Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
2021/16.2T8VCT.G1
Relator: ANA CRISTINA DUARTE
Descritores: PER
PROCESSO ESPECIAL DE REVITALIZAÇÃO
HOMOLOGAÇÃO
NORMA IMPERATIVA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 02/09/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário: 1 – A violação não negligenciável de regras procedimentais que obsta à homologação de um plano de revitalização deve entender-se como violação denormas imperativas que acarretem a produção de um resultado que a lei não autoriza.
2 – Tal não acontece quando os devedores prestam toda a informação que possuem sobre os credores e disponibilizem toda a documentação, convidando os credores a participar nas negociações e tendo estes dela conhecimento, não resultando dos autos que o credor tenha suscitado qualquer questão que não tenha sido esclarecida, ou tenha querido participar das negociações e tenha sido impedido.
3 - Cabe ao apelante fazer a prova de que o plano de recuperação o coloca numa situação menos favorável do que aquela que decorreria da ausência de qualquer plano.
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

I.RELATÓRIO
S e marido J apresentaram-se a requerer Processo Especial de Revitalização, alegando encontrarem-se em situação económica difícil mas reunindo as condições necessárias para a sua recuperação.
Foi nomeado administrador judicial provisório, por despacho de 15/06/2016, publicitado e registado, tendo este elaborado a lista provisória de credores, sem impugnações.
Após prorrogação do prazo por 30 dias, foi junto o Plano de Revitalização aprovado com voto favorável de 88,59% do total de créditos relacionados, correspondentes a 95,97% dos votos emitidos.

Foi proferida sentença que homologou o Plano de Revitalização.
Com a mesma data da sentença, o credor B, SA, tendo sido o único credor que votou desfavoravelmente o plano, solicitou a não homologação do mesmo por violação do princípio da igualdade entre os credores e por entender que a sua situação, ao abrigo do plano proposto é menos favorável do que a que existiria na ausência de qualquer plano.

Interpôs, então, este credor, recurso da sentença, tendo finalizado a sua alegação com as seguintes
Conclusões:
1 – O presente recurso tem por objecto o douto despacho de 25/10/2016, o qual homologou o acordo de pagamento entre os aqui Devedores e todos os seus credores, não obstante o voto desfavorável do aqui Recorrente.
2 – Considera o Recorrente que, decidindo como decidiu, o Mº Juiz a quo não fez correcta interpretação dos factos nem adequada aplicação do direito.
3 – Uma vez que tal decisão não aprecia a legitimidade de quem requer o plano, nem analisa o conteúdo do mesmo e a sua expressão na esfera económica dos credores.
4 – Assim sendo, o Recorrente está convicto que, reapreciada a matéria dos autos, e subsumindo-a nas normas legais aplicáveis, tal decisão será revogada.
5 – Em primeiro lugar, e enquanto questão prévia, argumenta o Recorrente que o processo especial de revitalização é apenas aplicável a devedores empresários e não quaisquer outras pessoas singulares.
6 – Alega que o processo especial de revitalização foi criado em torno e para recuperação de agentes económicos, ou seja de comerciantes, de empresários e de quem exerce uma actividade autónoma e por conta própria gera receita ou cria emprego.
7 – Sucede que o devedor J apresenta rendimentos provenientes do trabalho por conta de outrem, isto é, rendimentos de trabalhador dependente, pelo que não pode ser considerado agente económico nos termos supra expostos.
8 – Para devedores pessoas singulares não empresários existem no CIRE outros mecanismos a que podia o mesmo recorrer, e que oferecem uma resposta às situações económicas comprovadamente difíceis mas recuperáveis, como seja a apresentação à insolvência com plano de pagamentos prevista no artigo 249º do CIRE.
9 – Via essa que devia ter sido a seguida pelo Devedor J.
10 – Em consequência, por não ser o meio processual idóneo e carecer o Devedor de legitimidade para o efeito, deve o presente processo especial de revitalização ser extinto quanto ao Devedor J.
11 – Em segundo lugar, considera o Recorrente que os Devedores não se encontram numa situação económica difícil, mas sim em situação de insolvência.
12 – A verdade é que o seu passivo ascende a € 279.567,78 e que, para efeitos de caracterização da insolvência, e no espírito do próprio CIRE, não é relevante saber se o devedor tem ainda possibilidade de pagar as suas dívidas, o que nem é o caso, ou não imporia um perdão de 90% dos créditos reclamados pelos credores comuns.
13 – Dúvidas não subsistem que os Devedores estão em situação de insolvência, uma vez que estão impossibilitados de cumprir as suas obrigações vencidas.
14 – O que fica também claro se atentarmos ao montante do seu passivo, a antiguidade da dívida, o incumprimento generalizado de contribuições e quotizações para a segurança social e o incumprimento junto da Autoridade Tributária.
15 – Em terceiro lugar, sublinha o Recorrente que os Devedores violaram as normas procedimentais imperativas do Processo Especial de Revitalização, nomeadamente no que diz respeito ao estabelecimento de negociações com os Credores para efeitos do acordo de reestruturação.
16 – Negociaçãoessa que é um princípio transversal de todo o processo e que resulta da letra da própria lei, nomeadamente, do capítulo II do CIRE.
17 – Ora, é um facto que os Devedores violaram tal princípio.
18 – Com efeito, não houve qualquer iniciativa da parte dos Devedores de negociar as condições do plano a apresentar com o aqui Recorrente, nem tão pouco foi remetido um Draft para apreciação, apesar do Recorrente ter manifestado a sua vontade em participar nas negociações.
19 – Não deixa o Recorrente de estranhar e achar curioso que, sem contar consigo, os únicos credores que votaram o plano apresentado tenham sido aqueles que viram reconhecido no referido plano o pagamento da totalidade dos créditos reclamados.
20 – Resulta do exposto que os Devedores apenas negociaram e discutiram os termos do plano a apresentar com aqueles credores a quem pretendiam pagar os valores devidos na totalidade, credores esses que tinha, por si só, o poder de fazer aprovar o plano.
21 – Sendo o móbil do processo especial de revitalização o necessário contacto, colaboração e negociação entre Devedor e Credores, o único impulso activo para o efeito foi dado pelo Recorrente, exercendo um direito que resulta da própria lei.
22 – É, assim, evidente que os Devedores violaram de uma forma não negligenciável as normas imperativas do artigo 17º D do CIRE.
23 – Em quarto lugar, sempre se diga que o aqui Recorrente será colocado numa posição ou situação menos favorável do que a que lhe adviria caso não existisse o plano de recuperação.
24 – Conforme já referido, é pacífico que o processo especial de revitalização é um verdadeiro processo negocial colectivo, o qual tem como fim a recuperação do Devedor através da reestruturação concertada dos seus débitos junto dos credores.
25 – No entanto, sucede que a solução aqui espelhada não pode ser vista como construtiva e muito menos como satisfatória para o aqui Apelante e de resto para um dos Credores em situação similar.
26 – Existe uma verdadeira desproporcionalidade entre a recuperação do devedor e o sacrifício decorrente dela, imposto aos credores comuns, os quais são essenciais à sua recuperação.
27 – Não pode o Recorrente conceber que se pretenda a aprovação de um plano que prevê, de forma unilateral, a imposição de um perdão de 90% dos créditos reconhecidos aos credores comuns.
28 – Tanto mais que, conforme exposto, o crédito concedido pelo Recorrente aos Devedores teve como fim o financiamento de uma viatura automóvel, pelo que a aprovação de um plano que preveja o perdão de 90% do seu legítimo crédito e a manutenção da posse da mencionada viatura por parte dos Devedores viola os mais elementares princípios de justiça e boa-fé.
29 – Não podemos esquecer que, se de facto um dos fins do processo especial de revitalização é o de permitir a recuperação económica do Devedores, a taxa de recuperação dos credores é o objectivo precípuo de qualquer processo previsto no CIRE.
30 – Se é certo que a introdução deste tipo de processo especial teve em vista possibilitar ao devedor, em situação económica difícil ou de insolvência meramente iminente, mas susceptível de recuperação, a sua reabilitação, de forma a pôr cobro à extinção de agentes económicos, também terá de ser sopesado o prejuízo que a mesma comporta para os respectivos Credores.
31 - Cumpre não olvidar que a liquidez é o oxigénio da economia, e que assim como o Devedor, os Credores que com ele contrataram e que vêem, unilateralmente, o prazo de pagamento dos seus créditos a serem alargados exponencialmente, podem vir a carecer de meios para continuar a intervir no giro comercial.
32 - Admitirmos tal solução, consubstanciará um verdadeiro efeito de arrastamento para os Credores, não sendo economicamente encaixáveis tais perdas.
33 – Acresce que a situação do aqui Apelante no âmbito do plano que pretende aprovar é mais desfavorável quando comparada com a liquidação dos Devedores, uma vez que o mesmo detém reserva de propriedade sobre a viatura financiada através do crédito reclamado.
34 - Assim, se o processo seguisse, quer pela via da execução, quer pela via da insolvência, o Apelante teria a possibilidade de recuperar a viatura com reserva de propriedade a seu favor, reserva essa totalmente valida e eficaz, e utilizar o produto da venda da mesma para liquidação do crédito reclamado.
35 - Viatura essa que tem o valor Eurotax actual de venda de 4.950,00 €, nos termos do previsto no artigo 651º do CPC, absolutamente indispensável ao bom julgamento da questão, face à decisão proferida pela 1ª Instância -, ou seja, num cenário de liquidação, ainda que a mesma não seja suficiente para liquidar a totalidade da dívida, seria suficiente abater de imediato uma grande parte da mesma.
36 - Ademais, o cumprimento do plano não é certo e sendo as viaturas automóveis bens sujeitos a uma constante desvalorização, significa uma verdadeira perda de garantia para o aqui Apelante.
37 - O plano homologado viola assim, as legítimas expectativas e interesses subjacentes ao ressarcimento do aqui Apelante.
38 - Impõe-se assim, a não homologação do plano apresentado pelos Devedores, sob pena de violação do disposto no CIRE.
Nestes termos e, nos mais de direito aplicáveis que Vossas Excelências mui doutamente suprirão, dando provimento ao presente recurso de apelação e revogando a decisão do Tribunal “a quo” que homologou o plano de recuperação dos devedores, substituindo-a por outra que recuse a homologação deste plano, Assim se fazendo, como sempre, inteira e sã JUSTIÇA!

Os requerentes contra alegaram, pugnando pela confirmação da decisão recorrida.
O recurso foi admitido como de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e efeito devolutivo.
Foram colhidos os vistos legais.

As questões a resolver traduzem-se em saber se deve ser negada a possibilidade de recorrer ao PER por parte de devedores singulares, se não se verificam os requisitos legais para recurso ao PER, se a homologação do plano comporta violação de normas procedimentais imperativas e se colocou o recorrente em situação menos favorável do que a que lhe adviria caso não existisse plano de recuperação.

II. FUNDAMENTAÇÃO
1 - O Plano de Revitalização dos requerentes propõe:
A) Pagamento da quantia total em débito reclamada pela Autoridade Tributária (€ 9.810,17), em 36 prestações, acrescido de juros de mora vincendos à taxa de 5,535%.
B) Regularização do crédito do IGFSS (€ 9.145,79) em sede executiva através do pagamento em prestações-
C) Quanto ao crédito da Caixa Geral de Depósitos (€ 228.710,40), entrega imediata de € 7.500,00, liquidação pelos revitalizados de uma penhora (€ 2.177,76) a favor da Fazenda Nacional sobre o prédio hipotecado e concessão de novo crédito hipotecário, utilizando-se o produto do financiamento para liquidar os anteriores.
D) Pagamento de 10% das quantias reclamadas pelos credores comuns em 120 prestações mensais, iguais e sucessivas, vencendo-se a primeira no mês seguinte ao do trânsito em julgado da sentença que homologar o plano de revitalização.
2 - Os credores comuns são os seguintes:
- Banco C com um crédito de € 16.160,59;
- Banco P com um crédito de € 10.411,60;
- Banco S com um crédito de € 2.868,39;
- G com um crédito de 405,63;
- JS com um crédito de € 1.300,00;
- N com um crédito de € 508,96;
- SD com um crédito de € 246,25.
3 - Votaram favoravelmente o plano a C, o E e o I (88,59%)
4 - Votou contra o Banco P (3,72%)
5 - Não votaram os demais credores (7,69%).

A primeira questão colocada pelo apelante não tem razão de ser nesta fase processual.
Entende o apelante que o instituto da Revitalização não é aplicável a pessoas singulares não empresários.
Independentemente da bondade de tal entendimento, nunca tal questão foi colocada em 1.ª instância.
O juiz nomeou o administrador judicial provisório através de despacho proferido após entrada do requerimento inicial, despacho que pressupõe uma apreciação liminar – veja-se, neste sentido, Alexandre Soveral Martins, “Um Curso de Direito de Insolvência”, Coimbra, Almedina, 2015, pág. 462, Carvalho Fernandes e João Labareda, “Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado”, 2.ª edição, Lisboa, Quid Juris, 2013, pág. 149, João Aveiro Pereira, “O Direito” 145 (2013) – A revitalização Económica dos Devedores, I-II, pág. 36 e Menezes Leitão “A responsabilidade pela abertura indevida do processo especial de revitalização”, em Catarina Serra (org.) “II Congresso do Direito de Insolvência”, Almedina, 2014, pág. 143-151, todos citados em CIRE Anotado de Luís Menezes Leitão, Almedina, 2015, 8.ª edição, pág. 72 – e que seria o local/tempo adequado para se pronunciar sobre a admissibilidade do PER para pessoas singulares.
O processo seguiu os seus termos, com a publicidade devida (não só da nomeação do administrador, como da lista provisória de credores e da prorrogação de prazo para as negociações) e o ora apelante, tendo tomado conhecimento do mesmo, juntou procuração e, no tempo devido, votou contra a aprovação do Plano de Revitalização apresentado pelo administrador. Nunca, em nenhuma destas fases questionou a admissibilidade deste tipo de processo para pessoas singulares.
Não pode vir, agora, somente, em fase de recurso, levantar pela primeira vez esta questão, que nunca foi apreciada em 1.ª instância – veja-se Abrantes Geraldes, “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, 2013, Almedina, pág. 25: “Na fase de recurso, as partes e o tribunal superior devem partir do pressuposto de que a questão já foi objeto de decisão, tratando-se apenas de apreciar a sua manutenção, alteração ou revogação (…) a demanda do tribunal superior está circunscrita às questões já submetidas ao tribunal de categoria inferior, sem prejuízo da possibilidade de se suscitarem ou de serem apreciadas questões de conhecimento oficioso, como a inconstitucionalidade de normas, a nulidade dos contratos, o abuso de direito ou a caducidade…”

O mesmo deve, aliás, dizer-se quanto à questão da alegada não verificação dos requisitos legais para o recurso ao PER, designadamente, por se encontrarem os requerentes em situação de insolvência, questão que deveria ter sido levantada pelos credores em momento prévio à instauração do PER ou na sequência do seu requerimento. Tendo-se este iniciado, com a colaboração dos credores, que aceitaram participar nas negociações, não podem, agora, apenas porque discordam do resultado final obtido, vir levantar tal questão.
Improcedem, assim, as conclusões 1.ª a 14.ª da apelação.

Questão diferente é a da alegada violação não negligenciável de regras procedimentais.
Nos termos do artigo 17.º-F, n.º 5 do CIRE, o juiz decide se deve homologar o plano de recuperação ou recusar a sua homologação aplicando, com as necessárias adaptações, as regras vigentes em matéria de aprovação e homologação do plano de insolvência, determinando o artigo 215.º do CIRE que o juiz recusa oficiosamente a homologação do plano de insolvência aprovado em assembleia de credores no caso de violação não negligenciável de regras procedimentais.
Sustenta o apelante que os devedores violaram as normas procedimentais no que diz respeito ao estabelecimento de negociações com os credores, porque não houve qualquer iniciativa sua para negociar as condições do plano com a recorrente, nem lhe foi remetido um draft para apreciação, apesar do recorrente ter manifestado a sua vontade em participar nas negociações.
Não pode concordar-se com tal entendimento.
Não há dúvida que no processo especial de revitalização e de acordo com o que dispõe o artigo 17.º-D do CIRE, em conjugação com os princípios orientadores que constam da Resolução nº 43/2011, de 25.10 (que aprova os princípios orientadores da recuperação extrajudicial de devedores), as partes, nomeadamente os devedores, devem pautar a sua actuação no processo de recuperação/revitalização por princípios de transparência, boa fé e equidade, ressaltando-se que “o devedor deve adoptar uma postura de absoluta transparência durante o período de suspensão, partilhando toda a informação relevante sobre a sua situação, nomeadamente respeitante aos seus activos, passivos, transacções comerciais e previsões da evolução do negócio”.
Tanto assim que, como prescreve o nº 11 do citado artº 17º-D, o devedor que não cumpra os deveres de comunicação previstos neste preceito, por omissão ou por incorrecção dos elementos de informação transmitidos, responde pelos danos causados ao credor ou credores.
O nº1 do mesmo artº 17º-D impõe ao devedor o dever de comunicação a todos os seus credores que não hajam subscrito a declaração que dá início ao processo de revitalização a que alude o artº 17º-C que deu início a negociações com vista à sua revitalização, convidando-os a participar, caso assim o entendam, nas negociações em curso e informando que a documentação a que se refere o nº 1 do artº 24º se encontra na secretaria do tribunal para consulta.
Tal obrigação foi cumprida pelos devedores que, logo na fase inicial do processo, fizeram constar a lista de todos os seus credores, ações pendentes e relação de todos os seus bens, bem como procederam às comunicações legais.
Aliás, o apelante fez juntar aos autos, logo nessa fase, a correspondente procuração, dando mostra que estava ciente do processo e a acompanhá-lo.
É certo que, durante as negociações, deve ser prestada toda a informação pertinente – n.º 6 do artigo 17.º-D do CIRE.
De acordo com estes dispositivos legais, o devedor disponibiliza toda a informação e convida os credores a participarem nas negociações, “caso assim o entendam”, ou seja, é o credor que deve manifestar esse propósito de querer participar nas negociações.
Contudo, não resulta dos autos que tal não tenha acontecido ou que o apelante tenha suscitado qualquer questão que não tenha sido esclarecida. Aliás, no requerimento em que pede a recusa da homologação do plano de revitalização, o ora apelante não faz qualquer menção à violação de tais regras, referindo-se apenas ao tratamento mais desfavorável do seu crédito em relação a outros créditos e ao seu convencimento de que a sua situação ao abrigo do plano proposto é menos favorável do que a que existiria na ausência de qualquer plano.
Não se verifica, portanto, qualquer “violação de normas imperativas que acarretem a produção de um resultado que a lei não autoriza” – veja-se Luís Martins, “Processo de Insolvência”, 2010, 2.ª edição, Almedina, pág. 400, quanto à definição do que são tais regras procedimentais.

E terá o apelante ficado em situação menos favorável do que a que lhe adviria caso não existisse o plano de recuperação?
Vejamos se lhe assiste razão, tendo em conta, como salientam Carvalho Fernandes e João Labareda In, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, reimpressão, Quid Juris, 2009, pp. 718 e 719, por um lado, que a prova da situação a que alude a al. a) do nº1 do citado art. 216º implica que se proceda “ a um exercício intelectual de prognose, frequentes vezes complexo, que se traduz em comparar o que se antevê resultar da homologação do plano, para o reclamante, com aquilo que aconteceria na ausência dele”, o que, relativamente aos credores pode reconduzir-se “a cotejar quanto recebem com o plano e quanto se estima que receberiam sem ele”, importando, para tanto, “avaliar a priori o que a massa insolvente pode render no caso da venda universal”.
No caso presente, a declaração de insolvência dos devedores não asseguraria a satisfação imediata e integral do crédito do apelante, tendo em conta o montante residual do mesmo, no contexto da totalidade das dívidas e o facto de existir um credor hipotecário (o que, no rateio, lhe deixaria quase nada).
Em qualquer caso, o apelante não faz a prova, que lhe cabia, de que o plano de recuperação o coloca numa situação menos favorável do que aquela que decorreria da ausência de qualquer plano – cfr. neste sentido, Acórdão da Relação do Porto de 30/06/2014, in www.dgsi.pt. Alega que o veículo adquirido pelos devedores com recurso ao crédito por si financiado, terá um valor atual de venda que seria suficiente para abater uma parte da dívida. Ora, não só não faz prova do que alega, como parece esquecer que, como credor comum, caso fosse declarada a insolvência, não beneficiaria de qualquer garantia, sendo que a reserva de propriedade teria que ser tratada no âmbito do disposto nos artigos 104.º, n.ºs 3, 4 e 5 e 102.º do CIRE.

Entende, ainda, o apelante que é inconcebível que seja aprovado um plano que preveja um perdão de 90% dos créditos reconhecidos aos credores comuns. Apesar deste número ter, à partida, um peso substancial, não pode esquecer-se que, no caso concreto, os credores comuns representam, apenas, 11,41% do total dos créditos reconhecidos e que apenas o apelante, com 3,72% votou desfavoravelmente o plano.
Ou seja, a percentagem de votos a favor da aprovação do plano foi de 88,59% do total de créditos relacionados, correspondentes a 95,97% dos votos emitidos, correspondendo a percentagem do apelante a apenas 3,72% do total, não devendo a recuperação dos devedores ser paralisada por um credor que não aceita a decisão da maioria, quando é certo que a mesma não evidencia uma violação não negligenciável das regras procedimentais ou das normas aplicáveis ao conteúdo do plano, nos termos do disposto no artigo 215.º do CIRE.
É certo que, ao abrigo do art.º 194.º, do CIRE, o plano de recuperação deve obedecer ao princípio da igualdade dos credores de insolvência, sem prejuízo das diferenciações justificadas por razões objectivas.
Contudo, “A razão objectiva porventura mais clara que fundamenta a diferença de tratamento dos credores assenta na distinta classificação dos créditos, nos termos constantes do art.º 47.º, do Código; (…) para além disso, dentro da mesma categoria há motivos para destrinçar, conforme o grau hierárquico que couber aos vários créditos; (…) mas a ponderação das circunstâncias de cada situação pode justificar outros alinhamentos, nomeadamente tendo em conta as fontes do crédito; (…) o que está vedado é, na falta de acordo dos lesados, sujeitar a regimes diferentes credores em circunstâncias iguais – Carvalho Fernandes e João Labareda, obra citada, pg. 194.
Como se refere no acórdão desta Relação de 04/03/2013, in www.dgsi.pt: “Em suma, e como resulta outrossim do artigo 192º, do CIRE, o que está vedado ao plano de recuperação conducente à revitalização do devedor, na falta de acordo dos lesados, é nele se sujeitar a regimes diferentes os credores que se encontrem em circunstâncias idênticas, e sem a verificação dum quadro objectivo que sustente uma tal diferenciação, sendo que, ainda que perante credores inseridos numa mesma classe, e dotados até de semelhantes garantias creditórias, nada obsta a que se estabeleçam/fixem diferenciações, exigindo-se tão só que assentem elas em circunstâncias objectivas que justifiquem o tratamento diferenciado”.
No caso dos autos é evidente a justificação da diferença de tratamento, face ao montante dos créditos hipotecários e à necessidade de contrair um novo crédito hipotecário para liquidar as anteriores operações, bem como face à necessidade de dar pagamento integral à Autoridade Tributária e ao IGFSS. Ou seja, o diferente tratamento conferido a certos credores, sendo perfeitamente residual, face ao reduzido valor dos créditos comuns quando comparado com os créditos garantidos, está perfeitamente justificado no Plano.

De tudo o exposto resulta, assim, a improcedência das conclusões da alegação do apelante, com a consequente confirmação da sentença recorrida.



Sumário:
1 – A violação não negligenciável de regras procedimentais que obsta à homologação de um plano de revitalização deve entender-se comoviolação de normas imperativas que acarretem a produção de um resultado que a lei não autoriza.
2 – Tal não acontece quando os devedores prestam toda a informação que possuem sobre os credores e disponibilizem toda a documentação, convidando os credores a participar nas negociações e tendo estes dela conhecimento,não resultando dos autos que o credor tenha suscitado qualquer questão que não tenha sido esclarecida, ou tenha querido participar das negociações e tenha sido impedido.
3 - Cabe ao apelante fazer a prova de que o plano de recuperação o coloca numa situação menos favorável do que aquela que decorreria da ausência de qualquer plano.





III. DECISÃO
Em face do exposto, decide-se julgar improcedente a apelação, confirmando-se a sentença recorrida.
Custas pelo apelante.
***
Guimarães, 9 de fevereiro de 2017