Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
657/14.5TBBRG.G1
Relator: JORGE TEIXEIRA
Descritores: PROCESSO ESPECIAL DE REVITALIZAÇÃO
CREDOR
PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO
NULIDADE PROCESSUAL
APROVAÇÃO DO PLANO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 01/15/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: JULGADA PROCEDENTE
Sumário: I- O princípio do contraditório é hoje entendido um direito de participação efectiva das partes no desenvolvimento de todo litígio, mediante a possibilidade de influírem em todos os elementos que se encontrem em ligação com o objecto da causa e que em qualquer fase do processo apareçam como potencialmente relevantes para a decisão.

II- O exercício e a concretização deste princípio, numa concreta situação, não está dependente ou sujeita a um qualquer e prévio julgamento incidente sobre a solidez ou consistência substancial do eventual direito que, com a sua consagração e em decorrência do seu cumprimento, se pretendeu salvaguardar ou exercer.

Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Guimarães.

I – RELATÓRIO.

Recorrente: Banco B…

Recorrido: Luís ….

Tribunal Judicial de Braga, Instância Local – Secção Cível.

Por decisão proferida a 19/04/2014, constante de fls. 404, dos autos, procedeu-se á homologação do plano de recuperação referente ao Requerente Luís …, o qual veio requerer a abertura do processo especial de revitalização de empresa, nos termos do disposto nos artigos 17-A e seguintes do CIRE.

Sucede que, e previamente ao proferimento dessa decisão homologatória, foi remetido ao ora Recorrente, a 26/05/2014, o Plano de Revitalização Provisório para que, até 5/06/2014, se pronunciasse sobre o respectivo teor, sendo que, nessa mesma data, o Recorrente enviou ao Senhor Administrador Judicial Provisório as considerações que se lhe ofereceu tecer sobre o Plano, tendo ainda solicitado alguns esclarecimentos, e tendo igualmente referido que a proposta de plano enviada era inaceitável (desde logo por consubstanciar um perdão de 95% do capital), por não consubstanciar qualquer plano de revitalização, remetendo o pagamento da dívida do Revitalizando para a sociedade avalizada - J. …, S.A ..

Ficou, assim, o Recorrente a aguardar que lhe fossem prestados os esclarecimentos pedidos, bem como que lhe fosse remetida a versão final do Plano de Revitalização.

Em 9 de Julho de 2014 foi remetido ao Recorrente pelo senhor Administrador Judicial Provisório o plano de recuperação definitivo, tendo-lhe igualmente sido notificado que deveria exercer o competente direito de voto até às 18 horas do dia 18 de Junho de 2014.

A 17 de Junho de 2014 foi remetida ao Recorrente a resposta do devedor ao requerimento e esclarecimentos por si solicitados.

No dia 19/06/2014, através de e-mail remetido pelo senhor Administrador Judicial Provisório, foi-lhe dado conhecimento do resultado da votação.

Invocando a omissão da notificação do plano definitivo e do prazo de votação por parte do senhor Administrador Judicial Provisório, que se traduziu na impossibilidade do Banco B…. votar o Plano de Revitalização, o ora Recorrente veio invocar a existência de uma nulidade processual, por considerar que a falta cometida era susceptível de prejudicar os interesses do mesmo, influenciando decisivamente o processo de aprovação do plano de recuperação e a formação do quórum exigido para o efeito.

E, a título subsidiário, mais requereu ainda que, caso assim não se entendesse, o Plano de Revitalização não fosse homologado, atendendo à grave irregularidade no processo de votação e referindo que a eventual homologação colocaria os credores, nomeadamente o ora Recorrente em situação mais gravosa do que a que decorreria da ausência de qualquer plano.

O tribunal recorrido, contudo, julgou improcedente a nulidade invocada, considerando que, mesmo que o Banco B tivesse votado, o Plano de Recuperação não deixaria de ser aprovado.

Por essa razão o ora Recorrente reiterou o seu pedido de não homologação do Plano, por requerimento apresentado em 07/07/2014, fundamentando o seu pedido, nomeadamente no facto de o Plano de Revitalização remeter o pagamento das dívidas que o Revitalizando garantiu através de aval que consubstanciam a maior parte do crédito reclamado pelo ora Recorrente) para a J…S.A. que também tem pendente processo de revitalização, subordinando, assim, todo e qualquer pagamento ao incumprimento do Plano de Revitalização da sociedade avalizada.

Inconformado com a aludida decisão homologatória, dela interpôs recurso o credor reclamante, Banco B..., de cujas alegações extraiu, em suma, as seguintes conclusões:

A) O ora Recorrente, credor reclamante nos presentes autos de processo especial de revitalização, participou nas negociações havidas, tendo-lhe sido remetido, em 26/05/2014, o Plano de Revitalização Provisório para que, até 5/0612014, tecesse os comentários que entendesse convenientes.

B) Na mesma data, o ora Recorrente enviou ao Senhor Administrador Judicial Provisório os seus comentários e solicitou alguns esclarecimentos, referindo que a proposta de plano enviada era inaceitável (desde logo por consubstanciar um perdão de 95% do capital), não consubstanciando, na verdade, qualquer plano de revitalização por remeter o pagamento da dívida do Revitalizando para a sociedade avalizada - J. …, S.A ..

C) Assim, o ora Recorrente ficou a aguardar que lhe fossem prestados os esclarecimentos pedidos, bem como que lhe fosse remetida a versão final do Plano de Revitalização, tendo sido, porém, surpreendido, no dia 19/06/2014, pelo envio de e-mail por parte do Senhor Administrador Judicial Provisório, dando nota do resultado da votação, sendo certo que nunca lhe chegou a remeter a versão final do Plano de Revitalização, nem a indicar o prazo de votação.

D) Ora, face a tal omissão do Senhor Administrador Judicial Provisório que se traduziu na impossibilidade do Banco B... votar o Plano de Revitalização, o ora Recorrente veio invocar a existência de uma nulidade processual, por considerar que a falta cometida era susceptível de prejudicar os interesses do mesmo, influenciando decisivamente o processo de aprovação do plano de recuperação e a formação do quórum exigido para o efeito.

E) Subsidiariamente requereu ainda que, caso assim não se entendesse, o Plano de Revitalização não fosse homologado, atendendo à grave irregularidade no processo de votação e referindo que a eventual homologação colocaria os credores, nomeadamente o ora Recorrente em situação mais gravosa do que a que decorreria da ausência de qualquer plano.

F) Uma vez que o Tribunal a quo julgou improcedente a nulidade invocada, considerando que, mesmo que o Banco B… tivesse votado, o Plano de Recuperação não deixaria de ser aprovado, o ora Recorrente veio reiterar o seu pedido de não homologação do Plano, por requerimento apresentado em 07/07/2014, fundamentando o seu pedido, nomeadamente no facto de o Plano de Revitalização remeter o pagamento das dívidas que o Revitalizando garantiu através de aval que consubstanciam a maior parte do crédito reclamado pelo ora Recorrente) para a 1. J, S.A. que também tem pendente processo de revitalização, subordinando, assim, todo e qualquer pagamento ao incumprimento do Plano de Revitalização da sociedade avalizada.

G) Com efeito, no que diz respeito às responsabilidades assumidas pelo Devedor enquanto avalista da J. S.A., o mesmo propõe-se pagar apenas no caso da J., S.A. não cumprir o seu plano de revitalização, sendo certo que a responsabilidade do aqui Devedor é solidária e não subsidiária da sociedade avalizada.

H) Além disso, no que diz respeita a tal responsabilidade, o Devedor propõe-se pagar apenas 5% dos valores em dívida e apenas em caso de incumprimento do Plano de Revitalização da J…, S.A..

I) Todavia, apesar de ser evidente que a aprovação e homologação do Plano apresentado coloca os credores, nomeadamente o ora Recorrente, em situação mais gravosa do que a que decorreria da ausência de qualquer plano, em 19/08/2014, veio a ser proferida sentença que homologou o plano de revitalização apresentado, a qual não só não teve em consideração o requerimento apresentado pelo ora Recorrente, como padece de total ausência de fundamentação.

J) É que, sentença que homologou o Plano de Revitalização deixou de se pronunciar sobre as questões levantadas no requerimento apresentado pelo ora Recorrente e que deveriam ter sido apreciadas (nem sequer referindo que foi requerida pelo Banco BPI a não homologação do plano), padecendo, por isso, de nulidade por omissão de pronúncia (artigo 615.°, n.º 1, alínea d) do CPC).

K) Como é sabido, o plano de revitalização deve-se traduzir num plano de pagamento que abranja a totalidade das responsabilidades assumidas pelos devedores, incluindo necessariamente as obrigações assumidas pelos mesmos na qualidade de avalistas.

L) Sucede que a maior parte do crédito reclamado pelo ora Recorrente diz respeito a uma livrança (caução de um contrato de empréstimo) subscrita pela J., S.A. no montante de € 197.054,67 e vencida em 29/07/2013, a qual foi avalizada a favor daquela sociedade pelo aqui Devedor, JI e JF.

M) Ora, no que diz respeito a essa dívida em concreto, o plano de revitalização apresentado, não prevê qualquer pagamento mas, antes, que o credor fique obrigado a não exigir do aqui Devedor o seu pagamento enquanto a sociedade avalizada cumprir com o acordado no plano de revitalização da mesma, sendo que só em caso de incumprimento do plano de revitalização da J. S.A. é que está previsto o pagamento da dívida garantida com aval pessoal pelo aqui Devedor (apenas 5% da dívida).

N) Esquece-se, porém, o Devedor que a responsabilidade assumida por aquele na qualidade de avalista da J., S.A é solidária e não subsidiária da assumida pela sociedade avalizada, o que significa que o ora Recorrente podia exigir o pagamento de quaisquer dos obrigados cambiários.

O) Assim, resulta, pois, claramente que o plano de revitalização apresentado coloca o ora Recorrente numa situação mais gravosa do que a que decorreria da ausência de qualquer plano, pois não prevê qualquer pagamento do referido crédito reclamado pelo mesmo, sendo certo que as obrigações assumidas pelo Devedor revestem natureza solidária.

P) É, pois, evidente que, apesar da J., S.A. estar a cumprir o plano de revitalização acordado, o plano de revitalização do aqui Devedor deveria prever o pagamento da responsabilidade assumida pelo Revitalizando enquanto avalista daquela sociedade, sendo certo que, na ausência do presente processo, o ora Recorrente poderia fazer prosseguir a execução proposta contra o mesmo para pagamento do referido crédito ou obter pagamento por via da liquidação do património daquele no âmbito de processo de insolvência.

Q) Ora, não estando previsto qualquer pagamento da referida responsabilidade, sempre se terá que concluir que o Plano de Revitalização apresentado dificulta e adia a cobrança do crédito do ora Recorrente, colocando-o numa situação necessariamente mais gravosa do que a que decorreria da ausência de qualquer plano, pois o mesmo só recebe por via do Plano de Revitalização da J. S.A., quando, tendo em conta a natureza da obrigação assumida pelo Devedor, poderia estar também a receber do mesmo e assim cobrar mais rapidamente o seu crédito, o qual se encontra vencido, sendo líquido e exigível.

R) Sem prescindir, sempre se dirá que tendo sido dada à execução a aludida livrança subscrita pela J., S.A. e avalizada a favor daquela pelo aqui Devedor e outros, a aprovação e homologação do Plano de Revitalização impede que a execução proposta pelo ora Recorrente para cobrança do referido crédito possa prosseguir contra o mesmo, tentando ainda o Devedor, por via do Plano de Revitalização apresentado, retirar o carácter solidário às obrigações que assumiu na qualidade de avalista.

S) Dúvidas não restam, pois, que o plano apresentado coloca o ora Recorrente numa situação mais gravosa do que a que decorreria da ausência de qualquer plano e tendo sido requerida por tal motivo a não homologação do mesmo, o Tribunal Recorrido não poderia deixar de conhecer e apreciar tal requerimento.

T) Por outro lado, a sentença recorrida não especifica quaisquer fundamentos de facto e de direito, limitando-se a homologar o Plano de Revitalização e a condenar as partes a cumpri-lo, pelo que é também nula por falta de fundamentação.

U) Em suma, a sentença recorrida padece assim de nulidade por omissão de pronúncia e de fundamentação (artigo 615.°, 1, alínea b) e d) do CPC), devendo assim ser substituída por outra que aprecie as questões levantadas pelo Recorrente no requerimento por si apresentado e consequentemente, em face dos argumentos acima expostos, decida no sentido da não homologação do Plano de Revitalização apresentado, fundamentando a decisão no facto de ter sido requerida pelo BPI a não homologação deste e de o mesmo colocar inevitavelmente ora Recorrente numa situação menos favorável do que aquela em que estaria na ausência de qualquer plano.

V) Além disso, a sentença recorrida viola ainda o disposto no art.° 216.°, n.º 1, alínea a) do CIRE.”

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O Apelado apresentou contra alegações, concluindo pela improcedência do recurso interposto.

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Colhidos os vistos, cumpre decidir.

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II- Do objecto do recurso.

Sabendo-se que o objecto do recurso é definido pelas conclusões no mesmo formuladas, sem prejuízo do que for de conhecimento oficioso, as questões decidendas são, no caso, as seguintes:

- Apreciar se se verifica ou não a existência de uma nulidade, decorrente da omissão da notificação do mapa de revitalização definitivo e do prazo de votação.

- Apreciar da invocada nulidade da decisão recorrida por “omissão de fundamentação” e de ”omissão de conhecimento”, previstas nos artigo 615, nº 1, als. b) e d), respectivamente, do C.P.C..

- Apreciar se a decisão recorrida homologatória do Plano de Recuperação viola o disposto no artigo 216, do CIRE, por virtude de o plano configurar uma situação menos favorável para o credor/recorrente, do que a que existiria na ausência de qualquer plano.

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III- FUNDAMENTAÇÃO.

Fundamentação de facto.

O circunstancialismo fáctico e processual a ter em consideração para a decisão a proferir é, além do supra referido e constante do relatório do presente acórdão, o a seguir descrito:

A 19 /08/2014, foi proferida nos autos a decisão homologatória do plano de revitalização junto aos autos com o seguinte teor:

“Homologo o plano de recuperação relativo ao devedor Luís Filipe Inteiro Teixeira, condenando as partes a cumpri-lo nos seus precisos termos.

Sem custas.

Registe e notifique.”

Fundamentação de direito.

Atento a que da sua eventual procedência pode resultar prejudicado o conhecimento das demais questões suscitadas pelo Recorrente, passemos então a analisar se na presente situação se verifica ou não a existência de uma nulidade, decorrente da omissão da notificação do mapa de revitalização definitivo e do prazo de votação, ou dito de outro modo, se foi ou não dado adequado cumprimento ao princípio do contraditório.

De harmonia com o disposto noa artigo 1º, nº. 1, do CIRE, o processo de insolvência consiste num “processo de execução universal que tem como finalidade a liquidação do património de um devedor insolvente e a repartição do produto obtido pelos credores, ou a satisfação destes pela forma prevista num plano de insolvência, que nomeadamente se baseie na recuperação da empresa compreendida na massa insolvente”.

O processo especial de revitalização surge como resposta estratégica à necessidade da criação de uma envolvente favorável à revitalização do tecido empresarial português numa altura particularmente sensível do seu desenvolvimento, com o objectivo de se afirmar como uma solução de reestruturação empresarial em ordem a promover a viabilização e/ou recuperação do devedor.

Assim, em conformidade com o que se dispões no artigo 17°-A, nºs. 1 e 2, do CIRE, “o processo especial de revitalização destina-se a permitir ao devedor que, comprovadamente, se encontre em situação económica difícil ou em situação de insolvência meramente iminente, mas que ainda seja susceptível de recuperação, estabelecer negociações com os respectivos credores de modo a concluir com estes acordo conducente à sua revitalização”, e pode "ser utilizado por todo o devedor que, mediante declaração escrita e assinada, ateste que reúne as condições necessárias para a sua recuperação".

Com a introdução do Processo Especial de Revitalização no Código da Insolvência e Recuperação de Empresas, a satisfação dos direitos dos credores deixou de consistir no objectivo primordial, ou quase único, da liquidação do devedor, passando, desde então, a revitalização do devedor a consubstanciar, também, um fim a ter em conta no âmbito do CIRE, alterando-se, assim, o paradigma da legislação falimentar.

Na verdade, a introdução deste tipo de processo especial teve em vista possibilitar ao devedor, em situação económica difícil ou de insolvência meramente iminente, mas susceptível de recuperação, o estabelecimento de ajustes, por acordo com os respectivos credores, por forma a concluir com estes um pacto que vise a sua revitalização e consequente recuperação económica.

O processo especial de revitalização reveste, assim, uma natureza negocial e extrajudicial, do devedor com os credores, sob a coordenação, direcção e escrutínio do administrador judicial provisório, em ordem, como se disse, à prossecução de um confessado propósito exteriorizado num acordo, ou seja, num plano de recuperação, que promova a reestruturação da empresa, permitindo a respectiva revitalização, o qual, a final, poderá ou não ser aprovado, seguindo, para o efeito, os termos do disposto nos artigos 17°-F e 17º-G, do CIRE, onde se estabelece o quórum necessário para a aprovação.

Sendo este um processo onde impera o primado da vontade dos credores que, quase plenamente, dele decidem, confiou-se, no entanto, ao administrador judicial, e, de algum modo, ao devedor, a responsabilidade de obviarem a abusos nefastos para aqueles e para a saúde da economia, restando, assim, para a intervenção do Juiz, neste processo, um papel residual, cabendo-lhe, quase em exclusivo, sindicar o cumprimento das normas aplicáveis, e cujo cumprimento, constitui pressuposto da homologação do plano, e que contendem, quer com as regras procedimentais a respeitar, quer com o próprio conteúdo do plano.

Assim, operada a votação e aprovação do Plano de Revitalização, por parte dos credores, ao Juiz compete, no prazo de dez dias a contar da recepção do mesmo - artigos 17º-F, nºs. 5 e 6 do CIRE -, dirimir, homologar ou recusar a homologação do aprovado plano de recuperação, vinculando os credores, observando-se, para o efeito, com as necessárias adaptações, os preceitos vigentes em matéria de aprovação e homologação do plano de insolvência, nos artigos 215º e 216º do CIRE.

E, em conformidade com estes últimos preceitos, deverá Juiz recusar a homologação do plano de recuperação aprovado, sempre que seja confrontado com situações de violação não negligenciável de regras procedimentais ou das normas aplicáveis ao seu conteúdo, qualquer que seja a sua natureza, e ainda nos casos em que tal lhe tenha sido impetrado por algum credor que a evidencie, com foros de plausibilidade, ou que a sua situação com o plano é previsivelmente menos favorável do que a que interviria sem qualquer plano – artigo 216, nº1, alínea a), do CIRE -, ou que o plano proporciona a um credor um valor económico superior ao montante nominal dos seus créditos – artigo 216, nº1, alínea b), do CIRE.

O processo de revitalização assume, assim, uma natureza e a estrutura de um processo declarativo, a cujo regime está sujeito, com as especialidades previstas no CIRE, sendo assim aplicáveis, para além do mais, os mesmos princípios, regras e preclusões, do que qualquer outro, dessa mesma natureza, e, designadamente, as normas atinentes à consagração e cumprimento do princípio do contraditório.

E, tendo na fase de negociação prévia e destinada à aprovação do plano de recuperação, um dos seus momentos fulcrais e determinantes, e que se revela de basilar importância, está, durante essa fase, o devedor obrigado a prestar toda a informação pertinente aos seus credores e ao administrador judicial provisório para que essas negociações e aprovação se possam realizar de forma transparente e equitativa – cfr. artigo 17-D, nº 6, do CIRE -, sendo que, o devedor ou os seus administradores podem mesmo ser responsabilizados pelos prejuízos causados aos seus credores em virtude de falta ou incorrecção das comunicações ou informações prestadas – cfr. artigo 17-D, nº 11, do CIRE.

Uma vez concluídas as negociações com aprovação de plano de recuperação conducente à recuperação do credor, deverá então o plano aprovado ser remetido a tribunal para que o juiz o homologue ou não, tendo para o efeito em consideração, com as necessária adaptações, as regras vigentes em matéria de aprovação e homologação do plano de insolvência e, designadamente, as regras e critérios contidos nos artigos 215 e 216, do CIRE – cfr. artigo 17-F, nº 1, 2 e 5, do CIRE.

E assim sendo, inquestionável se afigura que, uma vez que um concreto credor titular de um crédito relacionado e não impugnado, tenha decidido participar, e efectivamente tenha participado, nas negociações em curso, necessariamente lhe terá de ser dado conhecimento do plano de recuperação, bem como, conferida a possibilidade de sobre o seu teor se pronunciar, designadamente, aprovando-o ou rejeitando-o, nos termos legalmente previstos no artigo 211, do CIRE, ou seja, através de voto expresso por escrito e dentro do prazo legalmente estipulado.

Na verdade, não faria qualquer sentido que se remetesse um plano de recuperação para análise substancial do seu conteúdo, em ordem a aquilatar da sua conformidade com os critérios juridicamente relevantes a ter em consideração, com vista a subsequente aprovação, sem que, e previamente, aqueles com relação aos quais se irão produzir os seus efeitos, e que são os credores relacionados e reconhecidos, não tenham sido ouvidos, ou pelo menos, se não tenham podido pronunciar, sobre o seu teor, em ordem a manifestarem a sua posição sobre se o conteúdo do plano, na sua perspectiva, salvaguarda ou não os respectivos interesses de cada um deles.

Destarte, parece-nos evidente que o regime previsto no artigo 211, do CIRE, constitui um afloramento de um principio geral do direito processual civil, no âmbito do processo do processo de insolvência, ou, mais concretamente, do principio do contraditório, plasmado em termos genéricos no artigo 3, nºs 1 e 3, do C.P.C., no qual se estipula que, salvo nos casos excepcionais previstos na lei, “o tribunal não pode resolver o conflito de interesses que a acção pressupõe sem que a resolução lhe seja pedida por uma das partes e a outra seja devidamente chamada para deduzir oposição”, não sendo lícito ao juiz, salvo em caso de manifesta desnecessidade, “decidir de quaisquer questões de direito ou de facto, mesmo que do conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem”.

Como é consabido, o princípio do contraditório é hoje entendido “como garantia da participação efectiva das partes no desenvolvimento de todo o litígio, em termos de, em plena igualdade, poderem influenciar todos os elementos (factos, provas, questões de direito) que se encontrem em ligação, directa ou indirectamente, com o objecto da causa e em qualquer fase do processo apareçam como potencialmente relevantes para a decisão”. Cfr. Lebre de Freitas/João Redinha/Rui Pinto, Código de Processo Civil Anotado, vol 1.º, 2.ª edição, Coimbra Editora, págs. 7-8.

Assim se conclui que o fim principal do princípio do contraditório deixou de ser a defesa, no sentido negativo de oposição ou resistência à actuação alheia, para passar a ser a influência, no sentido positivo de direito de incidir activamente no desenvolvimento e no êxito do processo.

Daqui resulta que nestes processos, terá sempre de facultar-se aos credores a possibilidade de deduzirem todas as suas razões de concordância ou discordância sobre o plano de recuperação, e, designadamente, de adução das razões por que, em seu entender, o concreto plano de revitalização apresentado os podem colocar numa situação mais gravosa do que a que decorreria da ausência de qualquer plano, mormente, quando, como sucede na presente situação, não prevê o plano qualquer pagamento do crédito reclamado pelo Recorrente, sendo certo que as obrigações assumidas pelo devedor revestem natureza subsidiária.

Ao Recorrente terá assim de ser reconhecido o direito de discutir este aspecto nos moldes em que entenda por conveniente e adequado fazê-lo, isto mesmo que a sua eventual discordância se revele ou incida apenas sobre aspectos jurídicos da responsabilidade a assumir pelo devedor principal, e/ou pelo avalista – Requerente do processo de Revitalização e Recorrido -, e suas decorrências para a situação em apreço, designadamente, quando incida sobre a discussão da natureza solidária ou subsidiária da responsabilidade do devedor principal com relação à assumida pela sociedade avalizada.

E o exercício efectivo de um tal direito de modo algum pode ser impedido por mais notória, intensa ou ostensiva que se entenda ser a carência de fundamento pertinente, que a todos os títulos tornasse indubitável e imperiosa a conclusão de que ao Recorrente não assiste, com qualquer fundamento válido e juridicamente sustentado e relevante, o direito de ver não homologado o plano de revitalização e, designadamente, com fundamento em que a sua situação ao abrigo do plano será manifesta e previsivelmente menos favorável do a que se verificaria se houvesse plano, por mais evidente e inequívoca que, na concreta situação, a inexistência desta situação possa resultar.

Mas se isto se nos afigura evidente, não podemos, no entanto, esquecer que na presente situação, em contrário do alegado pelo Recorrente, o que se verifica é que o senhor Administrador o notificou do mapa definitivo e bem assim do prazo fixado para se proceder à respectiva votação, não podendo, por isso, consequentemente, falar-se da existência de uma omissão pura de uma notificação para a prática dos actos processuais em referência e, designadamente, do exercício do direito de voto para a provação o rejeição do plano de revitalização definitivo, por parte da Recorrente, já que este foi notificado para esse efeito a 9/07/2014.

Sucede no entanto que, e como resulta da materialidade tida por demonstrada, a 5 de Junho de 2014, na sequência da notificação do plano provisório, o Recorrente enviou ao Administrador Judicial Provisório as considerações que se lhe ofereceu tecer sobre o Plano, tendo ainda solicitado alguns esclarecimentos, e tendo igualmente referido que a proposta de plano enviada era inaceitável (desde logo por consubstanciar um perdão de 95% do capital), por não consubstanciar qualquer plano de revitalização, remetendo o pagamento da dívida do Revitalizando para a sociedade avalizada - J. … S.A ..

A 9 de Junho de 2014 foi-lhe remetido pelo Administrador Judicial Provisório o plano de recuperação definitivo, tendo-lhe igualmente sido notificado que deveria emitir o competente direito de voto até às 18 horas do dia 18 de Junho de 2014.

O supra aludido requerimento do Recorrente, de 5 de Junho de 2014, obteve resposta por parte do devedor a 17 de Junho de 2014, em que lhe foram prestados os esclarecimentos os por si solicitados.

A 19 de Junho de 2014 foi-lhe dado conhecimento pelo Administrador Judicial Provisório do resultado da votação do plano definitivo, cujo terminus do respectivo prazo fixado para a votação, como se deixou dito, tinha ocorrido no dia 18 desse mesmo mês.

Destarte, a questão a esclarecer em mais não consistirá do que na de saber se, mesmo tendo sido efectuada a notificação do plano definitivo e do respectivo prazo fixado para a respectiva votação, terá sido dado adequado e eficaz cumprimento ao princípio do contraditório.

Ora, sobre o sentido e alcance do princípio do contraditório no âmbito do processo civil, o Tribunal Constitucional pronunciou-se, entre outros, no Acórdão n.º 259/2000, no qual se escreveu:

“O direito de acesso aos tribunais é, entre o mais, o direito a uma solução jurídica dos conflitos, a que se deva chegar em prazo razoável e com observância das garantias de imparcialidade e independência, possibilitando-se, designadamente, um correcto funcionamento das regras do contraditório, em termos de cada das partes poder aduzir as suas razões (de facto e de direito), oferecer as suas provas, controlar as provas do adversário e discretear sobre o valor e o resultado de umas e outras”. Cfr. Acórdão n.º 259/2000, publicado no Diário da República 2ª série, de 7 de Novembro de 2000, e Acórdão nº 86/88, publicado nos, Acórdãos do Tribunal Constitucional, vol. 11. °, pp. 741 e segs.

É que - sublinhou-se no Acórdão n.° 358/98 – “o processo de um Estado de direito (processo civil incluído) tem de ser um processo equitativo e leal. E, por isso, nele, cada uma das partes tem de poder expor as suas razões (de facto e de direito) perante o tribunal antes que este tome a sua decisão. É o direito de defesa, que as partes hão-de poder exercer em condições de igualdade. Nisso se analisa, essencialmente, o princípio do contraditório, que vai ínsito no direito de acesso aos tribunais, consagrado no artigo 20.°, n.° 1, da Constituição, que prescreve que “a todos é assegurado o acesso (...) aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, não podendo a justiça ser denegada por insuficiência de meios económicos”. Cfr. Acórdão n.° 358/98 (publicado no Diário da República, 2ª série, de 17 de Julho de 1998), repetindo o que se tinha afirmado no Acórdão n° 249/97 (publicado no Diário da República 2ª série, de 17 de Maio de 1997).

E, acrescenta-se no mesmo Acórdão, que “(…) a ideia de processo equitativo e leal (due process of law) exige, não apenas um juiz independente e imparcial - um juiz que, ao dizer o direito do caso, o faça mantendo-se alheio e acima de influências exteriores, a nada mais obedecendo do que à lei e aos ditames da sua consciência – como também que as partes sejam colocadas em perfeita paridade de condições, por forma a desfrutarem de idênticas possibilidades de obter justiça. Criando-se uma situação de “indefensão”, a sentença só por acaso será justa”.

E, como supra se mencionou, o exercício e a necessidade de concretização deste princípio do contraditório, numa concreta situação, não está dependente ou sujeita a um qualquer e prévio julgamento incidente ou tendente a indagar e esclarecer da solidez ou consistência substancial do eventual direito que, através da sua consagração e cumprimento, se pretenda salvaguardar ou exercer.

Por isso, e desde já se manifesta a nossa discordância para com o teor da decisão proferida a fls. 388 e seguintes, que conheceu da invocada nulidade, por omissão de notificação, parecendo-nos inquestionável que, por mais profunda que seja a consistência das razões de facto e/ou de direito por que se possa entender que os fundamentos aduzidos por um qualquer credor, nas situações previstas no nº 1, do artigo 216, do CIRE, não são passíveis de alicerçar a recusa de homologação do plano de revitalização, e por mais manifesta, linear e evidente, que essa falta de fundamento substancial se revele, de modo algum essa circunstância pode levar a que se considere justificado o não exercício ou omissão do cumprimento do contraditório sobre o conteúdo de um tal plano, com relação a todos os credores relacionados, ou seja, e mais concretamente, não pode servir para levar a que se considere justificada a omissão da efectuação da notificação da versão definitiva do plano de recuperação, como se fez na aludida decisão de fls. 388 e seguintes, em que, por se ter concluído que (…) esta irregularidade (…) não pode influir no exame ou na decisão da causa, porquanto, tal como foi informado pelo senhor administrador judicial provisório, atendendo aos créditos reconhecidos e ao resultado da votação a que se procedeu, mesmo que o credor votasse contra o plano de recuperação do devedor, este sempre seria aprovado”, acabou por se reconhecer que, mesmo que tenha sido omitida a notificação do plano de revitalização, o certo é que tal omissão não influiu no exame ou na decisão da causa, pois que, “(…) se o tribunal considerasse verificada a nulidade que foi invocada pelo credor, a consequência seria de permitir que apresentasse o seu voto de aprovação ou rejeição e concluir depois que, mesmo que o credor votasse contra o plano de recuperação do devedor, este tinha sido aprovado, tal como sucedeu”.

Todavia, e como se deixou dito, na presente situação, tendo sido solicitados e esclarecimentos e manifestas discordância com relação ao teor do plano provisório pelo Recorrente, a 5/06/2014, na sequência da notificação do plano provisório, tal requerimento apenas obteve resposta por parte do devedor a 17 de Junho de 2014, sendo que, a 9 de Junho de 2014 foi-lhe remetido pelo Administrador Judicial Provisório o plano de recuperação definitivo, tendo-lhe igualmente sido notificado que deveria emitir o competente direito de voto até às 18 horas do dia 18 de Junho de 2014, e a 19 de Junho de 2014 foi-lhe dado conhecimento do resultado da votação do plano definitivo.

Assim, sendo, por um lado, certo que ao Recorrente assistia o direito e ao devedor a correspectiva obrigação de prestar toda a informação e esclarecimentos pertinentes, por outro, consta da própria notificação efectuada que os credores se deveriam, querendo, pronunciar quanto ao teor do plano provisório, “tecendo os comentários e propondo as alterações que tiverem por convenientes, até ao próximo dia 5 de Junho de 2014”, mais se informando que “as comunicações remetidas no prazo ora estabelecido não consubstanciam votos, e que após o prazo supra referido, irá a Devedora analisar as propostas emitidas pelos credores, sendo que posteriormente será remetida a V. Exªs a versão definitiva do mesmo, a qual será, apenas nessa data, submetida a votação” – cfr. fls. 354.

Logo, em contrário do que consta da notificação acabada de referir, o plano definitivo foi elaborado e remetido ao credores antes, e não após se ter procedido à análise dos esclarecimentos e alterações sugeridas, ou seja, num momento em que ainda se não encontrava analisadas todas as questões suscitadas pelo Credor/Recorrente cujo esclarecimento se revelava de relevante interesse para que se pudesse proceder à elaboração e subsequente submissão a aprovação, por parte dos credores relacionados, do plano definitivo de revitalização.

Na verdade, sem lhe terem sido prestados os esclarecimentos que solicitou e sem conhecer se a discordância que manifestou com relação ao teor do plano provisório teriam ou não suscitado a efectuação de alguma alteração do plano provisório a ter em consideração no plano definitivo, nunca se poderia o Recorrente pronunciar sobre o teor deste último plano, o qual, indubitavelmente, foi elaborado sem que previamente se tenham prestado os esclarecimentos e analisado questões suscitadas pelo Recorrente passíveis de afectar o seu conteúdo e que, evidentemente, aquele terá reputado de importantes ou até mesmo de imprescindíveis para o expressar de uma posição concordante ou discordante sobre esse mesmo conteúdo do plano definitivo de recuperação a elaborar.

Destarte, inequívoco resulta que, ao proceder à elaboração e subsequente notificação do plano definitivo previamente à prestação dos esclarecimentos e análise das questões suscitadas pelo Recorrente, e pese embora lhe tenha sido também notificado o plano definitivo e o respectivo prazo de votação, é entendível e aceitável que o Recorrente tenha ficado, como alega, a aguardar a prestação das informações e a análise dessa questões suscitadas, dada a influência que poderiam vir a ter no conteúdo do próprio plano definitivo, em ordem a que lhe fosse facultado o conhecimento de um plano definitivo num momento em que já possuísse a informação solicitada e cujo conteúdo tivesse já em consideração a análise dessas questões, valorizando positivamente ou não, os aspectos por si suscitados.

Ora o devedor, ao pronunciar-se sobre o requerimento em apreço a 17 Junho de 2014, fê-lo no penúltimo dia do prazo concedido para a votação do plano definitivo, cujo terminus ocorreria a 18 de Junho de 2014, sendo que, ao Recorrente, por um lado, apenas naquela primeira data lhe foram facultadas as informações que pretendia e que entendeu por relevante e pertinente solicitar, e, por outro, também apenas a partir dela obteve a certeza processual de que as questões que suscitou não tinham merecido por parte do Devedor a relevância positiva por si pretendida, não tendo influenciado o conteúdo do mapa definitivo, pelo que, também só a partir dessa mesma data estaria em condições de se pronunciar sobre o respectivo conteúdo.

Destarte, dúvida não podem restar de que o mapa definitivo, mesmo tendo sido notificado ao credor Recorrente, foi-o previamente à análise e resolução das questões suscitadas por este credor, e, portanto, num momento processual em que, e até de acordo com o teor literal a notificação que lhe foi efectuada do plano provisório – onde expressamente se referiu que após o decurso do prazo aí referido, se procederia à análise das propostas emitidas pelos credores, e apenas posteriormente a essa análise seria remetida a versão definitiva do plano -, não poderia ainda ter sido elaborado e notificado ao credor Recorrente, o qual aguardava a prestação de informações e a análise das questões supra referidas.

Assim sendo, duas verdades processualmente relevantes se impõe sejam extraída:

- Por um lado, quando foi notificado do plano definitivo, o Recorrente não possuía ainda toda a informação solicitada ao Devedor e que pretendia para se pronunciar sobre tal plano;

- E, por outro, a elaboração e notificação do plano definitivo foi efectuada num momento processual em que o não poderia ter sido, quer por violação do concreto teor e da legítima expectativa gerada pela notificação do plano provisório, quer por ter sido efectuado previamente à decisão de questões passíveis de influenciar o seu conteúdo.

E, como é consabido, a garantia do exercício do direito do contraditório, que se encontra plasmado no artigo 3º, nº 3, do C.P.C., visa, como princípio estruturante de todo o nosso processo civil, assegurar uma discussão dialéctica entre as partes, em ordem a evitar “decisões surpresa”, ou seja, baseadas em fundamentos que não tenham sido previamente considerados pelas partes e, consequentemente, reforçar, assim, o direito de defesa, não sendo lícito, “salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem”.

A regra do contraditório deixa de estar exclusivamente associada ao direito de defesa, no sentido negativo de oposição à actuação processual da contraparte, para passar a significar um direito de participação efectiva das partes no desenvolvimento de todo litígio, mediante a possibilidade de influírem em todos os elementos que se encontrem em ligação com o objecto da causa e que em qualquer fase do processo apareçam como potencialmente relevantes para a decisão. Cfr. Lebre de Freitas, Introdução ao Processo Civil, 1996, págs. 96-97.

E, estaremos perante uma decisão surpresa quando ela comporte uma solução jurídica que as partes não tinham obrigação de prever, quando não fosse exigível que a parte interessada a houvesse perspectivado no processo, tomando oportunamente posição sobre ela, ou, no mínimo e concedendo, quando a decisão coloca a discussão jurídica num módulo ou plano diferente daquele em que a parte o havia feito.

Em decorrência do exposto, como óbvias fluem as seguintes conclusões:

- Em primeiro lugar, sempre e em qualquer situação – de sólida existência, como de notória inconsistência, do direito a salvaguardar -, teria de ter sido dado cumprimento à notificação do plano de revitalização para que sobre o seu teor, e previamente à respectiva homologação, se pudesse ter pronunciado.

- Acresce que, e por outro, o contraditório apenas se poderá considerar validamente exercitado se à parte forem facultados todos os elementos que se afigurem necessários ao eficaz exercício dos seus direitos.

Assim sendo, para que a Recorrente se pudesse pronunciar sobre as medidas constantes do plano de revitalização definitivo e, designadamente, sobre a sua repercussão na sua concreta situação, e aquilatar da sua anuência ou discordância com o respectivo teor, necessária e obrigatoriamente teriam de lhe ter sido fornecidos os elementos que solicitou e analisadas a questões que suscitou, momento processual a partir do qual, estando em condições de se pronunciar sobre o conteúdo do plano definitivo, obteria também a certeza processual da irrelevância das questões que suscitou, e, consequentemente, do concreto e também definitivo conteúdo do plano sobre o qual teria de se pronunciar, bem como, do prazo concedido para que pudesse exercer o seu direito de voto, aprovando-o ou não, pois só assim, poderia fazer pleno uso do aludido princípio do contraditório e, decorrentemente, do seu direito de voto, o que, contudo assim não sucedeu, já que foi notificado para exercer esses seus direitos num momento em que se encontrava pendente a análise de questões que podiam condicionar o exercício desses mesmos direitos e podiam afectar o conteúdo do próprio plano.

Só com conhecimento das medidas concretas perfilhadas no plano, é que o Recorrente se poderia ter pronunciado sobre ele, aduzindo as razões ou fundamentos por que em seu entender deveria tal plano ser ou não aprovado e subsequentemente homologado pelo tribunal.

Assim, dúvidas não podem restar de que, ao não ter sido notificado em momento posterior ao da resolução das aludidas questões e, portanto, num momento em que ainda não tinham sido prestadas a informações solicitadas e em que se não poderia concluir que fosse já definitivo no seu conteúdo, ficou prejudicada a defesa do Recorrente, designadamente, a análise da questão de saber se a sua situação ao abrigo do plano seria previsivelmente menos favorável do que a que interviria na ausência de qualquer plano, mostrando-se, assim, violado o princípio do contraditório.

E assim sendo, deferida deve ser pretensão de nulidade, por omissão dessa notificação, nos termos acabados de referir, pois não foi observada ou cumprida a lei, com prejuízo do dos direitos de defesa da Recorrente.

Acrescente-se, apenas, o que sobre a matéria também escreveu Teixeira de Sousa: “a violação do contraditório inclui-se na cláusula geral sobre as nulidades processuais constantes do artº 201º, nº1, dada a importância do contraditório, é indiscutível que a sua inobservância pelo tribunal é susceptível de influir no exame ou decisão da causa”. Cfr. Teixeira de Sousa, Estudos Sobre o Novo Processo Civil, 2.ª ed., p. 48.

Destarte, na procedência da presente apelação, decide-se revogar a decisão recorrida determinando-se a sua substituição por outra que determine a notificação dos credores para aprovação ou não do plano de revitalização definitivo e a fixação de novo prazo para a respectiva aprovação.

Por último, e não obstante ter ficado prejudicado o conhecimento das demais questões suscitadas pelo Recorrente. - Artigo 608, nº2, do C.P.C. -, não pode, no entanto, dada a sua ostensividade, deixar também de se referir que igualmente se nos afigura evidente a existência da invocada nulidade, por omissão de pronúncia, da decisão recorrida, por razões que, obviamente, não caberá aqui desenvolver.

Sumário – artigo 663, nº 7, do C.P.C.

I- O princípio do contraditório é hoje entendido um direito de participação efectiva das partes no desenvolvimento de todo litígio, mediante a possibilidade de influírem em todos os elementos que se encontrem em ligação com o objecto da causa e que em qualquer fase do processo apareçam como potencialmente relevantes para a decisão.

II- O exercício e a concretização deste princípio, numa concreta situação, não está dependente ou sujeita a um qualquer e prévio julgamento incidente sobre a solidez ou consistência substancial do eventual direito que, com a sua consagração e em decorrência do seu cumprimento, se pretendeu salvaguardar ou exercer.

IV- DECISÃO.

Pelo exposto, acordam os Juízes desta secção cível do Tribunal da Relação de Guimarães em julgar procedente a apelação e, em consequência, revogar a decisão recorrida, a cuja anulação se procede, determinando-se a sua substituição por outra que determine a efectuação de notificação dos credores para aprovação ou não do plano de revitalização definitivo apresentado e a fixação de novo prazo para a respectiva aprovação.

Custas pelo Apelado.

Guimarães, 15/01/2015.

Jorge Teixeira

Manuel Bargado

Helena Melo