Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
2979/19.0T8VCT.G1
Relator: ANTÓNIO BEÇA PEREIRA
Descritores: DIREITO DE PROPRIEDADE
AFIXAÇÃO DE PUBLICIDADE
ABUSO DE DIREITO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 10/28/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
Não atua com abuso do direito o réu que colocou num seu imóvel um placar a publicitar um estabelecimento comercial e um evento que nele iria decorrer, o qual, pela sua localização e dimensões, impede que se veja um outro placar publicitário que anteriormente o autor havia posto num prédio que lhe pertence.
Da colocação do placar no imóvel do autor não resulta qualquer restrição ao direito de propriedade do réu sobre o seu bem, designadamente no sentido de que ficou obrigado a assegurar visibilidade à publicidade que daquela forma foi afixada no prédio vizinho.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

I
V. F. e X Autocarros e Viagens Irmãos X Lda. instauraram a presenta ação declarativa, que corre termos no Juízo Local Cível de Viana do Castelo, contra A. G., formulando os pedidos de:

"a) Declarar-se que o Autor V. F. é dono e legítimo proprietário do prédio rústico melhor descrito no item 1.º desta petição;
b) Declarar-se que a Autora X Autocarros e Viagens Irmãos X Lda. é a titular do interesse económico inerente à unidade predial descrita no item 8.º deste articulado, a qual integra, para além de outros prédios, o prédio rústico referido na alínea anterior deste pedido;
c) Condenar-se o Réu a reconhecer os direitos dos Autores, mencionados nas precedentes alíneas a) e b) do petitório;
d) Condenar-se o Réu a remover as quatro estacas em madeira e a rede ou lona de cor verde que colocou na extremidade norte da sua propriedade, melhor referidas nos itens 38, 39 e 40 deste articulado, de modo a que o outdoor referido no item 37 desta peça, colocado pelos Autores na propriedade referida na alínea a) do petitório, se mantenha totalmente visível e legível e no estado em que se encontrava antes da colocação dessa estrutura pelo Réu;
e) Proibir-se o Réu de construir, fixar ou implantar na sua propriedade qualquer obra ou estrutura, fixa ou amovível, que vede, tape ou oculte, total ou parcialmente, o outdoor colocado pelos AA., referido na alínea anterior, ou lhe retire, total ou parcialmente, visibilidade;
f) Condenar-se o Réu no pagamento do montante de € 500,00 (quinhentos euros) a título de sanção pecuniária compulsória, por cada dia de atraso no cumprimento da condenação fixada nos termos das alíneas d) e e) do petitório;
g) Condenar-se, ainda, o Réu no pagamento de uma indemnização aos Autores pelos danos emergentes da sua conduta ilícita, a liquidar ulteriormente ou em sede de execução de sentença".

Alegaram, em síntese, que o autor é dono de um prédio rústico que confina com um outro pertencente ao réu. "Por contrato de comodato outorgado no dia 6 de fevereiro de 2006, o Autor deu o [seu] prédio rústico (…) à Autora (…), para que esta o destinasse à atividade por si desenvolvida". Nesse prédio situa-se a "Quinta do ...", onde a autora explora o empreendimento turístico "..." e o restaurante "Y".
Com a «ideia de criar um empreendimento turístico à imagem e semelhança do "...", copiando o já existente, o Réu abriu na freguesia de ..., concelho de Esposende, à face da A28, o empreendimento conhecido por "Quinta da ...".»
Em agosto de 2019 o réu colocou no seu imóvel que confina com o do autor um placar com os dizeres "... orgulho do ... arraiais agosto 3.ºs, 5.ºs e sábados de junho a novembro sábados ↓ volte para trás estamos a 6 kms continue na en13 mais de um milhão e meio de clientes em Portugal não há festa igual …. e ponto final!".
Os autores, "preocupados com o efeito que o mesmo podia ter na comunidade em geral e, em especial, nos seus clientes habituais e potenciais clientes e visitantes", no mesmo mês, "nos limites da propriedade do autor (…), voltada a sul, colocaram um outdoor assente em oito estacas metálicas, com os dizeres seguintes: ... começa aqui".
Depois disso, "no dia 2 de setembro de 2019, o réu colocou nos limites do seu prédio, voltada a norte, quatro estacas em madeira, com cerca de cinco metros cada uma e aplicou uma lona ou rede de cor verde, suportadas nas referidas quatro estacas, abrangendo toda a área do outdoor colocado pelos Autores, tapando-o por completo e retirando-lhe visibilidade."
Mais alegam que "o Réu, ao proceder do modo descrito, atuou em manifesto abuso de direito, na vertente da aemulatio" e que com a sua conduta causou-lhes danos que, "por não estarem, na presente data, definitivamente estabilizados ou consolidados, serão liquidados ulteriormente ou em sede de execução de sentença".
O réu contestou dizendo, em suma, que não atuou com abuso do direito, que "as tais estacas que o R. colocou, de forma provisória, destinam-se a servir de suporte publicitário a um placard promocional da Quinta da .... Tal painel encontra-se a ser colocado no local, pela sociedade Quinta da ..., Empreendimentos Turísticos da W Lda. e destina-se a promover a festa da passagem de ano da Quinta da ..." e que "agiu ao abrigo do disposto no artigo 1305 e ss., 1344.º do código civil, usando do direito de propriedade sobre o imóvel a que se alude nos autos."
Posteriormente, os autores apresentaram um articulado superveniente em que alegaram que o réu removeu a estrutura que tinha colocado à frente do seu placar e, em sua substituição, "colocou sete estacas metálicas, com cerca de cinco metros cada uma, assentes em sapatas" e "nessas estacas metálicas, o Réu aplicou um cartaz publicitário de grandes dimensões (outdoor), com os dizeres seguintes: ... – passagem d´ano c/ L. e outros artistas reserve já!".
Mais alegaram que é "inequívoco que esse cartaz – e, bem assim, a estrutura metálica que o suporta – foi ali colocado pelo Réu apenas para ocultar o dos AA", o que também "configuram a prática de atos de concorrência desleal".
Terminam dizendo que, "mantendo-se os inicialmente formulados sob as alíneas a), b), c), e), f), g) e h), passando o pedido formulado sob a alínea d) do petitório a ter a seguinte, nova, redação: d) Condenar-se o Réu a remover as estacas metálicas e o cartaz publicitário que colocou na extremidade norte da sua propriedade, melhor referidos nos itens 2 e 3 do articulado superveniente, de modo a que o outdoor referido no item 37 do articulado inicial, colocado pelos Autores na propriedade referida na alínea a) do petitório, se mantenha totalmente visível e legível e no estado em que se encontrava antes da colocação dessa estrutura pelo Réu".

Procedeu-se a julgamento e foi proferida sentença em que se decidiu:

"Nestes termos e perante todo o exposto, julga-se a presente ação parcialmente procedente e, em consequência:

- a) Declara-se que o Autor V. F. é dono e legítimo proprietário do prédio rústico melhor descrito no item 1.º da petição inicial (1- dos factos provados);
- b) Declara-se que a Autora X – Autocarros e Viagens Irmãos X, Lda. é a titular do interesse económico inerente à unidade predial descrita no item 8.º do articulado inicial (7- dos factos provados), a qual integra, para além de outros prédios, o prédio rústico referido na alínea anterior deste pedido;
- c) Condena-se o Réu a reconhecer os direitos dos Autores, mencionados nas precedentes alíneas a) e b) do petitório;
- d) Condena-se o Réu a remover as estacas metálicas e o cartaz publicitário que colocou na extremidade norte da sua propriedade, melhor referidos nos itens 2 e 3 do articulado superveniente (38- e 39- dos factos provados), de modo a que o outdoor referido no item 37 do articulado inicial (24- dos factos provados), colocado pelos Autores na propriedade referida na alínea a) do petitório, se mantenha totalmente visível e legível e no estado em que se encontrava antes da colocação dessa estrutura pelo Réu;
- absolve-se o Réu dos restantes pedidos."

Inconformados com esta decisão, os autores dela interpuseram recurso, que foi recebido como de apelação, com subida nos autos e efeito suspensivo, findando a respetiva motivação, com as seguintes conclusões:

I. Vem o presente recurso da sentença de 16/12/2020 proferida nos autos, que julgou parcialmente procedente o pedido com a qual o Autor não se pode de todo conformar.
II. A particular surpresa do Réu com a decisão decorrida, para além da que se extrai da errónea aplicação da lei à realidade dos factos, advém do caminho que se foi percorrendo durante a audiência de julgamento, designadamente na interação entre o Tribunal e as partes e em conformidade com o princípio da cooperação ínsito no artigo 7.º do Código do Processo Civil.
III. Por interpretação do qual o Réu, embora a sua vontade e interesse fosse manter a colocação do seu placard e sabendo estar em atuação conforme a Lei, num espírito de cooperação com o Tribunal, ainda assim dispôs-se a retirar o seu placard se o Autor também o retirasse, aceitando a linha do Tribunal e interpretando a interpelação ao Autor supra citada como expressão da orientação do Tribunal que a pretensão deste não tinha cabimento e, por isso, estava a ser-lhe dada a oportunidade duma saída airosa, um processo sem vencedores nem vencidos, uma composição equilibrada e tendencialmente pacificadora, ficando com a amarga sensação que melhor seria fazer fincapé, também dizer "Não, não tiro o meu placard, juro pela alma do meu pai", como o fez o Autor.
IV. Por sentença de 16 de Dezembro de 2020 a Mª Juíza a quo julgou a ação parcialmente procedente, para o que importa condenando o Réu a remover as estacas metálicas e o cartaz publicitário que colocou na extremidade norte da sua propriedade, melhor referidos nos itens 2 e 3 do articulado superveniente (38- e 39- dos factos provados), de modo a que o outdoor referido no item 37 do articulado inicial (24- dos factos provados), colocado pelos Autores na propriedade referida na alínea a) do petitório, se mantenha totalmente visível e legível e no estado em que se encontrava antes da colocação dessa estrutura pelo Réu.
V. Por ter entendido que o Ré atuou com abuso de direito.
VII. De todo, foram incorretamente julgados os factos provados 23 e 32 que deviam ter sido dados como não provados ou modificados quanto ao 32.
VIII. E foram incorretamente julgados os factos não provados i), j), que deveriam ter sido dados como provados.
IX. Existindo meios probatórios gravados que permitem concluir que houve erro na apreciação da prova relativamente às questões de facto impugnadas e supra enunciadas e nos teus termos.
X. Quanto ao facto provado 23- "Os Autores quando tomaram conhecimento do outdoor referido em 21- dos factos provados ficaram preocupados que o mesmo criasse dúvida na comunidade, nos clientes e nos potenciais clientes quanto aos limites e configuração da Quinta do ... e induzisse as pessoas em erro quanto à sua localização", que devia ter sido como não provado, existindo concretos meios probatórios, constantes do processo e de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre este ponto da matéria de facto impugnado diversa da sentença recorrida;
XI. Que o mesmo deveria ter sido julgado não provado resulta desde logo do depoimento gravado do Autor singular e representante da Autora e outro representante legal da Autora, I. P. que, embora insistentemente perguntados pela Mªa Juíza a quo sobre este ponto de facto, nunca conseguiram, longe disso, responder afirmativamente a essa matéria.
XII. Quanto ao depoimento do Autor V. F., que é reproduzido na íntegra em anexo, encontrando-se as suas declarações gravadas áudio e registadas em sistema "Habilus Media Studio" com início às 10:00:30 e termo às 10:55:23 horas, por referência ao assinalado na Ata de Audiência de julgamento do dia 10 de novembro de 2020.
XIII. O mais que o Autor revela é que se sentiu cercado com os cartazes da ... a norte e sul, incomodado com o facto de estar a ser feita publicidade a um arraial concorrente. afirmações vagas 2 frases que não acaba e que não preenchem o facto provado.
XIV. O que o Autor mostra não tem nada a ver com qualquer dúvida que pudesse advir com a colocação do primeiro outdoor quanto aos limites, configuração ou localização do ..., mas tão só um desagrado com o facto de estar a ser feita publicidade do concorrente junto à sua Quinta, ainda para mais a uma empresa pertencente a um primo com que está há décadas incompatibilizado.
XV. Nem podia haver dúvidas objetivas ou mesmo subjetivas quanto aos limites e configuração da Quinta do ... e à sua localização.
XVI. Conforme o Autor depôs a Quinta do ... já existe há 48 anos e sempre naquele local, pelo que ninguém tem dúvidas – sejam os proprietários, fornecedores, clientes ou potenciais clientes - quanto à sua localização e os Autores sabem isso melhor que ninguém.
XVII. Aliás, não se vê como pudesse o primeiro outdoor criar qualquer confusão quanto à localização ou limites do .... Os seus dizeres são:- ... ORGULHO DO ... ARRAIAIS AGOSTO 3.ºs, 5.ºs E SÁBADOS DE JUNHO A NOVEMBRO SÁBADOS c VOLTE PARA TRAS ESTAMOS A 6 KMS CONTINUE NA EN13 MAIS DE UM MILHÃO E MEIO DE CLIENTES EM PORTUGAL NÃO HÁ FESTA IGUAL …. E PONTO FINAL! (facto provado 21).
XVIII. Esta frase não pode causar confusão quanto à localização ou limite da ..., quando está precisamente a indicar que a ... fica a 6 km atrás, antes até esclarece que não só a ... não é ali, como até fica a seis km de distância.
XIX. Também no depoimento do outro legal representante da Autora I. P. com declarações registadas em sistema "Habilus Media Studio" com início às 11:45:15 e termo às 12:19:58. horas, por referência ao assinalado na Ata de Audiência de julgamento do dia 10 de novembro de 2020. Nunca este afirma nem de perto nem de longe que quando tomaram conhecimento do outdoor referido em 21- dos factos provados ficaram preocupados que o mesmo criasse dúvida na comunidade, nos clientes e nos potenciais clientes quanto aos limites e configuração da Quinta do ... e induzisse as pessoas em erro quanto à sua localização.
XX. Usa este representante muito genericamente a palavra confusão mas nem sequer a associa ao outdoor. O que diz é que a confusão é motivada pela colagem que diz que o Réu vem fazendo ao ..., à imagem do ..., confusão que atribui a "uma colagem permanente não só dos atos em si do ato em si, mas pela própria imagem que se cria, no lettering não estamos a falar só neste caso mas isso é histórico não é o lettering a escolha das cores, a escolha da temática, tudo isto é sempre, historicamente é sempre, um comportamento de quem quer criar a confusão de fazer parecer que é a mesma coisa:
XXI. Ou seja, nem uma confusão – uma palavra que usa em sentido abstrato – associada ao outdoor referido em 21 dos factos provados nem sequer uma confusão quanto aos limites, configuração ou localização da Quinta do ..., que nunca refere.
XXII. Quanto ao facto provado 32 – "Um dos acessos ao prédio ocupado pela "Quinta do ..." faz-se através de portões que se situam imediatamente a seguir ao prédio do Réu e do painel publicitário que nele foi colocado", devia ter sido como não provado, existindo concretos meios probatórios, constantes do processo e de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre este ponto.
XXIII. Neste ponto o que foi incorretamente julgado foi o "imediatamente" e não se ter acrescentado que para aceder a esses portões "seguir ao prédio do Réu e do painel publicitário que nele foi colocado, para quem vem de sul em viatura automóvel, tem de continuar pela EN até uma rotunda ao longo da Quinta do ... e dar a volta no sentido norte-sul para entrar no portão mais a norte, passando ainda pelo portão principal".
XXIV. Isso mesmo resulta das plantas topográficas e aerofotogramétricas juntas aos autos pelo Município de ….
XXV. E também resulta do depoimento da testemunha, S. S., que é reproduzido na íntegra em anexo, arquiteto, nascido, criado e residente em Viana do Castelo, que revelou conhecer bem o local, encontrando-se as suas declarações gravadas áudio e registadas no aplicativo "Habillus - Média Studio", com início pelas 09h:45m:26s até às 11h:02m:06s, por referência ao assinalado na Ata de Audiência de julgamento do dia 12 de novembro de 2020.
XXVI. Pelo que o facto 32 deveria ter sido dado como não provado ou, então modificado no sentido seguinte: "Um dos acessos ao prédio ocupado pela "Quinta do ..." faz-se através de portões que se situam a seguir ao prédio do Réu e do painel publicitário que nele foi colocado, sendo que para entrar no mesmo, quem vem de sul em viatura automóvel, tem de continuar pela EN até uma rotunda ao longo da Quinta do ... e dar a volta no sentido norte-sul para entrar no portão mais a norte, passando ainda pelo portão principal".
XXVII. Embora não decisivos, sobretudo o facto provado 23 tem importância para o enquadramento jurídico, pois os AA., justificam exclusivamente a colocação no seu placard na matéria do facto provado 23 e sem esse facto nenhum argumento têm para terem colocado o seu placard, que não seja o ódio pessoal ao Réu – daí a expressão sagrada e que de mais pessoal não há proferida pelo Autor que não tirava o seu placard, pela alma do pai, que não merece qualquer tutela do direito, antes merece o repúdio da Justiça.
XXVIII. Acresce que nada de objetivo sustenta o facto provado 23, tanto mais que a sentença deu como não provado que "f- Os clientes e visitantes são induzidos em erro quanto à efetiva localização do ...".
XXIX. Os concretos pontos de facto não provados que o recorrente considera incorretamente julgados, devendo dar-se como provados, são -i- Há muitos anos que é vontade dos Autores adquirirem o prédio (artigo ....º); -j- Só porque perderam o negócio colocaram o painel publicitário do ...;
XXX. Relativamente ao interesse na aquisição do prédio por parte dos Autores, ele é evidente face à configuração e localização do terreno.
XXXI. Basta atentar nas plantas juntas aos autos pelo Município, para perceber que o terreno em causa do Réu permitiria à Quinta do ... "fechar" o conjunto do seu empreendimento, passando do lado a sul e nascente a confinar apenas consigo própria e com estrada ou caminho.
XXXII. E não é crível, conforme depôs, que o proprietário anterior andasse 40 anos a tentar vender o terreno ao A. V. F., se este lhe tivesse dito que em caso algum a compraria.
XXXIII. E também de acordo com as regras de experiência, não fazia sentido que os advogados do Sr. L. insistissem numa última tentativa para que este comprasse o terreno, se já soubesse que em caso algum ele o compraria, pois os Advogados não são conhecidos por andarem a perder tempo com inutilidades.
XXXIV. E confronte-se essa versão com o que disse o Réu no seu depoimento registado no Declarações registadas em sistema "Habilus Media Studio" com início às 10:57:42 e termo às 11:43:43 horas, por referência ao assinalado na Ata de Audiência de julgamento do dia 10 de novembro de 2020, e aferirá este Venerando Tribunal qual merece maior credibilidade, onde ainda esclareceu que razão pela qual colocou o placard mandado remover pela sentença, foi ser a melhor localização para quem vem na EN de Sul.
XXXV. No que concerne à aplicação do direito, a sentença recorrida não questiona o direito de propriedade do Réu no seu terreno em causa, bem como reconhece o direito a usar e fruir desse imóvel e a ceder a parte ou o todo do mesmo para colocação de placards publicitários à empresa da qual é gerente e sócio maioritário.
XXXVI. Mas decidiu que na colocação das estacas metálicas e placard em causa nos autos o Réu agiu com abuso de direito.
XXXVII. Relativamente à questão das estacas, a sentença não tem efetividade, visto que as mesmas, de forma provisória, destinavam-se a servir de suporte publicitário ao placard promocional da Quinta da ..., pelo que com a colocação deste perderam a sua raison d`être.
XXXVIII. O instituto do abuso do direito, como todos, quando surgiu foi aplicado com tibieza, sobretudo como limite ao direito de propriedade. Como o passar do tempo, passou a moda e começou a ver-se abuso em todo o exercício legítimo do direito, de modo a que poucos direitos havia do proprietário que pudessem ser exercidos sem que os vizinhos exigissem a sua contenção ao abrigo do abuso do direito. A regra era o abuso a exceção era o direito. A jurisprudência e a doutrina mais evoluída, como sempre acontece, faz hoje uma aplicação mais serena e equilibrada do instituto.
XXXIX. Nenhuma razão defensável do ponto de vista jurídico ou ético-jurídico se pode assinalar que justifique a colocação do outdoor dos AA, como reação para evitar confusão em clientes, visitantes ou outros, assinalando os limites, configuração ou localização da Quinta do ....
XL. Os AA. nunca tiveram receio que isso sucedesse, até porque a Quinta do ... existe naquele local há cerca de 48 anos.
XLI. Não fazia sentido terem essa perceção face a um outdoor inicial que até assinalava que a Quinta da ... não era ali, mas 6 km atrás.
XLII. Nenhum benefício patrimonial recolheram com a colocação do seu outdoor, que aliás, isso sim, faz criar a confusão com o lugar de ... que não se inicia ali, como o Autor reconheceu em audiência, nem prejuízo tiveram como a colocação do outodoor da Ré.
XLIII. E tanto assim é que foi dado como não provado na sentença recorrida, que -f- Os clientes e visitantes são induzidos em erro quanto à efetiva localização do ...; -g- Podem ser levados a "voltar para trás" e seguir em direção à "Quinta da ...".
XLIV. Tendo o Tribunal concluído objetivamente que o outdoor inicial não induz em erro os clientes e visitantes, quanto á sua localização e que os mesmos não ser levados a "voltar para trás" e seguir em direção à "Quinta da ...", único motivo apresentado na petição e articulado superveniente que sustenta a eventual necessidade da existência do placard "O ... começa aqui", não existe direito ou interesse dos Autores que mereça proteção.
XLV. Pois é manifesto que inexistindo direito dos Autores que merece ser acutelado e defendido, como inexiste, nunca poderia haver abuso de direito por parte do Ré, que sempre pressuporia um direito dos Autores que merecesse tutela.
XLVI. Acrescendo a circunstância da sentença assinalar a inexistência de qualquer prejuízo ou dano patrimonial ou não patrimonial na esfera dos AA com a conduta do Réu, ao dizer: "Por último, os Autores pedem a condenação do Réu numa indemnização pelos danos emergentes da sua conduta ilícita, a liquidar ulteriormente ou em sede de execução de sentença (alínea g)). Também quanto a este pedido, não se apurou nenhum facto que sustente e justifique a condenação do Réu em indemnização, a liquidar em sede de execução de sentença (cfr. artigo 609.º, n.º 2, do C.P.C.), improcedendo o pedido, nesta parte".
XLVII. Não podiam ignorar os AA. que o Réu iria muito provavelmente afetar provisoriamente o terreno, antes de qualquer loteamento ou construção, que demora meses e anos a concretizar, na promoção da sua Quinta, nada de anormal ou excessivo e escolheria o melhor local para o efeito, que é precisamente o local onde o colocou, que é o que garante melhor visibilidade para quem vem na EN de sul, pois como o Réu disse passam ali, mais ou menos uma média de 1500 carros por hora, para quem vem de sul o placard no sítio certo é aquele. Também isso resulta das fotografias tiradas pelo Tribunal no local e que foram anexadas à Ata da audiência de 6 de novembro de 2021.
XLVIII. E se, conforme afirmou o Autor, "O sítio foi visto pelo nosso gabinete de publicidade, S., foi visto e foi analisado, ao longo da chegada da curva, o sítio com mais visibilidade é ali aquele, que não tem outro", também esse é o melhor sítio para o Réu colocar a publicidade à sua quinta ou outras empresas, suas ou de terceiros.
XLIX. Os AA não podem ter direito a garantir uma servidão de vistas, uma inimaginável servidão de imagem ou de publicidade, o mais visível da EN, no local de excelência, apenas porque puseram primeiro, relegando a colocação de outodoors no prédio do proprietário vizinho, o Réu, a um cantinho minimalista, que eles na sua majestade decidirão se sim ou não e aonde, porque pode tapar um canto, meio metro. De facto fica quase impossível o A. colocar qualquer painel, porque pode sempre haver um ângulo que tape a vista do painel do Sr. V. F..
L. Existe é, outrossim, abuso de direito dos AA, suposto que o tivessem.
LI. Com efeito, nem benefício ou interesse económico retiram os AA. da colocação do seu painel.
LII. Estiveram 47 ou 48 anos sem precisarem de colocar qualquer painel, tendo-o feito apena poucos dias após a compra do terreno em causa pelo Réu e poucos dias após a colocação dum painel fazendo-o os Autores supostamente em reação para evitar a confundibilidade entre as duas Quintas, que se deu como provado não existir.
LIII. Fizeram-no com uma largura e altura desmedida, ocupando quase toda a faixa confinante a norte com o prédio do Réu, sabendo-se que o ... (lugar) não começa aí, começa lá em cima na curva, como o Autor afirmou em audiência.
LIV. Admite-se até como muito provável que o tenham feito com o intuito de depreciar o imóvel do Réu, reduzindo-o a silvas e vegetação. Daí o pedido que formularam para e) Proibir-se o Réu de construir, fixar ou implantar na sua propriedade qualquer obra ou estrutura, fixa ou amovível, que vede, tape ou oculte, total ou parcialmente, o outdoor colocado pelos Autores, referido na alínea anterior, ou lhe retire, total ou parcialmente, visibilidade, ou seja, impedindo o A. de construir de acordo com o PDM, o RJEU e RJUE, conforme esclareceu em audiência o Arq. S. S..
LV. Podiam os AA. recuar para norte, dentro de 25/30 metros o seu outdoor, dentro da sua propriedade, para que fosse possível igualmente ser visto da EN para quem vem de sul, até durante maior extensão? Podia sim senhor, como resulta da fotografia tirada pelo Tribunal da parte de trás do outdoor, anexada à Ata da audiência de 6 de novembro de 2020, visualizando uma enorme área de terreno onde os AA. podiam recuar e implantar o outdoor.
LVI. É doutrina do Supremo Tribunal de Justiça que "A exceção de abuso do direito é do conhecimento oficioso e pode ser levantada ex-novo perante o S.T.J. em sede de recurso da revista" – Ac. STJ de 04-04-2002.
LVII. Ainda quanto ao abuso de direito, conforme se diz na sentença em recurso, "com base no abuso do direito, o lesado pode requerer o exercício moderado, equilibrado, lógico, racional do direito que a lei confere a outrem; o que não pode é, com base no instituto, requerer que o direito não seja reconhecido ao titular, que este seja inteiramente despojado dele." – Código Civil Anotado, de Pires de Lima e Antunes Varela, Volume I, 4ª edição revista e atualizada, Coimbra Editora Limitada, páginas 298 a 300.
LVIII. A doutrina dos Mestres convoca desde logo que só pode invocar o abuso do direito um "lesado".
LIX. Os AA. não estão lesados pela atuação dos RR, não têm prejuízo económico, o outdoor inicial do Réu a que reagiram nenhum dano lhes causou, visto que em nada contribui para a confusão na clientela e visitantes quanto à localização da Quinta do ... e durante cerca de 48 anos nunca tiveram necessidade de colocar naquele local um outdoor.
LX. Faltando a lesão de quem invoca o abuso de direito, falece qualquer possibilidade de aplicação deste instituto, como é o caso.
LXI. Mesmo que assim não fosse e é, afirmam os Mestres que o requerente não pode, com base no instituto, requerer que o direito não seja reconhecido ao titular, que este seja inteiramente despojado dele.
LXII. Mas isso é que na prática sucede, com o pedido procedente o Réu fica totalmente despojado de publicitar o seu empreendimento nas mesmas condições que o fazem os AA.
LXIII. Para Manuel de Andrade «há abuso do direito quando o direito, legitimo (razoável) em princípio, é exercido, em determinado caso, de maneira a constituir clamorosa ofensa do sentimento jurídico dominante; e a consequência é a de o titular do direito ser tratado como se não tivesse tal direito ou a de contra ele se admitir um direito de indemnização baseado em facto ilícito extracontratual».
LXIV. De outro ponto de vista, o ato abusivo é, em regra, no pensamento de Vaz Serra, o ato de exercício de um direito que, intencionalmente, causa danos a outrem, por forma contrária consciência jurídica dominante na coletividade social".
LXV. Falece, mais uma vez, a existência de danos, condição para reivindicar o abuso do direito da outra parte. A colocação do outdoor pelo A. não constituiu clamorosa ofensa do sentimento jurídico dominante, pois promove a sua Quinta, no melhor sítio do seu terreno, ainda que isso implica tapar o outdoor porque o vizinho também o escolheu como melhor local?
LXVI. A atuação do R. não se vislumbra que contraria a consciência jurídica dominante na coletividade social; não houve associações regulares ou irregularmente constituídas indignadas a protestar, manifestações contra, protestos de entidades, testemunhas que não fossem empregados dos AA, nem sequer lideres da comunidade ou pessoas comuns desta.
LXVII. Na conduta dos AA inexiste venire contra factum, "inalegabilidade" também não, suppressio (supressão) Tu quoque também não, embora esta se enquadre na atuação dos AA.
LXVIII. E é porque a conduta do Réu não se enquadra em nenhum desses tipos, que a sentença no momento de afirmar a conduta do Réu como abusiva, também não a enquadra em nenhum desses comportamentos típicos ou sequer outros.
LXIX. Com louvação no Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 1 de Fevereiro de 2018 (processo n.º 1646/16.0T8VCT.G1) acrescenta-se na sentença que "O abuso de direito na modalidade do "desequilíbrio entre o exercício do direito e os efeitos dele derivados", abrange subtipos diversificados, nomeadamente: i) o do exercício de direito sem qualquer benefício para o exercente e com dano considerável a outrem; ii) o da atuação dolosa daquele que vem exigir a outrem o que lhe deverá restituir logo a seguir; iii) e o da desproporção entre a vantagem obtida pelo titular do direito exercido e o sacrifício por ele imposto a outrem.
LXX. Como não há dano, não há dolo e não há sacrifício imposto aos AA. (que viveram muito bem com a situação antes do outdoor durante 48 anos), também não há esta modalidade in casu.
LXXI. Os Autores alegam que o Réu atuou em manifesto abuso de direito, na vertente da aemulatio, conforme os itens 43 a 68 do articulado inicial e artigo 8.º do articulado superveniente.
LXXII. Atos emulativos (aemulatio), também chamados de atos vazios, são aqueles que correspondem ao exercício de um direito pelo respetivo titular que, no entanto, visam, única e exclusivamente, prejudicar terceiros, não lhes correspondendo, assim, qualquer utilidade ou necessidade para o seu titular.
LXXIII. A invocação da aemulatio foi feita na p.i. face à tapagem inicial com uma rede verde opaca, suportada em quatro estacas em madeira, como resulta dos artigos 50.º a 52.º da p.i.
LXXIV. Com razão ou sem ela, a aemulatio faria sentido quanto à tapagem do seu prédio, com a colocação nele duma rede verde opaca, suportada em quatro estacas em madeira.
LXXV. Mas desaparecendo essa causa de pedir, a aemulatio perde qualquer sentido com a colocação do outdoor mandado remover, pois aí é manifesto e reconhecido o interesse do Réu em promover a sua Quinta da ... a utilidade para o seu titular consiste em promover no melhor local do seu terreno para esse fim.
LXXVI. Inexiste, pois, abuso do direito na conduta do Réu.
LXXVII. A sentença recorrida violou ou interpretou erradamente as normas plasmadas nos artigos 334.º e ss. e 1305.º e ss do Código Civil.
Os autores contra-alegaram defendendo a improcedência do recurso e ampliando o âmbito deste, formulando nesta parte as seguintes conclusões:
XL. Os Recorridos invocaram nos itens 11 a 40 do articulado superveniente que a conduta do Réu configurava a prática de um ato de concorrência desleal, questão que a douta sentença em crise não ponderou nem apreciou, mas para a qual já se declarou materialmente competente por douto despacho de 03.02.2020 (refª 44898422), já transitado em julgado.
XLI. A prática de atos tendentes à obtenção de clientela, efetiva ou potencial, é um ato de concorrência, sendo, por isso, lícito. Porém, quando tal se verificar em termos contrários às normas e usos honestos de qualquer ramo de atividade, dá-se um ato de concorrência desleal, que é ilícito, na medida em que constitui um abuso da liberdade de concorrência (vd. artigo 311.º do Código da Propriedade Industrial, aprovado pelo DL n.º 110/2018, de 10.12).
XLII. A repressão da concorrência desleal condena o meio (a deslealdade) e não o fim (desvio da clientela), pelo que a ilicitude radica na deslealdade e não em qualquer direito específico.
XLIII. Da ponderação da matéria apurada em 1ª instância podemos retirar que Recorrente e Recorridos exploram economicamente empreendimentos no âmbito do mesmo setor de atividade (arrais minhotos), sendo concorrentes diretos, pelo que o universo de clientes e potenciais clientes de cada um deles é exatamente o mesmo.
XLIV. O Recorrente, ao proceder, primeiro, do modo descrito nos itens 25, 26 e 27 da matéria assente e, depois, nos itens 37, 38 e 39 da mesma matéria, atuou não com a intenção de publicitar o que era seu, mas com o propósito de ocultar o outdoor que os Recorridos implantaram na sua propriedade, primeiramente colocado.
XLV. O propósito do Recorrente – legítimo – de publicitar os seus próprios serviços ou a sua própria empresa não pode ser alcançado ou satisfeito à custa dos interesses económicos dos Recorridos, impedindo-os de publicitar ou anunciar aquilo que é a sua atividade.
XLVI. O Recorrente, ao atuar do modo descrito, comportou-se de forma contrária às normas e aos usos honestos e legais de qualquer ramo de atividade, sendo que a pretexto do exercício legítimo de um direito, mais do que satisfazer um interesse ou necessidade próprios, o Recorrente quis, antes, prejudicar os Recorridos, o que conseguiu.
XLVII. A descrita conduta do Réu configura, assim, um ato de concorrência desleal à luz do disposto no citado artigo 311.º, n.º 1, alínea a), do Cód. da Propriedade Industrial, sendo que, para além de ilícita, a conduta do Réu é culposa, pois que sabia ou, atenta a sua qualidade de empresário, tinha a obrigação de saber, que estava a comportar-se de forma desonesta ou desleal e de forma contrária aos usos comerciais, fazendo uso de meios reprováveis para aceder ao mercado, mas, ainda assim, quis essa conduta e conformou-se com os seus resultados.
XLVIII. Pelo que, a ação, se não pelo abuso de direito, sempre procederia pela concorrência desleal em que o Réu incorreu.

As conclusões das alegações de recurso, conforme o disposto nos artigos 635.º n.º 3 e 639.º n.os 1 e 3 do Código de Processo Civil (1), delimitam os poderes de cognição deste Tribunal e, considerando a natureza jurídica da matéria versada, as questões a decidir consistem em saber se:

1. no recurso interposto pelo réu:
a) há erro no julgamento da matéria de facto quanto aos factos provados 23 e 32 a aos factos não provados i), j) (2);
b) "inexiste (…) abuso do direito na conduta do Réu" (3);
2. na ampliação do âmbito do recurso requerida pelos autores:
c) a "conduta do Réu configura (…) um ato de concorrência desleal à luz do disposto no citado artigo 311.º, n.º 1, alínea a), do Cód. da Propriedade Industrial" (4).
II
1.º
Foram julgados provados os seguintes factos:
1. Existe um prédio rústico composto de uma quinta de lavradio, vinha, mato e pinheiros, sito no lugar de ..., freguesia de ..., concelho de Viana do Castelo, inscrito na matriz predial rústica sob o artigo ...º, da indicada freguesia, e descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o n.º …/...;
2. Tal prédio veio à mão do Autor por o ter adquirido, 11/12 partes no âmbito da ação especial para divisão de coisa comum n.º 61/84, que correu seus termos pelo Tribunal Judicial da Comarca de Viana do Castelo (3.º Juízo), e 1/12 partes por compra a M. J. e marido A. D. –documentos n.ºs 1 e 2 juntos com a petição inicial e aqui se dão por integralmente reproduzidos;
3. Por si e seus antepossuidores, desde há 1, 10, 20, 30 e mais anos, que o Autor está na posse pública, pacífica, contínua e de boa-fé do prédio descrito em 1- dos factos provados;
4. No exercício dessa posse tem sido ele quem, em exclusivo, o tem ocupado, por si ou por terceiro, com a sua autorização, e o submeteu a obras de conservação e de melhoramentos, procedendo à sua limpeza, ao corte de árvores e à plantação de outras, plantando vinha, podando-a, sulfatando-a e colhendo as suas uvas, roçando mato e vegetação, pagando as respetivas contribuições ou impostos e gozando todas as utilidades que o mesmo pode proporcionar, praticando todos estes atos à vista de toda a gente, sem oposição de ninguém, mormente do Réu, ininterruptamente e com o animus de exercer um direito próprio e de não ofender o de outrem;
5. O prédio descrito em 1. dos factos provados encontra-se registado em nome do Autor V. F. na Conservatória do Registo Predial;
6. Por documento escrito intitulado pelas partes de "contrato de comodato" outorgado no dia 6 de fevereiro de 2006, o Autor deu o prédio rústico descrito em 1. dos factos provados à Autora X Autocarros e Viagens Irmãos X Lda., para que esta o destinasse à atividade por si desenvolvida – documento n.º 3 junto com a petição inicial e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;
7. Esse prédio rústico, apesar de ter artigo e descrição próprios nas finanças e na conservatória, constitui, juntamente com outros prédios (rústicos e urbanos), uma única unidade predial conhecida por "Quinta do ...";
8. Essa unidade predial tem uma área de cerca de 100.000 m² e integra, entre outras estruturas, o empreendimento turístico "..." e o restaurante "Y";
9. Na mesma unidade predial estão instalados o "Museu do …" e a "Fundação ...";
10. A "Fundação ..." foi reconhecida como fundação de interesse público por despacho proferido no dia 19 de novembro de 2014 pelo Sr. Ministro da Presidência e dos Assuntos Parlamentares – documento n.º 4 junto com a petição inicial e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;
11. A unidade predial acima descrita é explorada economicamente, com exceção do museu e da fundação (que não têm fins lucrativos), pela Autora X Autocarros e Viagens Irmãos X Lda.;
12. Existe um prédio urbano, composto de parcela de terreno destinada a construção, sito no lugar de ..., freguesia de ..., concelho de Viana do Castelo, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ....º, descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o n.º …/... – documento n.º 5 junto com a petição inicial e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;
13. O Réu adquiriu o prédio referido em 12. dos factos provados por escritura de compra e venda outorgada no dia 21 de junho de 2019 no Cartório da Notária A. S., na cidade de Braga, exarada de fls. 55 a fls. a 56 verso do livro de notas para Escrituras Diversas n.º …-A – documento n.º 6 junto com a petição inicial e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;
14. O prédio referido em 1. dos factos provados confronta do sul com o prédio referido em 12. e 13. dos factos provados, estando um e outro prédios delimitados por marcos e por um muro de vedação;
15. Ambos os prédios confrontam pelo nascente com a Estrada Nacional n.º .., que liga Viana do Castelo ao Porto;
16. No ano de 1972, na unidade predial descrita em 8. dos factos provados abriu ao público o empreendimento turístico "..." ou "Quinta do ...", idealizado, concebido e implementado por A. G., sócio-fundador da Autora X Autocarros e Viagens Irmãos X Lda. e pai do Autor V. F., e tornou-se, com o passar dos anos, um ponto de referência no distrito de Viana do Castelo e em todo o país;
17. O Réu A. G. é primo do Autor V. F.;
18. Em finais dos anos 70, o Réu, que chegou a ser colaborador da X, incompatibilizou-se com os membros da família que compunham esse grupo económico e, em especial, com o Autor V. F., com quem está, há muito, de relações cortadas;
19. O Réu abriu na freguesia de ..., concelho de Esposende, à face da A28, o empreendimento conhecido por "Quinta da ...".
20. Um e outro empreendimento situam-se à face da Estrada Nacional n.º 13;
21. Em dia não concretamente apurado, mas que se situa na segunda quinzena de agosto, o Réu mandou colocar nesse prédio um outdoor assente em três estacas metálicas, com os seguintes dizeres: ... ORGULHO DO ... ARRAIAIS AGOSTO 3.ºs, 5.ºs E SÁBADOS DE JUNHO A NOVEMBRO SÁBADOS ↓ VOLTE PARA TRAS ESTAMOS A 6 KMS CONTINUE NA EN13 MAIS DE UM MILHÃO E MEIO DE CLIENTES EM PORTUGAL NÃO HÁ FESTA IGUAL … E PONTO FINAL! - documento n.º 7 junto com a petição inicial e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;
22. Em data anterior não concretamente apurada, o réu adquiriu um imóvel a cerca de 50 metros da entrada principal do "...", pintou-o de amarelo florescente e colocou nele publicidade alusiva à "Quinta da ...";
23. Os Autores quando tomaram conhecimento do outdoor referido em 21. dos factos provados ficaram preocupados que o mesmo criasse dúvida na comunidade, nos clientes e nos potenciais clientes quanto aos limites e configuração da Quinta do ... e induzisse as pessoas em erro quanto à sua localização;
24. Os Autores, na última semana do mês de agosto de 2019, nos limites da propriedade referida em 1. dos factos provados, voltada a sul, colocaram um outdoor assente em oito estacas metálicas, com os dizeres seguintes: ... COMEÇA AQUI - documento n.º 8 junto com a petição inicial e cujo teor se dá por integralmente reproduzido;
25. No dia 2 de setembro de 2019, o Réu mandou colocar, nos limites da sua propriedade, voltada a norte, quatro estacas em madeira, com cerca de cinco metros cada uma, conforme retratado nas fotografias juntas (documentos n.ºs 7, 8 e 9) e se dão por reproduzidas;
26. E, no dia seguinte (3 de setembro de 2019), com o auxílio de um camião-grua, mandou aplicar uma lona ou rede de cor verde, suportada nas referidas quatro estacas em madeira - fotografia junta aos autos com documento n.º 10 – fls. 27v;
27. Essa lona verde abrange toda a área do outdoor colocado pelos Autores, referido em 24. dos factos provados, tapando-o por completo e retirando-lhe visibilidade;
28. A área ocupada por essa vedação corresponde exatamente à área ocupada pelo referido outdoor;
29. O referido outdoor deixou de ser visível, para quem circula, a pé ou de carro, pela Estrada Nacional n.º 13, no sentido Porto – Viana do Castelo;
30. O prédio esteve, durante décadas, coberto de silvas e mato e ao abandono.
31. Hoje, encontra-se limpo e no estado retratado nas fotografias juntas aos autos;
32. Um dos acessos ao prédio ocupado pela "Quinta do ..." faz-se através de portões que se situam imediatamente a seguir ao prédio do Réu e do painel publicitário que nele foi colocado;
33. O Réu é sócio e único gerente da sociedade Quinta da ..., Empreendimentos Turísticos da W Lda. NIPC ………, detendo pessoalmente 60% do seu capital social, sendo 10% detidos por sua mulher, E. M., com quem é casada no regime de comunhão de adquiridos, sociedade essa que explora o empreendimento "Quinta da ...", sito em …, Esposende – documento n.º 1 junto com a contestação e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos;
34. O Réu adquiriu o prédio referido em 13. dos factos provados, terreno esse urbano e com aptidão construtiva;
35. O Réu investiu nesse terreno com intuitos económicos e lucrativos, atenta a sua aptidão construtiva e após se ter assegurado que o mesmo tinha essa aptidão no momento em que o adquiriu;
36. Enquanto não concretiza os projetos que tem para o local, cedeu gratuitamente parte do terreno em causa para a divulgação de publicidade à Quinta da ..., ou seja, proporcionou a esta temporariamente o gozo temporário deste imóvel ou de parte dele, designadamente aquela onde estão implantados os placards publicitários, mediante a sua entrega, com obrigação de restituir.
37. Em dia não concretamente apurado, mas situado entre os dias 18 e 23 de outubro de 2019, o Réu, ou alguém a mando deste, removeu a estrutura melhor identificada em 25. e 26. dos factos provados;
38. Em sua substituição, o Réu, ou alguém a mando deste, nos limites da sua propriedade, voltada a norte, colocou sete estacas metálicas, com cerca de cinco metros cada uma, assentes em sapatas, retratada na fotografia junta a fls. 54 dos autos e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;
39. Nessas estacas metálicas, o Réu aplicou um cartaz publicitário, com os dizeres seguintes: ... – PASSAGEM D´ANO C/ L. E OUTROS ARTISTAS RESERVE JÁ!;
40. Esse outdoor tem a mesma área do outdoor identificado em 24. dos factos provados, colocado pelos Autores, abrangendo-o por completo;
41. O cartaz publicitário colocado pelo Réu tapa por completo o outdoor colocado pelos Autores, retirando-lhe visibilidade;
42. Por causa disso, o outdoor colocado pelos Autores deixou de ser visível para quem circula, a pé ou de carro, pela EN 13, no sentido Porto – Viana do Castelo;
43. A X e o Réu – este indiretamente, através da sociedade Quinta da ... Empreendimentos Turísticos da W Lda. – exploram, com intuito lucrativo, respetivamente, os empreendimentos Quinta de ... e Quinta da ...;
44. Estes empreendimentos prestam serviços no âmbito do mesmo sector de atividade (arraiais minhotos);
45. A Quinta da ... também faz outros eventos: casamentos, batizados, comunhões, congressos, feiras, festas de Natal, passagens de ano e "Dia da Mulher".

E foram julgados não provados os seguintes factos:
a) Enquanto era colaborador da X, sem conhecimento e sem autorização dos seus superiores hierárquicos, o Réu abriu em Braga uma agência de viagens concorrente com a filial que a X tinha instalado nessa cidade e a poucos metros de distância desta.
b) O Réu chegou a abrir filiais em vilas ou cidades onde a X já possuía agências ou filiais, designadamente, em Viana do Castelo, Vila Verde, Barcelos, Arcos de Valdevez e Vila Nova de Famalicão.
c) Quando abriu uma agência de viagens em Braga, o Réu quis apropriar-se do nome X, tendo pedido o registo dessa marca em seu nome, o que só não conseguiu por intervenção da X.
d) O Réu tentou, ainda, construir um empreendimento turístico em frente do "...", onde hoje está instalado o hipermercado …, e pretendia dar-lhe o mesmo nome, o que também não conseguiu, por intervenção da X.
e) O número exato de quilómetros que separa um empreendimento do outro.
f) Os clientes e visitantes são induzidos em erro quanto à efetiva localização do ....
g) Podem ser levados a "voltar para trás" e seguir em direção à "Quinta da ...".
i) Há muitos anos que é vontade dos Autores adquirirem o prédio (artigo ....º).
j) Só porque perderam o negócio colocaram o painel publicitário do ....
k) As tais estacas que o réu colocou, de forma provisória, destinam-se a servir de suporte publicitário a um placard promocional da Quinta da ....
2.º
Na perspetiva do réu há erro no julgamento dos factos provados 23 e 32 e dos factos não provados i), j).
Considerando o teor destes factos, tende-se a concordar com os autores quando nas suas contra-alegações afirmam que os mesmos "em nada relevam para a sorte do litígio", "isto, porque, no essencial, o que está unicamente em causa no recurso, sem prejuízo do pedido subsidiário que infra se irá deduzir, é saber se a factualidade apurada em 1ª instância configura, ou não, abuso de direito do Réu, tal como foi decidido".
Aliás, o réu também não afasta a hipótese de os factos 23 e 32 serem vistos como "não decisivos" (5).
A ser assim, não se justificaria a reapreciação desse segmento da decisão da matéria de facto.
Porém, admitindo que dessa matéria de facto possa resultar, em alguma medida, relevância para a decisão das questões colocadas a este tribunal ad quem, não deixará de se averiguar se nesses pontos ocorre o erro de julgamento que o réu diz existir.
Segundo este, o facto 23 não deve ser julgado provado por que "resulta (…) do depoimento gravado do Autor singular e representante da Autora e outro representante legal da Autora, I. P. que, embora insistentemente perguntados pela Mªa Juíza a quo sobre este ponto de facto, nunca conseguiram, longe disso, responder afirmativamente a essa matéria". Ao que acresce que o facto de a "Quinta do ... funcionar no local há cerca de 48 anos e ainda pelo facto dos dizeres do cartaz da ... referidos em 21 dos factos provados esclarecerem precisamente que não é ali que fica a Quinta da ...".
Com o devido respeito, não é verdade que, tanto o autor, como I. P., "nunca conseguiram (…) responder afirmativamente a essa matéria".
O autor dá nota de que face ao placar do facto 21 teve "a necessidade de colocar" o placar do facto 24 para "demarcar a área, para informar a direção do ..." às "pessoas quando chegam do Sul", que ao aperceber-se daquele "painel lá no local vi a necessidade de procurar dizer às pessoas que ... começava ali", que considera haver "essa necessidade, porque eu senti nas pessoas exatamente a confusão", "porque é uma informação, quem vem do Sul, imprescindível" e que "o meu objetivo é que se mantenha a informação para bem da não confusão".
E I. P. afirma que o placar do facto 21 pode criar "confusão" nas pessoas e que foi isso que "nos levou a que houvesse a necessidade de colocar aquele Painel informativo a dizer que era ali que começava o ...", que "há sempre esta tentativa, portanto, de criar esta confusão para benefício próprio", que há "situações" "como é este caso que geram propositadamente, permitem gerar que querem fazem propositadamente, gerar esta confusão das pessoas", que "tem havido nas pessoas que nos visitam nos clientes muitas vezes baralham-se, são baralhadas muitas vezes com estas situações", que "esta situação também queria confusão nos clientes confunde, é criada para confundir propositadamente pelos clientes e nós sentimos isso no dia-a-dia na parte comercial e em todos os aspetos" e que o "cartaz" "é suscetível de induzir em erro, em que as pessoas voltam para trás, clientes que iam para ... e que voltem para trás".
Por outro lado, o facto de a "Quinta do ... funcionar no local há cerca de 48 anos e (…) dos dizeres do cartaz da ... referidos em 21 dos factos provados esclarecerem precisamente que não é ali que fica a Quinta da ...", não são por si só suficientes para que, aos olhos dos autores, o placar do facto 21 não seja suscetível de ser visto como criando uma "dúvida na comunidade, nos clientes e nos potenciais clientes quanto aos limites e configuração da Quinta do ... e induzisse as pessoas em erro quanto à sua localização".
Assim, o invocado pelo réu para atacar o facto 23 não conduz a um juízo de não provado quanto ao mesmo.
No que toca ao facto 32 o réu apenas pretende que dele se retire a expressão "imediatamente", uma vez que "para aceder a esses portões", a "seguir ao prédio do Réu e do painel publicitário que nele foi colocado, para quem vem de sul em viatura automóvel, tem de continuar pela EN até uma rotunda ao longo da Quinta do ... e dar a volta no sentido norte-sul para entrar no portão mais a norte, passando ainda pelo portão principal" (6).
Ora, no facto 32 não há qualquer alusão à forma como se chega a "um dos acessos ao prédio ocupado pela Quinta do ...", nomeadamente "para quem vem de sul em viatura automóvel". Nele somente consta que em termos de localização física os portões aí mencionados "se situam imediatamente a seguir ao prédio do Réu e do painel publicitário que nele foi colocado".
Significa isso que no facto 32 não está em causa o caminho a percorrer "para quem vem de sul em viatura automóvel" e quer entrar na Quinta do .... Acresce que o réu não contesta, verdadeiramente, que nesta quinta haja uns "portões que se situam imediatamente a seguir ao prédio do Réu e do painel publicitário que nele foi colocado".
Relativamente ao facto i) o réu afirma que ele deve ser julgado provado em virtude de o "interesse na aquisição do prédio por parte dos Autores (…) [ser] evidente face à configuração e localização do terreno" e por que "não é crível o que o Autor diz quanto a este interesse no seu depoimento".
A circunstância de o terreno do réu confinar com o do autor não permite que, sem mais, se conclua que é "evidente" que este tem interesse em adquirir aquele imóvel. Os proprietários não estão sempre e necessariamente interessados em adquirir os prédios vizinhos.
E se, por hipótese, não for credível a afirmação do autor de que "nunca tive interesse em comprar" o prédio que agora é do réu, isso não é sinónimo e prova suficiente do contrário. E a igual conclusão também não se pode chegar com base na declaração do autor de que "o Sr. L. fez tudo ao longo de 40 anos para eu comprar aquele terreno, fez tudo". Desconhecendo nós o concreto teor das conversas que entre eles possa ter havido sobre esse assunto, não podemos concluir, com a necessária segurança, que "não é crível que o proprietário Sr. L. andasse 40 anos a tentar vender o terreno ao A. V. F., se este lhe tivesse dito que em caso algum a compraria". Aliás, se o "Sr. L." andou "40 anos a tentar vender o terreno ao A. V. F." e este não o comprou, então, à primeira vista, fica, sim, a ideia de que ele não queria comprar o imóvel.
Finalmente, dependendo o facto j) de que se encontre provado o facto i), não se tendo provado este, independentemente do mais, não se pode julgar provado aquele.
Aqui chegados, concluímos que não ocorrem os apontados erros na decisão da matéria de facto, pelo que não há lugar a qualquer modificação nos factos provados.
3.º
Apurou-se que, no seu prédio, "o Réu aplicou um cartaz publicitário, com os dizeres seguintes: ... – PASSAGEM D´ANO C/ L. E OUTROS ARTISTAS RESERVE JÁ!" e que esse "cartaz publicitário colocado pelo Réu tapa por completo o outdoor colocado pelos Autores" no imóvel do autor, com os dizeres "... COMEÇA AQUI".
Para além disso, o placar situado no terreno do autor está "nos limites da propriedade (…) voltada a sul" e o que se encontra no terreno do réu encontra-se "nos limites da sua propriedade, voltada a norte". E este tem a mesma área que aquele, "abrangendo-o por completo".
Desta forma, com a colocação do placar no prédio do réu deixou de ser visível o que se situa no do autor.
Do ponto de vista dos autores, "o Réu, ao atuar do modo descrito (…) atuou em manifesto abuso de direito, na vertente da aemulatio" (7), ou seja, exercendo "um direito com a finalidade exclusiva de [os] prejudicar" (8) e sem obter qualquer vantagem ou benefício para si.
O conceito de abuso do direito encontra-se exposto na decisão recorrida ao longo de várias páginas, pelo que é desnecessário dizer algo mais quanto a ele.

A Meritíssimo Juiz a quo considerou que o réu atuou com abuso do direito, nomeadamente por que:
"Este cartaz (…) tem a mesma área do cartaz publicitário colocado pelos Autores, abrangendo-o por completo e retirando-lhe visibilidade. Por este motivo, o outdoor colocado pelos Autores deixou de ser visível para quem circula a pé ou de carro pela Estrada Nacional nº 13, no sentido Porto – Viana do Castelo. (…)
Concretamente, ao colocar (…) as estacas metálicas e o cartaz publicitário, de modo a tapar por completo o cartaz dos Autores, o Réu exorbitou o fim social e económico do seu direito."
Para que não haja equívocos, lembra-se que o pedido inicial, que tinha por objeto a "rede ou lona de cor verde" (9) foi, no articulado superveniente, alterado, passando a reportar-se a um "cartaz publicitário". Logo, não cumpre mais apurar se com a colocação dessa "rede ou lona de cor verde" o réu agiu com abuso do direito; o que passou a estar em causa é o placar mencionado no facto 39.
O artigo 1305.º do Código Civil dispõe que "o proprietário goza de modo pleno e exclusivo dos direitos de uso, fruição e disposição das coisas que lhe pertencem, dentro dos limites da lei e com observância das restrições por ela impostas".
Com esta "fórmula de inspiração romana, o direito de propriedade atribui ao titular todos os poderes ou faculdades que à coisa se podem referir. O proprietário pode fazer qualquer aproveitamento da coisa que a lei não proíba, o que leva a considerar para a sua delimitação somente as restrições a esse aproveitamento (conteúdo negativo). Deste modo, a delimitação positiva do tipo de direito real propriedade não tem de ser feita através da enumeração concreta dos poderes de aproveitamento da coisa, uma vez que tudo o que seja aproveitamento não restringido legalmente cabe ao proprietário." (10) Trata-se de um "direito real que outorga a universalidade dos poderes que à coisa se podem referir" (11), pelo que a "essência da propriedade reside na sua aptidão para abarcar a generalidade dos poderes que permitam o total aproveitamento da utilidade de uma coisa" (12).
Neste contexto, sem prejuízo do disposto em normas relativas à afixação de publicidade, o réu pode colocar no seu imóvel um placar com os dizeres "... – PASSAGEM D´ANO C/ L. E OUTROS ARTISTAS RESERVE JÁ!", dado que dessa forma se está a publicitar um estabelecimento comercial e a anunciar um evento que nele decorrerá em determinado momento.
E pode colocá-lo no preciso local que bem entender, pois isso insere-se no exercício dos seus poderes de proprietário. Estes poderes não deixam de ser exercidos de forma legítima pelo facto de o sítio e as dimensões do placar escolhidos impedirem a visualização de um outro placar que o autor tinha anteriormente colocado no seu prédio. Pois, da colocação do placar no imóvel do autor não pode resultar qualquer restrição ao direito de propriedade do réu sobre a coisa que lhe pertence, designadamente no sentido de ficar obrigado a assegurar visibilidade à publicidade que se encontra no terreno daquele; como diz o réu, "os AA não podem ter direito a garantir uma servidão de vistas, uma (…) servidão de imagem ou de publicidade, o mais visível da EN, no local de excelência, apenas porque puseram primeiro" (13).
A escolha do local e das dimensões do placar que está no prédio do réu, exatamente em frente do placar do autor, não terá sido inocente, mas isso não é, sem mais, sinónimo de abuso do direito. Veja-se que o autor também colocou o seu placar justamente no limite da sua propriedade com a do réu.
Por outro lado, ao contrário do que afirmam os autores, essa escolha, só por si, não "demonstra que [o réu] não quis verdadeiramente publicitar o (…) empreendimento" (14); não é isso que emerge objetivamente do que figura no placar, ao que acresce que faz sentido publicitar o estabelecimento "..." nas proximidades do seu concorrente "...".
E os factos provados não sustentam a afirmação de que o réu "exercitou o seu direito de propriedade fora do seu objetivo natural e da razão justificativa da sua existência, com a intenção velada de comprometer ou impedir o gozo do direito propriedade dos AA" (15).
O réu está a publicitar um estabelecimento comercial e a forma como o faz não impede o pleno gozo do direito de propriedade do autor sobre o seu bem. Este pode colocar publicidade no seu prédio; só não tem assegurado que ela é sempre visível através do espaço aéreo do imóvel do réu.
Portanto, o réu não atuou com abuso do direito.
4.º
Na ampliação do âmbito do recurso os autores, no seguimento do que já haviam dito no seu articulado superveniente, defendem que a "conduta do Réu configura (…) um ato de concorrência desleal à luz do disposto no citado artigo 311.º, n.º 1, alínea a), do Cód. da Propriedade Industrial" (16).
Fundam esta posição, designadamente, na alegação de que "da matéria apurada em 1.ª instância podemos retirar que Recorrente e Recorridos exploram economicamente empreendimentos no âmbito do mesmo setor de atividade (arrais minhotos), sendo concorrentes diretos, pelo que o universo de clientes e potenciais clientes de cada um deles é exatamente o mesmo" (17).
Porém, dos factos provados não resulta que o réu explore um estabelecimento comercial de arrais minhotos (18). O estabelecimento Quinta da ... (ou apenas ...) é, sim, explorado pela sociedade Quinta da ... Empreendimentos Turísticos da W Lda. (19), a qual não se confunde com a pessoa dos seus sócios, entre os quais figura o réu.
Consequentemente, o réu também não é concorrente direto da autora; a concorrente direta da autora é a sociedade Quinta da ....
Faltando estas duas premissas em que assenta a alegação de concorrência desleal, naturalmente que, independentemente do mais, naufraga a conclusão que nelas se alicerça.

III
Com fundamento no atrás exposto julga-se procedente o recurso, pelo que:

a) revoga-se o segmento da decisão recorrida que se encontra na alínea d) do decisório;
b) absolve-se o réu do pedido formulado pelos autores no articulado superveniente.

Custas pelos autores.
28 de outubro de 2021

António Beça Pereira
Ana Cristina Duarte
Alexandra Rolim Mendes


1. São deste código todos os artigos adiante mencionados sem qualquer outra referência.
2. Cfr. conclusões VII e VIII.
3. Cfr. conclusão LXXVI.
4. Cfr. conclusão XLVII.
5. Cfr. conclusão XXVII.
6. Cfr. conclusão XXIII.
7. Cfr. artigo 8.º do articulado superveniente.
8. Ac. Rel. Porto de 27-6-2018 no Proc. 8/17.7T8GDM.P1, www.gde.mj.pt.
9. A que se referem os factos 26 e 27.
10. José Alberto Vieira, Direitos Reais, 2008, pág. 669.
11. Oliveira Ascensão, Direitos Reais, 1978, pág. 445.
12. Carvalho Fernandes, Lições de Direitos Reais, 2009, pág. 333 e 334.
13. Cfr. conclusão XLIX.
14. Cfr. conclusão XXVI das contra-alegações.
15. Cfr. conclusão XXXVI das contra-alegações.
16. Cfr. conclusão XLVII das contra-alegações.
17. Cfr. conclusão XLIII das contra-alegações.
18. E o mesmo se diz em relação ao autor, cfr. facto 11.
19. Cfr. facto 33.