Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
2542/17.0T8GMR.G1
Relator: RAQUEL TAVARES
Descritores: COMPETÊNCIA INTERNACIONAL
REGULAMENTO (UE) 1215/2012
CONTRATO DE COMPRA E VENDA
LUGAR DE CUMPRIMENTO DA OBRIGAÇÃO
COMPETÊNCIA CONVENCIONAL TÁCITA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 03/20/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I - Tendo a Autora, empresa com sede em Portugal, contratado com uma empresa comercial, ora Ré, com sede em França, a confecção e entrega na sede da Ré de diversas peças de vestuário e sendo a causa de pedir o incumprimento pela Ré do pagamento do preço, tendo em conta o conceito autónomo do lugar do cumprimento da obrigação, previsto no artigo 7º n.º 1, b) do Regulamento (CE) n.º 1215/2012, e os
termos do contrato, a competência radica na jurisdição holandesa, sendo internacionalmente incompetente o tribunal português onde a acção foi proposta.


II - O artigo 26° do Regulamento (CE) n° 1215/2012 prevê a chamada competência convencional tácita, abarcando aquelas situações em que, apesar de uma acção ter sido instaurada no tribunal de um Estado-Membro para a qual, em princípio, o mesmo não era competente, a comparência do demandado torna-o competente, a não
ser que a compar
ência tenha como único objectivo invocar a incompetência.

III - A comparência do réu não fundamenta a competência do tribunal se o
mesmo, além de contestar a competência, apresentar a sua defesa quanto ao mérito
da causa, desde que a “contestação da competência seja prévia a toda a defesa de
mérito ou, quando menos, tenha lugar o mais tardar até ao momento da tomada de
posição considerada pelo direito processual do foro como o primeiro acto de defesa
formulado no processo”.
Decisão Texto Integral:
ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES

I. Relatório

BM & C.ª LDA., com sede em Vizela, instaurou contra X INTERNATIONAL B.V., C.A., com sede em …, na Holanda a presente acção de processo comum peticionando a condenação da Ré no pagamento a seu favor da quantia de €16.824,92, acrescida de juros vincendos contados sobre €15.996,45 até efectivo e integral pagamento.

Alega, para o efeito e em síntese, ter produzido, a pedido da Ré, e segundo amostras facultadas inicialmente por esta, determinadas peças de vestuário, com matérias-primas não apenas fornecidas por si mas igualmente com matérias-primas fornecidas pela demandada, peças de vestuário essas que, após uma inicial entrega nas instalações da agente da X em Portugal, foram sendo enviadas para a sede da Ré situada na Holanda.

Mais alega que a Ré não procedeu ao pagamento das duas últimas encomendas que lhe foram remetidas, cujo valor ascende a €15.996,45, e que se encontram tituladas por duas facturas, que identifica.

A Ré apresentou nos autos requerimento solicitando que o tribunal a quo declarasse não ter competência para conhecer do litigio em face do disposto no artigo 7º do Regulamento (UE) n.º 1215/2012 pois que a mercadoria foi entregue na Holanda, dizendo ainda recusar o pagamento das facturas uma vez que a mercadoria em causa não mostra o nível de qualidade acordado e reservar todos os direitos à defesa.

Foi proferida decisão que julgando verificada a excepção dilatória de incompetência absoluta dos Tribunais Portugueses absolveu a Ré da instância.
Não se conformando com a decisão proferida veio a Autora recorrer concluindo as suas alegações da seguinte forma:

A presente acção foi intentada por uma sociedade comercial portuguesa contra uma sociedade comercial holandesa, exigindo o pagamento da quantia 16.824,92€ com base em incumprimento contratual por parte da ré holandesa.
Recorrente e recorrida acordaram entre si que a primeira confeccionaria/produziria uma colecção de vestuário de criança segundo as indicações técnicas e estéticas e orientações da segunda, e utilizando em grande parte materiais por esta disponibilizados, contra o pagamento de um determinado preço, calculado à unidade por peça de vestuário.
O contrato celebrado entre as partes caracteriza-se como um contrato de prestação de serviços, mais especificamente um contrato de empreitada puro, pelo qual um contraente se obriga na execução de uma determinada obra contra o pagamento de um preço.
A recorrente produziu toda a encomendada colecção e enviou-a, a expensas da recorrida e em aditamento ao valor acordado da empreitada/encomenda, para os locais por esta indicados, a saber Portugal e Holanda.
A Recorrida não pagou à recorrente parte da obra executada, mormente a que se encontra reflectida nas faturas cujo montante se peticionou nos autos.
Citada que foi a recorrida na sua sede, a mesma dirigiu um requerimento ao Tribunal a quo alegando recusar-se a pagar a mercadoria por alegadas desconformidades de qualidade e produção da mesma, alegando de seguida a incompetência internacional dos tribunais portugueses.
O Tribunal a quo, não obstante começar por dizer que o contrato em discussão nos autos é um contrato de empreitada e, como tal, de prestação de serviços acaba por concluir que se lhe deve aplicar o regime do ponto 1. Da alínea b) do artigo 7º do Regulamento (EU) 1215/2012 do contrato de compra e venda,
E declara-se internacionalmente incompetente porquanto alega que o local do cumprimento do contrato é na Holanda.
Ao contrário do defendido pelo Tribunal a quo os Tribunais portugueses são competentes para o julgamento da presente acção, uma vez ser de aplicar o disposto no ponto 2. (e não no ponto 1.) alínea b) do artigo 7º do Regulamento (EU) 1215/2012 – Ac. TRG de 08-06-2017, Proc. 143378/15.0YIPRT.G1.
10ª Tratando-se de um contrato de prestação de serviços o tribunal competente é o do Estado-Membro ou se prestou ou devesse prestar aquele, ou seja, onde se produziu/confeccionou o vestuário.
11º Na situação dos autos, a obrigação principal da autora extinguia-se com a produção do vestuário que lhe havia sido solicitada pela Ré, até porque – ao contrário do afirmado na sentença recorrido - a entrega do vestuário não se encontrava a cargo da autora.
12ª O envio da mercadoria é uma obrigação meramente lateral e acessória ao contrato celebrado entre as partes – cujo preço não foi negociado nem estava incluído no preço acordado pela prestação do serviço de confecção do vestuário.
13ª Sem prescindir, os tribunais nacionais seriam sempre internacionalmente competentes para julgar os presentes autos por força do disposto no nº1 do artigo 26º do Regulamento 1215/2012, porquanto a ré veio aos autos não apenas invocar (como único objectivo) a incompetência internacional dos tribunais nacionais, alegando em primeira linha a excepção de não cumprimento por alegado cumprimento defeituoso do contrato por parte da autora.
14ª A sentença recorrida violou, por erro de interpretação e aplicação, o disposto nos artigos 7º e 24º do Regulamento (EU) 1215/2012 de 12 de Dezembro e ainda 1155º e 1207º do Cód. Civil”.

Pugna a Recorrentes pela integral procedência do recurso, com a consequente revogação da decisão recorrida, sendo substituída por outra que declare o tribunal a quo internacionalmente competente, seguindo o processo os seus demais termos até final, tudo com as legais consequências.
A Ré apresentou contra-alegações pugnando pela improcedência do recurso.
Foram colhidos os vistos legais.
Cumpre apreciar e decidir.
***

II. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente não podendo este tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, sem prejuízo das de conhecimento oficioso (artigo 639º do CPC).
A única questão a decidir, tendo em conta o teor das conclusões formuladas pela Recorrente é a de saber se o tribunal recorrido é internacionalmente competente para dirimir o presente litígio.
***
III. FUNDAMENTAÇÃO

A Recorrente veio interpor o presente recurso por se não conformar com a decisão proferida pelo tribunal a quo que, julgando verificada a excepção da incompetência internacional, decidiu absolver a Ré da instância, argumentando no essencial que estando em causa um contrato de prestação de serviços (concretamente de empreitada) o tribunal competente é o do Estado-membro onde se prestou ou devesse ter prestado o serviço, mas que sempre os tribunais nacionais seriam internacionalmente competentes por força do disposto no artigo 26º do Regulamento 1215/2012 uma vez que a Ré veio nos presentes autos invocar não só a excepção de incompetência internacional mas alegou em primeira linha incumprimento contratual da Autora.

Apreciemos então a questão sendo que as incidências fáctico-processuais a considerar são as descritas no relatório.

Como é consabido um dos pressupostos mais importantes, relativo aos tribunais, é o da sua competência, isto é “a medida da sua jurisdição” (Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo civil, página 88), sendo a competência internacional, a “fracção do poder jurisdicional atribuída aos tribunais portugueses no seu conjunto em face dos tribunais estrangeiros para julgar as acções que tenham algum elemento de conexão com ordens jurídicas estrangeiras” (Antunes Varela, Miguel Bezerra, Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, 2ª Edição revista e Actualizada, página 198).

No caso concreto a relação jurídico-contratual estabelecida entre as partes tem sem dúvida conexão com a ordem jurídica portuguesa e com a ordem jurídica holandesa: estamos perante um contrato celebrado em Portugal para produção de peças de vestuário mediante encomenda da Ré, sociedade comercial com sede na Holanda.

O legislador nacional estabeleceu no Código de Processo Civil regras delimitadoras da competência internacional, consagrando no artigo 59º que os tribunais portugueses são internacionalmente competentes quando se verifique algum dos elementos de conexão referidos nos artigos 62.º (factores de atribuição da competência internacional) e 63.º (competência exclusiva dos tribunais portugueses) ou quando as partes lhes tenham atribuído competência nos termos do artigo 94.º, mas ressalvando “o que se encontre estabelecido em regulamentos europeus e em outros instrumentos internacionais”.

Assim, uma vez que Portugal e a Holanda fazem ambos parte da União Europeia, importa fazer apelo às normas de direito comunitário, concretamente ao Regulamento (UE) n.º 1215/2012 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de Dezembro de 2012, Relativo à Competência Judiciária, ao Reconhecimento e à Execução de Decisões em Matéria Civil e Comercial este em vigor desde Janeiro de 2015 (e revogou o Regulamento (CE) n.º44/2001).

A aplicação no caso concreto do referido Regulamento para determinar a competência internacional tal como o entendeu o tribunal a quo parece-nos aliás ser incontroverso, não tendo sido questionado pela Recorrente tal como resulta das suas conclusões.

O Regulamento (UE) n.º 1215/2012 aplica-se em matéria civil e comercial (artigo 1º n.º 1), estabelecendo o artigo 4º nº 1 que, “sem prejuízo do disposto no presente regulamento, as pessoas domiciliadas no território de um Estado-Membro devem ser demandadas, independentemente da sua nacionalidade, perante os tribunais desse estado”.

Este regime regra que dá prevalência ao domicílio do demandado, independentemente da sua nacionalidade, admite contudo excepções decorrentes das competências especiais previstas nas secções 2 a 7 do capítulo II (conforme previsto no artigo 5º n.º 1).

Uma dessas excepções, e que releva para o nosso caso, é a que decorre do artigo 7º n.º 1 alínea a): as pessoas domiciliadas num Estado-Membro podem ser demandadas noutro Estado-Membro em matéria contratual, perante o tribunal do lugar onde foi ou deva ser cumprida a obrigação em questão.

A alínea b) daquele preceito vem concretizar que, salvo convenção em contrário, o lugar de cumprimento da obrigação em questão será:

a) no caso da venda de bens, o lugar num Estado-Membro onde, nos termos do contrato, os bens foram ou devam ser entregues,
b) no caso da prestação de serviços, o lugar num Estado-Membro onde, nos termos do contrato, os serviços foram ou devam ser prestados;
c) se não se aplicar a alínea b), será aplicável a alínea a).

Ora, não decorrendo dos autos que as partes tenham celebrado qualquer convenção sobre o foro competente, e estando em causa (face ao alegado pela Autora, sendo certo que a questão deve ser apreciada à luz da relação material controvertida tal como a Autora a configura logo no seu articulado inicial) a responsabilidade contratual da Ré, o critério determinante para aferir a competência será necessariamente o do lugar do cumprimento.

Conforme referido na decisão recorrida “com a previsão deste normativo, visou o legislador comunitário estabelecer um conceito autónomo de lugar de cumprimento da obrigação nos mais frequentes contratos (que são o de compra e venda e o de prestação de serviços), por via de um critério factual, com vista a atenuar os inconvenientes do recurso às regras de direito internacional privado do Estado do foro”.

De facto, e em matéria contratual o contrato de compra e venda e o de prestação de serviços serão os contratos mais frequentes; considerando que o critério difere consoante o contrato em causa é essencial perceber, em primeiro lugar, que tipo de contrato foi celebrado entre as partes: se um contrato de compra e venda ou um contrato de prestação de serviços.

Quanto à qualificação do contrato divergem as partes: a Autora defende ter sido celebrado um contrato de prestação de serviços (concretamente de empreitada) puro e a Ré entende que foi celebrado um contrato de compra e venda.

O tribunal a quo concluiu estar em causa um contrato de empreitada mas, uma vez que o destino final dos bens produzidos pela Autora seria a Holanda, pais onde efectivamente as peças de vestuário foram recebidas e onde a Ré lhes daria destino conforme à sua actividade, entendeu que a actividade útil e final da produção das peças de vestuário não cessava com a conclusão da obra (até porque apenas na Holanda poderia a Ré aferir da boa execução da empreitada) e que a relação jurídico-contratual em causa acabava por ter mais afinidade com um contrato de compra e venda do que com um contrato de prestação de serviços e que o “lugar do cumprimento da obrigação”, no caso sub iudice, não poderia deixar de ser o local efectivo da entrega dos bens, sufragando o entendimento do Acórdão do STJ de 05/04/2016, relatado pelo Conselheiro Fonseca Ramos (disponível em www.dgsi.pt).

Quid iuris?
O contrato de empreitada (modalidade do contrato de prestação de serviços) tal como é definido no artigo 1207º do Código Civil, é o contrato pelo qual uma das partes se obriga em relação à outra a realizar certa obra mediante um preço, enquanto a compra e venda é o contrato pelo qual se transmite a propriedade de uma coisa ou outro direito mediante um preço (artigo 874º do Código Civil).
A propósito da distinção entre os contratos de empreitada e de compra e venda pode ler-se no Acórdão desta Relação de 27/04/2017 (disponível em www.dgsi.pt) que, “embora o elemento nuclear típico da empreitada consista na realização de uma obra (artigo 1207º do Código Civil), ao passo que o objecto essencial da compra e venda reside na transmissão de um direito, de propriedade ou de outra natureza (artigo 874º do mesmo Código), o acento tónico da distinção entre as duas espécies de contratos, como se refere entre outros em Acórdão do S.T.J. de 22/9/05, localizável em www.dgsi.pt, vem sintetizado pela doutrina e jurisprudência comparada nos tópicos seguintes:

- prevalência da obrigação de dare ou da de facere (naquele caso, tratar-se-á de compra e venda, e neste, de empreitada);
- na empreitada, ao contrário da compra e venda, a prestação dos materiais constitui um simples meio para a produção da obra, e o trabalho o escopo essencial do negócio;
- na empreitada, o bem produzido representa um quid novi relativamente à produção originária do empreiteiro, implicando a introdução nesta de modificações substanciais respeitantes à forma, à medida ou à qualidade do objecto fornecido”.

No caso concreto a Autora ter-se-á obrigado mediante solicitação e encomenda da Ré a produzir diversas peças de vestuário, mediante amostras inicialmente facultadas pela Ré e com matérias-primas não só fornecidas por si mas também pela Ré; conforme alega a Autora acordou com a Ré produzir a colecção de inverno 2016 de roupa de criança da Ré, tendo esta entregue também à Autora as fichas técnicas dos modelos a desenvolver para a colecção verão de 2017; o pagamento seria feito por transferência bancária para uma conta da Autora antes da expedição da mercadoria e as encomendas seriam expedidas para as moradas a indicar pela Ré: a primeira encomenda foi enviada pela Autora para as instalações da agente da Ré em Portugal, a qual providenciaria pelo embalamento da mesma, e a restante mercadoria foi já enviada pela Autora directamente para a sede da Ré na Holanda, correspondendo o objecto do litígio às duas últimas encomendas entregues na Holanda.

Estava assim a Autora adstrita não só a produzir as peças de vestuário correspondentes aos modelos pretendidos pela Ré mas também a entregar a mercadoria na sede da Ré, na Holanda, sendo este segundo o acordado entre as partes o destino final das peças de vestuário produzidas pela Autora para a Ré.

Assim, e ainda que esteja em causa a confecção de artigos de vestuário de criança segundo modelos apresentados pela Ré à Autora, em tantas unidades quantas as encomendadas e mediante o preço previamente acordado, a verdade é que não resulta alegado que a confecção desses artigos implicasse uma efectiva novidade na produção normal da Autora ou que implicasse a introdução de alterações substanciais, de forma, medida ou qualidade pois que, convém lembrar, a Autora se dedica com intuito lucrativo à confecção de artigos de vestuário nomeadamente de criança.

Pensamos, por isso, que o elemento prevalente do acordo celebrado entre as partes não é o da prestação de serviços pois embora a mercadoria diga respeito a peças produzidas pela Autora por encomenda da Ré, o núcleo essencial do negócio radica no fornecimento e entrega da mercadoria, tanto assim que a Autora facturou à Ré as diversas unidades de peças de vestuário por si fabricadas.

Temos pois como acertada a afirmação do tribunal a quo de que o contrato em causa tem mais afinidade com um contrato de compra e venda do que com um contrato de prestação de serviços e que o “lugar do cumprimento da obrigação”, no caso sub iudice, não pode deixar de ser o local efectivo da entrega dos bens, isto é a sede da Ré na Holanda, sendo a jurisdição deste país (Estado-Membro), nos termos do artigo 7º n.º 1 alínea a) do Regulamento (UE) n.º 1215/2012, a competente internacionalmente para apreciar e decidir o incumprimento do preço alegado pela Autora nos presentes autos, sendo por isso internacionalmente incompetente o tribunal recorrido.

Do exposto conclui-se pela improcedência nesta parte do presente recurso.

A Recorrente veio ainda alegar que, independentemente da questão da qualificação do contrato para efeitos de determinar o “lugar do cumprimento da obrigação”, o tribunal a quo seria sempre o internacionalmente competente para julgar os presentes autos por força do disposto no artigo 26º do Regulamento (UE) n.º 1215/2012 pois a Ré veio aos autos invocar não só a incompetência internacional dos tribunais nacionais, mas também e em primeira linha a excepção de não cumprimento por alegado cumprimento defeituoso do contrato por parte da Autora.

Prevê o referido artigo 26º a chamada competência convencional tácita preceituando que “para além dos casos em que a competência resulte de outras disposições do presente regulamento, é competente o tribunal de um Estado-Membro perante o qual o requerido compareça. Esta regra não é aplicável se a comparência tiver como único objectivo arguir a incompetência ou se existir outro tribunal com competência exclusiva por força do artigo 24º”.

Estão aqui abrangidas as situações em que, apesar de uma acção ter sido instaurada no tribunal de um Estado-Membro para a qual, em princípio, o mesmo não era competente, a comparência do demandado torna-o competente, a não ser que a comparência tenha como único objectivo invocar a incompetência.

Tal não significa, no entanto, que o demandado não possa, para além de invocar a incompetência internacional, apresentar também a sua defesa quanto ao mérito da causa.

Como se pode ler no sumário do acórdão desta relação de 09/06/2016 (Relatora Maria Purificação Carvalho, disponível em www.dgsi.pt) “a comparência do réu não fundamenta a competência do tribunal se o mesmo, além de contestar a competência, apresentar a sua defesa quanto ao mérito da causa. Ponto é que essa contestação da competência seja prévia a toda a defesa de mérito ou, quando menos, tenha lugar o mais tardar até ao momento da tomada de posição considerada pelo direito processual do foro como o primeiro acto de defesa formulado no processo”.

Neste acórdão é ainda citado Luís de Lima Pinheiro (Direito Internacional Privado, Volume III, página 147) que se pronuncia também no sentido de que a jurisprudência comunitária (Tribunal de Justiça das Comunidades) vem entendendo que a comparência do réu não fundamenta a competência do tribunal se o mesmo, além de contestar a competência, apresentar a sua defesa quanto ao mérito da causa.

No caso concreto, e ao contrário do que pretende a Recorrente, é manifesto que a Ré veio aos autos contestar a competência do tribunal recorrido e não apresentar a sua defesa de mérito.

A Ré apresentou efectivamente nos autos requerimento mas nele solicitou expressamente ao tribunal a quo que declarasse não ter competência para conhecer do litígio em face do disposto no artigo 7º do Regulamento (UE) n.º 1215/2012 pois que a mercadoria foi entregue na Holanda; e se é certo que referiu recusar o pagamento das facturas uma vez que a mercadoria em causa não mostra o nível de qualidade acordado, referiu também “reservar todos os direitos à defesa”.

O requerimento apresentado pela Ré destina-se por isso a contestar a competência internacional do tribunal a quo e não a apresentar a sua defesa quanto ao mérito da causa.

Deste modo, a sua intervenção nos autos não pode ser considerada como aceitação tácita da competência do Juízo local Cível de Guimarães, Comarca de Braga, por força do disposto no citado artigo 26º do Regulamento (EU) n.º 1215/2012.
Improcede, assim, integralmente o recurso da Autora.
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SUMÁRIO (artigo 663º n º7 do Código do Processo Civil)

I - Tendo a Autora, empresa com sede em Portugal, contratado com uma
empresa comercial
, ora Ré, com sede em França, a confecção e entrega na sede da Ré de diversas peças de vestuário e sendo a causa de pedir o incumprimento pela Ré do pagamento do preço, tendo em conta o conceito autónomo do lugar do cumprimento da
obrigação
, previsto no artigo 7º n.º 1, b) do Regulamento (CE) n.º 1215/2012, e os
termos do contrato, a competência radica na jurisdição holandesa, sendo
internacionalmente incompetente o tribunal português onde a acção foi proposta.

II - O artigo 26° do Regulamento (CE) n° 1215/2012 prevê a chamada competência convencional tácita, abarcando aquelas situações em que, apesar de uma acção ter sido instaurada no tribunal de um Estado-Membro para a qual, em princípio, o mesmo não era competente, a comparência do demandado torna-o competente, a não
ser que a compar
ência tenha como único objectivo invocar a incompetência.
III - A comparência do réu não fundamenta a competência do tribunal se o
mesmo, além de contestar a competência, apresentar a sua defesa quanto ao mérito
da causa, desde que a “contestação da competência seja prévia a toda a defesa de
mérito ou, quando menos, tenha lugar o mais tardar até ao momento da tomada de
posição considerada pelo direito processual do foro como o primeiro acto de defesa
formulado no processo”.
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IV. Decisão

Pelo exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar improcedente a apelação, confirmando a decisão recorrida.
Custas pela Recorrente.

Guimarães, 20 de Março de 2018
Texto elaborado em computador e integralmente revisto pela signatária


(Raquel Baptista Tavares)
(Margarida Almeida Fernandes)
(Margarida Sousa)