbito da ação nº 2555/13.0TJVNF tenha transitado em julgado e, nessa medida, o crédito se tenha vencido,
(i) tendo os recorrentes negado e contestado a existência do crédito - nos termos e para os efeitos do disposto no art. 775º do Código de Processo Civil – o crédito mantem-se como litigioso,
(ii) nos termos do art. 729º e art. 731º do Código de Processo Civil assistia aos executados direito a deduziram posição a execução, designadamente com fundamento na inexequibilidade do titulo (al. a)), a inexistência do credito exequendo (direito de credito da X sobre o executado originário) (al. c)) e ocorrência de um facto extintivo da obrigação (existência de um contracrédito com vista a obter a compensação de créditos) (al. g) e h)), mantendo, assim, o crédito o seu caracter litigioso,
(iii) tendo os executados contestado a existência do crédito e, ademais, deduzido embargos na presente execução, não estão obrigados ao depósito do crédito nos autos.
Tendo decidido em sentido contrário, a sentença em crise padece de grave erro de julgamento.

Da inexistência do crédito exequendo

34º- Em sede de embargos a execução, os executados/recorrentes suscitaram perante o Tribunal a quo a questão da inexistência do crédito exequendo, questão que constituiu fundamento de oposição a execução - art. 729º al. c) e 731º do Código de Processo Civil – e como, tal, não podia ser ignorada pelo Tribunal.
35º - Movida uma execução para a cobrança judicial do crédito penhorado, nos casos em que o devedor, não negando o crédito, tenha reconhecido a divida (nos termos do nº 2 do art. 773º), nada tenha dito (nos termos do nº 4 do art. 773º), ou tenha alegado que a obrigação depende de prestação, assiste ao executado o inequívoco direito de deduzir embargos de executado, apresentado os seus fundamentos de oposição.
36º - Por maioria de razão, nos casos em que estamos perante uma execução para a cobrança judicial do crédito penhorado, tendo o devedor negado a existência do credito - caso em que, por força do art. 775º do Código de Processo Civil, o crédito passa a considerar-se litigioso e, como tal, e adjudicado ou transmitido - é inequívoco o direito do executado colocar em causa a existência da divida, seja por via da contestação da acção que seja intentada para o seu reconhecimento, seja por via dos embargos de executados deduzidos na execução que seja movida para a cobrança do crédito.
37º - Sendo o titulo executivo da presente acção e constituído pelo título de transmissão do crédito, tratando-se, portanto, de um documento, que por disposição legal, e atribuída força executiva (cfr. art. 703º nº 1 al. d) do Código de Processo Civil), pode o executado, em sede de oposição, além dos fundamentos de oposição especificados no artigo 729º, na parte em que sejam aplicáveis, alegar quaisquer outros que possam ser invocados como defesa no processo de declaração.
38º - Em sede de embargos de executado, para além de poderem colocar em causa a sua obrigação lhes e igualmente lícito colocar em causa o crédito do exequente, na medida em que uma (a obrigação dos embargantes perante a exequente) está intrinsecamente dependente do outro (crédito do exequente), pois inexistindo este crédito, nenhum direito assiste ao exequente de accionar, por que via for, os embargantes, por falta de legitimidade e interesse em agir.
39º- Qualquer interpretação que se extraia do art. 731º do Código de Processo Civil no sentido de que o executado - ainda que executado no âmbito de uma acção cumulada interposta na sequência da adjudicação do crédito penhorado no processo executivo – não possa colocar em causa, por via de embargos de executado, o crédito exequendo, isto é, o crédito que o exequente pretende exercer sobre o devedor originário da execução, designadamente deduzindo oposição que coloque em causa a validade do titulo executivo que deu origem a execução principal, a inexistência da divida e/ou ilegitimidade do exequente, é inconstitucional por violação do acesso ao direito e a defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos – nº 1 do art. 20º da CRP, direito a um processo equitativo – nº 4 do art. 20º da CRP, e direito de obter a tutela efectiva dos seus direitos – nº 5 do art. 20º da CRP.
40º- Interpretação diversa conduziria ao absurdo jurídico dos embargantes, perante a evidente fraude e simulação processual operada pela exequente e o executado originário, e perante o abuso de direito e fraude a lei por estes perpetrada, não dispusesse de meio processual que lhe permitisse opor se a essa actuação e conduta, vendo-se obrigado a cumprir uma obrigação para o pagamento de um crédito exequendo inexistente.
41º - Não tendo a execução originária sido objecto de oposição e, consequentemente, não tendo o Tribunal indagado sobre a validade do titulo executivo, a inexistência da divida e/ou ilegitimidade da exequente e não tendo proferido qualquer decisão de mérito, nada obsta que seja nos presentes embargos conhecida a relação ou situação jurídica material da execução primitiva.
42º- Atenta a flagrante utilização, por parte da exequente e do executado originário, de um meio processual que se traduz num instrumento de abusiva obtenção de interesses estranhos ao fim social desse processo, contrario a normas ou princípios gerais, como os da boa-fé e do abuso de direito, relacionados com a instrumentalização da referida acção, impunha-se ao Tribunal actuar.
- A decisão em crise viola as disposições conjugadas dos art. 10º, 615º nº 1 al. d), 703º nº 1 al. d), 726º nº 2 al. a), 729º, 731º, 773º, 775º e 777º do Código de Processo Civil, arts. 334, n. 3 do art. 355º, 577º, 582º, 585º, 847º, 851º do Código Civil e nº 1 do art. 20º, nº 4 do art. 20º e nº 5 do art. 20º da CRP.”

Pugnam pela revogação da sentença recorrida.
*
Contra-alegou a exequente/embargada pugnando pela confirmação da sentença recorrida.
*
O recurso foi admitido como sendo de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.
*
Foram colhidos os vistos legais.
Cumpre apreciar e decidir.
*
Tendo em atenção que o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões dos recorrentes, sem prejuízo da apreciação de eventuais questões de conhecimento oficioso, as questões a decidir são:

A) A eventual nulidade da sentença por omissão de pronúncia; B) Apurar se ocorreu erro na apreciação da matéria de facto;
C) Conhecer da (in)existência do título executivo;
D) Apurar se é possível conhecer da alegada inexistência do crédito exequendo originário;
E) Por fim, apurar se o crédito exequendo objecto da execução cumulada se extinguiu por compensação.
*
II – Fundamentação

Foram considerados provados os seguintes factos:

1. A exequente X intentou contra J. S., a acção executiva apensa para cobrança do montante de € 127.500,00, sendo o título executivo uma letra.
2. A letra de câmbio dada à execução foi subscrita em 19/05/2011 e com a data de vencimento em 01/08/2012, no valor de € 125.000,00 (cento e vinte e cinco mil euros).
3. A letra foi endossada por C. M. e representa o pagamento de uma divida que este tinha para com a Exequente.
4. A letra foi aceite pelo Executado J. S., na data da sua emissão.
5. Na data do vencimento não foi paga, nem o seu pagamento se presume.
6. Esta execução não foi objecto de oposição ou embargos de executado.
7. No decurso desta execução foram penhorados os créditos que o executado J. S. detinha sobre os ora embargantes no âmbito do processo nº 2555/13.0TJVNF que, nessa data, corria os seus termos na 2ª Secção Cível – J3 da Instância Central de Guimarães.
8. Por carta datada de 21/03/2016, o A.E. notificou os ora embargantes D. M., M. M. e Y – INVESTIMENTOS E GESTÃO IMOBILIÁRIA, S.A., na qualidade de putativos devedores do ora executado J. S., cujo crédito estava em discussão no processo nº 2555/13.0TJVNF, de que esse alegado crédito estava penhorado à ordem dos presentes autos, até perfazer o valor total de total de € 135.739,34.
9. A esta notificação do A.E. responderam os embargantes nos seguintes termos: “Os aqui intervenientes não reconhecem a existência de qualquer crédito a favor do executado, Bem como não aceitam a existência de qualquer crédito da exequente X sobre o executado. O crédito mencionado na notificação é inexistente, porquanto a mencionada acção ainda não se mostra decidida por decisão transitada em julgado. Acresce, por outro lado, que ainda que tal decisão viesse a transitar em julgado, ainda assim o crédito do executado inexistiria em virtude do interveniente D. M. ser titular de um crédito sobre o executado de valor em muito superior àquele.”.
10. Notificada a Exequente X nos termos e efeitos do art.º 775º do CPC esta declarou que mantinha a penhora, tendo o crédito litigioso sido transmitido à exequente, conforme Título de Transmissão de 01/02/2017.
11. Conforme resulta do auto de penhora, datado de 15/09/2016 foi penhorado ao executado J. S. o crédito em discussão no processo nº 2555/13.0TJVNF.
12. O executado J. S. foi notificado desse auto de penhora por carta datada de 14/09/2016.
13. Por despacho datado de 30/09/2016, ainda não transitado em julgado, foi decidido o seguinte: “Veio o alegado devedor arguir que a penhora é nula porque não existe penhora de créditos futuros. Ora, com total respeito por opinião diversa, aos presentes autos é aplicável as regras de penhora de créditos, as quais se encontram integralmente e corretamente cumpridas. A inexistência do crédito, por ainda não ter transitado em julgado a decisão, por compensação, face da exequente em manter a penhora, determina a aplicação do artº 775º, nº 2, do C. P. Civil. No que concerne à postura do alegado devedor em atacar o próprio crédito exequendo, o mesmo, com total respeito por opinião diversa, não tem enquadramento legal, pois, nesta fase e nesta execução, o alegado devedor apenas pode tomar posição sobre o crédito penhorado. Assim, indefere-se a realização de todas as diligências requeridas pelo devedor. Destarte, nos termos do artº 775º, nº 2, do C. P. Civil, considera-se o crédito litigioso e como tal será transmitido ou adjudicado.”.
14. Os ora embargantes foram condenados no âmbito do Processo nº 2555/13.0TJVNF, onde foi proferida sentença em 10/03/2016 no seguinte: “condeno os RR. D. M., M. M. e Y – Investimentos e gestão imobiliária, SA, a pagarem ao Autor (J. S.), a quantia de 99.026,70 euros, acrescida de juros moratórios vencidos e vincendos, calculados às taxas legais….”.
15. Em 27/10/2017, foi proferido douto Acórdão no âmbito do Processo 2555/13.0TJVNF.G1 que correu termos a 2.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães, no seguimento do recurso intentado pelos aí réus, que proferiu a seguinte decisão: “Pelo exposto acordam os juízes da Relação em julgar improcedente a apelação do autor e parcialmente procedente a dos réus, fixando-se o montante indemnizatório em 83.026,70 € e os juros desde a citação sobre o montante de 79.026,70 €. No resto mantêm a decisão recorrida.“ conforme certidão junta aos autos, cujos dizeres se dão aqui por integralmente reproduzidos.
16. Este Acórdão já transitou em julgado e os ora Embargantes não procederam ao depósito do crédito penhorado, conforme certidão junta aos autos, cujos dizeres se dão aqui por integralmente reproduzidos.
17. Após, a exequente X, com vista ao ressarcimento do seu crédito sobre o executado originário J. S., dirigiu um requerimento executivo aos autos, peticionando o pagamento do crédito que o J. S. detém sobre os executados na quantia total de € 96.783,20, sendo que, desse montante, € 83.026,70 são correspondentes a capital em dívida e os remanescentes € 13.756,50 peticionados a título de juros de mora vencidos até à data da interposição do requerimento executivo.
*
Não se consideraram provados os demais factos alegados pelas partes que não estejam mencionados nos factos provados ou estejam em contradição com estes.
*
A) A nulidade da sentença por omissão de pronúncia

Referem os apelantes que o Tribunal não se pronunciou sobre as suscitadas questões de inexistência de título executivo – inexigibilidade da dívida e de inexistência do crédito exequente que constituem fundamento de oposição à execução nos termos dos art. 729º a), c) e e) e art. 731º do C.P.C..
A apelada não se pronunciou acerca das suscitadas nulidades optando por se pronunciar acerca do mérito defendendo que existe título executivo e crédito exequendo.

Vejamos.

Dispõe o art. 615º do C.P.C.:

“1. É nula a sentença quando: (…)
d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões que não podia tomar conhecimento; (…)”

As nulidades da sentença estão típica e taxativamente prevista no art. 615º do C.P.C. Estas reconduzem-se a vícios formais da decisão decorrentes de erro de actividade ou de procedimento - error in procedendo - referente à disciplina legal e que impedem o pronunciamento de mérito.

Os vícios de omissão ou de excesso de pronúncia previstos na al. d) do citado artigo incidem sobre as questões a resolver nos termos e para os efeitos do disposto no art. 608º nº 2 do C.P.C.. Com efeito, nos termos deste preceito O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.

Questões cuja omissão de pronúncia conduz à nulidade de decisão são “(…) todas as pretensões processuais formuladas pelas partes que requerem decisão do juiz, bem como os pressupostos processuais de ordem geral e os pressupostos específicos de qualquer acto (processual) especial, quando realmente debatidos pelas partes (…)” (Antunes Varela, in R.L.J., Ano 122, p. 112). São “todos os pedidos deduzidos, todas as causas de pedir e excepções invocadas e todas as excepções de que oficiosamente lhe cabe conhecer” (Lebre de Freitas, Montalvão Machado e Rui Pinto, in Código de Processo Civil Anotado, 2º, 2ª ed., p. 704).

A este propósito refere M. Teixeira de Sousa, in Estudos sobre o novo Processo Civil, Lex, 19976, p. 220-221: “(…) Se o autor alegar vários objectos concorrentes ou o réu invocar vários fundamentos de improcedência da acção, o tribunal não tem de apreciar todos esses objectos ou fundamentos se qualquer deles puder basear uma decisão favorável à parte que os invocou. (…) Em contrapartida, o tribunal não pode proferir uma decisão desfavorável à parte sem apreciar todos os objectos e fundamentos por ela alegados, dado que a acção ou excepção só pode ser julgada improcedente se nenhum dos objectos ou dos fundamentos puder proceder (…)”.

Assim, tais questões não se confundem com argumentos, razões (de facto ou de direito) ou motivos invocados pelas partes em defesa ou reforço das suas posições

Como se lê no Ac. do S.T.J. de 16/02/2015, relatado pelo Cons. Sousa Peixoto, in www.dgsi.pt “Questões, para o efeito do disposto no nº 2 do art. 660º do C.P.C., não são aqueles argumentos e razões, mas sim e apenas as questões de fundo, isto é, as que integram matéria decisória, os pontos de facto ou de direito relevantes no quadro do litígio, ou seja, os concernantes ao pedido, à causa de pedir e às excepções”. E no Ac. do S.T.J. de 28/02/2013, relatado pelo Cons. João Bernando, in www.dgsi.pt: “A nulidade duma sentença ou dum acórdão por omissão de pronúncia só tem lugar quando o juiz deixe de conhecer, sem prejudicialidade, de algum dos pedidos deduzidos, de alguma das causas de pedir, de alguma das excepções invocadas ou de alguma das excepções de que oficiosamente lhe cumpra conhecer”.

Para que a nulidade ocorra é necessário que ocorra omissão absoluta de conhecimento relativamente a cada questão não prejudicada e não uma fundamentação deficiente.

Revertendo ao caso em apreço verificamos que assiste razão aos apelantes porquanto estes, nos presentes autos de oposição mediante embargos de executados, deduziram, além do mais, os pedidos de declaração de inexistência do título executivo e de inexistência do crédito exequendo reclamado nos autos originários, bem como alegaram factos jurídicos que os sustentam (causa de pedir), o que fizeram ao abrigo do disposto no art. 729º a), e) e g) ex vi art. 731º do C.P.C., e inexplicavelmente o tribunal recorrido ignorou-os tendo-se apenas pronunciado acerca da (in)existência do crédito reclamado nos autos cumulados (penhora de direitos e compensação).

Pelo exposto, e sem necessidade de mais considerações, declara-se a sentença proferida pelo tribunal a quo nula por omissão de pronúncia (art. 615º nº 1 b) do C.P.C.).
*
Verificada esta nulidade importa agora supri-la mediante o conhecimento das aludidas questões cuja apreciação foi omitida, que também são questões suscitadas na apelação, segundo a regra da substituição do tribunal recorrido prevista no art. 665º, nº 1 e 2 C.P.C..

Foram ouvidas as partes nos termos do nº 3 deste preceito.
*
B) Reapreciação da matéria de facto

Entendem os apelantes que a matéria dos pontos 2, 3 e 4 dos factos provados não se mostra provada pelo que o tribunal apenas podia ter dado como provado que tal foi alegado pela exequente na execução originária. A matéria dos art. 15º a 61º e 62º a 87º do requerimento de oposição devia ter sido dada como provada

Vejamos.

O Tribunal da 1ª Instância, ao proferir sentença, deve, em sede de fundamentação “(…) declarar quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas, indicando as ilações tiradas de factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção; o juiz toma ainda em consideração os factos que estão admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito, compatibilizando toda a matéria de facto adquirida e extraindo dos factos apurados as presunções impostas pela lei ou por regras de experiência” (art. 607º nº 4 do C.P.C.) e “O juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto; a livre apreciação não abrange os factos para cuja prova a lei exija formalidade especial, nem aqueles que só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados, quer por documentos, quer por acordo ou confissão das partes” (art. 607º nº 5 do C.P.C.).

Sendo certo que o julgador aprecia a prova de acordo com a sua livre convicção, salvo algumas limitações, a análise crítica da prova é da maior importância do ponto de vista da fundamentação de facto da decisão. Com efeito, esta deve ser elaborada por forma a que, através da sua leitura, qualquer pessoa possa perceber quais os concretos meios de prova em que o Tribunal se baseou para considerar determinado facto provado ou não provado e a razão pela qual tais meios de prova foram considerados credíveis e idóneos para sustentar tal facto. Esta justificação terá de obedecer a critérios de racionalidade, de lógica, objectivos e assentes nas regras da experiência.

É admissível recurso apenas sobre a matéria de direito e/ou pode impugnar a decisão relativa à matéria de facto desde que o recorrente cumpra os ónus previstos na lei processual (art. 639º nº 2 a) do C.P.C. e 640º do C.P.C. respectivamente).

Caso seja requerida a reapreciação da matéria de facto incumbe ao Tribunal da Relação verificar se os ónus previstos no acima art. 640º do C.P.C. se mostram cumpridos, sob pena de rejeição do recurso.

Não havendo motivo de rejeição procede este tribunal à reapreciação da prova nos exactos termos requeridos. Incumbe a este Tribunal controlar a convicção do julgador da primeira instância verificando se esta se mostra contrária às regras da experiência, da lógica e dos conhecimentos científicos e sindicar a formação da sua convicção. i.e., o processo lógico. Assim sendo, nada impede que, fundado no mesmo princípio da livre apreciação da prova, o tribunal superior conclua de forma diversa da do tribunal recorrido, mas para o fazer terá de ter bases sólidas e objectivas.

Tendo por base estas considerações e face à prova produzida - a letra dada à execução originária - entendemos que é de manter os pontos 2, 3 até “P.” e 4 da matéria de facto provada, devendo ser eliminada no ponto 3 a expressão “e representa o pagamento de uma dívida que este tinha para com a Exequente” por esta matéria não resultar daquele documento.

Não é de aditar a matéria de facto sob os art. 15º a 61º do requerimento de oposição aos factos provados uma vez que a mesma não se revela relevante para a decisão da causa conforme melhor se apreciará infra.

Quanto à matéria constante dos art. 62º a 87º do requerimento de oposição, uma vez que os executados e ora embargantes deduziram a excepção de compensação, importa adicionar à matéria de facto dada como provada a matéria que resulta da prova produzida e que permitirá a sua apreciação.

Assim, e em face dos doc. de fls. 84 a 91, é de aditar apenas o seguinte matéria (uma vez que a demais matéria alegada é repetitiva, conclusiva ou irrelevante):

“18. Em 06/02/2018, no âmbito do Proc. nº 2555/13.0TJVNF, D. M. e mulher e Y, Lda. requereram a extinção por compensação do crédito de J. S. sobre o primeiro.
19. Por carta registada, datada de 05/02/2018, dirigida a J. S., D. M. comunicou a este que considerava extinta a sua dívida emergente da decisão proferida no Proc. nº 2555/13.9TJVNF por compensação com o seu crédito emergente da decisão proferida no Proc. nº 485/06.1TCGMR.
20. Os Correios consignaram que esta carta foi entregue.”
*
Por uma questão metodológica, passar-se-á a descrever a matéria de facto apurada, de acordo com o decidido nesta instância:

1. A exequente X intentou contra J. S., a acção executiva apensa para cobrança do montante de € 127.500,00, sendo o título executivo uma letra.
2. A letra de câmbio dada à execução foi subscrita em 19/05/2011 e com a data de vencimento em 01/08/2012, no valor de € 125.000,00 (cento e vinte e cinco mil euros).
3. A letra foi endossada por C. M..
4. A letra foi aceite pelo Executado J. S., na data da sua emissão.
5. Na data do vencimento não foi paga, nem o seu pagamento se presume.
6. Esta execução não foi objecto de oposição ou embargos de executado.
7. No decurso desta execução foram penhorados os créditos que o executado J. S. detinha sobre os ora embargantes no âmbito do processo nº 2555/13.0TJVNF que, nessa data, corria os seus termos na 2ª Secção Cível – J3 da Instância Central de Guimarães.
8. Por carta datada de 21/03/2016, o A.E. notificou os ora embargantes D. M., M. M. e Y – INVESTIMENTOS E GESTÃO IMOBILIÁRIA, S.A., na qualidade de putativos devedores do ora executado J. S., cujo crédito estava em discussão no processo nº 2555/13.0TJVNF, de que esse alegado crédito estava penhorado à ordem dos presentes autos, até perfazer o valor total de total de € 135.739,34.
9. A esta notificação do A.E. responderam os embargantes nos seguintes termos: “Os aqui intervenientes não reconhecem a existência de qualquer crédito a favor do executado, Bem como não aceitam a existência de qualquer crédito da exequente X sobre o executado. O crédito mencionado na notificação é inexistente, porquanto a mencionada acção ainda não se mostra decidida por decisão transitada em julgado. Acresce, por outro lado, que ainda que tal decisão viesse a transitar em julgado, ainda assim o crédito do executado inexistiria em virtude do interveniente D. M. ser titular de um crédito sobre o executado de valor em muito superior àquele.”.
10. Notificada a Exequente X nos termos e efeitos do art.º 775º do CPC esta declarou que mantinha a penhora, tendo o crédito litigioso sido transmitido à exequente, conforme Título de Transmissão de 01/02/2017.
11. Conforme resulta do auto de penhora, datado de 15/09/2016 foi penhorado ao executado J. S. o crédito em discussão no processo nº 2555/13.0TJVNF.
12. O executado J. S. foi notificado desse auto de penhora por carta datada de 14/09/2016.
13. Por despacho datado de 30/09/2016, ainda não transitado em julgado, foi decidido o seguinte: “Veio o alegado devedor arguir que a penhora é nula porque não existe penhora de créditos futuros. Ora, com total respeito por opinião diversa, aos presentes autos é aplicável as regras de penhora de créditos, as quais se encontram integralmente e corretamente cumpridas. A inexistência do crédito, por ainda não ter transitado em julgado a decisão, por compensação, face da exequente em manter a penhora, determina a aplicação do artº 775º, nº 2, do C. P. Civil. No que concerne à postura do alegado devedor em atacar o próprio crédito exequendo, o mesmo, com total respeito por opinião diversa, não tem enquadramento legal, pois, nesta fase e nesta execução, o alegado devedor apenas pode tomar posição sobre o crédito penhorado. Assim, indefere-se a realização de todas as diligências requeridas pelo devedor. Destarte, nos termos do artº 775º, nº 2, do C. P. Civil, considera-se o crédito litigioso e como tal será transmitido ou adjudicado.”.
14. Os ora embargantes foram condenados no âmbito do Processo nº 2555/13.0TJVNF, onde foi proferida sentença em 10/03/2016 no seguinte: “condeno os RR. D. M., M. M. e Y – Investimentos e gestão imobiliária, SA, a pagarem ao Autor (J. S.), a quantia de 99.026,70 euros, acrescida de juros moratórios vencidos e vincendos, calculados às taxas legais….”.
15. Em 27/10/2017, foi proferido douto Acórdão no âmbito do Processo 2555/13.0TJVNF.G1 que correu termos a 2.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães, no seguimento do recurso intentado pelos aí réus, que proferiu a seguinte decisão: “Pelo exposto acordam os juízes da Relação em julgar improcedente a apelação do autor e parcialmente procedente a dos réus, fixando-se o montante indemnizatório em 83.026,70 € e os juros desde a citação sobre o montante de 79.026,70 €. No resto mantêm a decisão recorrida.“ conforme certidão junta aos autos, cujos dizeres se dão aqui por integralmente reproduzidos.
16. Este Acórdão já transitou em julgado e os ora Embargantes não procederam ao depósito do crédito penhorado, conforme certidão junta aos autos, cujos dizeres se dão aqui por integralmente reproduzidos.
17. Após, a exequente X, com vista ao ressarcimento do seu crédito sobre o executado originário J. S., dirigiu um requerimento executivo aos autos, peticionando o pagamento do crédito que o J. S. detém sobre os executados na quantia total de € 96.783,20, sendo que, desse montante, € 83.026,70 são correspondentes a capital em dívida e os remanescentes € 13.756,50 peticionados a título de juros de mora vencidos até à data da interposição do requerimento executivo.
18. Em 06/02/2018, no âmbito do Proc. nº 2555/13.0TJVNF, D. M. e mulher e Y, Lda. requereram a extinção por compensação do crédito de J. S. sobre o primeiro.
19. Por carta registada, datada de 05/02/2018, dirigida a J. S., D. M. comunicou a este que considerava extinta a sua dívida emergente da decisão proferida no Proc. nº 2555/13.9TJVNF por compensação com o seu crédito emergente da decisão proferida no Proc. nº 485/06.1TCGMR.
20. Os Correios consignaram que esta carta foi entregue.”
*
C) Título executivo

Os embargantes pugnaram pela inexistência de título executivo alegando que a decisão de 30/09/2016, que considerou o crédito litigioso e como tal seria transmitido ou adjudicado, não tinha ainda transitado na data da dedução de embargos. Assim, o título executivo é inexequível e a obrigação exequenda inexigível, o que é fundamento de oposição à execução nos termos do art. 729º a) e e) e 731º do C.P.C..

Refere a exequente que a execução cumulada tem como títulos executivos a sentença transitada em julgado em 27/10/2017 no proc. 2555/13.0TJVNF, que fixa os limites da quantia exequenda (€ 83.026,07), e título de transmissão da venda ou adjudicação do crédito de 01/02/2017.

Vejamos.

Nos termos do art. 733º nº 1 do C.P.C a penhora de créditos consiste na notificação do devedor, feita com as formalidades da citação pessoal e sujeita ao regime desta, de que o crédito fica à ordem do agente de execução.

Em face desta notificação, o devedor podem adoptar, no prazo de dez dias, uma das seguintes atitudes:

- contestar a existência do crédito (art. 775º, nº 1 do C.P.C.), caso em que, se os exequentes, notificados dessa impugnação, no prazo de dez dias, declararem manter a penhora, o crédito penhorado passava a ser considerado litigioso (art. 579º nº 3 do C.C.) e como tal será adjudicado ou transmitido (art. 775 nº 2 do C.P.C.);
- invocar a excepção de não cumprimento de obrigação recíproca, caso em que se aplica o disposto no art. 776º do C.P.C.
- reconhecer a existência do crédito (art. 773º, nº 2 do C.P.C), o qual fica imediatamente assente no âmbito da execução, incumbindo ao devedor, no caso de se tratar de crédito pecuniário, logo que a dívida se vença, depositar a respectiva importância em instituição de crédito à ordem do agente de execução e apresentar ao último o documento de depósito, no caso de o crédito consistir na entrega de uma coisa, logo que a dívida se vença, incumbe à devedora entregar a coisa devida ao agente de execução (art. 777º, nº 1 do C.P.C.);
- fazer qualquer outra declaração sobre o crédito penhorado que interesse à execução (art. 773º, nº 2 do C.P.C.); ou
- nada dizer, caso em que essa omissão tem o efeito cominatório de equivaler ao reconhecimento do crédito nos termos da indicação do crédito à penhora (art. 773º, nº 4 do CPC), presumindo-se, por conseguinte, a existência desse crédito nos exactos termos em que foi nomeado à penhora e foi penhorado. Neste caso, incumbe à terceira devedora, logo que a dívida se vença (em função dos termos constantes da nomeação do crédito à penhora e da penhora assim feita), agir em conformidade com o disposto no art. 777º nº 1 do C.P.C..

Neste sentido vide Lebre de Freitas, in A Ação Executiva à Luz do Código de Processo Civil de 2013, 6ª ed, Coimbra ed., p. 284-286.
Acerca da viabilidade e consequências da venda de um crédito litigioso refere Rui Pinto, in A Acção Executiva, AAFDL, 2018, p. 588-589:

“Se a venda ou adjudicação vier a ter lugar – e nada impede que oi adquirente desse crédito possa ser o próprio exequente – o adquirente que for confrontado com uma situação de incumprimento poderá lançar mão dos meios gerais, declarativos – máxime, da ação de condenação – e executivos – execução para pagamento da quantia, entrega de coisa certa ou prestação de facto, consoante o objecto da prestação devida pelo terceiro.

Para estes últimos exige-se título executivo, naturalmente. Será o título de aquisição do crédito? Parece que sim, em face do artigo 777º nº 3, que lhe dá essa qualidade, e em face do artigo 828º.

Mas como o crédito foi impugnado não terá, por isso, o título de transmissão do crédito perdido a sua força executiva? Pensamos que não: na verdade, estamos em sede do artigo 777º nº 3, onde se distingue se o crédito é ou não litigioso: basta o incumprimento, haja ou não impugnação do crédito.

Portanto, o crédito vencido tanto pode ser executado pelo exequente antes da transmissão executiva tendo por título a confissão da dívida (cf. artigo 777º nº 3 primeira parte) e ainda que já esteja litigioso, nos termos do artigo 775º nº 2, como pode ser executado pelo adquirente depois da transmissão executiva tendo por título executivo a aquisição do crédito (cf. artigo 777º nº 3 in fine), ainda que litigioso.

Será na contestação à ação declarativa ou na oposição à execução que o terceiro devedor poderá negar novamente o putativo crédito, seguido de julgamento judicial.”

Revertendo ao caso em apreço, notificados da penhora do crédito do executado J. S. sobre D. M. e Y, Lda., vieram estes devedores impugnar a existência do mesmo. A exequente manteve a penhora pelo que, por decisão de 30/09/2016, o crédito foi considerado litigioso e como foi efectivamente adjudicado à exequente em 01/02/2017.

Os devedores interpuseram recurso da decisão de 30/09/2016 insurgindo-se contra a penhora de um crédito que ainda não estava reconhecido por sentença transitada em julgado, contudo esta apelação veio a ser julgada improcedente.
Como os devedores não procederam ao pagamento à exequente do valor do crédito penhorado veio esta instaurar a presente execução nos termos do 777º nº 3 do C.P.C..

Dispõe este preceito Não sendo cumprida a obrigação, pode o exequente ou o adquirente, exigir, nos próprios autos da execução, a prestação, servindo de título executivo a declaração de reconhecimento do devedor, a notificação efectuada e a falta de declaração ou o título de aquisição do crédito (sublinhado nosso).

Assim sendo, o título executivo da execução em apreço, que é incidental e instrumental relativamente à acção executiva, é o título de aquisição do crédito (emergente da sentença transitada em julgado em 27/10/2017 no proc. nº 2555/13.0TJVNF) pela exequente nos termos dos art. 775º nº 2, 777º nº 3 e 703º nº 1 d) do C.P.C., aliás como bem refere a exequente no requerimento executivo. Encontramo-nos perante um título judicial impróprio uma vez que o mesmo é formado no âmbito de um processo judicial, mas não consiste em decisão judicial que ordene o cumprimento de uma obrigação.
*
D) Inexistência do crédito exequendo originário

Os embargantes insurgiram-se igualmente contra a presente execução dizendo que inexiste o crédito exequendo originário.

A exequente pronunciou-se dizendo que os embargantes apenas podem tomar posição acerca da existência do crédito objecto da presente execução e não acerca da existência do crédito da exequente sobre o executado originário, J. S..

Assiste razão à exequente.

Do mesmo modo que, ao exequente desta execução incidental apenas é lícito exigir a prestação faltosa tal como resulta do título executivo previsto no art. 777º nº 3 do C.P.C., e não a prestação em dívida pelo executado originário e objecto da execução principal, o objecto da oposição a esta execução incidental circunscreve-se ao objecto daquele título executivo. Assim, ao abrigo do disposto no art. 731º e 729º do C.P.C., apenas pode o executado devedor nesta sede impugnar a existência do crédito do executado originário sobre si (art. 777º nº 4 do C.P.C.), discutir o seu montante, entre outros fundamentos. Acresce que o ora executado e devedor não teria legitimidade para deduzir qualquer pretensão referente à execução principal.

Não vislumbramos que esta interpretação da lei possa ser inconstitucional. A lei, ao permitir que o executado da execução incidental possa deduzir oposição a esta execução nos termos do art. 731º do C.P.C., assegura o respeito dos princípios do acesso ao direito e à defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos, direito a um processo equitativo e direito a obter a tutela efectiva dos seus direitos.
*
Assim sendo, nada há a apontar ao tribunal recorrido por ter entendido que o estado dos autos lhe permitia proferir decisão de mérito sem necessidade de produzir prova acerca do alegado pelos embargantes nos art. 15º a 61º do requerimento de oposição à execução e por ter considerado esta matéria como não provada. Com efeito, uma atitude contrária consubstanciaria a prática de acto inúteis o que é vedado (art. 130º do C.P.C.).
*
E) Inexistência do crédito exequendo objecto da execução cumulada por compensação

Referem os embargantes que, no proc. 2555/13.0TJVNF, os aqui executados e aí réus interpuseram recurso da decisão aí proferida e prestaram caução com vista a obter o efeito suspensivo do mesmo, caução essa que foi constituída pelo penhor do crédito que D. M. detém sobre J. S. na parte em que excede o crédito hipotecário de € 429.045,93, o que foi aceite pelo tribunal. Transitada em julgado a decisão aí proferida o aqui executado D. M., por carta de 05/02/2018, dirigida a J. S. operou a compensação. Nesta data a dívida dos ora executados para com J. S. era de € 97.703,90 e a dívida deste para com D. M. era de € 602.652,60.

Refere a exequente que o crédito de J. S. sobre os executados foi penhorado em 13/07/2016, foi adjudicado à exequente em 01/02/2017, foi instaurada execução cumulada em 27/12/2017. Os executados apenas concretizaram a compensação depois do crédito estar penhorado e vendido. A alegada compensação realizada no proc. nº 2555/13.0TJVNF não foi admitida por decisão de 28/02/2016. O momento de constituição do direito de compensação é a data em que exige judicialmente o pagamento ou em que o credor manifesta a sua vontade de exigir o pagamento do contra-crédito de que se diz titular. Acresce que impugna por desconhecimento a comunicação de 05/02/2018.

Vejamos.

Numa execução que se não baseie em sentença, como esta em apreço, além dos fundamentos previstos no artº 729º do C.P.C., podem ser alegados quaisquer outros que seria lícito deduzir como defesa no processo de declaração na parte em que sejam aplicáveis (art. 731º do C.P.C.), designadamente a compensação. Este facto extintivo da obrigação pode ser invocado nos mesmos termos e nas mesmas circunstâncias em que poderia ser invocada no processo de declaração.

Dispõe o artº 847º do C.C.:

“Quando duas pessoas sejam reciprocamente credor e devedor, qualquer delas pode livrar-se da sua obrigação por meio de compensação com a obrigação do seu credor, verificados os seguintes requisitos:

a) Ser o seu crédito exigível judicialmente e não proceder contra ele excepção, peremptória ou dilatória, de direito material;
b) Terem as duas obrigações por objecto coisas fungíveis da mesma espécie e qualidade”.

Se as duas dívidas não forem de igual montante, pode dar-se a compensação na parte correspondente (art. 847º nº 2 do C.C.) sendo que a iliquidez da dívida não impede a compensação (art. 847º nº 3 do C.C.),

A compensação torna-se efectiva mediante declaração de uma das partes à outra, sendo indiscutível que tal declaração destinada a tornar efectiva a compensação pode ser efectuada em acção judicial por via de excepção (artº 848º, nº 1 do C.C.).

A reciprocidade de créditos significa que a compensação apenas pode operar entre pessoas que sejam reciprocamente credor e devedor, i.e, o devedor de determinada obrigação é credor do seu credor. O crédito invocado para efeitos de compensação pode ter a sua fonte ou origem na mesma relação jurídica ou numa relação jurídica totalmente distinta e autónoma daquela que fundamentava o pedido do autor.

Por outro lado, a compensação pressupõe ainda que o crédito invocado para efeitos de compensação seja judicialmente exigível e não proceda contra ele excepção, peremptória ou dilatória, de direito material.

Sobre o que deve entender-se por crédito judicialmente exigível há divergências na jurisprudência.

Para uns a compensação só pode ser invocada se se fundar em documento que constitua título executivo (entre outros Ac. da R.E. de 23/11/2017, R.C. de 16/02/2017, R.L. de 22/03/2018, in www.dgsi.pt).

Outros defendem que uma “obrigação é judicialmente exigível quando o credor puder exigir o seu cumprimento imediato através de uma acção executiva (…) ou de uma acção declarativa tendente a obter sentença que, reconhecendo a existência da obrigação e a sua exigibilidade judicial, condene o devedor ao seu imediato cumprimento” sendo que, na acção em que a compensação é invocada, mostra-se necessário produzir prova da existência e exigibilidade do crédito e demais pressupostos de que depende a compensação (Ac. da R.P. de 24/02/2011, R.C. de 15/12/2016, in www.dgsi.pt).

Da lei resultam outros três requisitos, a saber, a fungibilidade e homogeneidade das prestações; a não exclusão da compensação por via legal e a declaração de vontade de compensar.

Revertendo ao caso em apreço verificamos, desde logo, que não se verifica a reciprocidade de créditos.

Com efeito, no âmbito desta execução temos como credor a exequente (a quem foi adjudicado, em 01/02/2017, o crédito penhorado de que era titular J. S.) e como devedores D. M. e Y, Lda. sendo que o crédito resultou da condenação no âmbito do processo nº 2555/13.0TJVNF. O ora embargantes pretendem obter a compensação deste crédito com parte do crédito resultante do proc. nº 485/06.1TCGMR no âmbito do qual J. S. – devedor - foi condenado a pagar apenas a D. M. – credor. Assim sendo, as pessoas envolvidas não são reciprocamente credoras e devedoras. O facto do crédito objecto desta execução ter tido anteriormente como devedor J. S. não releva na medida em que o momento para aferir da verificação deste requisito é o da declaração de vontade de compensar e esta, quer se atenda à carta de 05/02/2018, quer se atenda à data da instauração dos presentes embargos (20/02/2018), é posterior à aquisição do crédito pela aqui exequente.

Sendo certo que, com a adjudicação do crédito litigioso à exequente, ocorreu uma transmissão de crédito de J. S. para aquela, não podemos qualificar esta transmissão como uma cessão de créditos prevista nos art. 577º e ss do C.C.. Esta supõe um negócio que lhe está na base (578º nº 1 do C.C.) e aquela transmissão não, esta apenas produz efeitos em relação ao devedor com a notificação ou aceitação deste, o que não se verifica com a adjudicação. Sendo uma forma de aquisição distinta não é aplicável ao caso em apreço o disposto no art. 585º do C.P.C., não obstante poderem, em oposição à execução, ser invocados os fundamentos que podem ser invocados como defesa na acção declarativa.

Atenta a não verificação deste requisito fica prejudicado o conhecimento dos demais requisitos. Contudo, sempre se dirá que, em tese, a litigiosidade do crédito exequendo não impede a invocação contra ele da compensação desde que verificados os requisitos desta forma de extinção das obrigações.

Pelo exposto, a apelação improcede.
*
Sumário – 663º nº 7 do C.P.C.:

I – É nula a decisão por omissão de pronúncia que não conhece, sem que tal conhecimento tenha ficado prejudicado, em sede de embargos de executados, de alguns dos pedidos deduzidos.
II – Segundo a regra da substituição do tribunal recorrido prevista no art. 665º C.P.C. incumbe ao Tribunal da Relação suprir esta nulidade conhecendo as questões cuja apreciação foi omitida desde que previamente ouça as partes nos termos do nº 3 deste preceito.
III - No caso de crédito litigioso adjudicado ao exequente nos termos do art. 775º nº 2 do C.P.C. e em que o devedor não tenha efectuado o seu depósito, pode aquele instaurar execução incidental relativamente à acção executiva principal apresentando como título executivo o título de aquisição do referido crédito (art. 777º nº 3 e 703º nº 1 d) do C.P.C.).
IV - O objecto da oposição à execução incidental prevista no art. 777º nº 3 e 4 do C.P.C. circunscreve-se ao objecto do título executivo apresentado nessa execução (ex. impugnação da existência do crédito do executado originário sobre o devedor ou discussão do seu montante) não podendo ter por objecto fundamentos relacionados com a execução originária.
V – Nos termos do art. 731º do C.P.C. pode o executado desta execução incidental alegar como fundamento de oposição quaisquer fundamentos que seria lícito deduzir como defesa no processo de declaração, designadamente a compensação, a qual pressupõe a verificação dos requisitos previstos no art. 847º e ss. do C.C..
*
III – Decisão

Pelo exposto, os Juízes desta Relação julgam improcedente a apelação e consequentemente confirmam a decisão recorrida ainda que com fundamentação distinta.
Custas pelos apelantes.
**
Guimarães, 28/02/2018

Relatora: Margarida Almeida Fernandes
Adjuntos: Margarida Sousa
Afonso Cabral de Andrade