Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
305/09.5TBCBT.G1
Relator: FILIPE CAROÇO
Descritores: DEPÓSITO BANCÁRIO
RESPONSABILIDADE
PIRATARIA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 10/23/2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário: 1- A complexidade dos sistemas bancários home banking, concebidos e controlados pelos Bancos, assim como a grande exigência dos mecanismos relacionados com a segurança das operações bancárias através deles realizadas, a par da propriedade do banco sobre os valores depositados pelos seus clientes, em ambiente contratual, justificam o funcionamento da regra da presunção de culpa prevista pelo art.º 799º, nº 1, do Código Civil, que recai sobre a entidade bancária na responsabilidade pela utilização fraudulenta daqueles meios.
2- Em todo o caso, o banco pode elidir aquela presunção, afastando a sua culpa ou demonstrando mesmo a culpa do cliente pela deficiente utilização daqueles meios expeditos, designadamente, alegando e demonstrando que o cliente beneficiário violou o contrato, divulgando na internet dados pessoais, secretos e intransmissíveis relativos ao seu acesso, em benefício de hackers.
3- No primeiro caso, o Banco pode ainda ser responsabilizado pelo risco, enquanto na segunda hipótese a responsabilidade é do cliente.
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães
I.
F..,sua mulher, M.., e FR.., todos com residência no Lugar.., Celorico de Basto, intentaram acção declarativa de condenação sob a forma de processo ordinário, contra:
a) C..,S.A., com sede na Av.., em Lisboa;
b) A.., gerente da agência da 1ª R. de Celorico de Bastos, sita na Av.. e com domicílio profissional nessa mesma agência, alegando, aqui no essencial, que tendo os três A.A. celebrado com a 1ª R. dois contratos de depósito de dinheiro na referida agência, nela tendo passado a depositar quantias diversas, foram realizadas operações de transferência bancária de valores entre contas através do sistema caixa directa on-line sempre pela forma do costume.
Porém, a 1ª R., no dia 14.4.2009, sem autorização e contra a vontade do A. Fr.., procedeu à transferência de € 5.000.00 de uma conta de depósitos a prazo de que este é titular para outra conta pertencente a pessoa estranha e cuja identidade não é conhecida do mesmo A.
No mesmo dia, a 1ª R. transferiu de uma conta de depósito a prazo de que são titulares os A.A. F.. e M.. a quantia de € 5.000,00, sem autorização e contra a vontade destes, para outra conta de pessoa cuja identidade não é conhecida dos mesmos.
No dia seguinte, a 1ª R. transferiu a quantia de € 287,00 também sem autorização e contra a vontade do A. Fr.., de uma sua conta de depósito à ordem para outra sua conta de depósito a prazo.
Ainda no dia 15.4.2009 a 1º R., mais uma vez sem consentimento do A. Fr.. transferiu € 4.200,00 da sua conta de depósito a prazo para uma conta de pessoa estranha. E também no mesmo dia, a mesma R. transferiu mais uma vez a quantia de € 4.700.00 da mesma conta de depósitos a prazo de que são titulares os 1ºs A.A. sem autorização destes e contra a sua vontade, para outra conta pertencente a pessoas que desconhecem.
Os A.A. nunca quiseram efectuar tais transferências e ficaram, abusivamente, privados dessas quantias, de que a 1ª R. é fiel depositária, “por gatunos que se introduziram no sistema informático da 1ª Co-ré C.., violando o sistema de segurança da página da internet pertencente á 1ª Co-ré que esta anuncia como absolutamente seguro nos meios de comunicação social e junto dos balcões das suas Agências”.
Os A.A. diligenciaram insistentemente junto da agência da 1ª R. em Celorico de Basto para resolverem o problema das transferências abusivas, pretendendo o seu dinheiro, referindo o 2º R. que já havia comunicado com a sede, em Lisboa, a participar o sucedido.
Os A.A. ficaram afectados com toda a situação e até com a forma intimidatória como foram tratados pelo 2º R. e outros funcionários da agência, tendo os R.R., inclusivamente, apresentado queixa-crime contra o A. Fr.. alterando a verdade dos factos para prejudicar os demandantes.
Todos os A.A. ficaram deprimidos e entristecidos com forte e estigmatizante perturbação do equilíbrio sócio-psíquico emocional, inquietação, vexame e mal-estar psicológico, sofrendo graves danos não patrimoniais.
Terminam o seu articulado com o seguinte pedido, ipsis verbis:
«Nestes termos e nos mais de Direito aplicável, deve a presente acção ser julgada procedente e provada e, em consequência:
a) Deve a 1ª Co-ré C..,SA ser condenada a pagar ou restituir aos 1ºs Co-Autores, devolvendo à sua conta bancária de depósito a prazo (poupança) nº.. de que estes são titulares e sediada na Agência de Celorico de Basto da 1º Co-ré, mencionada nos artºs 2º, 3º, 4º, 5º, 6º, 7º, 8º desta petição, as quantias de € 5.000,00 (cinco mil euros) e de € 4.700,00 (quatro mil e setecentos euros), num total de € 9.700,00 (nove mil e setecentos euros) que dessa conta foram retiradas abusivamente e contra a vontade dos Iºs Co-Autores que eram os únicos titulares dessa conta bancária.
b) Deve a 1ª Co-ré C..,SA ser condenada a pagar aos lºs Co-Autores juros de mora comerciais, à taxa supletiva legal de 9,5% (artº 559º nº l do Código Civil conjugado com o Aviso (extracto) nº 1261/2009, 2ª Série, de 2/1, publicada em conformidade com o disposto no nº 2 da Portaria nº 597/05, D.R., 1ª Série-B, nº 137, de 19-7-05) a incidir sobre aqueles montantes de € 5.000,00 e de € 4.700,00, de que os mesmos 1ºs Co-Autores se acham privados, contados desde 14-4-2009 e 15-4-2009, respectivamente, datas em que foram esbulhados ou privados de dispor desses dinheiros e vencidos até efectivo reembolso ou pagamento dessas importâncias;
c) Deve a 1ª Co-ré C..,SA ser condenada a pagar ou restituir ao 2º Co-réu Fr.. as quantias de € 5.000,00 (cinco mil Euros) e de € 4.200 (quatro mil e duzentos euros), num total de € 9.200,00 (nove mil e duzentos euros), devolvendo essas quantias à conta bancária nº 0240 014816527 de que este 2º Co-A. é titular e sediada na Agência de Celorico de Basto da 1ª Co-ré C.. e mencionada nos art.ºs 9º, 10º, 11°, 12º, 13º, 14º desta petição, importâncias essas que dessa conta bancária foram retiradas abusivamente e contra a vontade do 2º Co-A. que era o único titular dessa conta bancária.
d) Deve a lª Co-ré C.. ser condenada a pagar ao 2º Co-A. Fr.. juros de mora comerciais, à taxa supletiva legal de 9,5% (artº 559º nº l do Código Civil conjugado com o Aviso (Extracto) nº 1261/2009, 2ª Série; de 2/1, publicada em conformidade com o disposto no nº 2 da Portaria nº 597/05, D.R., 1ª Série-B, nº 137, de 19-7-05) a incidir sobre aqueles montantes de € 5.000,00 e de € 4.200,00 de que o mesmo 2º Co-A. se acha privado, contados desde 14-4-2009 e 15-4-2009, respectivamente datas em que foram esbulhados ou privados de dispor desses dinheiros e vencidos até efectivo pagamento ou reembolso dessas importâncias mencionadas na supra alínea c) deste pedido.
e) Devem a 1ª Co-ré C.. e o 2º Co-réu A.. ser condenados solidariamente a pagar aos lºs Co-Autores e 2º Co-A. a indemnização que se liquidar em execução de sentença pelos prejuízos que lhes causaram e continuam a causar e dado o alegado nos artºs 66º, 67º e 68º desta petição.
f) Devem a 1ª Co-ré C.. e o 2º Co-réu A.. ser condenados solidariamente a pagar aos 1ºs Co-Autores F.. e esposa M.. e ao 2º Co-A. Fr.. a quantia global de € 18.980,00 (dezoito mil novecentos e oitenta Euros), sendo € 6.660,00 para cada um desses Autores, como compensação pelos danos não patrimoniais por ele sofridos e dado o alegado nos artigos 33º a 43º, 44º a 58º, 59º a 66º desta petição.
g) Devem ambos os réus ser condenados nas custas, procuradoria condigna e em tudo o mais que for de lei.» (sic)
Citados, os R.R. contestaram a acção, impugnando parcialmente os factos. Deram nota dos contratos assinados pelo 1º e 2º A.A. para acederem ao serviço caixa directa on-line, com activação dos respectivos cartões matriz, e identificaram as contas para onde foram transferidas as quantias em causa desconhecendo se o foram com desconhecimento e contra vontade dos A.A.
Quanto a uma das transferências, no valor de € 4.700,00, verificando que ainda não fora utilizada pelo destinatário, a 1ª R., na sequência da queixa apresentada pelos A.A., debitou a conta do destino e procedeu ao respectivo crédito na conta debitada, pertencente ao 1º A., pelo que tal quantia não deveria integrar o petitório da acção.
O 2º A. reconheceu junto da C..,SA que havia fornecido todas as combinações de números do seu cartão matriz e do cartão matriz de seu pai, bem como os respectivos números fiscais de contribuinte, por tal lhe haver sido pedido na internet, assim divulgando a hackers as combinações possíveis de algarismos que lhe são solicitadas pela C..,SA quando se pretende efectuar uma transferência para terceiros, perigo para o qual o Banco sempre alertava os seus clientes no sentido de que nunca pede a confirmação dos dados do cartão matriz.
O 2º A. violou as recomendações de segurança e o dever de privacidade que deve manter e é indispensável à garantia do sistema on-line a que aderiram e que resultam, quer do contrato, quer da própria página do serviço prestado por aquela forma.
Os R.R. são alheios à fraude, para a qual os A.A. contribuíram com negligência.
Na impugnação incluem grande parte da alegação relativa a danos não patrimoniais.
Terminam no sentido de que sejam julgados improcedentes os pedidos dos A.A.
Os A.A. pediram a intervenção principal provocada de:
1- J.., residente na Praceta.., Sintra; e
2- A.., residente na Rua.., Lisboa, como sendo os destinatários das contas de depósito para onde foram transferidas, de modo fraudulento, as quantias retiradas das suas contas bancárias.
Pediram a condenação dos mesmo pela reposição dos valores em falta e de que se apropriaram abusivamente, com os respectivos juros, contados desde os momentos de cada transferência, à taxa comercial, bem como nas indemnizações que se liquidarem em oportuna liquidação por outros prejuízos que continuarão a causar, respondendo solidariamente com os R.R.
Os demandantes apresentaram réplica confirmando a devolução pela 1ª R. da quantia de € 4.700,00. Impugnaram a matéria da defesa por excepção, nomeadamente, a comunicação pela R. C..,SA e o conhecimento pelos A.A., do teor das cláusulas gerais associadas ao contrato de adesão ao serviço “Caixadirecta”; a disponibilização a terceiros, pelo R. Fr.., das combinações numéricas que permitem movimentar as contas bancárias; a prestação pela R. C..,SA aos A.A., das recomendações ou conselhos de segurança referidas nos artigos 40º a 48º da contestação. Pediram a redução do pedido formulado sob a alínea a) supra, na exacta medida da devolução, pela 1ª R. do montante de € 4.700,00, correspondente a uma das duas transferências não autorizadas.
Defendendo a improcedência das excepções deduzidas pelos R.R., reduziram o pedido que formularam sob a al. a) para os seguintes termos:
“Deve a 1ª Co-ré C.. ser condenada a pagar ou restituir aos 1ºs Co-Autores, devolvendo à sua conta bancária de depósito a prazo (poupança) nº 024011717861 de que estes são titulares e sediada na Agência de Celorico de Basto da 1ª Co-ré mencionada nos artigos 2º, 3º, 4º, 5º, 6º, 7º e 8º da petição inicial a quantia de € 5.000,00 (cinco mil Euros), que dessa conta retirada abusivamente e contra a vontade dos lºs Co-Autores que eram e são os únicos titulares dessa conta, quantia essa acrescida de juros de mora de natureza comercial à taxa de 9,5% consoante Aviso (extracto) nº 1261/2009, 2ª Série, de 2/1, publicado em conformidade com o disposto no nº 2 da Portaria nº 597/05, D.R., 1ª Série-B, nº 137, de 19-7-05, a incidir sobre aquele montante”. (sic)
Mantiveram todos os demais pedidos da acção.
Em articulado junto a fls. 125 e seg.s, os R.R. sustentaram a inadmissibilidade parcial do teor da réplica.
Os Autores juntaram, a fls. 129, requerimento em que sustentaram a inadmissibilidade do articulado de fls. 125, o que teve resposta por requerimento da R. de fls. 135 e seg.s.
Por despacho de fls. 137 e seg.s foi admitida a redução do pedido, foi declarado parcialmente nulo o articulado de réplica e considerados não escritos os seus artigos 25º a 34º e 41º a 59º; declarando-se nula a apresentação do requerimento de fls.132 e o mesmo não escrito. Foi admitida a intervenção processual provocada de J.. e de A.., na qualidade de Réus, com ordem de citação para contestarem a acção.
Citados, só o interveniente J.. contestou a acção, excepcionando a sua ilegitimidade passiva, invocando que não usufruiu das quantias que foram transferidas para a sua conta bancária, que se limitou a fornecer o respectivo número para que uma terceira pessoa, conhecida de um colega de trabalho seu, operasse uma transferência bancária a partir do Brasil, e a proceder ao levantamento e entrega desse dinheiro ao referido amigo. Agiu de boa fé, com intenção de ajudar terceiros, desconhecendo o carácter ilícito de tal actuação. Impugnou os demais fundamentos do pedido.
Os A.A. replicaram quanto à excepção da ilegitimidade passiva deduzida pelo interveniente, defendendo a sua improcedência e reforçando sentido da sua condenação.

Dispensada a audiência preliminar, foi proferido despacho saneador que julgou improcedente a excepção da ilegitimidade passiva suscitado pelo chamado contestante, fixou factos assentes e elaborou base instrutória, de que reclamaram os A.A. e a R. C.., com indeferimento da reclamação desta e deferimento parcial da reclamação daqueles.

Instruídos os autos, teve lugar a audiência de discussão julgamento da causa, onde ainda se rectificaram os factos assentes, que culminou com prolação de respostas fundamentadas à matéria da base instrutória, posteriormente rectificadas (cf. fl. s 433 e seg.s, e 444 e 445), de que não houve reclamação.
Foi depois proferida sentença, com o seguinte dispositivo:
« Pelo exposto, julgo:
A.
Parcialmente procedente a acção, condenando:
- a Interveniente A.. a pagar aos 1ºs. Co-autores, F.. e M.., a quantia de € 5.000,00 (cinco mil euros), acrescida de juros de mora, à taxa legal, contados desde 14.04. 2009, vencidos e vincendos até efectivo pagamento;
- o Interveniente J.. a pagar ao 2º Co-autor Fr.., as quantias de € 5.000,00 (cinco mil euros) e de € 4.200,00 (quatro mil e duzentos euros), num total de € 9.200,00 (nove mil e duzentos euros), acrescida de juros de mora, à taxa legal, contados desde 14.04.2009 e 15.04.2009, respectivamente, vencidos e vincendos até efectivo pagamento;
B
Parcialmente improcedente a acção, absolvendo os Réus do pedido e os Intervenientes da parte restante do mesmo, formulado pelos Autores.
Custas do pedido por Autores e Intervenientes na proporção do decaimento, sem prejuízo de eventual benefício de apoio judiciário concedido ( art.º 446º do CPC )» (sic).

Inconformados, os A.A. recorreram da sentença, de apelação limitada à parte que absolveu a 1ª R. C..,SA e o 2º R A.., com as seguintes CONCLUSÕES:
«1- O presente recurso de apelação é limitado á parte da douta sentença recorrida desfavorável aos Autores e que absolveu a 1ª Co-ré C.. e o 2º Co-réu A.. dos pedidos, não havendo nenhum reparo a fazer á condenação dos intervenientes chamados J.. e A...
2- Deverá ser aditada á matéria á matéria de facto apurada na douta sentença recorrida a factualidade de constante da Alínea R) que, por lapso de escrita, da sentença não consta e foi adicionada aos Factos Assentes, por douto despacho de 18-10-2010 que aqui se dá como integrado e reproduzido e que deferiu parcialmente a reclamação que constitui fls 181 a 187 apresentada pelos Autores apelantes contra a seleção da matéria de facto e que eliminou o quesito 27º e ordenou a remuneração, em conformidade, da base instrutória.
3- É facto que os Autores apelantes só tiveram conhecimento das transferências ilícitas e abusivas do dinheiro das suas contas bancárias para as contas dos intervenientes chamados através do telefonema que a 1ª Co-ré C.. fez no dia 15-4-2009 pelas 14 horas e 29 minutos para o 2º Co-Autor Fr.. que foi gravado pelos serviços da mesma Caixa tendo os registos fonográficos e escrito dessa conversa telefónica sido juntos aos autos pela mesma 1ª Co-ré na sessão de julgamento do dia 13-4-2011 e constituem fls…
4- Lê-se no centro superior esquerdo da 1ª página da transcrição dessa conversa telefónica junta aos autos pela 1ª Co-ré C.... na sessão de julgamento do dia 13-4- 2011 consoante flui da respectiva acta:
“Gravação: Voice
Empregado: J...
Segmento ID: 11984364
Data: 2009-04-15
Hora: 14:29:27
Duração: 00:10:15
5- Daqui resulta claramente que a 1ª Co-ré apelada C..., pelo menos no ia 15-04- 2009, pelas 14 horas e 29 minutos e 27 segundos, já sabia das transferências abusivas e ilícitas das contas dos Autores para as contas dos intervenientes chamados.
6- O empregado da 1ª Co-ré C.. que fez o referido telefonema e que gravou, J.., identificado no cabeçalho do registo escrito, foi arrolado como testemunha pela 1ª Co-ré e o seu depoimento prestado por videio conferência na sessão de julgamento do dia 24-10-2011 encontra-se gravado através do sistema de gravação digital, disponível na aplicação informática do Tribunal de Celorico de Basto e, em síntese, declarou:
- Que deu tratamento ao problema que lhe foi reportado.
- Foi ela que falou ao telefone, no dia 15-4-2009, com o 2º Co-Autor Fr.. e que gravou essa conserva telefónica.
- Por volta das 10 horas desse dia 15-4-2009 recebeu uma comunicação dum possível levantamento fraudulento no âmbito da Caixa Directa on-line,
- E de seguida telefonou aos Clientes Sr. F.. (pai) e depois telefonou ao filho.
- Mais declarou a testemunha J.. quando falou com os Clientes a C.. bloqueou as contas dos beneficiários das transferências.
- Declarou ainda a mesma testemunha que as contas dos beneficiários das transferências foram bloqueadas de manhã pela testemunha.
- Declarou também que depois alguém desbloqueou essas contas e esse alguém tinha de ser a C..,
- E só assim se explica que nesse dia 15-4-2009, á noite, tenha havido levantamentos do dinheiro das contas dos beneficiários e intervenientes chamados.
- Declarou ainda a testemunha J.. que com o bloqueamento aparece nas contas bloqueadas dos beneficiários das transferências a anotação “suspeita de fraude”, transferência ilícita,
- Não sabe como é que o beneficiário das transferências pode levantar o dinheiro.
- Declarou ainda a testemunha J.. que estando a conta bloqueada o beneficiário não pode levantar o dinheiro com cartão multibanco a não ser que vá ao balcão da C.. desbloquear essa conta.
- Declarou ainda a identificada testemunha J.. que a conta teve de ser desbloqueada pelo beneficiário da transferência num balcão de qualquer agência da C...
7- É também esclarecedor o depoimento da 4ª testemunha arrolada pela 1ª Co-ré C.., J.., seu funcionário, cujo depoimento foi também prestado por vídeo-conferência na sessão de julgamento do dia 24-10- 2011 e encontra-se gravado através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso no Tribunal Judicial de Celorico de Basto, tendo, em síntese, declarado:
- Trabalha para a C.. na área informática, mais concretamente na equipa se segurança da Caixa;
- Acompanha o sistema de monotorização dos acessos ao Caixa Directa on-line.
- No dia 14 de Abril de 2009 houve um acesso suspeito do Brasil para o tipo de cliente;
- Houve um primeiro acesso no dia 14 de Abril de 2009 que suscitou dúvidas e depois houve um outro acesso suspeito na madrugada do dia 15 de Abril de 2009;
- O nosso procedimento foi contactar o “contact Center” da C.. para contactar o cliente e saber o que se passa.
- Depois há outra secção que contactou o cliente e dá continuação ao processo.
- Não sabe se nessa altura as mensagens, os alertas das páginas da caixa já existiam.
8- Naquele mesmo dia 15-04-2009 e depois de receber o telefonema referido na supra conclusão 6ª, os Autores, por volta das 15 horas, deslocaram-se á Agência de Celorico de Basto da 1ª Co-ré C..., na sequência das instruções recebidas pelo seu funcionário J.. – cfr. referida transcrição escrita da conversa telefónica – para aí falarem com o gerente dessa Agência e aqui 2º Co-réu A.. e saberem a identificação dos beneficiários das transferências abusivas e obterem uma solução para o caso com a devolução do dinheiro às suas contas bancárias sedeadas nesse Agência.
9- O 2º Co-réu A.., sem qualquer razão justificativa, não forneceu aos Autores essas informações como era seu dever, dizendo-lhes:
“o assunto está em auditoria”, “é um caso de piratas informáticos”; “não tenho mais informações a dar” – cfr. resposta ao artº 3º da base Instrutória.
10- Ao não dar mais informações aos Autores apelantes o 2º Co-réu A.. violou deveres profissionais de conduta, deveres de informação que estão hoje genericamente consagrados na vastíssima orla das obrigações, através do princípio geral proclamado no artº 573º do Código Civil, segundo o qual “a obrigação de informação existe, sempre que o titular de um direito tenha dúvida fundada acerca da sua existência ou do seu conteúdo se outrem esteja em condições de prestar as informações necessárias.
11- Violou ainda o mesmo 2º Co-réu A.. deveres de consideração, de deferência e lealdade com os clientes da 1ª Co-ré C... da qual é funcionário dependente, e para lhes evitar possíveis e reais prejuízos,
12- Numa palavra, o 2º Co-réu apelado, não empregou a diligência que o bom pai de família, colocado naquela situação, teria empregado.
13- De resto com a sua contestação os réus apelados juntaram aos autos como Doc. nº 1 e Doc. nº 2 os extractos das contas bancárias nº.. de que é titular o interveniente chamado J.. e da conta nº.. de que é titular a interveniente chamada A.., encontrando-se ambas essas contas sedeadas na 1ª Co-ré C.., constando desses extractos dos contas dos chamados quer as transferências abusivas, quer os levantamentos parcelares dessas quantias efectuadas pelos mesmos chamados.
14- Esta informação que os réus só deram com a sua contestação está nos registos informáticos da 1ª Co-ré C. “ab-initio” e o 2º Co-réu A.., na qualidade de gerente da Agência da C.. de Celorico de Basto também a conhecia pois tinha acesso imediato via sistema informático da 1ª Co-ré C... aquelas contas dos intervenientes chamados sedeados na C... e ás contas dos Autores.
15- Mas preferiu, sem qualquer razão justificativa, omitir tal informação não a fornecendo aos Autores,
16- Não obstante o 2º Co-Autor apelante Fr.. em 15-4-2009, ter entregue ao 2º Co-réu A.., consoante melhor se vê do carimbo aposto pela Agência da C... de Celorico, o requerimento que constitui Doc. nº 1 junto com a réplica á contestação dos réus, onde se lê:
“Solicito a averiguação sobre os movimentos efectuados através da Caixa Directa em todas as contas de que sou titular.
Contacto nº ..”.
Seguem-se as assinaturas de titular da conta ou seja do 2º Co-Autor e do gerente da Agência ou seja do 2º Co-réu e do gerente da Agência ou seja do 2º Co-réu e a data de 15-4-2009.
17- No dia seguinte, ou seja em 16-4-2009, o mesmo 2º Co-Autor apelante Fr.. dirigiu-se novamente á Agência de Celorico de Basto para saber mais uma vez a identificação dos beneficiários das transferências, informação esta que continuou a ser-lhe omitida, tendo entregue ao Gerente da Agência, 2º Co-réu A.., conforme se vê do carimbo aposto pela Agência, um novo requerimento que constitui o Doc. nº 2 junto com a réplica á contestação dos réus, onde se lê:
“Solicito a identificação dos beneficiários das transferências efetuadas nos dias 14 e 15 de Abril nos valores de € 5.000,00 e € 4.200,00.
Contacto: ..”.
Seguem-se as assinaturas do 2º Co-Autor apelante Fr.. na qualidade de titular da conta, e do 2º Co-réu apelado na qualidade de gerente da Agência e a data de 16-4-2009.
18- O 2º Co-réu, gerente da Agência, em vez de cumprir os seus deveres profissionais de conduta, de consideração, deferência, colaboração e lealdade para com os Autores/clientes do Banco e informá-los cabalmente, no dia 17 de Abril de 2009, quando os Autores se deslocaram mais uma vez aquela Agência da C.., mandou uma funcionária dizer-lhes “que se calassem ou chamava a G.N.R.” e que “não voltassem às instalações da Agência da ré em Celorico de Basto por causa daquele assunto e apresentou uma queixa-crime consoante documentos juntos pelos Autores na 1ª sessão do julgamento e que constituem fls 301 e 302 (fax de 17-4- 2009 da 1ª Co-ré C... para o Comandante do Posto da G.N.R. de Celorico e auto de diligência externa da G.N.R.) cfr. respostas aos quesitos 4º, 5º, 11º e 12º e Alínea Q) da especificação,
19- Constituindo-se assistente e deduzindo acusação contra o 2º Co-Autor Fr.. no processo comum com intervenção de Tribunal singular nº 859/08.3 GAFAF que correu termos pelo Tribunal Judicial de Celorico, tendo a final sido absolvido consoante melhor se vê da douta sentença transitada que se junta cujo conteúdo aqui se dá como integrado e reproduzido sido (Doc. nº 1).
20- Os Autores que são considerados no meio social em que vivem pessoas de bem, honradas e sérias – respostas aos quesitos 16º da Base Instrutória -, sofreram, em consequência dos factos apurados nas respostas aos artigos 10º, 11º, e 12º da Base Instrutória, inquietação, desgosto, tristeza, mal-estar e sofrimento moral – cfr. resposta aos quesitos 13º a 15º.
21- O Mº. Juiz “a quo” não obstante reconhecer na sua douta sentença recorrida que ficou demonstrado a existência de um dano de natureza moral decorrente da actuação voluntária dos réus não os condenou no pagamento aos Autores duma compensação a esse título por entender que não resultou da matéria de facto provada que a actuação dos réus tenha sido ilícita – cfr. fls. 9, parágrafo, da sentença recorrida.
22- Salvo sempre o devido respeito por tal opinião, entendem os Autores apelantes que o Exmº Juiz “a quo” não tem razão pois o comportamento dos réus apelados é ilícito, porquanto em face das circunstâncias específicas do caso aos réus deviam e podiam ter agido de outro modo,
23- Já que além de violarem normas que consagram os deveres de conduta mencionados nas conclusões 10º, 11º e 12º desta minuta de recurso, também violaram os artºs 74º e 75º do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedade Financeira, aprovado pelo Dec. Lei nº 298/92, de 31/12, na redacção introduzida pelo Dec. Lei nº 1/2008, de 3/1 e artº 483º do Cód. Civil.
24- A 1ª Co-ré apelada C... é responsável pelo pagamento ou restituição aos Co-Autores apelantes das quantias que transferiu abusivamente das suas contas para as contas dos intervenientes chamados – respostas aos artºs 1º e 2º da Base Instrutória.
25- Em face dos depoimentos dos funcionários da 1ª Co-ré C... e referidos, em síntese, no número XIV desta minuta de recurso e nas supra conclusões 6º e 7º, dúvidas não existem que no dia 15 de Abril de 2009, pelas 14 horas e 29 minutos e 27 segundos altura em que iniciou a ligação telefónica efectuada pelo Sr. J.., funcionário da 1ª Co-ré C.., para o 2º Co-Autor apelante Fr.. e mencionada nas supra conclusões 3º, 4º, 5º, 6º e 7º, as contas nºs.. e nº.., ambos sedeadas na 1ª Co-ré C... e de que eram titulares, respectivamente, os intervenientes chamados J.. e A.., encontravam-se bloqueados por decisão da 1ª Co-ré C..,
26- Consoante resulta claramente do depoimento do identificado funcionário da 1ª Coré, Sr. J.., com o bloqueamento na conta do beneficiário da transferência aparece a anotação de “suspeita de fraude”, “transferência ilícita” e estando a conta bloqueada não pode ser levantado dinheiro no multibanco a não ser que vá ao balcão da C.. desbloquear, pois a conta tem de ser desbloqueada pelo beneficiário das transferências em qualquer balcão da 1ª Co-ré C...
27- Sendo assim as contas foram efectivamente desbloqueadas levianamente pela 1ª Co-ré C... em qualquer balcão com a cumplicidade de qualquer um seu funcionário não identificado que não teve em consideração as anotações supra referidas a essa conta de “suspeita de fraude”, “transferência ilícita” o que permitiu aos intervenientes chamados levantarem em caixas de multibanco, posteriormente, o dinheiro que era dos Autores e que abusivamente tinha sido transferido das contas destes para a daqueles chamados.28- Assim a 1ª Co-ré C.. é responsável pela restituição aos Autores apelantes dos dinheiros que pertence a estes e de que eles estão privados.
29- Da análise dos documentos nºs 1 e 2 juntos pela 1ª Co-ré C... com a sua contestação (extractos de consulta dos movimentos daquelas duas contas dos intervenientes chamados) é ilícito concluir com toda a segurança:
a) O chamado J.. abriu em 19-3-2009 a sua conta nº .., com € 150,00 na C.., Agência do Balcão Penha, em Faro, ou seja cerca de um mês antes das aludidas transferências abusivas para essa sua conta do dinheiro do 2º Co-A. (filho);
b) A chamada A.. abriu em 2-4-2009, também com € 150,00, a sua conta nº.. na C.., Agência da Rua Helena Vaz, Alta de Lisboa, para a qual foi transferido abusivamente o dinheiro dos 1ºs Co-Autores (pais).c) Em 14-4-2009 o chamado J.. após conseguir nesse dia a transferência abusiva do dinheiro do 2º Co-Autor Fr.., procedeu a 4 (quatro) levantamentos no Casino Estoril Sol II, respectivamente de € 200,00, € 1.500,00, € 1.500,00, € 1.000,00 e € 800,00.
d) No dia seguinte, ou seja em 15-4-2009 o mesmo chamado J.. após nova transferência abusiva após nova transferência abusiva e ilícita de dinheiro da conta do 2º Co-Autor Fr.. (filho) para a sua conta, procedeu a um levantamento, no Casino do Estoril, no montante de € 200,00, tendo-se se seguida deslocado ao Casino de Lisboa onde efectuou outro levanto de € 1.500,00, de seguida voltou ao Casino do Estoril onde efectuou outro levantamento de € 1,500,00 e, por fim, regressou ao Casino de Lisboa onde efectuou novo levantamento no valor de € 1.000,00, somando esses levantamentos a quantia de € 4.200,00.
e) O chamado J.. andou a “saltitar” entre o Casino do Estoril Sol II e o Casino de Lisboa para levantar o dinheiro que pertencia ao 2º Co-Autor Fr...
f) A interveniente chamada A.. também utilizou o mesmo método de proceder aos levantamentos parcelares do dinheiro pertencente aos 1ºs Co-Autores (pais) no Casino do Estoril Sol II no mesmo dia que o chamado J.., consoante flui do extracto de sua conta bancária que constitui o Documento nº 2 junto pela 1ª Co-ré C... com a sua contestação.
30- Acontece que todos os descritos levantamentos efectuados pelo chamado J.. foram realizados á noite, como ele declarou no seu depoimento de parte prestado por videoconferência na sessão do dia 13-04-2011 da audiência de discussão e julgamento e que se encontra gravado através do sistema integrado de gravação digital disponível na aplicação informática do Tribunal Judicial de Celorico de Basto.
31- Em síntese declarou o chamado J.. no seu depoimento de parte:
- Que levantou esse dinheiro proveniente daquelas transferências á noite no Casino do Estoril.
- Declarou o chamado que no dia 14 de Abril de 2009, á noite, no Casino do Estoril realizou levantamentos ou seja vários “tranches” do dinheiro.
- Declarou ainda que no dia seguinte ou seja em 15 de Abril de 2009, também á noite e depois do jantar, levantou o dinheiro da segunda transferência no Casino de Lisboa.
- Declarou ainda o chamado J.. que levantou esse dinheiro no Casino de Lisboa em várias operações ou “tranches”.
- Declarou também que nesse dia 15-4-2009 andou entre o Casino de Lisboa e o casino do Estoril a fazer levantamentos e deslocava-se dum Casino para o outro de carro.
- Quando lhe foi dito pelo Mº. Juiz “a quo” que a outra interveniente chamada nos mesmos dias andou a levantar dinheiro em “tranches”, nos mesmos Casinos do Estoril e de Lisboa, o depoente J.. respondeu que não se apercebeu de nada e que não conhece essa tal A.. !!
32- Se a 1ª Co-ré C.. não tivesse desbloqueado as contas dos intervenientes chamados para as quais foram feitas as transferências abusivas do dinheiro das contas dos Autores aqueles não teriam tido a possibilidade de fazer os levantamentos que fizeram nos Multibancos do Casino do Estoril e do Casino de Lisboa.
33- Os levantamentos do dia 15 de Abril que foram feitos pelo interveniente chamado J.. á noite nunca teriam sido possíveis se a 1ª Co-ré C.. não tivesse, negligentemente, desbloqueada a conta desse mesmo interveniente.
34- Nessa mesma data de 15-4-2009 foi feita mais uma transferência abusiva através da Caixa directa on-line da conta nº .. de que é titular o 2º Co-A. Fr.. para a conta nº .. de que é titular a interveniente A.. (cfr. citado Doc. nº 2 junto pelos réus com a sua contestação).
35- Contudo a 1ª Co-ré C... já procedeu á restituição ao 2º Co-Autor desse valor e, consequentemente, ele reduziu o pedido da acção quanto ao montante restituído.
36- Os factos alegados pela 1ª Co-ré C... nos artºs 32º a 35º e 41º da sua contestação foram levados á base instrutória e constituem os quesitos 22º, 23º e 24º com a seguinte redação:
Quesito 22º: As mensagens referidas em 21º surgem antes do acesso ao serviço “Caixa direta on-line” e têm que ser fechadas pelo utilizador antes da inserção do número de contrato e do Código de acesso ?
Quesito 23º: No “site” da ré C.. estão divulgadas as recomendações de segurança com o teor constante de fls 69 a 70?
Quesito 24º: Os Autores foram informados das condições gerais de utilização do serviço “Caixa directa on-line” com o teor constante de fls 84 e 85?
37- O Tribunal “a quo” ao quesito 22º respondeu: “Provado apenas que actualmente no “site” da C.., S.A., estão divulgadas as recomendações de segurança com o teor constante de fls 69 e 70.
E ao quesito 23º respondeu:
“Provado apenas que actualmente no site da C.. S.A. estão divulgadas as recomendações de segurança com o teor de fls 69 e 70 (cfr. despacho de correção ou retificação de erro material proferido em 17-12-2011).
E ao quesito 24º o Tribunal “a quo” respondeu:
“Provado apenas que o contrato assinado pelos Autores continha as “Condições Gerais de Utilização do Serviço Caixa directa on-line”, com o teor constante de fls 84 e 85 dos autos”.
38- Consequentemente a 1ª Co-ré C.. não logrou provar como lhe incumbia atentas as regras do ónus da prova (artº 342º, nº 2 do Código Civil) que ao tempo da verificação dos factos (Abril de 2009) estivessem divulgados no seu site recomendações de segurança com o teor constante de fls 69 e 70 e que as mensagens referidas no quesito 21º (pop-ups) surgem antes do acesso ao serviço “Caixa directa on-line” e têm que ser fechadas pelo utilizador antes da inserção do número do contrato e do Código de acesso, pois o Tribunal deu a esses quesitos 22º e 23º uma resposta restritiva dando como “provado apenas que actualmente…”
39- E ao quesito 24º, o Tribunal “a quo” também respondeu restritivamente retirando dessa resposta a expressão “os Autores foram informados”,
40- Violando assim a 1ª Co-ré C... a obrigação de informação consignada no artº 573º do Código Civil e nos artºs 74º e 75º do citado Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras.
41- A instituição bancária tem a obrigação de garantir a inviolabilidade da sua rede de segurança do sistema “Caixa direta on-line”.
42- Ora quando o 2º Co-Autor apelante Fr.. realizou em 13 de Abril de 2009, via internet, através do sistema “Caixa directa on-line”, as operações mencionadas nas Alíneas H), I) e J) da factualidade assente, nunca suspeitou que estivesse um “hacker” ou pirata informático instalado ou “emboscado” no sistema da “Caixa directa on-line” e lhe solicitasse as combinações do seu cartão matriz que lhe forneceu na sua melhor boa-fé.
43- Não é lícito exigir ao 2º Co-Autor apelante Fr.. outro comportamento, sendo certo que é á 1ª Co-ré C... que incumbe a obrigação de garantir a inviolabilidade da sua rede e a segurança do seu sistema “Caixa directa on-line”.
44- Sendo a 1ª Co-ré C... que aufere lucros avultados com o comércio de dinheiro a que se dedica através do seu sistema “Caixa directa on-line” terá é também ela instituição bancária a obrigação de assumir o risco dessa sua actividade lucrativa através desse sistema “Caixa directa on-line” (ubicomoda ibi incomoda), sendo inaceitável pretender transferi-lo para os seus clientes e aqui Autores.
45- A sentença recorrida viola, por incorreta interpretação, além do mais, o disposto nos artºs 74º e 75º do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras aprovado pelo Dec. Lei nº 298/92, de 31/12, na redação introduzida pelo Dec. Lei nº 1/2008, de 3/1, os artºs 483º, 486º, 496º nº 1, 573º, 562º, 563º, 564º, 566º nº 2, 573º, 1.142 aplicável “ex-vi” do artº 1206º, estes todos do Código Civil.
46- Não tanto pelo alegado como pelo doutamente suprido Vª.s Ex.cias, Venerandos Juízes-Desembargadores, dando provimento ao presente recurso de apelação e revogando a decisão recorrida e substituindo-a por outra que julgue a acção procedente e condenando os réus e os intervenientes chamados solidariamente a pagar aos Autores apelantes as quantias por eles peticionadas, farão, como sempre, a melhor Justiça». (sic)

A R. C.. apresentou contra-alegações, com as seguintes CONCLUSÕES:
(..))
Entende, assim, que deve ser mantida a sentença recorrida.
*
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
II.
O objecto do recurso está delimitado pelas conclusões da apelação, acima transcritas, sendo que se apreciam apenas as questões invocadas e relacionadas com o conteúdo do acto recorrido, delas retirando as devidas consequências, e não sobre matéria nova, excepção feita para o que for do conhecimento oficioso (cf. art.ºs 660º, nº 2, 684º e 685º-A, do Código de Processo Civil [1], na redacção que foi introduzida pelo Decreto-lei nº 303/2007, de 24 de Agosto, aqui aplicável).

Está para apreciar e decidir se os R.R. C.. e A.. são co-responsáveis pelos prejuízos sofridos pelos recorrentes por efeito do phishing ocorrido sobre as suas contas de depósito abertas no balcão de Celorico de Basto.
Previamente, é de decidir se deve ser aditada a al. R) dos factos assentes aos factos considerados provados na sentença.
III.
É a seguinte a matéria de facto considerada provada na 1ª instância:
1. A Ré “C.., S.A.” é uma sociedade comercial anónima de capitais exclusivamente públicos que se dedica ao comércio de dinheiro no exercício da actividade bancária, bem como a quaisquer outras atribuições que lhe sejam conferidas por disposição especial (cfr. alínea A) dos factos assentes);
2. O Réu A.. trabalha por conta, direcção, fiscalização e retribuição da Ré “C.., S.A.” e no interesse desta, exercendo as funções de gerente da sua Agência de Celorico de Basto (cfr. alínea B) dos factos assentes);
3. No desenvolvimento da actividade referida no anterior número 1., a Ré “C.., S.A.” celebrou com os Autores F.. e M.. um contrato de depósitos à ordem correspondente à conta bancária n.º .. (cfr. alínea C) dos factos assentes);
4. No desenvolvimento da actividade referida em 1º, a Ré “C.., S.A.” celebrou com os Autores F.. e M.. um contrato de depósitos a prazo correspondente à conta bancária n.º.. (cfr. alínea D) dos factos assentes);
5. No desenvolvimento da actividade referida em 1º, a Ré “C.., S.A.” celebrou com o Autor Fr.. um contrato de depósitos à ordem correspondente à conta n.º.. (cfr. alínea E) dos factos assentes);
6. No desenvolvimento da actividade referida em 1º, a Ré “C.., S.A.” celebrou com o Autor Fr.. um contrato de depósitos a prazo correspondente à conta n.º.. (cfr. alínea F) dos factos assentes);
7. As contas referidas nos anteriores números 3. a 6., encontram-se sedeadas na Agência da Ré “C.., S.A.” sita na Avenida .., em Celorico de Basto (cfr. alínea G) dos factos assentes);
8. O Autor assinou o contrato que continha as “Condições Gerais de Utilização do Serviço Caixadirecta On-line”, com o teor constante de fls. 84 e 85 dos autos (cfr. resposta ao artigo 24º);
9. Na data de 13 de Abril de 2009, o Autor Fr.. realizou, via internet, através do “sistema caixa directa online” da Ré “C.., S.A.”, uma operação de pagamento de serviços, no valor de 10,30 €, da conta referida no anterior número 5. (cfr. alínea H) dos factos assentes);
10. Na data de 13 de Abril de 2009, o Autor F.., por intermédio do A. Fr.., realizou, via internet, através do “sistema caixa directa online” da R. “C.., S.A.”, uma operação de transferência bancária do montante de 200,00 € da conta referida em 3. para a conta referida em 5. (cfr. alínea I) dos factos assentes);
11. Na data de 13 de Abril de 2009, o Autor Fr.. realizou, via internet, através do “sistema caixa directa online” da Ré “C.., S.A.”, uma operação de transferência bancária do montante de 165,00 € da conta referida no anterior número 5. para a conta referida no anterior número 3. (cfr. alínea J) dos factos assentes);
12. As operações de transferência referidas nos anteriores números 9. e 10. foram executadas pelo Autor Fr.., por ordem e com o conhecimento e autorização dos Autores F.. e M.. (cfr. alínea K) dos factos assentes);
13. No dia 13 de Abril de 2009, o Autor Fr.. forneceu todas as combinações de números do seu cartão matriz de acesso à sua conta bancária através do serviço “Caixa directa on-line”, e do cartão matriz dos Autores F.. e M.., por tal lhe ter sido pedido através de solicitação efectuada pela internet (cfr. resposta ao artigo 18º da base instrutória);
14. O Autor Fr.. forneceu, pelo mesmo modo, o seu número fiscal de contribuinte (cfr. resposta ao artigo 19º da base instrutória);
15. Com o referido no anterior número 13., o Autor Fr.. divulgou na internet as combinações possíveis de algarismos que lhe são solicitadas pela Ré “C..” quando se pretende efectuar uma transferência para terceiros (cfr. resposta ao artigo 20º da base instrutória);
16. A Ré “C..” divulga actualmente, através de janelas de aviso que surgem na página inicial do serviço “Caixa directa on-line”, mensagens a alertar que o banco nunca pede a confirmação dos dados no cartão matriz (cfr. resposta ao artigo 21º da base instrutória);
17. As mensagens referidas no número anterior surgem antes do acesso ao serviço “Caixadirecta online” e têm que ser fechadas pelo utilizador antes da inserção do número do contrato e do código de acesso (cfr. resposta ao artigo 22º da base instrutória);
18. Actualmente, no “site” da “C.., S.A.”, estão divulgadas as recomendações de segurança com o teor constante de fls. 69 e 70 (cfr. resposta ao artigo 23º da base instrutória);
19. Na data de 14 de Abril de 2009, foi transferido o montante de 5.000,00 € da conta referida no anterior número 6. para a conta n.º .., sedeada na “C..”, da qual é titular o Chamado J.. (cfr. alínea L) dos factos assentes);
20. Na data de 15 de Abril de 2009, foi transferido o montante de 4.200,00 € da conta referida no anterior número 6. para a conta n.º .., sedeada na “C..”, da qual é titular o Chamado J.. (cfr. alínea M) dos factos assentes);
21. Na data de 14 de Abril de 2009, foi transferido o montante de 5.000,00 € da conta referida no anterior número 4. para a conta n.º.., sedeada na “C..”, da qual é titular a Chamada A.. (cfr. alínea N) dos factos assentes);
22. Na data de 15 de Abril de 2009, foi transferido o montante de 4.700,00€ da conta referida no anterior número 4. para a conta n.º .., sediada na “C..”, da qual é titular a Chamada A.. (cfr. alínea O) dos factos assentes);
23. As transferências referidas nos anteriores números 19. e 20. foram efectuadas pela Ré “C.., S.A.” sem o consentimento e contra a vontade do A. Fr.. (cfr. resposta ao artigo 1º da base instrutória);
24. As transferências referidas nos anteriores números 19. e 20. foram efectuadas com o conhecimento de J.. (cfr. resposta aos artigos 25º e 26º da base instrutória);
25. As transferências referidas nos anteriores números 19. e 20. foram efectuadas pela Ré “C.., S.A.” sem o consentimento e contra a vontade dos Autores, F.. e M.. (cfr. resposta ao artigo 2º da base instrutória);
26. Os Autores ficaram privados do dinheiro transferido nos termos referidos nos anteriores números 19. a 22. (cfr. resposta ao artigo 17º da base instrutória);
27. Na data de 29 de Abril de 2009, a “C..”, à cautela, procedeu à transferência da quantia referida no anterior número 22., titulada pela Chamada A.., para a conta referida no anterior número 4. (cfr. alínea P) dos factos assentes);
28. Na data de 15.04.2009, cerca das 15:00 horas, quando da deslocação dos Autores à agência da “C..”, sita em Celorico de Basto, o Réu A.. dirigiu-lhes as seguintes expressões: “o assunto está em auditoria”; “é um caso de piratas informáticos”; “não tenho mais informações para dar” (cfr. resposta ao artigo 3º da base instrutória);
29. Na data de 17 de Abril de 2009, quando da deslocação dos Autores à agência da “C..” sita em Celorico de Basto, uma funcionária da Ré lhes disse que “se calassem ou chamava a GNR” e que “não voltassem às instalações da agência da R. em Celorico de Basto por causa daquele assunto” (cfr. resposta aos artigo 4º e 5º da base instrutória);
30. Os Réus apresentaram queixas-crime no Posto da G.N.R. de Celorico de Basto contra o Autor Fr.., que deram origem ao Inquérito com o NUIPC 107/09.9GACBT (cfr. alínea P) dos factos assentes);
31. Na data de 18 de Abril de 2009, uma patrulha da GNR deslocou-se à residência dos Autores para convocar os Autores F.. e Fr.. a comparecer no Porto da GNR, na data de 20 de Abril de 2009 (cfr. resposta ao artigo 10º da base instrutória);
32. Na sequência do referido no número anterior, os Autores F.. e Fr..compareceram no Posto da GNR, na data de 20.04.2009 e foram-lhe tomadas declarações no âmbito do inquérito referido no anterior número 30. (cfr. respostas aos artigos 11º e 12º da base instrutória);
32. Em consequência do referido nos anteriores números 30. a 32., os Autores sofreram inquietação, desgosto, tristeza, mal-estar e sofrimento moral (cfr. resposta aos artigos 13º a 15º da base instrutória);
33. Os Autores são considerados, no meio social em que vivem, pessoas de bem, honradas e sérias (cfr. resposta ao artigo 16º da base instrutória).
*
IV.
A questão prévia do aditamento do facto da al. R) dos factos assentes
O facto da al. R) dos factos assentes, assim resultou após reclamação, conforme decisão de fl.s 218. Por lapso, não transitou para o elenco dos factos provados constante da sentença, pelo que se deve considerar agora, sob o item 30-A, nos seguintes termos: “Os montantes referidos em 19º e 20º dos factos provados foram levantados da conta n.º .. pelo Chamado”.
*
A responsabilidade dos R.R. C.. e A..
Os apelantes apontam a fl.s 491 das suas alegações quatro itens como sendo as quatro questões a decidir, quando, na verdade, todos eles se reconduzem a uma única questão: a discussão da responsabilidade dos referidos R.R. em razão da sua conduta e da sua relação com os factos.
Mas que factos?
Percorrendo as alegações da apelação, sintetizadas nas respectivas conclusões, encontramos sucessivas referências a variados elementos de prova, como documentos, chamadas telefónicas que ficaram gravadas, com transcrições parciais juntas aos autos em sede de audiência, gravação de determinados depoimentos testemunhais, que os recorrentes agora interpretaram e correlacionaram, para concluírem, designadamente que o R. A.. violou deveres de consideração, de deferência e lealdade para com os clientes da 1º R., da qual é funcionário dependente. E que daí resultaram os factos apurados nas respostas aos artigos 10º a 15º da base instrutória que consubstanciam dano moral.
Por outro lado afirma que, com base nas provas produzidas, incluindo o depoimento de parte do Chamado J.., houve um bloqueamento das contas beneficiárias das transferências fraudulentas e que, havendo levantamento posterior de valores dessas contas através do sistemas multibanco foi porque as contas foram efectivamente desbloqueadas levianamente pela 1ª R. com a cumplicidade de qualquer funcionário, sem que tivesse em consideração a “suspeita de fraude” ou transferência ilícita” anotadas nessas contas. Por isso, entendem que a 1ª R. é responsável pela restituição aos A.A. do dinheiro subtraído.
Os apelantes referem-se ainda ao teor dos quesitos 22º, 23º e 24º, como sendo provenientes dos artigos 32º a 35º e 41º da sua contestação, assim como à resposta que o tribunal deu a cada um deles, mas apenas para concluir que “a 1ª Co-ré C.. não logrou provar como lhe incumbia atentas as regras do ónus da prova (art.° 342°, n° 2 do Código Civil) que ao tempo da verificação dos factos (Abril de 2009) estivessem divulgados no seu site recomendações de segurança com o teor constante de fls 69 e 70 e que as mensagens referidas no quesito 21° (pop-ups) surgem antes do acesso ao serviço “Caixa directa on-line” e têm que ser fechadas pelo utilizador antes da inserção do número do contrato e do Código de acesso, pois o Tribunal deu a esses quesitos 22° e 23° uma resposta restritiva dando como “provado apenas que actualmente…”. Do que os recorrentes extraem que a 1ª R. violou deveres de informação consignados no art.º 573º do Código Civil e nos art.ºs 74º e 75º do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras e que não garantiu a inviolabilidade da sua rede de segurança do sistema caixa directa on-line. E quando o 2º A. realizou em 3 de Abril de 2009, via internet, através daquele sistema, as operações mencionadas nas Alíneas H), I) e J) da factualidade assente, nunca suspeitou que estivesse um hacker ou pirata informático instalado ou ‘emboscado” no mesmo.
Em resposta, a 1ª R. defende desde logo que deve ser rejeitada a impugnação em matéria de facto.
Vejamos.
Nos termos do art.º 685º-B, nº 1, quando se impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
- Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados; (al. a) e
- Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida (al. b)).
Quanto a esta última exigência legal, quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ainda ao recorrente, sob pena de rejeição do recurso, indicar com exactidão a passagem da gravação em que se funda desde que seja possível a identificação precisa e separada dos depoimentos, nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 522.°-C.
Da leitura das alegações do recurso e da respectiva síntese conclusiva não resulta discordância dos recorrentes relativamente à resposta dada a qualquer um dos pontos da base instrutória, tenha ela sido positiva, negativa, restritiva ou esclarecida, pelo que, também na falta de qualquer expressão nesse sentido ou da invocação de erro de julgamento em matéria de facto, não é possível sequer concluir que tenha sido intenção dos apelantes impugnar a decisão naquele aspecto.
No entanto, caso tenha sido essa a intenção dos apelantes --- o que por mera hipótese se admite ---, o recurso seria, nessa medida, de rejeitar, pois que nem de forma deficiente foram indicados pontos concretos de facto a considerar incorrectamente julgados, não viabilizando a modificação da decisão de facto nos termos do art.º 712º, nº 1, al. a).
É certo que os A.A. apelam a uma sua interpretação de provas que identificam, mas, estranhamente, apenas o fazem para justificar a responsabilidade dos 1ºs R.R., em consonância também com os factos dados como provados, pelo que se reafirma a inexistência de impugnação da decisão de facto.
Deve ficar claro que na apreciação da questão jurídica colocada e a decidir não podem relevar agora as conclusões a que os A.A. chegam em matéria de facto, mas apenas os factos dados como provados pelo tribunal, os que foram admitidos por acordo e os que se mostrem provados por documentos (com prova plena) ou por confissão reduzida a escrito, nos termos do art.º 659º, nº 3. E estes são, de um modo geral (mas nem sempre apenas), aqueles que o julgador indica como provados na sentença e que, assim, leva em consideração no respectivo enquadramento jurídico.
Vejamos então se em razão dos factos provados --- e não também dos factos tidos pelos recorrentes em consideração, mas que não se encontram provados --- é de imputar aos 1º e 2º R.R. qualquer responsabilidade; ou melhor, se nesta questão a sentença recorrida se afastou das boas regras da hermenêutica jurídica ao negar tal responsabilidade, absolvendo aqueles demandados.
A generalidade das relações travadas entre o Banco e um seu cliente inicia-se pela abertura de uma conta (contrato de abertura de conta) de que este fica titular, quase sempre uma conta de depósito na qual é creditado o valor dos depósitos efectuados pelo cliente ou por terceiros, ou financiado pelo Banco, e debitado o valor de levantamentos feitos pelo cliente ou de pagamentos ou transferências efectuadas por sua ordem.
Pelo depósito bancário (contrato diferente do anterior, mas com ele conexo) o cliente ou um terceiro entregam ao Banco uma quantia para crédito duma conta. Não corresponde ao típico contrato de depósito previsto nos art.ºs 1185º e seg.s do Código Civil, porque transfere para o Banco a propriedade da quantia depositada, ficando o titular da conta com apenas um direito de crédito sobre o Banco. É um negócio indirecto usualmente designado como “deposito irregular” que se traduz numa manipulação do tipo do depósito para fins que lhe não são típicos, mas que permite alcançar. O objecto do depósito bancário é fungível (artigo 1205º do Código Civil) [2].
O depósito bancário é hoje regulado, em geral, pelo Decreto-lei nº 430/91, de 2 de Novembro, alterado pelo Decreto-lei nº 88/2008, de 29 de Maio. Sem que ali dê definição de depósito bancário, o respectivo art.º 1º estabelece as modalidades de depósito possíveis nas disponibilidades monetárias nas instituições de crédito.
São aplicáveis ao depósito bancário, por força do art.º 1206° do Código Civil, as disposições relativas ao mútuo, designadamente a obrigação de restituição do tantundem eiusdem generis (art.º 1142° do mesmo código), mais os juros, quando convencionados, e a transferência da propriedade sobre as espécies monetárias pelo facto da entrega (art.º 1144° também do Código Civil). Corre, por isso, por conta do banco o risco relativo à subtracção dessas espécies monetárias, a partir do momento em que são entregues [3]. Embora se conheçam posições divergentes, a jurisprudência maioritária segue esta tese[4].
Como se refere no citado acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10.11.2011, “através do acto de depósito o tradens aceita transferir para a esfera de “domínio (propriedade) do accipiens o risco sobre a gestão da quantia que transferiu, sendo que a partir desse momento se alheia da responsabilidade quanto ao uso e fruição, por transferência para a esfera de responsabilidade do depositário. Cabe ao depositário, enquanto proprietário da coisa transferida responder pelo risco de extravio ou dissipação da coisa até ao montante exigível no momento da solicitação da restituição”.
Sendo assim, o risco inerente à conta do cliente, o risco relacionado com a obrigação de restituir coisa do mesmo género e qualidade, não pode deixar de correr por conta do banqueiro. Como se refere no art.º 796º, nº 1, do Código Civil, nos contratos que importem a transferência do domínio sobre certa coisa ou que constituam ou transfiram um direito real sobre ela, o perecimento ou deterioração da coisa por causa não imputável ao alienante corre por conta do adquirente. Mais atendendo aos art.ºs 540º, 799º, nº 1, 1144º, 1185º, 1205º e 1206º e 1161º, al. e), todos do Código Civil, é ao Banco que cabe o ónus da elisão da presunção legal que sobre ele impende, demonstrando a culpa do cliente depositante na não restituição do dinheiro.
Seguindo de perto a doutrina citada no acórdão da Relação de Lisboa de 24.5.2012 [5] , mesmo para Maria Raquel Guimarães [6], que defende que prefere considerar o contrato de depósito bancário mais próximo do contrato de mandato, “sempre que o banco debite na conta do seu cliente uma determinada quantia sem a autorização deste último, o seu cliente manter-se-á credor do montante debitado. E este princípio vale não só para os montantes debitados em virtude de erro do sistema ou de uma qualquer anomalia técnica, mas também para aquelas situações de actuação fraudulenta de um terceiro, sempre que essa actuação não seja imputável a acto ou a omissão do cliente do Banco.
A instituição bancária não pode liberar-se da sua obrigação de restituição dos fundos “depositados” se a ordem de pagamento emana de um terceiro. O cumprimento feito a terceiro não extingue a obrigação do credor nos termos da nossa lei civil e, apesar das ordens de pagamento dadas através de um terminal electrónico por um terceiro serem eventualmente acompanhadas da introdução de um cartão de débito e da correcta marcação do PIN respectivo teclado da máquina, criando-se, portanto, a aparência do direito de crédito do “depositante”, não se pode esquecer a irrelevância atribuída pelo legislador português ao cumprimento efectuado ao credor aparente, com a consequente possibilidade de o solvens repetir a prestação, estando, no entanto, obrigado a efectuar nova prestação perante o verdadeiro credor. ”.
Estando na base da discórdia entre os A.A. e os R.R. a transferências de quantias determinadas de contas de depósito daqueles para terceiros é do papel da 1ª R. e do seu comissário/funcionário 2º R. que cuidamos. O Banco não é alheio às transferências financeiras que operam através das suas agências e está também obrigado a regras de conduta previstas na lei que aprova o Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, definido pelo Decreto-lei nº 298/92, de 31 de Dezembro, com alterações sucessivas (a última foi operada pelo Decreto-lei nº 88/2011, de 20 de Julho) e de cujas normas, em particular dos art.ºs 73º a 77º, resultam deveres funcionais que se traduzem, nomeadamente, em assegurar aos clientes, em todas as actividades que exercem, elevados níveis de competência técnica, criação de condições apropriadas de qualidade e eficiência, de diligência, neutralidade, lealdade, discrição e respeito consciencioso dos interesses que lhes são confiados, informação aos clientes sobre as condições em que prestam os seus serviços, de diligência própria do gestor criterioso e ordenado de acordo com o princípio da segurança das aplicações, tendo em conta o interesse dos depositantes e dos clientes em geral.
A observância destas regras de conduta não pode significar um entrave ao desenvolvimento e aperfeiçoamento da prática bancária, em permanente evolução, face às progressivas exigências da economia e dos mercados. Há como que um compromisso entre o Banco e cada cliente, a que a lei não é alheia, no sentido do aperfeiçoamento e desenvolvimento da actividade bancária, com prestação de um serviço cada vez melhor, designadamente pela capacidade de resposta rápida e eficiente, sem prejuízo dos deveres de informação, de lealdade, diligência, transparência e tudo mais que é inerente a uma relação de lealdade, honestidade e confiança recíprocas que devem existir no relacionamento Banco-cliente.
Concretizando tais objectivos, assistimos hoje à exploração de novas ferramentas bancárias, nomeadamente on-line, como necessidade de responder aos níveis de exigência dos clientes (pelo menos de alguns deles) e que têm relevado como factor de concorrência entre os diversos Bancos Comerciais, contribuindo para uma espiral de aperfeiçoamento da capacidade de resposta bancária em benefício da clientela e onde se inclui o “Serviço Caixa Directa on-line” da 1ª R., manifestação típica do chamado home banking, figura bem distinta do depósito e que não é imposto pelo Banco, antes constitui uma faculdade de utilização pelo cliente mediante a adesão a um contrato, seja ao balcão, seja on-line, de onde constam condições de utilização que o cliente aceita, sem o que não pode beneficiar da inerente ferramenta Web. Pelo home banking podem ser adquiridos serviços, realizadas consultas e operações bancárias, relativamente às contas de que se seja o único titular ou co-titular em regime de solidariedade, e que possa livremente movimentar, utilizando para o efeito, canais telemáticos. É sabido que através deste serviço, o aderente faz, de um modo mais cómodo, designadamente, de transferência de valores depositados em contas de que é titular para outras contas suas ou de terceiros, incluindo contas sediadas noutras instituições de crédito.
Concordando ainda com a doutrina citada no referido acórdão da Relação de Lisboa, este “novo” contrato insere-se numa relação negocial complexa iniciada através de um contrato de abertura de conta, e da constituição de depósitos de quantias em conta por parte do titular, numa verdadeira coligação de contratos, em que há certa dependência entre os contratos coligados – substancialmente correlacionados entre si – criada pela relação de motivação que os afecta, sem que porém esse nexo destrua a sua individualidade.[7]
Como se refere na sentença recorrida e resulta das condições gerais do referido contrato de adesão, junto a fl.s 84 e seg.s, o cliente obriga-se a cumprir determinadas condições de segurança na utilização daquele serviço, designadamente a manter em segredo um código de utilizador --- à semelhança do que já se vem praticando há mais tempo com os cartões de débito e de crédito --- e outros elementos de combinação de acesso às operações por aquele meio efectuáveis, designadamente as transferências bancárias.
Consta nomeadamente daquelas condições gerais do contrato, juntas aos autos:
“2.1 – O acesso ao Serviço Caixadirecta, independentemente de outras regras que venham a ser definidas no futuro, processar-se-á através de elementos de identificação estritamente pessoais e intransmissíveis.
2.2 – Os elementos de identificação referidos na cláusula anterior serão fornecidos ao aderente no acto de adesão ou, sempre que a C.. entender que se justifique, posteriormente a este acto.

4. Sempre que a validade, eficácia ou a prova de uma dada operação dependerem da observância de determinadas formalidades, a operação só se consumará depois de as mesmas terem sido cumpridas.

6. O aderente obriga-se a garantir a segurança dos elementos de identificação referidos na cláusula 2.1, bem como a sua utilização estritamente pessoal, designadamente:
a) Não permitindo a sua utilização por terceiro, ainda que seu procurador ou mandatário;
b) Não os revelando nem por qualquer forma os tornando acessíveis ao conhecimento de terceiros;
c) Memorizando-os e abstendo-se de os registar, quer directamente, quer por qualquer forma ou meio que sejam inteligíveis por terceiros.

9. Sempre que uma operação seja realizada mediante os procedimentos referidos nas cláusulas anteriores e no Guia do Utilizador, presume-se que o foi pelo aderente.
10. Se, no entanto, se provar que a operação foi realizada por terceiro, presumir-se-á que tal foi consentido ou culposamente facilitado pelo aderente.”

Afigura-se-nos que as referidas cláusulas 9ª e 10º são, no mínimo, de validade duvidosa à luz do Regime Geral das Cláusulas Contratuais Gerais, aprovado pelo Decreto-Lei n.° 446/85, de 25 de Outubro --- sucessivamente alterado pelo Decreto-Lei n.º 220/95, de 31 de Outubro, pelo Decreto-Lei n.º 220/95, de 31 de Agosto, pelo Decreto-Lei n.º 249/99, de 7 de Julho e pelo Decreto-Lei n.º 323/2001, de 17 de Dezembro --- pela alteração abusiva das regras de repartição do ónus da prova, em prejuízo do consumidor aderente (art.ºs 20º e 21º, al. f) daquele Regime Geral), face à extrema dificuldade da prova que assim seria imposta ao consumidor colocado perante o funcionamento de um sistema informático complexo, da entidade bancária e que não domina.
Deve imperar a regra geral do citado art.º 799º, nº 1, recaindo sobre o Banco depositário o ónus da prova de que a falta de cumprimento ou o cumprimento defeituoso da obrigação correspondente à devolução total ou parcial de quantias em dinheiro transferidas das contas dos A.A. não procede de culpa sua.
E aqui surge o âmago da questão.
Como resulta dos factos provados, os A.A. Fr.. e seu pai, F.., usavam um cartão matriz, a partir do qual combinavam números de acesso on-line às suas contas na C... Era, aliás, o 2º A. que usava o cartão matriz de seus pais no acesso às diferentes contas de depósito [8].
Acontece que, contrariando o que deve se tido por elementares regras de procedimento no acesso ao home banking e, em particular, à caixa directa on-line, o A. Fr.. forneceu todas as combinações de números do seu cartão matriz de acesso à sua conta bancária relativo àquele serviço e do cartão matriz dos A.A. seus pais, por tal lhe ter sido pedido pela internet.
Como nos parece também inquestionável, jamais a C.. pediria tal informação na prestação daquele seu serviço, pois que a ser assim não faria sentido o fornecimento e a utilização do cartão matriz, que só existe para que se introduzam no serviço on-line, a partir dele, determinadas variáveis, caso a caso, ou operação a operação, como é próprio daquele serviço e da segurança que lhe deve ser inerente. Aliás, como vimos, constitui contrapartida contratual do acesso ao serviço, que o aderente garanta a segurança dos elementos de identificação que lhe são fornecidos com confidencialidade, a título pessoal e intransmissível, o que implica que se coloque a salvo de todos os terceiros, incluindo os funcionários daquela ou de qualquer outra instituição de crédito.
Ao divulgar na internet todas aquelas combinações possíveis de algarismos dos dois cartões matriz e o seu número fiscal de contribuinte, como se não existisse pirataria informática, o 2º R. viabilizou com evidente negligência, o acesso às respectivas contas, permitindo que sobre elas, terceiros desconhecidos --- sem que a C.. tivesse que os conhecer ou suspeitar sequer de que se trataria de actos fraudulentos --- efectuassem operações abusivas sobre tais depósitos, nomeadamente transferindo valores, conforme efectivamente transferiram para contas diversas.
Está provado que a R. C.. divulga actualmente, através de janelas de aviso que surgem na página inicial do serviço caixa directa on-line, mensagens a alertar que o Banco nunca pede a confirmação dos dados no cartão matriz; mensagens que surgem antes do acesso ao serviço Caixadirecta on-line e têm que ser fechadas pelo utilizador antes da inserção do número do contrato e do código de acesso. Actualmente, no site da C.., S.A., estão divulgadas as recomendações de segurança com o teor constante de fl.s 69 e 70.
Não está provado que ao tempo daquelas transferências a Caixa Geral de Depósitos fizesse esta divulgação no acesso ao referido serviço.
Mas seria tal divulgação indispensável ao afastamento da responsabilidade do Banco?
Não duvidando da sua utilidade, mas não nos parece, no entanto, que fosse uma necessidade; tão-pouco corresponde a uma obrigação contratual assumida. É agora apenas mais um meio de prevenir a fraude pela via da informação na utilização de um serviço que, pela sua natureza envolve uma maior co-responsabilização do cliente-utilizador por vontade própria. Como que substitui o funcionário bancário na realização de movimentos em conta, assumindo a responsabilidade das operações que realiza à distância, cumprindo os procedimentos fornecidas pelo Banco nos termos do contrato. Se assim actuar e a fraude ocorrer, a responsabilidade não é do operador-cliente. O Banco há-de responsabilizar-se pelos prejuízos que resultem de uma adequada utilização de um sistema complexo que coloca ao serviço dos clientes também por interesse próprio, mas não pode deixar de ser responsabilizado o cliente se o Banco elidir a presunção de culpa que sobre ele recai, demonstrando que a fraude resultou de culpa do cliente.
O A. Fr.. divulgou a terceiros desconhecidos dados pessoais e intransmissíveis, seus e dos seus co-autores, quando, na realidade, cada um deles os deveria ter silenciado, reservado e utilizado apenas na realização das suas operações caixa directa on-line. Fê-lo ao arrepio do contrato e em violação de regras elementares de segurança nele previstas e cujo conhecimento era acessível a cada um dos A.A. a todo o tempo, fosse pela análise do contrato de adesão na página web da 1ª R., fosse aos seus balcões onde, provavelmente as suas dúvidas poderiam ser esclarecidas.
Ao fornecer o 2º A. a terceiros desconhecidos os dados pessoais, secretos e intransmissíveis dos A.A. no acesso às suas contas, foi vítima de phishing, por hackers da internet. Como é evidente, aqueles destinavam-se a ter utilização exclusiva pelo seu titular na realização de operações bancárias on-line, não fazendo mesmo qualquer sentido a sua utilização fora desse desiderato.
O grau de exigência de uma conduta diligente aumenta para o 2º A. Fr.. quando se verifica que o próprio se identificou na contestação com sendo “licenciado em contabilidade”, habilitação superior num área em que o conhecimento e a prevenção do perigo na utilização dos meios informáticos para efeitos financeiros se impõem sobremaneira, muito mais do que noutras actividades profissionais e mais ainda quando se pensa no leigo cidadão em matéria bancária.
Ainda que o hacker estivesse emboscado dentro do próprio sistema “caixa directa on-line” (conclusão 42º) --- facto que não se provou --- nem por isso o contrato autorizava o 2º A. a utilizar dados pessoais fora das condições contratadas.
Os A.A., e não os R.R., violaram deveres contratuais assumidos e, ao fazê-lo, violaram a segurança das sua contas de depósito, permitindo que terceiros desconhecidos a elas acedessem e defraudassem o Banco nas circunstâncias e pelos valores que ficaram demonstrados. Os danos foram efeito de acto ilícito contratual que não pode ser imputado à 1ª R. e seu funcionário. Antes resultou de conduta ilícita dos A.A. e de terceiros que, obtendo informação que só os demandantes possuíam e tinham obrigação de não fornecer, se apropriaram abusivamente daquelas quantias.
Pese embora a grande complexidade do sistema de segurança do home banking e do crescente nível de ameaças que sobre ele existem --- o que sempre deve manter os usuários em alerta para os perigos eventuais --- ficou provado que as transferências das quantias depositadas não resultou de vulnerabilidades do sistema de segurança implementado pelo Banco, mas da falta de cuidado do 2º A., da sua censurável inadvertência, ao disponibilizar a estranhos os meios secretos e de acesso pessoal às contas de depósito, o que conduz à prova da sua culpa, assim, com elisão da culpa presumida dos R.R. C.. e A.. (art.º 799º, nº 12, do Código Civil), e mesmo do risco inerente à Caixa directa on-line.
A aceitar-se a tese dos A.A., estava aberto o caminho para o defraudamento sucessivo dos Bancos, designadamente pelo conluio. Fazendo correr sobre a Banca o risco que resultasse da divulgação de dados pessoais e intransmissíveis dos seus clientes, por eles próprios, estaria ditado o decesso imediato de um sistema que tantas vantagens traz par ao comércio bancário pelo encurtamento de tempo e distâncias, com economia de meios para os Bancos e clientes.
Os A.A. tentam ainda demonstrar que a 1ª R., nomeadamente através do 2º R., gerente do balcão de Celorico de Basto, não usou do dever de informação e da diligência a que estava obrigada depois dos A.A. terem acorrido àquele balcão dando conta do desaparecimento do dinheiro das suas contas.
Os A.A. sustentam a sua posição nas provas produzidas, designadamente em depoimentos de parte e testemunhais, sem que, no entanto, impugnem a matéria de facto provada e não provada.
A 2ª instância não pode conhecer das provas fora do contexto da impugnação dos factos provados e não provados e das condições previstas nos art.ºs 685º-A e 712º, que, no caso, como já observámos, não se verificam.
Olhando os factos efectivamente provados, os dados pessoais dos A.A. foram fornecidos a terceiros no dia 13 de Abril de 2009 e as transferências abusivas foram efectuados nos imediatos dias 14 e 15. Não consta que no mesmo dia 15, quando os A.A. se deslocaram à agência bancária tivessem informado a 1ª R. de que haviam fornecido indevidamente os elementos pessoais intransmissíveis, e não se estranha que aquela instituição bancária não tivesse mais informações para dar naquele dia para além de que “o assunto está em auditoria”; “é um caso de piratas informáticos”. A C.. conseguiu antes do fim do mesmo mês, embora ainda “à cautela”, repor a quantia de € 4.700,00 na conta de onde havia sido transferida, não mais saindo da disponibilidade dos 1ºs A.A. titulares. Assim aconteceu, como reconhece a 1ª R. na contestação, porque tal montante não foi de imediato levantado pela beneficiária da transferência A... Mas não reconhecem os contestantes que, relativamente às restantes transferências houvesse condições para proceder de igual modo, designadamente por as quantias não se encontrarem levantadas quando se puderam aperceber da existência de abuso na sua realização. E não podem os A.A. olvidar que a acção da C.. não tinha que ir além do esforço diligente para reparar uma falha de utilização do sistema imputável aos demandantes: o fornecimento indevido de dados pessoais e secretos que viabilizou a fraude, sem qualquer intervenção activa dos R.R. e contra as suas orientações contratuais.
Quer no situemos, nesta parte, no âmbito da responsabilidade contratual ou no âmbito da responsabilidade extracontratual, por violação de deveres inerentes à actividade bancária, acima referidos, designadamente por conduta omissiva, sempre seria dos A.A. o ónus da prova da existência desse facto ilícito dos R.R., e do nexo causal entre esse facto e o dano[9], designadamente que a C.. violou normas de competência técnica [10]. E a verdade é que os factos provados não nos permitem ir além da afirmação de que o perecimento das quantias nas contas dos A.A. se ficou a dever a fraude viabilizada pela conduta do 2º A. através do fornecimento indevido de dados pessoais e intransmissíveis; não já que a R. deixou de tentar recuperar aqueles valores em tempo útil segundo as boas regras de exigência bancária e respeito pelos interesses do cliente. È aquela conduta do A. e não a posição posterior da 1ª R. que representa a violação do vínculo obrigacional específico constituído entre as partes por via da adesão ao serviço home banking.
Ensina Menezes Cordeiro [11] que, “na presença dum acordo entre o banqueiro e o seu cliente ou, de modo mais lato, perante vínculos obrigacionais específicos, a simples falta do resultado normativamente prefigurado implica presunções de ilicitude, de culpa e de causalidade. Competirá, pois, ao devedor inadimplente apresentar alguma causa de extinção de obrigação ou de justificação do inadimplemento. Já se estivermos perante a inobservância de deveres genéricos, tudo fica nas mãos do prejudicado que deverá provar os diversos pressupostos de responsabilidade civil”.

Nesta decorrência, não são de acolher as conclusões da apelação, improcedendo o recurso.
V.
SUMÁRIO (art.º 713º, nº 7, do Código de Processo Civil):
1- A complexidade dos sistemas bancários home banking, concebidos e controlados pelos Bancos, assim como a grande exigência dos mecanismos relacionados com a segurança das operações bancárias através deles realizadas, a par da propriedade do banco sobre os valores depositados pelos seus clientes, em ambiente contratual, justificam o funcionamento da regra da presunção de culpa prevista pelo art.º 799º, nº 1, do Código Civil, que recai sobre a entidade bancária na responsabilidade pela utilização fraudulenta daqueles meios.
2- Em todo o caso, o banco pode elidir aquela presunção, afastando a sua culpa ou demonstrando mesmo a culpa do cliente pela deficiente utilização daqueles meios expeditos, designadamente, alegando e demonstrando que o cliente beneficiário violou o contrato, divulgando na internet dados pessoais, secretos e intransmissíveis relativos ao seu acesso, em benefício de hackers.
3- No primeiro caso, o Banco pode ainda ser responsabilizado pelo risco, enquanto na segunda hipótese a responsabilidade é do cliente.
*
VI.
Pelo exposto, acorda-se nesta Relação em julgar a apelação improcedente e, em consequência, confirma-se a sentença recorrida.
Custas da apelação pela apelante.
*
Guimarães, 23 de Outubro de 2012
Filipe Caroço
António Santos
Figueiredo de Almeida
[1] Diploma a que pertencem todas as disposições legais que se citarem sem menção de origem.
[2] Pedro Pais de Vasconcelos, Direito Comercial, Almedina, vol. I, 2011, pág. 222.
[3] Luís Manuel Menezes Leitão, Contratos em Especial, Almedina, Vol. III, 2010, pág. 503, citando Menezes Cordeiro, Manual de Direito Bancário, pág. 349.
[4] Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 2.03.1999, Colectânea de Jurisprudência do Supremo, Tomo I, págs. 133 e134, de 4.4.2006, proc. 06A579, in www.dgsi.pt e de 10.11.2011, proc. 1182/09.1TVLSB.S1.L1, in www.dgsi.pt.
[5] Proc. 2119/11.8YIPRT.L1-2, in www.dgsi.pt.
[6] N “As Transferências Electrónicas de Fundos e os Cartões de Crédito, Almedina, 1999, pág. 233.
[7] A. Varela, Das Obrigações em Geral, vol. I, 10ª edição, Almedina 2003, pág.s 202-284.
[8] O que, não relevando para o caso, é exemplo de uma má prática, contrária às obrigações contratuais.
[9] Não há presunção de nexo causal; assim entende a grande maioria da doutrina e da jurisprudência (cf.. Luís Menezes Leitão, Direito das Obrigações, Almedina, vol. II, 6ª edição, pág.s 251 e 252; Almeida Costa, Direito das Obrigações, Almedina, 1979, pág.s 360 e seg.s.
[10] A competência técnica (art. 73º do citado Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras) tem subjacente deveres de qualidade e de eficiência: o banqueiro deve assegurar ao cliente, em todas as actividades que exerça, “elevados níveis de competência técnica”, devendo, para a consecução de tal objectivo, dotar a sua organização empresarial “com os meios materiais e humanos necessários para realizar condições apropriadas de qualidade e eficiência”. Estão em causa deveres de protecção dos legítimos interesses do cliente, em consonância com os ditames da boa-fé.
[11] Manual de Direito Bancário, pág. 363.