Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
498/12.4TTVCT.G1
Relator: MOISÉS SILVA
Descritores: CONTRATO DE TRABALHO
PERÍODO EXPERIMENTAL
ABUSO DE DIREITO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 02/26/2015
Votação: MAIORIA COM * DEC VOT E * VOT VENC
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO SOCIAL
Sumário: i) não constitui abuso de direito nem violação do princípio da boa fé, a denúncia dos contratos de trabalho promovida pela empregadora durante o período experimental, quando os trabalhadores conhecem a situação precária em que se encontra a empresa e, apesar de tal, aceitam ir para lá prestar a sua atividade e acordam livremente a duração de um período experimental, que se adequa aos parâmetros do art.º 112.º n.º 1 alínea b) do CT.
ii) a denúncia dos contratos de trabalho promovida pela empregadora durante o período experimental, sem indicar o motivo pelo qual a faz e sem ser por razões estritamente ligadas às funções dos trabalhadores, não viola o princípio constitucional da segurança no emprego preceituado no art.º 53.º da CRP, pois nesse momento ainda nenhuma segurança estava assegurada em face da densificação do princípio constitucional assegurada pelo art.º 111.º do CT.
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, na Secção Social do Tribunal da Relação de Guimarães

I – RELATÓRIO
Apelantes: A… e L… (autor).
Apelados: E…, SA, J… e E… (sgps), SA (ré).
Tribunal Judicial da comarca de Viana do Castelo, Secção Trabalho, J2.
1. Os AA. vieram intentar ação de processo comum contra os RR., pedindo a sua condenação:
O A. A…:
- a reintegrá-lo ou a pagar a indemnização no valor de € 1.354,06;
- a pagar-lhe a quantia de € 1.326,42 de proporcionais de férias e subsídio de férias;
- a pagar-lhe a quantia de € 663,21 de proporcionais do subsídio de Natal;
- a pagar-lhe as retribuições que deixou de auferir desde a data do despedimento até ao trânsito em julgado da presente sentença;
- a pagar-lhe a quantia de € 129.990,00 a título de retribuições que deixou de auferir nos três anos de duração do contrato;
- a pagar-lhe a quantia de € 100.000,00 de indemnização por danos de natureza não patrimonial;
- a pagar-lhe a quantia de € 28.035,00 a título de lucros cessantes;
O A. L…:
- a reintegrá-lo ou a pagar a indemnização no valor de € 4.286,85;
- a pagar-lhe a quantia de € 4.241,78 de proporcionais de férias e subsídio de férias;
- a pagar-lhe a quantia de € 2.120,89 de proporcionais do subsídio de Natal;
- a pagar-lhe as retribuições que deixou de auferir desde a data do despedimento até ao trânsito em julgado da presente sentença;
- a pagar-lhe a quantia de € 371,771,04 a título de retribuições que deixou de auferir nos três anos de duração do contrato;
- a pagar-lhe a quantia de € 100.000,00 de indemnização por danos de natureza não patrimonial;
- a pagar-lhe a quantia de € 65.700,00 a título de lucros cessantes;
Ambos os AA. pedem ainda a condenação dos RR. no pagamento de juros de mora, à taxa legal.
Procedeu-se à realização de audiência de discussão e julgamento e de seguida foi proferido despacho de decisão da matéria de facto, o qual não sofreu reclamações.
Foi proferida sentença que decidiu julgar totalmente improcedente a ação e absolver os RR. do pedido.

2. Inconformados, vieram os AA. interpor recurso de apelação, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões:
1.ª A tese consagrada na sentença da 1.ª instância no sentido de que o empregador, durante o período experimental, pode despedir o trabalhador livremente, ou seja, por qualquer outro motivo que não o seu desempenho profissional, desde que tal motivo não seja direta e absolutamente proibido por lei, é por completo errónea. Com efeito,
2.ª O período experimental consagrado no art.º 111.º do Código do Trabalho é um instituto que coloca o trabalhador numa posição de extrema vulnerabilidade e em verdadeira "rota de colisão" com a garantia da segurança no emprego, consagrada no art.º 53.º da CRP.
3.ª Por isso, ainda que admitindo um período de tempo para o empregador verificar qual é o desempenho profissional do trabalhador e como se insere ele na comunidade organizativa, a Ordem Jurídica portuguesa não pode tolerar que o mesmo período experimental possa servir, não para esta finalidade,
4.ª Mas para permitir, por exemplo, verdadeiros despedimentos coletivos ou por extinção de postos de trabalho mas sem obrigação de fundamentação dos mesmos despedimentos, da demonstração da veracidade dos respetivos fundamentos, de adoção dos adequados procedimentos formais e do pagamento da competente indemnização.
5.ª A liberdade do uso pelo empregador do direito de denúncia do contrato de trabalho durante o referido período experimental não é total nem absoluta, nem pode ser isenta de apreciação e julgamento jurisdicional,
6.ª Razão por que se se demonstrar - como sucede inquestionavelmente no caso dos autos - que a denúncia teve por base razões (que até podem ser formalmente lícitas e assentes em factos alegadamente verdadeiros) que são inteiramente estranhas à verificação da aptidão e qualidade do trabalho, verifica-se ou um inquestionável abuso de direito ou a interpretação e aplicação do citado art.º 111.º do CT numa vertente normativa em que o mesmo padece de óbvia inconstitucionalidade material, por violação do preceito e princípio da segurança no emprego, consagrado no art.º 53.º da CRP,
7.ª Pelo que o ato em causa - praticado ou em completa oposição ao fim económico e social para que a Ordem Jurídica concede o direito à sua prática ou em aplicação de norma materialmente inconstitucional - é nulo e de nenhum efeito, com a consequente ilicitude do despedimento dos trabalhadores. Por outro lado,
8.ª Mesmo a factualidade dada pela sentença recorrida como demonstrada nos autos demonstra que a conduta das RR. violou o basilar princípio da boa fé, consagrado nos art.ºs 227° e 762.º do CC, contrariando de forma por completo ilícita as legítimas expetativas que com a sua conduta haviam fundadamente criado nos AA ..
9.ª Não é nem pode ser considerado risco obrigatoriamente a ter em conta por uma das partes de um contrato de trabalho que a outra parte seja, por determinação do seu acionista único, obrigada a pôr abruptamente termo ao contrato de trabalho, apenas e tão só porque o novo Governo decide extinguir e liquidar e Empresa empregadora.
10.ª Mas mesmo que assim fosse, então é óbvio que as consequências para que seria suposto, à luz da conduta exigível ao homem médio colocado na posição dos AA., que estes devessem estar prevenidos seriam as próprias do processo de extinção e liquidação da empresa, com o pagamento de todas as remunerações até ao momento da cessação dos contratos de trabalho e o pagamento das respetivas indemnizações (ou compensações de antiguidade).
11.ª E a teoria da "contenção de custos", sobre não ter sido minimamente demonstrada nos autos, bem antes pelo contrário (dadas as despesas que, com a nova administração e nesta nova fase não só não diminuíram como até aumentaram) teria, quando muito, virtualidade para justificar um despedimento por justas causas objetivas,
12.ª Mas nunca por nunca um totalmente inesperado e injustificado despedimento "ad nutum" dos aqui AA..
13.ª Deste modo, forçoso se torna concluir que a sentença recorrida procedeu a uma errada interpretação e aplicação da lei, consagrando uma vertente normativa do art.º 111.º do Código do Trabalho frontal, desnecessária, desproporcionada e inaceitavelmente violadora do preceito e princípio constitucional constante do art.º 53.º da CRP,
14.ª Padecendo assim de incontornável inconstitucionalidade material, a qual fica ora e aqui desde já arguida para todos os devidos e legais efeitos.
15.ª Bem como consagrando a aceitabilidade do abuso do direito bem como da violação do basilar princípio da boa fé, consagrado nos art.ºs 227.º e 762.º do Cód. Civil.
Termos em que deve o presente recurso ser julgado procedente e, consequentemente, deve a decisão ora recorrida ser revogada, declarando-se a ação procedente com todas as consequências legais.

3. Os RR.. responderam e concluíram que deve ser confirmada a sentença recorrida, a qual fez uma boa aplicação do direito aos factos provados, realçando que só estes podem ser tomados em conta e não outros alegados pelos AA. na apelação.
4. O Ministério Público emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso.
5. Colhidos os vistos, em conferência, cumpre decidir.

6. Objeto do recurso
O objeto do recurso está delimitado pelas conclusões das alegações formuladas, sem prejuízo do que for de conhecimento oficioso.
As questões a decidir neste recurso consistem em apurar se:
1 – A denúncia dos contratos constitui abuso de direito e viola os princípios da boa fé ínsitos nos art.ºs 227.º e 762.º do Código Civil.
2 – É inconstitucional a interpretação do art.º 111.º do CT, no sentido de que a denúncia dos contratos de comissão de serviço durante o período experimental pode ocorrer por razões estranhas à verificação da aptidão e qualidade do trabalho.

II - FUNDAMENTAÇÃO
A) Factos provados:
1 – A R. “E…” é uma sociedade que se dedica à construção e reparação navais, bem como ao exercício de todas as atividades comerciais e industriais com ela conexas, bem como às atividades de indústria e comércio de tecnologias militares; pode ainda desenvolver atividades de fabricação, construção e montagem de estruturas metálicas.
2 – A R. “Em…” é a holding das indústrias portuguesas de defesa, cuja atividade consiste na gestão de participações sociais detidas pelo Estado em sociedades ligadas direta ou indiretamente às atividades de defesa.
3 – O capital social da R. “E…” é detido a 100% pela R. “Em…”.
4 – Por deliberação da “Em…” de 16/8/2011, o R. J… foi indigitado Presidente do Conselho de Administração da R. “E…”, exercendo as referidas funções desde então, juntamente com os restantes membros nomeados para a administração da R. “E…”.
5 – Nos últimos anos, a R. “E…” tem vindo a sofrer uma acentuada quebra da sua atividade e, consequentemente, das suas receitas, evolução essa que colocou a empresa numa situação economicamente difícil.
6 – Em 2009, a R. “E…” tinha uma situação liquida negativa de 25 milhões de euros; em 2011, essa situação liquida negativa era de 125 milhões.
7 – Perante esta situação, foi encomendado e elaborado no início de 2011, por um consultor internacional (A…), um projeto de viabilização da R. “E…”, o qual, entre outras coisas, passava pela diminuição dos custos fixos (diminuição do número de trabalhadores) e a introdução de uma nova estrutura diretiva (com a admissão de novos colaboradores para essa estrutura).
8 – Em todo o caso, ao longo de todo este tempo, os cenários em discussão para o futuro da R. “E…” foram sendo os mais variados, indo desde o encerramento da empresa à sua manutenção nos mesmos exatos moldes.
9 – Os responsáveis da R. “E…” tinham esperança no sucesso da implementação do projeto referido em 7), embora estivessem cientes das dificuldades e dos riscos de fracasso.
10 – O referido plano de viabilização veio a ser aprovado pelo então Secretário de Estado do Tesouro e Finanças em 3 de junho de 2011.
11 – Aquando da tomada de posse do novo governo (21 de junho de 2011), o Ministro da Defesa suspendeu a aplicação do projeto referido em 7), remetendo uma decisão definitiva para setembro desse ano.
12 – A R. “Em…” enviou, em 5/7/2011, à R. “E…” a carta de fls. 6 (deveria querer dizer 73) que aqui se dá por integralmente reproduzida.
13 – Na sequência da implementação do projecto referido em 7), a R. “E…” contactou uma empresa de recrutamento de quadros qualificados, a “M…”, (empresas estas vulgarmente conhecidas como “headhunters”), a fim de preencher os quadros diretivos nos moldes aí previstos.
14 – O A. A… foi contactado nesse sentido pela referida “M…”, onde tinha o seu curriculum vitae colocado.
15 – Foi-lhe proposto o cargo de chefe de contabilidade/técnico oficial de contas, pois que o TOC da R. “E…” já havia manifestado o seu interesse em se aposentar.
16 – Os responsáveis da “M…” deram a conhecer a este A. a existência do plano de viabilização referido em 7).
17 – No âmbito deste processo de seleção e recrutamento, o A. A… deslocou-se no dia 6 de junho de 2011 a Viana do Castelo, para uma entrevista com elementos da administração da R. “E…”, a qual foi conduzida pelos administradores J… e J…, estando também presente o então TOC da R., que se pretendia aposentar.
18 – Nessa reunião, estes elementos da administração deram-lhe a conhecer os factos descritos em 5) a 9).
19 – No dia 16 de junho de 2011, este A. recebeu um telefonema do citado J… que o informou que tinha sido ele o candidato selecionado, bem como das condições contratuais previstas.
20 – Tendo o A. manifestado a sua concordância com as condições propostas e depois de ponderar os factos supra referidos, aquele administrador disse-lhe que contavam com ele para iniciar funções no dia 11 de julho de 2011.
21 – Porém, no dia 21 de junho de 2011, este A. recebeu um novo telefonema daquele administrador no qual lhe foi pedido que a sua admissão ficasse adiada para 5 de setembro de 2011; posteriormente, foi-lhe novamente solicitado que a sua admissão fosse adiada para 6 de setembro de 2011.
22 – No dia 6 de setembro de 2011, o A. A… apresentou-se na R. “E…” para iniciar funções, tendo assinado o documento intitulado “Contrato de Trabalho Por Tempo Indeterminado” de fls. 64 a 69, que aqui se dá por integralmente reproduzido.
23 – Para a passagem do trabalho, este A. reuniu de imediato com o colega que iria substituir, tendo consequentemente elaborado um plano de trabalho para a passagem de conhecimentos e informação.
24 – A partir dessa data o A. passou a desenvolver para a R. as tarefas que decorriam do cumprimento do “contrato” referido em 20).
25 – No dia 30 de setembro de 2011, a administração da R. comunicou a este A. que, por força de instruções da única accionista, a R. “Em…”, tinham que rescindir o contrato de trabalho com ele.
26 – Nessa mesma data foi-lhe entregue a carta de fls. 98, assinada pelo R. J…, de que se transcreve a parte mais relevante:
“Na sequência do verbalmente já lhe transmitido vimos reiterar a nossa decisão de, ao abrigo do art.º 108.º do Código do Trabalho, e nos termos da cláusula 10.ª do seu contrato de trabalho, acionar o termo do contrato que tem com esta empresa, a partir do dia 15 de outubro de 2011.”
27 – O A. A… exerceu funções até ao final do dia 15 de outubro de 2011.
28 – O R. J… enviou à “M…” uma comunicação com o seguinte teor:
“Gostaria de transmitir, em primeira mão, a razão pela qual os E… decidiram acionar a resolução do contrato de trabalho ao abrigo do período experimental dos candidatos S…, J…, A… e P….
Esta decisão foi motivada pela orientação direta do nosso acionista Em… que exigiu a resolução dos contratos justificando-se na necessidade de redução de custos (gestão controlada) e na mudança de projeto de viabilidade que tinha sido aprovado pelo governo em 6 de junho.
Este foi o motivo e não esteve em causa a qualidade dos candidatos, que, aliás, assumiram desde o primeiro momento uma postura de elevadíssimo profissionalismo e competência.”
29 – O A. L… era já conhecido de F…, Presidente da Comissão Executiva da R. “E…”, no âmbito de relacionamento profissional.
30 – Por essa razão, este A. foi convidado pelo então presidente da R. “E…” para fazer parte do processo de seleção do novo diretor de projetos, tendo ocorrido uma entrevista entre ambos; no final dessa entrevista, o A. foi convidado para visitar os E….
31 – O restante processo de recrutamento deste A. decorreu durante o mês de maio de 2011, tendo-lhe sido dado a conhecer o plano referido em 7).
32 – No dia 20 de junho de 2011, o A. L… e representantes da R. assinaram o documento intitulado “Contrato Para o Exercício de Cargo em Regime de Comissão de Serviço” de fls. 70 a 76, que aqui se dá por integralmente reproduzido.
33 – Posteriormente, este A. aceitou a proposta da R. de passar a desenvolver as funções de responsável pela direção de projeto dos navios asfalteiros.
34 – A R. “E…” pôs termo à relação existente com o A. L… através da comunicação escrita de fls. 97, assinada pelo R. J…, de que se transcreve a parte mais relevante:
“Vimos comunicar a nossa decisão de, ao abrigo do período experimental considerado na cláusula 8.ª do seu contrato, acionar o termo do Contrato de Prestação de Serviço que tem com esta empresa, a partir do dia 15 de outubro de 2011.
35 – Os responsáveis da R. “E…s” sempre manifestaram o seu agrado pelo bom desempenho dos AA..
36 – Ambos os AA. ficaram surpreendidos com a atitude da R. de pôr fim aos respetivos contratos; a cessação dessa relação provocou-lhes problemas económicos durante alguns meses.
37 – Com o termo da sua relação laboral com a R. “E…”, o A. A… sofreu angústia, humilhação e ansiedade, que se prolongou durante diversos meses, e que teve repercussões na sua vida pessoal e social.
38 – Ambos os AA. tinham, quando ingressaram na R., elevadas habilitações e experiência profissional para as funções que iriam desempenhar.
39 – O A. A… trabalhava anteriormente como gerente/responsável técnico da sociedade “S…, Ltª.”.
40 – Para ingressar na R. “E…”, este A. viu-se na necessidade de renunciar às contabilidades dos seus dois maiores clientes, tendo a sociedade referida em 37 deixado de faturar mensalmente cerca de € 3.000,00.
41 – Antes de ingressar na R. “E…”, o A. L… auferia no G… (França) uma salário mensal de € 6.500,00.
42 – Quando aceitaram ingressar na R. “E…”, os AA. ponderaram as circunstâncias referidas em 5) a 9) e as condições remuneratórias que ficaram plasmadas nos respetivos contratos.
43 – O Governo deu instruções à R. “Em….” no sentido de pôr termo aos contratos de trabalho dos AA..
44 – A R. “E…” pagou aos AA. as quantias que constam dos documentos de fls. 18 e 19, (deveria querer dizer fls. 101 e 102) que aqui se dão por integralmente reproduzidos.

B) APRECIAÇÃO
B1) Apreciar se a denúncia dos contratos constitui abuso de direito e viola os princípios da boa fé ínsitos nos art.ºs 227.º e 762.º do Código Civil.

O A. A… celebrou com a R. E… um contrato de trabalho por tempo indeterminado, como se extrai do contrato junto aos autos de fls. 64 a 69.
O A. L… celebrou com a mesma R. um contrato de trabalho sob o regime de comissão de serviço, como resulta claramente do documento junto aos autos de fls. 70 a 76 e do disposto nos art.ºs 161.º e 162.º n.º 1 e 2 do CT.
Ambos os trabalhadores se encontravam ainda dentro do prazo de vigência do período experimental, que foi estipulado em 180 dias (cláusulas 10.ª e 8.ª, respectivamente), quando a R. Em… denunciou os respetivos contratos de trabalho com referência a 15 de outubro de 2011.
Os AA. concluem que a R. em… incorreu em abuso de direito ao denunciar os contratos de trabalho por razões que nada têm a ver com o seu bom desempenho profissional e que ao deixarem de exercer as funções anteriores para se vincularem aos E…, tiveram prejuízo patrimonial e não patrimonial, pois tinham a justa expetativa de que ficariam a trabalhar por tempo indeterminado no novo posto de trabalho, sendo manifestamente abusiva e contrária aos princípios da boa fé a conduta dos RR, tanto nos preliminares como na formação e no desenvolvimento dos contratos.
O art.º 227.º do CC prescreve que quem negoceia com outrem para conclusão de um contrato deve, tanto nos preliminares como na formação dele, proceder segundo as regras da boa fé, sob pena de responder pelos danos que culposamente causar à outra parte.
A protecção conferida pela norma jurídica que acabamos de citar, pressupõe que está criada a convicção nas partes – ou numa delas – de que o negócio vai ser mesmo efetuado e que ambos cumprirão a sua palavra, sem alterações ao combinado (Ac. STJ de 21.04.2005, proc. 05B490, www.dgsi.pt/jstj).
No caso concreto, os contratos foram celebrados, mas não cumpridos. Quando se deu a rutura da relação laboral os contratos já estavam na fase de execução, pelo que a boa fé a ter aqui em conta é a prevista no art.º 762.º do CC e não a do art.º 227.º do mesmo diploma legal.
A boa fé a ponderar, deve ser aquela que uma pessoa média, colocada na posição dos AA. e dos RR. deveria observar perante as circunstâncias do caso concreto.
Está assente que os AA. ao celebrarem os contratos de trabalho sabiam que ficavam numa situação precária durante o prazo do período experimental de 180 dias. Atendendo à complexidade das funções exercidas pelos AA., não nos repugna que a duração do período experimental tenha sido estabelecido pelas partes em 180 dias. Está em consonância com o disposto no art.º 112.º n.º 1 alínea b) do CT.
O arte.º 111.º do CT prescreve que o período experimental corresponde ao tempo inicial de execução do contrato de trabalho, durante o qual as partes apreciam o interesse na sua manutenção (n.º 1); no decurso deste período, as partes devem agir de modo que possam apreciar o interesse na manutenção do contrato de trabalho (n.º 2).
A existência de um período experimental clausulado entre as partes deixa entrever que nenhuma delas tinha a certeza de que a relação laboral se iria consolidar para além desse período de tempo.
Se não fosse assim, tê-lo-iam excluído, como permite o art.º 111.º n.º 3 do CT.
Durante o período experimental qualquer uma das partes podia denunciar os contratos de trabalho sem aviso prévio e invocação de justa causa, nem direito a indemnização (art.º 114.º n.º 1 do CT).
Porém, se a duração do período experimental exceder 60 ou 120 dias, a parte que o denunciar tem que dar um aviso prévio de sete ou de 15 dias, respetivamente (art.º 114.º n.ºs 2 e 3). O aviso prévio aqui referido não constitui um obstáculo à livre denúncia nos termos do n.º 1 do artigo acabado de citar.
Ponderados os factos provados, verificamos que quer os AA., quer os RR. estavam bem cientes de que os contratos de trabalho podiam ser denunciados livremente durante o período experimental, sem alegação de justa causa e sem qualquer indemnização – a não ser a devida pela falta de aviso prévio quando a duração exceder 60 ou 120 dias.
Não vemos que os RR. tenham agido com má fé para com os AA.. É certo que enviaram à empresa pela qual o A. A… foi contratado uma carta a dizer que: “Gostaria de transmitir, em primeira mão, a razão pela qual os E…decidiram acionar a resolução do contrato de trabalho ao abrigo do período experimental dos candidatos S…, J…, A… e P….
Esta decisão foi motivada pela orientação direta do nosso acionista Em… que exigiu a resolução dos contratos justificando-se na necessidade de redução de custos (gestão controlada) e na mudança de projeto de viabilidade que tinha sido aprovado pelo governo em 6 de junho.
Este foi o motivo e não esteve em causa a qualidade dos candidatos, que, aliás, assumiram desde o primeiro momento uma postura de elevadíssimo profissionalismo e competência.”
Embora a os RR. não tivessem que invocar uma causa para denunciar o contrato, o certo é que foi enviada à empresa, através da qual foi contratado o primeiro autor, uma carta com os dizeres que transcrevemos.
Não está em causa a competência e proficiência do A. A…, que atestam, mas a necessidade de redução de custos (gestão controlada) e a mudança de projeto de viabilidade que tinha sido aprovado pelo governo em 6 de junho.
Não nos parece arbitrária a decisão de denúncia por parte da empregadora. Os AA. sabiam e estavam conscientes de que durante o período experimental poderiam ser dispensados a qualquer momento, sem justificação e sem direito a indemnização. Conheciam o risco que constítuia ir trabalhar para uma empresa que estava com problemas e que precisava de se reestruturar. Não podiam ignorar os riscos de poderem ficar sem o posto de trabalho durante o período experimental.
É ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular excede manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico do direito (art.º 334.º do CC).
Para que se verifique o abuso do direito é necessário que o seu titular atue como se não tivesse direito. A sua conduta deve ser contraditória com a convicção criada (Ac. STJ de 28.06.2007, proc. 07B1964, www.dgsi.pt/jstj) de tal modo que o exercício do direito seja abusivo.
No caso concreto, os AA. não podiam ter a expetativa segura de que os seus contratos de trabalho não seriam denunciados pela empregadora. Eles mesmos assinaram as cláusulas relativas ao período experimental e foram postos ao corrente da situação da empresa, que os factos provados relatam.
Assim, salvo o devido respeito por opinião contrária, entendemos que não existe abuso de direito, nem a violação dos princípios da boa fé, quer na formação, quer na execução dos contratos.
O art.º 111.º do CT, em nosso entender, não pode ser interpretado no sentido de que só pode haver denúncia se o trabalhador não tiver aptidões e qualidades para o exercício do trabalho. O trabalhador insere-se numa organização concreta de factores produtivos com valor de posição de mercado. Pode ser ser apto e bem qualificado para o exercício do posto de trabalho, mas a empregadora concluir que a sua contratação não foi uma boa opção para a empresa. A empregadora ao contratar um trabalhador e ao não prescindir do período experimental, é porque não tem a certeza absoluta de que a contratação é boa para a empresa. E o trabalhador sabe disso. Sabe que até ao fim do período experimental pode ver denunciado o seu contrato de trabalho. É um risco, até uma angústia, mas que a lei estabelece como maneira de dar oportunidade às partes de se avaliarem mutuamente e poder qualquer delas pôr fim ao contrato de trabalho sem consequências indemnizatórias.
Nesta conformidade, interpretamos o art.º 111.º do CT no sentido de que o contrato de trabalho pode ser denunciado por razões estranhas ao desempenho pessoal do trabalhador.

2 – Apurar se é inconstitucional o art.º 111.º do CT, quando interpretado no sentido de que a denúncia dos contratos de trabalho durante o período experimental pode ocorrer por razões estranhas à verificação da aptidão e qualidade do trabalho.

O arte.º 53.º da Constituição da República Portuguesa preceitua que é garantida aos trabalhadores a segurança no emprego, sendo proibidos os despedimentos sem justa causa ou por motivos políticos ou ideológicos.
Este preceito constitucional constitui uma norma programática, cuja densificação o legislador constitucional deixou para a lei ordinária.
O art.º 111.º do CT é a norma jurídica ordinária que estabelece o alcance do preceito constitucional contido no art.º 53.º da CRP.
Como já referimos, o período experimental pode ser afastado por acordo escrito entre as partes e visa permitir que estas possam apreciar o interesse na manutenção do contrato de trabalho.
Ao analisar os factos provados, verificamos que os trabalhadores, aqui apelantes, conheciam a situação precária dos estaleiros navais, empresa onde iriam prestar a sua atividade, foi estabelecido um período experimental com a duração de 180 dias e ficaram bem definidas as funções que iriam executar. Os AA. não poderiam ter como garantido ab initio que o contrato de trabalho se consolidaria como definitivo. Até ao fim do período experimental os trabalhadores sabiam que o contrato de trabalho poderia cessar, sem invocação de justa causa e sem direito a indemnização. As tarefas que foram desempenhar, dada a sua complexidade, e uma vez que não foi excluído o período experimental, justificam a duração deste.
A segurança no trabalho não é absoluta. A segurança no trabalho pressupõe direitos e deveres para ambas as partes, no sentido de que ultrapassado o período experimental, o contrato de trabalho só pode cessar nos termos previstos na lei e não há mais lugar à cessação unilateral, sobretudo pela empregadora, sem motivo justificado. Mesmo no caso do autor L…, cuja relação laboral foi constituída através de comissão de serviço, a falta de motivo para a fazer cessar conferir-lhe-ia o direito a uma indemnização, calculado nos termos do art.º 366.º do CT (art.ºs 163.º e 164.º n.º 1 alínea c) do CT).
Neste contexto, tendo os contratos de trabalho dos autores sido denunciados durante o período experimental, embora por razões que não têm a ver com as suas aptidões e qualidades profissionais para o exercício dos postos de trabalho para os quais foram contratados, entendemos que a denúncia efetuada pela empregadora não fere a lei ordinária nem a lei constitucional.
Nesta conformidade, improcede na totalidade a apelação interposta pelos AA..
Sumário: i) não constitui abuso de direito nem violação do princípio da boa fé, a denúncia dos contratos de trabalho promovida pela empregadora durante o período experimental, quando os trabalhadores conhecem a situação precária em que se encontra a empresa e, apesar de tal, aceitam ir para lá prestar a sua atividade e acordam livremente a duração de um período experimental, que se adequa aos parâmetros do art.º 112.º n.º 1 alínea b) do CT.
ii) a denúncia dos contratos de trabalho promovida pela empregadora durante o período experimental, sem indicar o motivo pelo qual a faz e sem ser por razões estritamente ligadas às funções dos trabalhadores, não viola o princípio constitucional da segurança no emprego preceituado no art.º 53.º da CRP, pois nesse momento ainda nenhuma segurança estava assegurada em face da densificação do princípio constitucional assegurada pelo art.º 111.º do CT.

III - DECISÃO
Pelo exposto, acordam os Juízes desta secção social do Tribunal da Relação de Guimarães em julgar improcedente a apelação e confirmar a sentença recorrida.
Custas pelos apelantes.
Notifique.
(Acórdão elaborado e integralmente revisto pelo relator).
Guimarães, 26 de fevereiro de 2015.
Moisés Silva
Antero Veiga (voto o acórdão com a declaração que segue)
Manuela Fialho (vencida conforme declaração anexa)

Declaração - Antero Veiga
No cerne da avaliação inerente ao período experimental está a avaliação do desempenho, mas não só. Deve ou pode considerar-se uma abrangência mais lata.
Se é certo que a liberdade de desvinculação está relacionada com as razões que são determinantes para o período experimental, não se trata contudo de uma simples apreciação técnica das qualidades do trabalhador.
O trabalho é desenvolvido no âmbito de uma estrutura empresarial, de um conjunto de fatores, incluindo humanos.
Importa não esquecer a avaliação a efetuar no quadro desta interação.
Assim, o período experimental não pode olvidar, quanto aos seus objetivos, as questões atinentes à gestão de recursos humanos, tendo em conta as necessidades da estrutura. As vantagens ou não do recrutamento podem variar durante o período experimental, sobretudo se a situação económica da empresa não for estável.
O abuso de direito deve implicar uma apreciação global da situação, sob pena de poder implicar uma inutilização do mecanismo, com a consequente insegurança no tráfego jurídico.
As vicissitudes da estrutura empresarial onde se desenvolve o trabalho, como crises inesperadas, reponderação de métodos de recuperação de empresa em crise, etc…quando constituam a real circunstância justificativa da cessação do contrato durante a vigência do período experimental, mesmo que a avaliação do trabalhador seja positiva, são atendíveis, não sendo de considerar abusiva a cessação.
Antero Veiga



Declaração de Voto

Voto vencida pelas razões que a seguir exponho:
Os AA., contratados, o 1º por tempo indeterminado, o 2º em regime de comissão de serviço, tendo acordado num período experimental de 180 dias, iniciaram a sua prestação em Setembro e Junho de 2011, respetivamente e, em Setembro seguinte foi-lhes comunicada a cessação do contrato com efeitos reportados a 15/10.
A comissão de serviço traduz-se no desempenho de funções que pressupõem uma especial relação de confiança entre o empregador e o trabalhador.
Caracteriza-se pela inerente precariedade, porquanto é, por natureza, uma modalidade transitória de exercício do contrato de trabalho.
O seu regime jurídico difere consoante estejamos em presença de trabalhadores com prévio vínculo à empresa ou, por outro lado, em presença de trabalhadores ditos externos.
Certo é que qualquer das partes pode, a todo o tempo, fazer cessar a prestação de trabalho em regime de comissão de serviço, característica que se assume como uma exceção à regra do despedimento causal.
Já o contrato de trabalho por tempo indeterminado tem vocação duradoura, beneficiando da garantia constitucional de segurança no emprego, sem quaisquer limitações que não sejam as inerentes à estrita observância dos limites estabelecidos para o período experimental.
No caso concreto, apenas o 2º A. foi contratado sem garantia de emprego futuro, o que não aconteceu com o 1º, contratado por tempo indeterminado. Contudo, foi acionada a cessação dos respetivos vínculos com recurso à disciplina vigente para o período experimental.

Analisemos, então, as questões acima enunciadas, relembrando os factos pertinentes.
O A. A…, a quem foi proposto o cargo de chefe de contabilidade/técnico oficial de contas, tendo em vista a substituição do TOC da R. que se iria aposentar, tomou conhecimento, em 16/06/2011, pela R. E…, de que havia sido selecionado, bem como das condições contratuais previstas, com as quais concordou. Nessa medida, no dia 6/09/2011, e após dois adiamentos, e na sequência de negociações entabuladas desde 6/06 (3 meses!) deslocou-se às instalações da R. E… para iniciar as suas funções. E, nesta data, assinou o contrato de trabalho por tempo indeterminado passando, desde então, a desempenhar as funções que lhe competiam.
Já o A. L…, recrutado em Maio de 2011, a quem foi proposto que fizesse parte do processo de seleção do novo diretor de projetos, assinou, no dia 20/06/2011, o documento intitulado “Contrato Para o Exercício de Cargo em Regime de Comissão de Serviço”, passando, logo após, também ele a desempenhar as respetivas funções e vindo, posteriormente, a desenvolver as funções de responsável pela direção de projeto dos navios asfalteiros.
Ocorre, porém que, o Governo deu instruções à R. “Em…” no sentido de pôr termo aos contratos de trabalho dos AA.. E, assim, no dia 30 de Setembro de 2011, a administração da R. E… comunicou a ambos que, por força de instruções da única acionista, a R. “Em…”, tinham que rescindir o contrato de trabalho com eles. E, desta forma, e invocando o período experimental em curso, foi posto termo aos respetivos contratos com efeitos a partir do dia 15 de Outubro de 2011.
Os AA. não põem em causa que estivessem dentro do lapso temporal correspondente ao período experimental.
Alegam é que, não tendo estado em causa, a sua qualidade profissional, tendo a decisão sido motivada pela orientação direta do Acionista Em…, que exigiu a resolução dos contratos justificando-se na necessidade de redução de custos (gestão controlada) e na mudança de projeto de viabilidade que tinha sido aprovado pelo governo em 6 de Junho, existe abuso de direito e uma violação clara da CRP por terem sido defraudadas as razões que permitem a instituição de um período experimental.

O Artº 111º/1 do CT aprovado pela Lei 7/2009 de 12/02, aplicável à situação em apreço, visto o despedimento ter ocorrido em 2011, dispõe que o período experimental corresponde ao tempo inicial de execução do contrato de trabalho, durante o qual as partes apreciam o interesse na sua manutenção.
Do lado do empregador, este interesse não se reporta à decisão de contratar para as finalidades assumidas com a contratação. Essa é uma decisão anterior, que está na sua livre iniciativa e disposição. Tomada tal decisão, e contratado o trabalhador, o período experimental serve para aquilatar da validade daquele trabalhador para o cargo contratado. Prende-se com a escolha daquele trabalhador; não com a opção de contratar. Tem como função reduzir o risco empresarial de contratação daquela pessoa em concreto. Assim, a ordem jurídica concede-lhe um tempo “para avaliar o desempenho profissional deste, para ver como é que este se insere no novo ambiente de trabalho, para enfim, verificar se o trabalhador corresponde ou não às expectativas nele depositadas aquando da contratação” (João Leal Amado, Contrato de Trabalho, 2ª ed., Coimbra Editora, pg. 195).
Também Monteiro Fernandes é claro na apresentação dos objetivos do período experimental – “estabelecer a adequação entre o homem e a função”, no pressuposto de que “do ponto de vista da entidade patronal, interessa que a situação resultante do contrato só se estabilize se, na verdade, o trabalhador contratado mostrar que possui as aptidões laborais procuradas” (Direito do Trabalho, 12ª edição, Almedina, pg. 323).
E, do mesmo modo, Júlio Gomes afirma que “o período experimental serve para que as partes se estudem mutuamente e decidam se estão ou não interessadas na continuação da relação laboral”, podendo, então, ser testadas, tanto “as competências profissionais e técnicas do trabalhador, como aspetos mais pessoais que a prestação de trabalho coenvolve” (Direito do Trabalho, Vol. I, Coimbra Editora, pg. 487 e 489).
E também Pedro Romano Martinez aponta como fundamento da consagração do período de experiência iguais finalidades (Direito do Trabalho, 5ª edição, Almedina, pg. 491).
Nesta medida, tendo a cessação dos contratos ocorrido não por razões atinentes ao desempenho profissional dos trabalhadores – aliás, valorizado – cumpre determinar se o recurso ao meio legal que permite pôr termo aos contratos de trabalho sem indemnização é abusivo.
Convém lembrar que ambos os trabalhadores viviam, antes da contratação, uma situação laboral estável: o 1º A. trabalhando como gerente/responsável técnico da sociedade “S…, Ld.ª.”, viu-se na necessidade de renunciar às contabilidades dos seus dois maiores clientes, tendo a sociedade referida deixado de faturar mensalmente cerca de € 3.000,00; o 2º A. auferia no G… (França) um salário mensal de € 6.500,00.
A boa-fé traduz-se na integridade de carácter, retidão, honradez, probidade, lealdade, seriedade...
De quem entabula negociações espera-se, legítima e legalmente, um comportamento probo.
Não se pode dizer que o comportamento do lado do empregador assuma tais características.
Segundo o disposto no Artº 334º do CC é ilegítimo o exercício de um direito quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes ou pelo fim social e económico do direito.
O abuso de direito traduz-se num exercício anormal de um direito próprio, verificando-se, como se salienta no Ac. do STJ de 15/09/2010, “quando um determinado comportamento, aparentando configurar o exercício de um direito, se traduz, afinal, na não satisfação dos interesses pessoais de que esse direito é instrumental e na correspondente negação de interesses sensíveis de terceiros” (disponível www.dgsi.pt, procº 254/07.1TTVLG.P1.S1).
Como ali também se diz, recordando jurisprudência anteriormente firmada, “... agir de boa-fé é agir com diligência, zelo e lealdade correspondente aos legítimos interesses da contraparte, é ter uma conduta honesta e conscienciosa, uma linha de correção e probidade a fim de não prejudicar os legítimos interesses da contraparte e não proceder de modo a alcançar resultados opostos aos que uma consciência razoável poderia tolerar”.
Sabendo-se que em 2011 a situação liquida negativa da R. E… era de 125 milhões de euros, também é verdade que perante esta situação, foi encomendado e elaborado no início de 2011, por um consultor internacional (A…), um projeto de viabilização da R. “E…” – projeto que foi aprovado pelo Secretário de Estado respetivo em 3/06/2011 -, o qual, entre outras coisas, passava pela diminuição dos custos fixos (diminuição do número de trabalhadores) e a introdução de uma nova estrutura diretiva (com a admissão de novos colaboradores para essa estrutura).
Ou seja, quando contratou os AA., a R. e a sua administradora sabiam qual a sua real situação. Os responsáveis da R. “E…” estavam, como revela a matéria fáctica, cientes das dificuldades e dos riscos de fracasso, sendo que, em 21/06 a aplicação do projeto referido fora suspensa por decisão do Ministro da Defesa, que remeteu uma decisão definitiva para Setembro desse ano.
Não obstante o 1º A. foi contratado em Setembro! E o 2º um dia antes daquele ato!
Na posse deste conhecimento, poderá validar-se a cessação imposta aos AA.?
Como é sabido a cessação dos contratos de trabalho não é, na ordem jurídica portuguesa, livre.
A CRP é clara ao enunciar, no Artº 53º, a proibição dos despedimentos sem justa causa ou por motivos políticos ou ideológicos, com o que se procura impedir “que as relações de trabalho subordinado cessem por ação arbitrária, discriminatória ou injustificada do empregador” (Ac. do TC nº 632/2008, DR de 9/01/2009). Daqui decorre ainda o direito à estabilidade no emprego o que “implica a necessária evitação, por parte do Estado em geral e do legislador em particular, de situações injustificadas de precariedade de emprego” (idem).
Daí que, admitindo, embora, a lei a cessação sem dependência de justificação no período experimental, se entenda que o “seu escopo é, apenas, a experimentação”, ou seja, “o tempo de prova existe para que as partes possam determinar – no quadro de uma relação jus laboral vivida – se a projeção que fizeram quanto à conveniência da contratação se adequa às condições efetivas em que se processa a prestação de trabalho” (idem).
É assim que, não obstante a vocação de durabilidade do contrato de trabalho, se admite que o mesmo durante aquele período de prova possa cessar.
Contudo, porque esta possibilidade contraria a garantia de segurança no emprego, a sua admissibilidade, para que não se tenha como inconstitucional, está circunscrita a uma rigorosa submissão aos fins para os quais foi instituída a figura. Ou seja, só pode admitir-se que o trabalhador fique submetido a uma extrema vulnerabilidade, se o período de experiência revelar que o mesmo não é, claramente, dotado para as exigentes funções para as quais foi admitido. Caso contrário, admitir-se-ia a precariedade do emprego o que, em face da CRP é claramente excecional.
Aqui chegados, reconhecemos aos AA. a sua razão ao invocarem não só, a figura do abuso de direito no recurso ao expediente da cessação durante o período experimental, quando não fundada nas razões que levam a que o ordenamento jurídico a admita, como também, na inconstitucionalidade que diversa interpretação – como a que se efetua na sentença – acarretaria.
Não se reconhece na decisão empresarial boa-fé, nem o respeito pelo fim social e económico do direito de pôr termo ao contrato naquelas circunstâncias, tudo indicando mesmo que a cessação do contrato se funda em motivos políticos (que nada têm a ver com discriminação). Estes motivos, podendo orientar a gestão da R., dada a sua natureza de empresa de capitais públicos, mas apenas enquanto opções de gestão, já não podem admitir-se no enquadramento aqui em apreciação, ou seja, quando se trata de pôr termo a relações laborais, visto a Constituição a tanto se opor.
Ora, conforme decorre da jurisprudência do STJ, acima mencionada, se um comportamento, aparentemente inócuo, se traduz, a final, na prossecução de fins ilegítimos, tal comportamento é abusivo e, como tal, repudiado pela ordem jurídica. É o caso, porquanto invocando uma faculdade legal – porém sujeita à prossecução de um determinado fim – se prejudicam os legítimos interesses dos AA. por razões que nada têm que ver com o respetivo desempenho profissional, sendo que a proteção constitucional do valor da segurança no emprego é apanágio das relações estabelecidas por força do contrato de trabalho.
Ainda se dirá que dos factos não emerge qualquer consciência dos Recrdºs. acerca de eventuais riscos associados à sua contratação. O que dali emerge é que, em presença do projeto de viabilização, que passava pela diminuição de custos e da introdução de uma nova estrutura diretiva, os responsáveis da R. tinham esperança no sucesso da respetiva implementação, embora estivessem cientes das dificuldades e dos riscos de fracasso.
Por outro lado, também não surpreendemos na matéria de facto que a racionalidade subjacente à denúncia dos contratos no decurso do período experimental se reconduza à ponderação de fatores relacionados com a conveniência empresarial.
Sendo certo que o R. enviou à M… uma carta onde dava conta de que a decisão de pôr termo ao contrato celebrado com o 1º A. se alicerçava na necessidade de redução de custos e na mudança de projeto de viabilidade decididas pela EM…, a verdade é que a matéria mais não revela senão tal comunicação e, por outro lado, conforme salientámos acima, no momento da contratação já os critérios de gestão tinham sido alterados.
Razão pela qual se impõe que sufraguemos a posição defendida pelos AA. no recurso, ou seja, que a cessação levada a cabo configura uma denúncia abusiva.

Impõe-se, assim, que retiremos consequências das conclusões acima exaradas.
O Artº 114º/1 do CT dispõe que durante o período experimental, salvo acordo escrito em contrário, qualquer das partes pode denunciar o contrato sem aviso prévio e invocação de justa causa, nem direito a indemnização.
Desta desnecessidade de invocar justa causa retiram autores como Jorge Leite e Júlio Gomes a conclusão de que se trata de situação distinta de inexistência de justa causa.
Salienta o primeiro que “sendo o período de experiência estabelecido em função de determinados motivos, a denúncia deverá ter como seu fundamento algum deles, não podendo, por isso, qualificar-se como arbitrária” (Direito do Trabalho, Vol. II, Serviços de Acção Social da UC, Coimbra 2004, pg. 66). Idêntica conclusão é retirada pelo segundo, em artigo publicado na Revista de Direito e Estudos Sociais, Ano 2000, pg. 259 – Do uso e abuso do período experimental).
E, tendo nós concluído pelo abuso da denúncia, sufragamos também tal entendimento.
A questão que se coloca é a de saber quais as consequências inerentes ao abuso: as que se reportam a um despedimento ilícito, posição que é defendida pelos apelantes?
A questão já foi abordada pela Relação do Porto, tendo-se então concluído que se está perante uma conduta ilícita que deve ter a sua cobertura no âmbito da aplicação das regras específicas aplicáveis ao despedimento ilícito (Ac. de 5/03/2012, www.dgsi.pt). Tratava-se, contudo, de um contrato de trabalho do regime geral.
Também Júlio Gomes perfilha semelhante entendimento, que, segundo nos dá conta, não será defendido por Furtado Martins.
No artigo que mencionámos acima escreveu que do seu ponto de vista “a opção a tomar não deve esquecer a necessidade de uma sanção verdadeiramente eficaz para estas rescisões abusivas”, pelo que “na hipótese de uma rescisão ilícita ou abusiva, o empregador deveria ser tratado como se o seu direito de rescindir o contrato no período experimental não existisse (consequência normal de um abuso de direito), devendo a rescisão ser equiparada a um despedimento ilícito…” (pg. 270).
A outra opção seria o recurso á responsabilidade civil, acarretando a denúncia uma obrigação de indemnizar pelos prejuízos que dela emergissem (tese de Furtado Martins, segundo aquele autor).
No caso concreto os Recrtes. foram contratados sob diferentes regimes: o 1º sob o regime do contrato de trabalho por tempo indeterminado e o 2º sob o regime do contrato de trabalho em comissão de serviço.
Ora, se para aquele também consideramos que as consequências a retirar do abuso são as da ilicitude do despedimento, para este, e dada a especificidade do contrato celebrado, o regime aplicável terá, necessariamente, de se compaginar com tal especificidade que, como começámos por salientar, dispensa a justificação para a cessação.
Na verdade, dispõe-se no Artº 163º/1 que qualquer das partes pode pôr termo à comissão de serviço, mediante aviso prévio por escrito, com a antecedência mínima de 30 ou 60 dias, consoante aquela tenha durado, respetivamente, até 2 anos ou período superior. E, por outro lado, estipula o Artº 164º que, cessando a comissão de serviço, o trabalhador tem direito, nos casos de comissão de serviço sem garantia de emprego, a indemnização calculada nos termos do Artº 366º - 20 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo de antiguidade.
Admite-se, assim, para o contrato de trabalho celebrado sob o regime da comissão de serviço a cessação imotivada, no que estamos em presença de situação distinta da que emerge da cessação durante o período experimental, relativamente à qual, como dissemos supra, o que se dispensa é a comunicação do motivo. Porém, ainda assim, não sem que se acautele o direito a indemnização.
Não parece, pois, admissível que lancemos mão do regime aplicável à ilicitude do despedimento quando o A. está a coberto de um contrato que, em situação normal, e no que tange à cessação imotivada, não lhe dá as garantias inerentes ao contrato de trabalho em geral.
O que não poderemos é deixar de colocar o lesado na situação em que estaria se o contrato fosse pontualmente cumprido. E nesta situação o empregador poderia lançar mão da denúncia recorrendo à indemnização acima mencionada, eventualmente acrescida do valor relativo ao aviso prévio em falta (no caso, 15 dias).
Ou seja, perante uma situação de perda de emprego sem justa causa, o trabalhador, no âmbito do contrato em regime de comissão de serviço, tem direito apenas ao pagamento da indemnização reportada no regime especial aplicável. Neste sentido, Jorge Leite, Comissão de Serviço, Questões Laborais, Ano VII, pg. 161).
Concluímos, pois, que em presença da conduta ilícita traduzida na denúncia abusiva durante o período experimental, a situação deve ter a sua cobertura no âmbito da aplicação das regras específicas aplicáveis à cessação do contrato em regime de comissão de serviço quando este preexista, e do contrato de trabalho, nos restantes casos.

Cumpriria ainda determinar a entidade responsável pelo pagamento destas quantias.
Vêm acionados a empregadora, o presidente do conselho de administração e uma sociedade em relação de grupo.
A responsabilidade da 1ª R., empregadora, não oferece discussão.
No que tange ao 2º R., o mesmo, segundo se provou foi indigitado presidente do conselho de administração da 1ª R., vindo demandado ao abrigo do disposto no Artº 335º/2 do CT.
Dispõe-se ali que o administrador responde por crédito emergente de contrato de trabalho ou da sua violação ou cessação, vencido há mais de três meses, solidariamente com o empregador, desde que se verifiquem os pressupostos dos Artº 78º, 79º e 83º do Código das Sociedades Comerciais e pelo modo neles estabelecido.
Pressuposto da responsabilidade ali consignada é, por um lado, a inobservância culposa da lei e a insuficiência do património social (Artº 78º), e, por outro, a ação ou omissão diretamente causal de dano (Artº 79º).
Nenhum facto se provou que permita imputar ao R. a responsabilidade pela denúncia.
Quanto á 3ª R., a mesma é única detentora do capital social da 1ª e vem demandada ao abrigo do disposto no Artº 334º do CT.
O Artº 334º estipula que pelos créditos acima referidos respondem solidariamente o empregador e a sociedade que com este se encontre em relação de participações recíprocas, de domínio ou de grupo, nos termos previstos no Artº 481º e ss. do Código das Sociedades Comerciais.
Assim, configurando-se uma relação de domínio entre a 3ª R. e a 1ª, a mesma responde solidariamente pelos valores acima consignados.

Termos em que discordo do acórdão.
Manuela Bento Fialho