Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1901/12.9TBFAF.G1
Relator: MARIA LUÍSA RAMOS
Descritores: DIREITO A TORNAS
DIREITO DE CRÉDITO
PRESCRIÇÃO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 02/07/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
Sumário (da relatora):

O direito a haver tornas é um verdadeiro direito de crédito, só prescrevendo a correspondente obrigação do seu pagamento, nos termos gerais do artº 309º do Código Civil, no prazo de 20 anos a contar da data do trânsito em julgado da sentença que julgou a partilha
Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

Paula (…), co-interessada nos autos de Inventário Facultativo, nº 1901/12.9TBFAF, em curso, veio interpor recurso de apelação da decisão proferida nos autos em 22/10/2018, que determinou a notificação da cabeça-de-casal Paula (..), para efectuar o pagamento das tornas devidas à interessada Maria (…), no prazo de 10 dias, e, não sendo comprovado o pagamento se procedesse á venda do prédio adjudicado à interessada e cabeça-de-casal Paula (…), para pagamento do montante de tornas devidas á interessada Maria (…) que lhe foram cedidas pelo interessado Rui (…), mais ordenando a notificação dos interessados para se pronunciarem acerca da modalidade da venda.

O recurso foi recebido como recurso de apelação, com subida imediata, nos autos e efeito meramente devolutivo.

Nas alegações de recurso que apresenta, a apelante formula as seguintes Conclusões:

a) A inadmissibilidade do Despacho de que ora se recorre por o mesmo estar em clara e completa contradição com a Certidão exarada pelo Tribunal a quo em 30 de Janeiro de 2018, certidão essa com expressa menção de que “ … a sentença proferida transitou em julgado e m 26.01.2018 e que as tornas devidas se encontram pagas.” (negrito e sublinhado nossos) – cfr. Fls…

b) Não admissão da Cessão de Créditos entre os dois Interessados Maria e Rui por a mesma ter sido celebrada e carreada para os autos em data muito posterior ao trânsito em julgado da sentença, ou seja, em 05 de Março de 2018.

c) Seja revogado o Despacho de que ora se recorre, na sua totalidade e, consequentemente, seja ordenado a prolação de um outro que tenha em linha de conta a Certidão passada pelo próprio Tribunal a quo no sentido de que as tornas se encontram pagas e de que a cessão de créditos invocada não produz efeitos nos presentes autos por extemporânea a sua celebração e apresentação, tudo com as legais consequências.

Foram proferidas contra-alegações.

O recurso veio a ser admitido neste tribunal da Relação na espécie e com os efeitos e regime de subida fixados no despacho de admissão do recurso na 1ª instância.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

Delimitação do objecto do recurso: Questões a decidir.

Atentas as conclusões do recurso de apelação deduzidas, e supra descritas, e o teor e fundamentos do despacho recorrido, são as seguintes as questões a apreciar:

- reapreciação da decisão recorrida que determinou a notificação da cabeça-de-casal Paula para efectuar o pagamento das tornas devidas à interessada Maria, no prazo de 10 dias, e, não sendo comprovado o pagamento se procedesse á venda do prédio adjudicado à interessada e cabeça-de-casal Paula (…), para pagamento do montante de tornas devidas á interessada Maria (…) que lhe foram cedidas pelo interessado Rui (…) a, mais ordenando a notificação dos interessados para se pronunciarem acerca da modalidade da venda.

FUNDAMENTAÇÃO ( de facto e de direito)

I) 1. Paula (..) co-interessada nos autos de Inventário Facultativo, nº 1901/12.9TBFAF, em curso, veio interpor recurso de apelação da decisão proferida nos autos em 22/10/2018, com o seguinte teor:

Notificado o interessado Rui (…) para se pronunciar acerca da cessão do crédito de tornas de que era titular nestes autos em favor da sua irmã, aqui interessada Maria (…), e da pretensão daquela em ver vendido o bem adjudicado à interessada Paula (…), o mesmo afirmou nada ter a opor a tal pretensão, reconhecendo a cessão efectuada.
*
Em face da referida não oposição, notifique a cabeça-de-casal Paula para efectuar o pagamento das tornas devidas à interessada Maria, no prazo de 10 dias.
*
Não sendo comprovado o referido pagamento, no prazo assinalado, nos termos e pelos fundamentos constantes do despacho proferido a 18-04-2018, nos presentes autos, no qual se antecipava já a bondade da pretensão da interessada Maria (…), determino a venda do prédio adjudicada à interessada e cabeça-de-casal Paula (…), para pagamento do montante de tornas que lhe foram cedidas pelo interessado Rui (…).
Notifique os interessados para se pronunciarem acerca da modalidade da venda.”

2. Compulsados os autos verifica-se que tendo sido elaborado o Mapa Informativo de Partilha a que alude o artº 1376º do Código de Processo Civil, (na versão aplicável, anterior à Lei nº 41/2013 de 26/06), a fls.221/224, em 16/6/2017, e, posteriormente, em conformidade com o mesmo, o Mapa de Partilha, a fls. 248/251, em 10/11/2017, o qual posto em reclamação, por despacho de 15/11/2017, não obteve oposição, apurou-se a responsabilidade de pagamento de tornas por parte da interessada Paula (…), a, nomeadamente, ao interessado Rui (…), no montante de € 36.501,53.
3. Tendo sido ordenado o cumprimento do disposto no artº 1377º-nº1 do CPC, por despacho de 20/6/2017, a fls. 225 dos autos, o indicado interessado Rui (…), nada reclamou ou requerer com vista ao pagamento das tornas.
4. Com data de 7/12/2017, a fls. 253 dos autos, foi proferida sentença de homologação da partilha constante do mapa de fls.248 a 251, tendo tal decisão transitado em julgado.
5. Por contrato de “Cessão de Créditos “de 5 de Março de 2018, celebrado entre os interessados Rui (…) e Maria (…) aquele cedeu a esta o crédito de tornas no montante de € 36.501,53, de que é titular no Processo de Inventário em curso e da responsabilidade da co-interessada Paula (…).
II. Nos autos, tendo a interessada Maria (…) vindo requerer a venda judicial da verba nº 43 adjudicada á interessada Paula (…), para pagamento das tornas devidas por esta última ao co-interessado Rui (..), que as não reclamou, tendo cedido o respectivo crédito á requerente Maria (…), veio a ser proferido o despacho recorrido que determinou a notificação da cabeça-de-casal Paula para efectuar o pagamento das tornas devidas à interessada Maria, no prazo de 10 dias, e, não sendo comprovado o pagamento se procedesse á venda do prédio adjudicado à interessada e cabeça-de-casal Paula (..), para pagamento do montante de tornas devidas á interessada Maria (…) que lhe foram cedidas pelo interessado Rui (…), mais ordenando a notificação dos interessados para se pronunciarem acerca da modalidade da venda, de tal decisão vindo recorrer a interessada Paula (…), nos termos e pelos fundamentos supra requeridos.

Alega a apelante que deve ser revogado o despacho de que ora se recorre, atenta a Certidão passada pelo próprio Tribunal a quo no sentido de que as tornas se encontram pagas e considerando que a cessão de créditos invocada não produz efeitos nos presentes autos por extemporânea a sua celebração e apresentação por a mesma ter sido celebrada e carreada para os autos em data muito posterior ao trânsito em julgado da sentença, ou seja, em 05 de Março de 2018.

Carece a apelante de razão.

Com efeito, desde logo, relativamente á “certidão” em referência trata-se de mero acto de secretaria que deverá conformar-se com o teor dos autos e respectivos autos e decisões, e não o contrário, obviamente, apenas as decisões judiciais sendo susceptíveis de transitar em julgado e se tornar obrigatórias no processo nos seus precisos termos como determinam os artº 619º e 620º do CPC, nenhum efeito legal decorrendo das certidões de teor, máxime quando não sejam os seus termos correspondentes á realidade processual que pretendem declarar, nesta parte improcedendo os fundamentos da apelação.

Igualmente improcedendo a apelação relativamente á alegada extemporaneidade da apresentação do contrato de Cessão de Créditos relativo ao direito ás tornas devidas ao interessado Rui (..), no montante de € 36.501,53 e da responsabilidade de pagamento da interessada Paula (…), e que cedeu por contrato de 5 de Março de 2018 a Maria (…), pois que tais tornas não tendo ainda sido pagas se mantém o direito de crédito respectivo, podendo as mesmas ser exigidas judicialmente, enquanto tal direito se não extinguir, tal como decorre do disposto no art.º 1378º-nº4 do Código de Processo Civil, (na indicada versão aplicável, anterior à Lei nº 41/2013 de 26/06), o qual, expressamente, dispõe que não sendo reclamado o pagamento, as tornas vencem juros legais desde a data da sentença de partilhas, o que expressamente pressupõe a existência do direito para além da decisão de homologação, e, aliás, como já bem decidido no despacho de 18/4/2018, em referência no despacho recorrido, e, ainda, com referência aos ensinamentos de Lopes Cardoso, in Partilhas Judiciais, Vol. II, 5ª Edição, pg. 611, e, ainda, obra indicada, 4ª edição, Vol. II, pg.453 e sgs, declarando-se, que “os juros legais começam a contar-se da data da sentença de partilhas e não do respectivo trânsito. E são devidos até pagamento efectivo das tornas, salvo prescrição deles ( Cód. Civil, artº 310-nº2 ), na certeza de que também as próprias tornas podem ser atingidas pelas prescrição, nos termos do artº 309º” – “ O direito a haver tornas é um verdadeiro direito de crédito, só prescrevendo a correspondente obrigação do seu pagamento, nos precisos termos do artº (…) se não for exigido no prazo de 30 anos, contado da data do trânsito em julgado da sentença que julgou a partilha” – Ac. Rel. Lisboa de 2-4-1968, referido in obra e pg. citadas.

Conclui-se, nos termos expostos, pela improcedência dos fundamentos da apelação, devendo confirmar-se a decisão recorrida que não merece censura.

DECISÃO

Pelo exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar improcedente a apelação, confirmando-se o despacho recorrido.
Custas pela apelante (artº 527º-nº1 e 2 do CPC ).
Guimarães, 7 de Fevereiro de 2019

Maria Luísa Duarte
António Júlio da Costa Sobrinho
Jorge Alberto Martins Teixeira