Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães | |||
Processo: |
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Relator: | FRANCISCO SOUSA PEREIRA | ||
Descritores: | DENÚNCIA DE CONTRATO DIREITO AO ARREPENDIMENTO RECONHECIMENTO NOTARIAL | ||
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Nº do Documento: | RG | ||
Data do Acordão: | 02/02/2023 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | APELAÇÃO IMPROCEDENTE | ||
Indicações Eventuais: | SECÇÃO SOCIAL | ||
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Sumário: | I – Para efeitos das disposições conjugadas dos artigos 395.º/4 e 400.º/5 do CT, o reconhecimento da assinatura do trabalhador tem de ser feito por Notário. II– O reconhecimento da assinatura por Advogado não é apto a, nos termos previstos no artigo 402.º n.º 1 do CT, impedir a revogação da denúncia. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Guimarães Apelante: Z... - Sistemas Electrónicos, Lda Apelado: AA I – RELATÓRIO AA, com os demais sinais nos autos, intentou a presente acção declarativa, sob a forma de processo comum, contra Z... - Sistemas Electrónicos, Lda, também nos autos melhor identificada, pedindo: i) seja declarada a nulidade do reconhecimento presencial da assinatura do Autor aposta na declaração de denúncia do contrato; ii) seja declarada válida e eficaz a revogação da denúncia; iii) subsidiariamente, para a eventualidade, que só por mera cautela se admite, de improcederem os pedidos formulados em A e B, ser declarada a anulação da declaração de denúncia do contrato, por ter sido produzida mediante coacção moral; iv) seja declarada a ilicitude do despedimento do Autor; v) seja a Ré condenada a pagar ao Autor: 1) € 9.956,71 de indemnização de antiguidade, sem prejuízo do montante que resultar à data do trânsito em julgado da sentença que vier a ser proferida; 2) € 1.367,86 a título de retribuições intercalares vencidas desde o dia seguinte ao seu despedimento até à presente data, a que acrescem as que se vencerem até à data do trânsito em julgado da sentença que vier a ser proferida; 3) € 485,78 a título de retribuição e subsídio de alimentação, correspondente ao serviço prestado no mês de Outubro de 2021; 4) € 1.500,00 a título de comissões de vendas, respeitante ao ano de 2021; 5) € 480,00 a título da retribuição do remanescente de férias não gozadas e vencidas no dia 1 de Janeiro de 2021, e correspondente subsídio de férias; 6) € 1.867,40 a título da retribuição de férias e respetivo subsídio de férias proporcional ao tempo de trabalho prestado no ano de 2021; 7) € 933,70 a título do subsídio de Natal proporcional ao trabalho prestado no ano de 2021; 8) € 56,56 de juros de mora vencidos; 9) juros de mora vincendos até efetivo e integral pagamento. Alega para tanto, e em síntese, que o autor foi admitido ao serviço da ré no dia .../.../2016, através de contrato de trabalho escrito, para desempenhar as funções da categoria profissional de engenheiro eletrotécnico, com a retribuição base mensal de € 1.200,00, no ano de 2021, acrescida de comissões, recebendo ainda o montante de € 7,63, a título de subsídio de refeição por cada dia útil de trabalho, com o período normal de trabalho diário de 8 horas, entre as 9-13 e as 14-18 horas. Mais alega o autor que se manteve ininterruptamente ao serviço da ré até ao dia 11 de Outubro de 2021, já que no dia 30 de Setembro de 2021, pelas 15 horas, a ré, através dos seus advogados, imputou-lhe factos que no entender da ré constituiriam fundamento para participar criminalmente dele e para lhe instaurar um procedimento disciplinar e instou o autor a assinar de imediato uma declaração escrita de denúncia do contrato de trabalho, ao abrigo do disposto no art. 400.º, n.º 1, do Código do Trabalho, previamente elaborada, advertindo-o que caso não a subscrevesse iria ser instaurado procedimento criminal e disciplinar contra a sua pessoa, com imediata suspensão das suas funções; que, surpreendido e perplexo com a situação exposta, o autor solicitou um prazo de 24 horas para refletir sobre o assunto, prazo que não lhe foi concedido. Apesar das imputações efetuadas serem descabidas, receoso com a iminência de concretização do procedimento penal e disciplinar, e a gravidade das consequências que poderiam advir para a sua pessoa, o autor viu-se obrigado a assinar a referida declaração escrita de denúncia do contrato de trabalho, o que fez contrariado, e com a vontade perturbada pela intimidação de que foi alvo, e que foi compelido, nas mesmas circunstâncias, a permitir que a sua assinatura aposta na declaração de denúncia do contrato de trabalho fosse objecto de reconhecimento presencial por Advogada aí presente, reconhecimento presencial cujo significado e alcance não apreendeu suficientemente, por força do condicionalismo que rodeou a assinatura da declaração de denúncia do contrato de trabalho. Alega ainda que no dia 6 de Outubro de 2021, para remediar os efeitos perversos da declaração de denúncia do contrato, revogou tal denúncia, mediante carta registada com aviso de recepção, e por carta de 11 de Outubro de 2021, a ré comunicou ao autor que relevou a denúncia do contrato com efeitos a partir do dia 30 de Setembro de 2021, por considerar que a declaração revogatória da denúncia do contrato de trabalho não obedecia aos pressupostos legais, uma vez que a assinatura da denúncia tinha sido reconhecida presencialmente. Alega, ainda, que nos dias 7 e 11 de Outubro de 2021, pelas 9 horas, se apresentou nas instalações da ré, para desempenhar as suas funções, tendo sido impedido de o fazer pelo respectivo sócio-gerente, BB, que lhe recusou a entrada. Alega por fim que a ré não lhe pagou a retribuição correspondente ao trabalho prestado no mês de Outubro de 2021, nem o valor devido por comissões de vendas, respeitante ao ano de 2021; que no ano de 2021, o Autor apenas gozou dezasseis dias úteis de férias, vencidas no dia 1 de Janeiro de 2021 e que a ré não pagou a retribuição de férias não gozadas, nem o correspondente subsídio; que a ré não pagou ao autor a retribuição de férias proporcional ao tempo de trabalho prestado no ano de 2021 nem o respectivo subsídio, como não pagou o proporcional do subsídio de Natal; e que mercê da revogação da denúncia, o autor devolveu à ré os montantes pagos com o recibo do mês de Setembro de 2021, relativos a férias não gozadas, subsídio de férias e subsídio de Natal. Tendo-se realizado audiência de partes, malogrou-se, nessa sede, a conciliação entre elas. Notificada para o efeito, a ré apresentou contestação, admitindo a existência do contrato de trabalho, a remuneração e as suas componentes, e o horário de trabalho alegado. Refutou, contudo, as pretensões contra si formuladas, alegando/sustentando, em resumo, que, apesar de esclarecido sobre a situação, foi o autor que na reunião de 30 de setembro de 2021, em que estavam presentes os Advogados da ré, tomou livremente a opção de denunciar o contrato de trabalho, tendo até aceite ver a sua assinatura reconhecida. Alega que o autor, confrontado com factos que sabia irem dar origem a um procedimento disciplinar, optou por denunciar o contrato de trabalho, tendo, posteriormente dado o dito por não dito, inviabilizando, deste modo, que a ré pudesse instaurar um procedimento disciplinar e, eventualmente, consumar um despedimento por justa causa, atuação que só poderá ser descrita como abuso de direito e que deve o autor ser condenado enquanto litigante de má-fé em indemnização a favor da Ré. A ré aproveitou ainda para se opor, fundamentando, por entender impossível a manutenção do vínculo laboral, a uma, eventual, reintegração. Concluiu, pugnando pela respectiva absolvição. O autor apresentou resposta em que, no fundamental, reafirma a posição já vertida no articulado inicial, rebatendo que esteja a agir em abuso de direito. Prosseguindo os autos, veio a realizar-se a audiência final e, após, foi proferida sentença com o seguinte dispositivo: “Pelo exposto, julgo a ação parcialmente procedente e: I) Declaro ilícito o despedimento do A. AA. II) Condeno a Ré Z... - Sistemas Electrónicos, Lda a pagar ao A. AA as retribuições que deixou de auferir desde 30 dias antes da propositura da acção (17.12.2021), à razão de € 1.200,00/mês até ao trânsito em julgado da decisão do tribunal que declare a ilicitude do despedimento, sem prejuízo das eventuais deduções nos termos do artigo 390º, nº 2 do CT. III) Condeno a Ré Z... - Sistemas Electrónicos, Lda a pagar ao A. AA a indemnização prevista no artigo 391º do CT correspondente a 30 dias de retribuição base, por cada ano completo ou fracção de antiguidade à razão de €1200/mês até ao trânsito em julgado da decisão, e que se cifra no montante de € 7,500,00. IV) Condeno a Ré Z... - Sistemas Electrónicos, Lda a pagar ao A. AA a quantia de € 3.739, 88 (458,78 +480,00 +1867,40 +933,70) a título de créditos salariais: retribuição, férias não gozadas, férias e proporcionais de subsidio de férias e de natal. V) Juros vencidos, à taxa legal de 4%, contados desde o dia seguinte à decisão de despedimento até efectivo e integral pagamento, absolvendo no mais peticionado.” Inconformada com esta decisão, dela veio a ré interpor o presente recurso de apelação para este Tribunal da Relação de Guimarães, apresentando alegações que terminam mediante a formulação das seguintes conclusões (transcrição): “I. Não ficou provado o Autor tenha sido alvo de qualquer intimidação ou coação por parte da Ré ou dos seus mandatários, pelo contrário, o próprio Autor declarou que os mandatários da Ré foram cordiais e simpáticos. Mais declarou que se ausentou da sala pelo tempo que entendeu tendo voltado posteriormente para assinar a revogação com contrato de trabalho por iniciativa sua! II. Ficou provado que o douto Tribunal a quo desconsiderou os testemunhos produzidos pelas testemunhas da Ré meramente por preconceito relativamente à profissão de Advogado. III. salvo o devido respeito por melhor opinião em contrário, andou mal o Tribunal a quo ao concluir que o reconhecimento presencial da assinatura do A. na denúncia do contrato de trabalho, porque não foi feita notarialmente, mas perante advogado, não obsta à revogação, pelo A., dessa denúncia, pelo que nada o impedia de a revogar! IV.A faculdade de os Advogados poderem fazer reconhecimentos presenciais e autenticações resulta expressamente do preâmbulo do o Decreto-Lei n.º 76-A/2006, de 29 de março, sendo o objetivo do legislador ao introduzir no ordenamento jurídico tal possibilidade foi o de no domínio da autenticação e do reconhecimento presencial de assinaturas em documentos, permitir que tanto os notários como os advogados, os solicitadores, as câmaras de comércio e indústria e as conservatórias passem a poder fazê-las; logo, e com o devido respeito, que é muito, o entendimento sufragado na douta sentença proferida pelo Tribunal a quo é contrária à solução consagrada na lei tal como é contrário ao pensamento legislativo, pelo que jamais pode prevalecer. V. De harmonia com o disposto no artigo 402º do Código do Trabalho, o direito ao arrependimento por parte do trabalhador que denunciou o contrato de trabalho fica precludido quando a declaração escrita de denúncia contenha o reconhecimento notarial presencial da assinatura, feita por qualquer entidade competente para tanto, nomeadamente, feita por advogado. (cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 27-02-2014, processo n.º 43/13.4TTSTB.E1, in www.dgsi.pt). VI. O reconhecimento da assinatura é uma exigência do empregador, que, por esta via, impõe a observância de um formalismo reforçado na declaração extintiva do trabalhador, precavendo-se contra uma eventual mudança de ideias por parte deste. O reconhecimento da assinatura não é algo que o trabalhador possa recusar ou opor-se. Aliás, o incumprimento desta exigência pelo trabalhador pode ter como consequência a exclusão do direito de revogação da denúncia. (cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 27-02-2014, processo n.º 43/13.4TTSTB.E1, in www.dgsi.pt). VII. Os requisitos exigidos pelo artigo 402º do Código do Trabalho devem estar preenchidos no momento em que a declaração de denúncia se torna eficaz ou se o reconhecimento presencial da assinatura só puder ser feito posteriormente (por questões informáticas, por exemplo), deve o empregador alegar e provar que deu conhecimento ao trabalhador que a pessoa competente (que tem de estar presente no ato da assinatura), irá formalizar o reconhecimento presencial da mesma posteriormente. Se o reconhecimento vier a ser feito por advogado deverá ainda constar no documento assinado, a impossibilidade de acesso ao sistema informático, nos termos previstos pelo nº2 do artigo 4º da Portaria nº 657-B/2006, de 29 de junho. (cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 27-02-2014, processo n.º 43/13.4TTSTB.E1, in www.dgsi.pt). VIII.Tudo se resume à interpretação da expressão “reconhecimento notarial presencial” inserta no nº1 do artigo 402º do Código do Trabalho. […] Já no acórdão da Relação de Lisboa, supra identificado, considerou-se que: «[o] entendimento de que um Advogado se encontra impedido de reconhecer presencialmente a assinatura de uma declaração de rescisão unilateral de um contrato de trabalho de um trabalhador de uma cliente sua afigura-se incompatível não só com a intenção do legislador ao atribuir aos Advogados tal possibilidade, assim como com a sua qualidade de “colaborador da justiça”». (cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 27-02-2014, processo n.º 43/13.4TTSTB.E1, in www.dgsi.pt). IX. Se atentarmos ao texto preambular do Decreto-Lei nº 76-A/2006, de 29 de março, retiramos do mesmo o seguinte esclarecimento: «Em 5º lugar, atua-se no domínio da autenticação e do reconhecimento presencial de assinaturas em documentos, permitindo que tanto os notários como os advogados, os solicitadores, as câmaras de comércio e indústria e as conservatórias passem a poder fazê-las. Trata-se de facilitar aos cidadãos e às empresas a prática destes atos junto de entidades que se encontram especialmente aptas para o fazer, tanto por serem entidades de natureza pública ou com especiais deveres de prossecução de fins de utilidade pública como por já hoje poderem fazer reconhecimentos com menções especiais por semelhança e certificar ou fazer e certificar traduções de documentos». Deste modo, foi intenção do legislador alargar o universo de entidades competentes para fazerem reconhecimentos presenciais de assinaturas. (cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 27-02-2014, processo n.º 43/13.4TTSTB.E1, in www.dgsi.pt). X. Neste âmbito, consagrou-se no artigo 38º do diploma que, “sem prejuízo da competência atribuída a outras entidades (…) os advogados (…) podem fazer reconhecimentos simples e com menções especiais, presenciais e por semelhança (…)”. Por sua vez o nº 2 do aludido artigo preceitua o seguinte: “[o]s reconhecimentos (…) efetuados pelas entidades previstas nos números anteriores conferem ao documento a mesma força probatória que teria se tais atos tivessem sido realizados com intervenção notarial”. (cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 27-02-2014, processo n.º 43/13.4TTSTB.E1, in www.dgsi.pt) XI. Dispõe o artigo 35º do Código do Notariado, sob a epígrafe de Espécies de documentos: «1 - Os documentos lavrados pelo notário, ou em que ele intervém, podem ser autênticos, autenticados ou ter apenas o reconhecimento notarial. 2 - São autênticos os documentos exarados pelo notário nos respetivos livros, ou em instrumentos avulsos, e os certificados, certidões e outros documentos análogos por ele expedidos. 3 - São autenticados os documentos particulares confirmados pelas partes perante notário. 4 - Têm reconhecimento notarial os documentos particulares cuja letra e assinatura, ou só assinatura, se mostrem reconhecidas por notário.», (realce nosso). Por sua vez o artigo 153º do mesmo Código preceitua o seguinte, sob a epígrafe Reconhecimentos: «1 - Os reconhecimentos notariais podem ser simples ou com menções especiais. 2 - O reconhecimento simples respeita à letra e assinatura, ou só à assinatura, do signatário de documento. 3 - O reconhecimento com menções especiais é o que inclui, por exigência da lei ou a pedido dos interessados, a menção de qualquer circunstância especial que se refira a estes, aos signatários ou aos rogantes e que seja conhecida do notário ou por ele verificada em face de documentos exibidos e referenciados no termo. 4 - Os reconhecimentos simples são sempre presenciais; os reconhecimentos com menções especiais podem ser presenciais ou por semelhança. 5 - Designa-se presencial o reconhecimento da letra e assinatura, ou só da assinatura, em documentos escritos e assinados ou apenas assinados, na presença de notários, ou o reconhecimento que é realizado estando o signatário presente ao ato. 6 - Designa-se por semelhança o reconhecimento com a menção especial relativa à qualidade de representante do signatário feito por simples confronto da assinatura deste com a assinatura aposta no bilhete de identidade ou documento equivalente emitidos pela autoridade competente de um dos países da União Europeia ou no passaporte ou com a respetiva reprodução constante de pública-forma extraída por fotocópia.» Deste modo, no regime dos reconhecimentos de assinaturas previsto e consagrado no Código do Notariado o reconhecimento notarial presencial constitui uma modalidade de reconhecimento simples que é sempre presencial. (cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 27-02-2014, processo n.º 43/13.4TTSTB.E1, in www.dgsi.pt) XII. Ora, por força do artigo 38º do Decreto-Lei nº 76-A/2006, de 29 de março, este regime foi estendido, conferindo-se aos advogados competência para realizarem reconhecimentos simples presenciais, o que é o mesmo que dizer reconhecimentos notariais presenciais, segundo a terminologia utilizada no específico regime que disciplina tal matéria. Ou seja, alargou-se a competência para a prática dos atos notariais, por forma a “facilitar aos cidadãos e às empresas a prática destes atos junto de entidades aptas para o fazer” (cfr. diploma preambular do Decreto-Lei nº 76-A/2006). (cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 27-02-2014, processo n.º 43/13.4TTSTB.E1, in www.dgsi.pt) XIII. Ora, na interpretação do artigo 402º do Código do Trabalho, teremos de ter em consideração o consagrado no artigo 9º do Código Civil, isto é, a interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas deve visar reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada (cfr. nº1 do artigo 9º). Não pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso, de harmonia com o nº2 do normativo. Por fim, nos termos do nº3 do artigo 9º, na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados. (cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 27- 02-2014, processo n.º 43/13.4TTSTB.E1, in www.dgsi.pt) XIV. Ora, se atentarmos ao elemento literal, o artigo 402º utiliza uma expressão específica e concreta e não qualquer expressão genérica que a jurisprudência deva concretizar ou especificar. A expressão literal utilizada é “reconhecimento notarial presencial”. Atendendo agora ao elemento sistemático, a interpretação desta expressão é realizada pelo Código do notariado nos termos supra apreciados. Considerando os elementos histórico e teleológico, temos uma deliberada opção do legislador pelo alargamento da competência para a prática de atos notariais, por outras entidades idóneas e aptas para os realizar pela formação que possuem. Este elemento extrai-se do preâmbulo do Decreto-Lei 76-A/2006. E, considerando que o legislador na fixação do sentido e alcance da lei conhece o sistema, integra-o e consagra as soluções mais acertadas, exprimindo o seu pensamento em termos adequados, afigura-se-nos que aquando da aprovação do Código do Trabalho de 2009, o legislador teve em consideração as entidades competentes para a realização do ato de reconhecimento notarial presencial, pelo que apenas pretendeu referir-se ao ato em si e não à entidade que o realiza. Esta posição, por nós defendida, leva a que consideremos que, de harmonia com o disposto no artigo 402º do Código do Trabalho, o direito ao arrependimento por parte do trabalhador que denunciou o contrato de trabalho fica precludido quando a declaração escrita de denúncia contenha o reconhecimento notarial presencial da assinatura, feita por qualquer entidade competente para tanto, nomeadamente, feita por advogado. (cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 27-02-2014, processo n.º 43/13.4TTSTB.E1, in www.dgsi.pt) XV. No mesmo sentido o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 20/03/2014, no qual se decidiu que ao trabalhador não assiste o direito de fazer cessar acordo de revogação do contrato de trabalho, até ao sétimo dia seguinte à data da sua celebração, quando as assinaturas dos outorgantes sejam objecto de reconhecimento presencial feito por qualquer entidade competente para tanto, …. XVI. Realizando tal tarefa de análise e ponderação, entendemos que deve prevalecer o entendimento de que o reconhecimento notarial presencial da assinatura do trabalhador aposta na declaração de denúncia a que se reporta o referido art. 402.º/1 do C. Trabalho de 2009 pode ser realizado tanto por notário como por advogado (como ainda por solicitadores, câmaras de comércio e indústria e/ou conservatórias), aderindo-se, em absoluto, à fundamentação do supra referido Ac. da RE de 27/02/1014, com a qual se concorda na íntegra, havendo apenas que acrescentar o seguinte: como é assinalado neste aresto, e resulta expressamente do respectivo preâmbulo, o objectivo do legislador ao introduzir no ordenamento jurídico o Dec.-Lei n.º 76-A/2006, de 29/03, foi o de, «no domínio da autenticação e do reconhecimento presencial de assinaturas em documentos», permitir que tanto os notários como os advogados, os solicitadores, as câmaras de comércio e indústria e as conservatórias passem a poder fazê-las; logo, e com o devido respeito, o entendimento sufragado no Ac. da RP de 04/07/2011 é contrário à solução consagrada na lei tal como é contrário ao pensamento legislativo, pelo que jamais pode prevalecer - cfr. art. 9.º/2 do C. Civil (pode discutir-se, no campo meramente correcto se tal decisão/solução do legislador, que tem um âmbito de aplicação geral e não respeita a um caso concreto de reconhecimento presencial, pode no caso específico do disposto no art. 402.º/1 ter sido a mais correcta, mas tal discussão em nada interfere na interpretação da norma em causa). (cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 20-03-2014, in www.dgsi.pt) XVII. E saliente-se que, embora esteja provado que aquando da sua assinatura a Ré não facultou ao Autor cópia da declaração de denúncia e que a Sra. Advogada que fez o reconhecimento prestava e presta serviços à Ré (cfr. factos provados n.ºs 10 e 13), tal factualidade é insusceptível de colocar em causa a validade e eficácia do reconhecimento em causa: por um lado, a comunicação de denúncia é emitida pelo Trabalhador e dirige-se ao Empregador pelo que não se vislumbra qualquer requisito legal que exigia que este dê uma cópia àquele de uma declaração que foi produzida pelo próprio; e, por outro lado, como resulta da lei (Dec.-Lei n.º 76-A/2006, de 29/03), não existe qualquer impedimento de que o reconhecimento em causa não possa ser realizado por um advogado que presta serviços para o Empregador (aliás, o supra referido Ac. da RE de 27/02/1014 incide mesmo sobre um caso em que o advogado que reconheceu presencialmente a assinatura era «advogado da empresa»). (cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 20-03-2014, in www.dgsi.pt) XVIII. Por conseguinte, uma vez que o reconhecimento presencial da assinatura aposta pelo Autor na declaração de denúncia do contrato (que entregou à Ré no dia 06/12/2013) realizado por advogado é legalmente admissível em face do regime previsto do art. 402.º/1 do C. Trabalho de 2009, então conclui-se, de forma tão manifesta quanto necessária, que a declaração de revogação da denúncia emitida pelo Autor no dia 11/12/2013 mostra-se absoluta e totalmente inoperante e ineficaz, mantendo-se a validade e a eficácia daquela declaração de denúncia do contrato de trabalho. E, por via disso, mais se conclui que o contrato de trabalho existente entre Autor, na qualidade de trabalhador, e a Ré, na qualidade de empregador, cessou nada data de 06/12/2013 por denúncia do trabalhador. (cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 20-03-2014, in www.dgsi.pt) XIX. Acresce que, não logrou o Autor provar, tal como lhe incumbia em exclusivo (cfr. art. 342.º/1 do C. Civil), a verificação de qualquer facto que pudesse consubstanciar o alegado caso de vício da vontade – coacção moral (art. 255.º do C. Civil). Com efeito, este não alcançou demonstrar probatoriamente que «o Gerente da Ré ameaçou o Autor das mais graves consequências para a sua vida pessoal e profissional decorrentes da alegada prática daqueles furtos, dizendo-lhe que «o seu eventual despedimento com justa causa, com base na prática daqueles factos, faria com que não mais pudesse aspirar a encontrar trabalho em qualquer outra empresa, uma vez que seria inevitável a difusão pelo mercado das razões de tal despedimento, para além das consequências penais que o Autor poderia vir a sofrer caso a Ré participasse tais factos ao Ministério Público, tendo o referido representante da Ré concluído que «a única saída que restava ao Autor, face à delicadeza da situação, passaria por um imediato pedido de demissão» e nem que «O Autor ficou profundamente perturbado com todo o ambiente criado à sua volta, não tendo tido tempo para reflectir e para se aconselhar, sentindo receio dos danos que a Ré poderia causar ao seu futuro profissional, familiar e pessoal, tendo acabado, por medo e contra a sua vontade, por assinar» a declaração de denúncia. Acresce que, embora esteja probatoriamente demonstrado que, na reunião em causa, o Autor foi acusado pelo Gerente da Ré de ter furtado bens da empresa, e o gerente da Ré, pelo menos, esclareceu o Autor que a sua denúncia inviabilizaria o prosseguimento de um processo disciplinar (cfr. factos provados n.ºs 4 a 7), este manancial factual é totalmente insusceptível de configurar qualquer ameaça ilícita já que a afirmação de um Empregador em que este acusa um Trabalhador de uma violação de um dever contratual, em si mesmo nada tem de ilícito, tal como qualquer eventual declaração de que pode ou irá proceder a um processo disciplinar constitui o exercício normal de um direito (cfr. n.º 3 do art.º 255.º do C. Civil e art.ºs 351.º e segs. do C. Trabalho de 2009), mais acrescendo que a declaração de que, havendo denúncia do contrato por parte do Trabalhador, não irá ocorrer um processo disciplinar, em si mesmo, trata-se de uma afirmação lógica e evidente (se uma trabalhador denuncia o contrato de trabalho, este cessa, e, obviamente, já não pode ser instaurado qualquer procedimento disciplinar contra o mesmo); - E, nestas circunstâncias, jamais o Tribunal poderia concluir por qualquer direito à anulabilidade da declaração de denúncia do contrato emitida pelo Autor (pretensão que, frise-se mais uma vez, não foi formulada). Consequentemente e sem necessidade de outras considerações, deve improceder na íntegra a pretensão formulada pelo Autor no sentido de ter sido revogada, válida e eficazmente, a declaração de denúncia. (cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 20-03-2014, in www.dgsi.pt) XX. Em primeiro lugar, parece relevante sublinhar que a expressão «reconhecimento notarial presencial» está presente no Código do Trabalho atual, mas constava igualmente do Código do Trabalho de 2003. Como se viu acima, a possibilidade de reconhecimento notarial presencial visava impedir a assinatura em branco de declarações de denúncia contratual e conferir estabilidade jurídica à respetiva declaração legal. Esta finalidade existiu em 2003, quando os advogados não tinham funções notariais especialmente conferidas para os reconhecimentos presenciais, e manteve-se em 2009, sem qualquer aprimoramento da função notarial. (cfr. Parecer do Conselho Regional do Porto da Ordem dos Advogados, Registo no 3356 de 14-07-2022) XXI. Isto é: a manutenção da expressão «reconhecimento notarial» a partir de 2009, sem se ter em conta as atribuições conferidas por lei especial aos advogados, não carece de especial significado. Perscrutados os trabalhos preparatórios que levaram à revisão do Código de Trabalho de 2009, não se encontrou uma linha sobre as funções notariais especiais conferidas aos advogados e a outros profissionais quatro anos antes. Se porventura a experiência de quatro anos tivesse levado a resultados indesejados, o legislador clarificaria a sua opção e não o fez. (cfr. Parecer do Conselho Regional do Porto da Ordem dos Advogados, Registo no 3356 de 14-07-2022) XXII. A expressão «reconhecimento notarial tem um caráter amplo, abarcando reconhecimentos feitos por notários e por outras entidades com competências legalmente atribuídas. Efetivamente, veja-se que o artigo 3.º, número 1 do Código do Notariado refere que esempenham funções notariais, outras entidades, onde se incluem os advogados pela alínea d) do mesmo número. Assim, por exemplo, a expressão «reconhecimento feito por notário» excluiria a norma especial conferida quatro anos antes. (cfr. Parecer do Conselho Regional do Porto da Ordem dos Advogados, Registo no 3356 de 14-07-2022) XXIII. Além disso, entre o Código do Trabalho atual e o de 2003, os quais se referiram sempre a reconhecimento notarial presencial (e não a reconhecimento feito por notário), o legislador conferiu atribuições legais aos advogados para a elaboração de reconhecimentos presenciais nos mesmos termos dos notários. A expressão é nossa, mas é enquadrada pela limpidez do artigo 38.º, número 2 do Decreto-Lei 76-A/2006: «2 - Os reconhecimentos, as autenticações e as certificações efectuados pelas entidades previstas nos números anteriores conferem ao documento a mesma força probatória que teria se tais actos tivessem sido realizados com intervenção notarial.» (cfr. Parecer do Conselho Regional do Porto da Ordem dos Advogados, Registo no 3356 de 14-07-2022) XXIV. A «mesma força probatória» traduz necessariamente uma ideia de equivalência ou paridade que é suportada legalmente pelo disposto no artigo 3.º do Código do Notariado, que refere que «excecionalmente desempenham funções notariais», outras entidades, designadamente advogados, que se subordinam ao respeito pelas normas notariais respetivas. Não há funções notariais «verdadeiramente notariais», por serem feitas por notários, e «menos notariais», por serem feitas por outras entidades legalmente incumbidas. (cfr. Parecer do Conselho Regional do Porto da Ordem dos Advogados, Registo no 3356 de 14-07-2022) XXV. Numa palavra: desde que subjetivamente as entidades tenham atribuições legais para agir e objetivamente, a lei lhe permita atuar em determinados atos, todas as entidades com funções notariais praticam atos notariais. (cfr. Parecer do Conselho Regional do Porto da Ordem dos Advogados, Registo no 3356 de 14-07-2022) XXVI. Finalmente, o conceito de reconhecimento notarial faz parte de um conceito mais amplo de função notarial prevista no artigo 3.º, número 1 do Código do Notariado. Numa interpretação sistemática a minori ad maius, se os advogados têm funções notariais, porque o legislador criou essas competências materiais; então têm competências em relação aos reconhecimentos de natureza notarial quem pode o mais, pode o menos. (cfr. Parecer do Conselho Regional do Porto da Ordem dos Advogados, Registo no 3356 de 14-07-2022) XXVII. Aliás, não se vislumbram motivos excecionais que afastem a opção do legislador em atribuir competências aos advogados no âmbito de funções notariais. Os riscos que o legislador teve em conta para inserir o reconhecimento notarial presente no Código do Trabalho nos termos acima referidos não são maiores se se está perante um notário, um advogado ou um solicitador. O princípio da legalidade não é beliscado; e o princípio da imparcialidade e da autonomia só o podem ser se o advogado impedido não efetivar esse impedimento e tem de o efetivar sob pena de responsabilidade disciplinar por violação do artigo 5.º do Código do Notariado. E o mesmo se diga à solenidade: o ato solene «consigna a identidade dos outorgantes e a sua vontade especial», como refere o preâmbulo do Decreto-Lei 207/95, que aprovou o Código do Notariado. Não se encontra fundamento jurídico tipificado que retire solenidade aos atos notariais de outras entidades em comparação com os atos dos notários. (cfr. Parecer do Conselho Regional do Porto da Ordem dos Advogados, Registo no 3356 de 14-07-2022) XXVIII. Em suma, o reconhecimento presencial de assinatura de denúncia de contrato de trabalho feito por Advogado é um ato notarial, decorrente de uma função notarial, ao abrigo do artigo 3.º do Código do Notariado e do artigo 38.º do Decreto-Lei 76-A/2006. (cfr. Parecermdo Conselho Regional do Porto da Ordem dos Advogados, Registo no 3356 de 14-07-2022) XXIX. O reconhecimento presencial da assinatura aposta pelo Autor na declaração de denúncia do contrato realizado por advogado é legalmente admissível em face do regime previsto do art.º 402.º/1 do C. Trabalho de 2009. XXX. Só se pode concluir, de forma tão manifesta quanto necessária, que a declaração de revogação da denúncia emitida pelo Autor se mostra absoluta e totalmente inoperante e ineficaz. XXXI. Termos em que se requer a V. Exas. que, atendendo aos fundamentos supra expostos, seja o presente recurso julgado procedente, e, em consequência, seja a douta Sentença recorrida revogada e substituída por douto Acórdão que determine a validade e a eficácia da declaração de denúncia do contrato de trabalho, improcedendo por não provada a Petição Inicial e absolvendo-se a Ré do pedido.” O recorrido apresentou contra-alegações, concluindo pela improcedência do recurso, pois, e em suma: «Se o legislador, conhecendo o regime já existente que reconhece aos advogados a possibilidade de reconhecer presencialmente assinaturas em documentos, quisesse que a denúncia do contrato de trabalho pelo trabalhador também pudesse ser reconhecida por advogado, não faria constar expressamente nesta norma a exigência de “reconhecimento notarial presencial”. O que não fez, não obstante as posteriores alterações ao Código do Trabalho.» O recurso foi admitido na espécie própria e com o adequado regime de subida. Dado cumprimento ao disposto na primeira parte do n.º 2 do artigo 657.º do Código de Processo Civil foi o processo submetido à conferência para julgamento. II OBJECTO DO RECURSO Delimitado que é o âmbito do recurso pelas conclusões da recorrente, sem prejuízo das questões que sejam de conhecimento oficioso (artigos 608.º n.º 2, 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 3, todos do Código de Processo Civil, aplicável por força do disposto no artigo 87.º n.º 1 do CPT), enuncia-se então a única questão que cumpre apreciar: a) Saber se a denúncia pelo autor do contrato de trabalho que o ligava à ré podia, ou não, ser revogada por aquele, em virtude da denúncia não ter sido reconhecida por notário, mas sim por advogado. III - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO Os factos relevantes para a decisão da causa são os que assim constam da decisão recorrida (pois que não houve recurso da matéria de facto nem se vislumbra fundamento para alterar oficiosamente a decisão proferida sobre essa matéria): “Factos assentes por acordo nos articulados 1. A Ré tem por objecto o comércio, importação, exportação, montagem, instalação e assistência técnica de sistemas electrónicos e de automatismos, nomeadamente sistemas de iluminação, vigilância, de alarme e segurança, sistemas de climatização, sistemas de rega; formação e consultoria no âmbito da elaboração de projectos de engenharia industrial, eléctrica e electrónica; levantamentos industriais e técnicos (doc. nº. ...). 2. O Autor foi admitido ao serviço da Ré no dia .../.../2016, através de contrato de trabalho escrito, por tempo indeterminado, para, sob as suas ordens, direcção e fiscalização, desempenhar as funções da categoria profissional de engenheiro electrotécnico e como tal classificado pela entidade empregadora, com a retribuição base mensal de € 1.200,00, no ano de 2021, acrescida de comissões, traduzidas em percentagens sobre a margem da facturação: produtos e serviços técnicos de apoio e arranque, recebendo ainda o montante de € 7,63, a título de subsídio de refeição por cada dia útil de trabalho, com o período normal de trabalho diário de 8 horas, entre as 9-13 e as 14-18 horas, e o horário semanal de 40 horas (docs. n.º ... a ...2). 3. No dia 30 de Setembro de 2021, pelas 15 horas, o Autor foi instado pelo sócio-gerente da Ré, BB, a dirigir-se à sala de formação, localizada nas instalações que albergam o escritório e o armazém da Ré, sitas na Av. ..., ... ..., ..., com o objectivo de se reunir com dois advogados. 4. Aí chegado, o Autor deparou-se com a presença dos referidos advogados, os Drs. CC e DD, da sociedade de advogados “N... & Associados, Sociedade de Advogados, S..., RL”, com a firma “N... Advogados Legal - Compliance”, com sede na Av. ..., ..., ... Guimarães, que havia sido contratada pela Ré. 5. A reunião decorreu apenas com a presença do Autor, dos dois referidos causídicos, e de um indivíduo do sexo feminino, da referida sociedade de advogados, que apenas tomava notas, desconhecendo-se quais as suas exactas funções. 6. No início da reunião, o Dr. CC participou ao Autor que o mesmo tinha acedido indevidamente à lista de tarefas privadas do administrador do sistema informático da Ré, gerido pelo referido sócio-gerente.(14.º da p.i.) 7. No dia 6 de Outubro de 2021, para remediar os efeitos perversos da declaração de denúncia do contrato, o Autor revogou tal denúncia, mediante carta registada com aviso de recepção (docs. nº. ...5 e ...6). (27.º da p. i.) 8. Por carta de 11 de Outubro de 2021, a Ré comunicou ao Autor que relevou a denúncia do contrato com efeitos a partir do dia 30 de Setembro de 2021, por considerar que a declaração revogatória da denúncia do contrato de trabalho não obedecia aos pressupostos legais, uma vez que a assinatura da denúncia tinha sido reconhecida presencialmente (doc. nº. ...7). (28.º da p.i.) Da discussão da causa resultaram provados os seguintes factos: - Da petição inicial: 9. Por força desse alegado ilícito criminal, o Dr. CC instou o Autor a assinar uma declaração escrita de denúncia do contrato de trabalho, ao abrigo do disposto no art. 400º, nº. 1, do Código do Trabalho, previamente elaborada, advertindo-o que caso não a subscrevesse iria ser instaurado procedimento criminal e disciplinar contra a sua pessoa, com imediata suspensão das suas funções.(art.º 15.º da p.i.) 10. O Autor ficou surpreendido e perplexo com a situação exposta.(art.º 16.º da p.i.) 11. O Autor considera que as imputações efectuadas são descabidas, porquanto se a lista de tarefas privadas do administrador ficou acessível aos utilizadores do sistema informático terá sido devido a um mero erro informático, e não por força de qualquer acto intrusivo, da iniciativa do próprio ou de outrem.(art.º 17.º da p.i.) 12. Não obstante, receoso com a iminência de concretização do procedimento penal e disciplinar, e a gravidade das consequências que poderiam advir para a sua pessoa, o Autor viu-se obrigado a assinar a referida declaração escrita de denúncia do contrato de trabalho (doc. nº. ...3). 13. Fê-lo contrariado, e com a vontade perturbada pelo aludido receio, porquanto não pretendia cessar a sua relação laboral na empresa, onde tinha um óptimo desempenho laboral, expresso nos bons resultados obtidos, e nela pretendia prolongar a sua carreira profissional. 14. Sendo que, ultimamente tinha finalizado um contrato de grande envergadura. 15. Nas mesmas circunstâncias de modo, tempo e lugar, o Autor permitiu que a sua assinatura aposta na declaração de denúncia do contrato de trabalho fosse objecto de reconhecimento presencial pela dita Drª. EE, a quem entregou para esse efeito o seu cartão de cidadão (doc. nº. ...4). 16. Nos dias 7 e 11 de Outubro de 2021, pelas 9 horas, o Autor apresentou-se nas instalações da Ré, sitas na Av. ..., para desempenhar as suas funções, tendo sido impedido de o fazer pelo respectivo sócio-gerente, BB, que lhe recusou a entrada, alegando que já tinha cessado o vínculo laboral com a Ré. 17. A partir desses dias, a Ré não mais permitiu ao Autor que prestasse o seu trabalho. 18. A Ré não pagou ao Autor a retribuição correspondente ao mês de Outubro de 2021 (dias 1 a 11), no montante de € 485,78: [€ 440,00 (€ 1.200,00x11d:30) + € 45,78 de subsídio de alimentação (€ 7,63 x 6d)]. 19. No ano de 2021, o Autor apenas gozou dezasseis dias úteis de férias, dos vinte e dois a que tinha direito, vencidas no dia 1 de Janeiro de 2021. 20. A Ré não pagou ao Autor a retribuição de férias não gozadas, nem o correspondente subsídio de férias no montante de € 480,00 (€ 1.200,00x2x6d:30). 21. A Ré não pagou ao Autor a retribuição de férias proporcional ao tempo de trabalho prestado no ano de 2021 (férias vincendas), nem o respectivo subsídio de férias, no montante € 1.867,40 (€ 1.200,00x2x284d:365). 22. A Ré não pagou ao Autor o subsídio de Natal, correspondente ao tempo de trabalho prestado no ano de 2021, no montante de € 933,70 (€1.200,00x284d:365). 23. Deve assim a Ré à Autora a quantia de € 933,70. 24. Mercê da revogação da denúncia, o Autor devolveu à Ré os montantes pagos com o recibo do mês de Setembro de 2021, relativos a férias não gozadas, subsídio de férias e subsídio de Natal, no montante total líquido de € 2.010,22 (doc. n.º...8). FACTOS NÃO PROVADOS: Com interesse para a decisão a proferir, resultaram não provados os seguintes factos: a) Da petição inicial: - Que o Autor solicitou ao Dr. CC um prazo de 24 horas para reflectir sobre o assunto; - Que o Autor foi alvo de intimidação; - Que era devido ao Autor pela Ré, por comissões de vendas, respeitante ao ano de 2021, o montante de € 1.500,00. b) Da contestação: - Que foi, por consideração para com os trabalhadores, que a Ré resolveu que estes deviam ser avisados previamente de tal procedimento e não serem surpreendidos com uma nota de culpa; - Que foi por terem sido instados pelo Autor sobre a forma de evitar totalmente o procedimento disciplinar, que os Advogados da Ré então informaram que tal forma seria a denúncia do contrato; - Que atento o comportamento do Autor durante e após a denúncia do contrato, o Autor voltou com o firme propósito de efetuar a denúncia para posteriormente a renunciar, evitando com esta conduta que a Ré pudesse consumar um despedimento por justa causa.” IV – APRECIAÇÃO DO RECURSO Contendendo com a questão supra enunciada, na decisão recorrida discorreu-se nos termos seguintes: “- Da validade da denúncia Os contratos de trabalho sem termo, como aquele em apreço, apenas podem cessar por um dos modos previstos no art.º 340.º do Código do Trabalho. (…) Já do lado do trabalhador, seja por motivos pessoais ou profissionais, com ou sem justa causa, este pode sempre decidir que pretende pôr fim ao contrato de trabalho, impõe-se apenas que comunique a sua decisão à entidade patronal, por escrito, respeitando os prazos do aviso prévio é a "Denúncia de contrato de trabalho pelo trabalhador” prevista nos art.º 400.º e seguintes do Código do Trabalho, sendo que a comunicação ao empregador deve ser feita por escrito. Acresce que o trabalhador tem 7 dias para voltar atrás na sua decisão de rescindir o contrato, devendo comunicar o seu arrependimento por escrito ao empregador (art. 402.º do Código do Trabalho). O designado pela doutrina «direito ao arrependimento» por parte do trabalhador que denuncia o contrato de trabalho, facultando-se-lhe a possibilidade de revogar essa denúncia. Essa possibilidade já estava prevista na pela Lei 38/96, de 31.08, cujo art. 1º dispunha que “1. A rescisão do contrato de trabalho por iniciativa do trabalho sem assinatura reconhecida notarialmente pode por este ser revogada por qualquer forma até ao 2º dia útil seguinte à data da produção dos seus efeitos.”. Tinha esse direito, nos termos estatuídos na norma, a dupla finalidade de garantir a devida ponderação, pelo trabalhador, das consequências da sua declaração de denúncia, evitando eventuais decisões precipitadas e, por outro lado, minimizar as situações, que frequentemente ocorriam, dos denominados despedimentos dissimulados, em que o empregador, designadamente aquando da admissão do trabalhador, deste obtinha uma declaração de denúncia do contrato, não datada e que, posteriormente, quando entendesse, utilizava para por termo ao contrato de trabalho. E atualmente a lei continua a consagrar – cfr. art.º 402.º, n.º 1 do CT (Lei n.º 7/2009, de 12 de Fevereiro) – o direito do trabalhador (que denuncia o contrato de trabalho) ao arrependimento, o qual pode ser exercido no prazo de 7 dias. Confere-lhe, pois, um prazo em que ele, de forma mais reflectida e, designadamente, livre que qualquer eventual constrangimento, possa melhor ponderar a sua decisão. Todavia, em benefício do empregador, a lei introduz uma restrição a esse direito, ao impedir o seu exercício se a assinatura do trabalhador for objecto de reconhecimento notarial presencial. A exigência da intervenção notarial, face, designadamente, à maior solenidade do acto, ao peso institucional e social que a intervenção notarial reveste e à equidistância relativamente a qualquer interesse particular, foi, precisamente, o meio que a lei entendeu ser de exigir, em contrapartida da restrição do direito, como forma de garantir ao trabalhador a necessária ponderação e consciencialização da importância do acto de denunciar o contrato de trabalho. Tal exigência não visa, apenas, conferir ao empregador a segurança de que, por via do reconhecimento notarial, o trabalhador não venha, mais tarde, a impugnar a sua assinatura, essa exigência é estabelecida também no interesse do trabalhador, na medida em que visa, como contrapartida da eliminação do seu direito ao arrependimento, garantir-lhe a possibilidade de uma adequada e actual ponderação da sua decisão. Deste forma, e em conclusão, entendemos que o reconhecimento presencial da assinatura da denúncia, pelo trabalhador, do contrato de trabalho feito por advogado não substitui ou dispensa, o reconhecimento notarial (presencial) – neste sentido, cfr. TRC de 08/11/2017, in www.dgsi.pt. No caso, o A., aos 30/09/2021, na sequência do circunstancialismo descrito na matéria de facto provada, denunciou, por escrito, o contrato de trabalho que mantinha com a ré, havendo a assinatura por si aposta nessa denúncia sido, nesse momento, reconhecida por advogada contratada pela Ré. Porém, por carta registada enviada à Ré a 06/10/2021, o A. comunicou à Ré a revogação dessa denúncia e devolveu-lhe as quantias que lhe tinham sido pagas na sequência da denúncia do contrato de trabalho, por transferência bancária a 09/10/2021, ao que a Ré, se opôs conforme, não aceitando essa revogação e não permitindo que o A. retomasse o trabalho. Ora, tendo em conta o que dissemos no ponto anterior, o reconhecimento presencial da assinatura do A. na denúncia do contrato de trabalho, porque não foi feita notarialmente, mas perante advogado, não obsta à revogação, pelo A., dessa denúncia, pelo que nada o impedia de a revogar, o que o mesmo fez dentro do prazo legal e devolvendo as quantias que havia recebido. Assim sendo, carece de fundamento legal a recusa da Ré em aceitar tal revogação, consubstanciando o seu comportamento, ao não permitir que o A. retomasse a sua actividade, um despedimento ilícito porque não precedido de processo disciplinar.” Concordamos com o entendimento perfilhado pelo Tribunal recorrido, afigurando-se-nos que faz uma correcta interpretação do disposto no art. 402.º/1 do CT. Em abono dessa tese, pensamos justificar-se o aditamento de alguns considerandos tendo até em consideração a ênfase que nas conclusões do recurso a recorrente dá ao argumento da existência de legislação – em particular, DL 76-A/2006, de 29.3 -, que atribui aos advogados competência para realizarem reconhecimentos simples presenciais. Estabelece o artigo 400.º n.º 1 do CT que “O trabalhador pode denunciar o contrato independentemente de justa causa, mediante comunicação ao empregador, por escrito, com a antecedência mínima de 30 ou 60 dias, conforme tenha, respetivamente, até dois anos ou mais de dois anos de antiguidade.” E o n.º 5 do mesmo artigo diz que “É aplicável à denúncia o disposto no n.º 4 do artigo 395.º”. Ora, o n.º 4 do artigo 395.º do CT, a propósito do “procedimento para resolução do contrato pelo trabalhador”, prescreve, entre o demais, que “O empregador pode exigir que a assinatura do trabalhador constante da declaração de resolução tenha reconhecimento notarial presencial, devendo, neste caso, mediar um período não superior a 60 dias entre a data do reconhecimento e a da cessação do contrato.” Por sua vez dispõe o artigo 402.º n.º 1 do CT que “O trabalhador pode revogar a denúncia do contrato, caso a sua assinatura constante desta não tenha reconhecimento notarial presencial, até ao sétimo dia seguinte à data em que a mesma chegar ao poder do empregador, mediante comunicação escrita dirigida a este.” (em ambos os casos, sublinhado nosso) Como sintetizam João Leal Amado e Catarina Gomes Santos, a atribuição ao trabalhador do direito de fazer cessar os efeitos da rescisão, é o “Combate à fraude do empregador e garantia de ponderação para o trabalhador (…)”[1]. A recorrente pretende que “A faculdade de os Advogados poderem fazer reconhecimentos presenciais e autenticações resulta expressamente do preâmbulo do Decreto-lei n.º 76-A/2006, de 29 de março, sendo o objetivo do legislador ao introduzir no ordenamento jurídico tal possibilidade foi o de no domínio da autenticação e do reconhecimento presencial de assinaturas em documentos, permitir que tanto os notários como os advogados, os solicitadores, as câmaras de comércio e indústria e as conservatórias passem a poder fazê-las;” E nada temos a apontar a tal entendimento. O que não nos parece acertada é a conclusão que daquela afirmação extrai a recorrente: “logo, e como devido respeito, que é muito, o entendimento sufragado na douta sentença proferida pelo Tribunal a quo é contrária à solução consagrada na lei tal como é contrário ao pensamento legislativo, pelo que jamais pode prevalecer.” Pois, a ser assim, “(…) fica por explicar por que razão o nosso Legislador, tanto por altura do Código do Trabalho de 2003 como, mais recentemente, em 2009, não redigiu as normas laborais em conformidade com esse regime, adequando a hipótese legal das normas laborais a esse(s) diploma(s). Por outras palavras, se fosse intenção do Legislador permitir aos advogados o reconhecimento da assinatura do trabalhador, então faria sentido que as normas laborais o dissessem claramente o que não veio a acontecer.”[2] Não se contesta que o DL 76-A/2006, de 29.3, atribuiu aos advogados competência para fazerem reconhecimentos presenciais – tal resulta claramente do preâmbulo desse diploma legal (Em 5.º lugar, actua-se no domínio da autenticação e do reconhecimento presencial de assinaturas em documentos, permitindo que tanto os notários como os advogados, os solicitadores, as câmaras de comércio e indústria e as conservatórias passem a poder fazê-las. Trata-se de facilitar aos cidadãos e às empresas a prática destes actos junto de entidades que se encontram especialmente aptas para o fazer, tanto por serem entidades de natureza pública ou com especiais deveres de prossecução de fins de utilidade pública como por já hoje poderem fazer reconhecimentos com menções especiais por semelhança e certificar ou fazer e certificar traduções de documentos.), que elucida sobre o conteúdo do seu artigo 38.º, desde logo dos seus n.ºs 1 e 2: “Artigo 38.º Competência para os reconhecimentos de assinaturas, autenticação e tradução de documentos e conferência de cópias 1 - Sem prejuízo da competência atribuída a outras entidades, as câmaras de comércio e indústria, reconhecidas nos termos do Decreto-Lei n.º 244/92, de 29 de Outubro, os conservadores, os oficiais de registo, os advogados e os solicitadores podem fazer reconhecimentos simples e com menções especiais, presenciais e por semelhança, autenticar documentos particulares, certificar, ou fazer e certificar, traduções de documentos, nos termos previstos na lei notarial, bem como certificar a conformidade das fotocópias com os documentos originais e tirar fotocópias dos originais que lhes sejam presentes para certificação, nos termos do Decreto-Lei n.º 28/2000, de 13 de Março. 2 - Os reconhecimentos, as autenticações e as certificações efectuados pelas entidades previstas nos números anteriores conferem ao documento a mesma força probatória que teria se tais actos tivessem sido realizados com intervenção notarial. (…)” O que já não se nos afigura correcto é pretender que um reconhecimento da assinatura presencial do trabalhador no documento de rescisão do contrato de trabalho nesses termos – i. é, efectuado por advogado – satisfaça a exigência prevista no n.º 4 do art. 395.º do CT – ou seja, constituir um reconhecimento notarial presencial -, para efeitos de tal reconhecimento obstar ao direito do trabalhador revogar a denúncia do contrato. Com efeito, o que nos diz o art. 402.º, n.º 1 do CT, em conjugação com o n.º 4 do art. 395.º do CT (para o qual remete, como se viu, o n.º 5 do art. 400.º), devidamente interpretados, é que para que as assinaturas dos trabalhadores nos documentos de rescisão dos contratos impeçam a revogação da denúncia têm de ser “reconhecidas presencialmente perante o notário”[3]. “Na ótica da lei, a realização da assinatura na presença do notário garante a genuinidade e a atualidade da declaração extintiva proferida pelo trabalhador, evitando práticas fraudulentas por parte do empregador e exigindo do trabalhador uma reflexão acrescida, pelo que, em tal situação, o trabalhador não gozará daquele direito potestativo de desfazer o declarado.”[4] Com o devido respeito, e apesar das cautelas previstas na lei, não nos parece assim tão evidente a afirmação contida no douto parecer junto aos autos de que “Os riscos que o legislador teve em conta para inserir o reconhecimento notarial presente no Código do Trabalho nos termos acima referidos não são maiores se se está perante um notário, um advogado ou um solicitador.” Para além de entendermos que o referido Dec. – Lei não consagrou o reconhecimento notarial por advogados e outros profissionais/entidades, mas sim a competência para (entre outros actos) fazerem reconhecimentos presenciais (que é o que ora está em causa) “nos termos previstos na lei notarial” e com “a mesma força probatória que teria se tais actos tivessem sido realizados com intervenção notarial”, a natureza da função notarial torna expectável que seja aí melhor salvaguardado um ambiente de imparcialidade e distanciamento da pessoa que procede ao reconhecimento para com o trabalhador. Pronunciando-se sobre a possibilidade de serem os advogados a procederem ao reconhecimento em questão, escreve Victor Hugo de Jesus Ventura[5], “(…) estamos em crer que essa possibilidade não deixa de ser perigosa para a genuinidade e transparência do processo: muitas organizações possuem os seus próprios advogados que não têm aquela posição de imparcialidade e distanciamento que é necessária nesta situação. O advogado da empresa, também ele trabalhador dependente desta (ou “avençado), facilita a construção de situações de fraude que este regime pretensamente quer evitar. Daí ser necessária a intervenção de notário ou, como acontecia no regime de 1996, de um inspetor do trabalho (art. 1º, nº 4, da Lei nº 38/96, de 3l de agosto). Aliás, a Relação de Évora já foi confrontada com uma situação em que uma trabalhadora havia escrito e assinado a sua denúncia na presença de um advogado mas sem que o empregador lhe dissesse que o reconhecimento presencial seria feito posteriormente. O Tribunal considerou, a nosso ver bem, que a retratação posterior do trabalhador seria eficaz” Como alerta Júlio Gomes, “(…) as regras jurídicas que regem a cessação do contrato por iniciativa do trabalhador devem responder a uma série de preocupações: garantir a liberdade de desvinculação do trabalhador, impedindo que este fique prisioneiro ou refém do contrato, mas, também, assegurar que a resolução ou a denúncia é um acto genuinamente livre do trabalhador e que corresponde à vontade real deste.”[6] Nesta senda, também João Leal Amado e Catarina Gomes Santos escrevem “(…) é claro que a própria intervenção notarial também não deixa de constituir uma outra instância, suplementar relativamente à mera exigência de forma escrita, tendente a evitar comportamentos precipitados por banda do trabalhador.”[7] Também na jurisprudência, apesar de não ser unânime (como, aliás, resulta da jurisprudência que a recorrente trouxe à colação, e que bem plasmada está na fundamentação e conclusões do recurso) esta posição tem tido acolhimento, como é ex. o Ac. RL de 08-11-2017, Proc. 777/16.1T8TVD.L1-4[8], e que passamos citar pela qualidade argumentativa que lhe reconhecemos: «Nos termos do disposto no artigo 9º nº3 do C.Civil, cumpre ter presente que “3. Na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados.”. O legislador de 2009 (do CT) tinha presente que desde 2006 os reconhecimentos de assinaturas poderiam ser feitos por outras entidades que não Notários. Ademais, o Código do Notariado, aprovado pelo Decreto-Lei 207/95, de 14 de Agosto prevê a figura jurídica do reconhecimento notarial no seu artigo 153º, delineando-lhe as espécies: simples ou com menções especiais. E assim sendo, e considerando que se presume que o legislador sabe exprimir o seu pensamento em termos adequados, consideramos que, com o devido respeito por opinião diversa, o legislador, ao manter no artigo 402º do CP a expressão “reconhecimento notarial presencial”, pretendeu efectivamente referir-se à entidade que realiza o reconhecimento ou ter-se-ia referido simplesmente a “reconhecimento presencial”, sem mais. Transcrevemos aqui, face à sua pertinência, a fundamentação do acórdão da Relação do Porto de 11-07-2011[8], com a qual concordamos, por entendermos que é a que melhor se coaduna com a manutenção da redacção do preceito legal, apesar da alteração operada pelo Decreto-Lei 76/-A/2006, de 29/03: “O designado direito ao arrependimento[[9]2] por parte do trabalhador que denuncia o contrato de trabalho, facultando-se-lhe a possibilidade de revogar essa denúncia, já estava prevista na pela Lei 38/96, de 31.08, cujo art. 1º dispunha que “1. A rescisão do contrato de trabalho por iniciativa do trabalho sem assinatura reconhecida notarialmente pode por este ser revogada por qualquer forma até ao 2º dia útil seguinte à data da produção dos seus efeitos.”. Tinha esse direito, nos termos estatuídos na norma, a dupla finalidade de garantir a devida ponderação, pelo trabalhador, das consequências da sua declaração de denúncia, evitando eventuais decisões precipitadas e, por outro lado, minimizar as situações, que frequentemente ocorriam, dos denominados despedimentos dissimulados, em que o empregador, designadamente aquando da admissão do trabalhador, deste obtinha uma declaração de denúncia do contrato, não datada e que, posteriormente, quando entendesse, utilizava para por termo ao contrato de trabalho. (…) O reconhecimento notarial da assinatura da denúncia é uma faculdade conferida ao empregador, visando a tutela de um seu interesse, qual seja o de lhe permitir, mediante a imposição da observância de um formalismo reforçado na declaração extintiva do trabalhador, precaver-se contra uma eventual mudança de ideias ou de planos por parte deste [[11]4]. Naturalmente que o trabalhador não tem qualquer interesse em formalizar, desse modo, a denúncia do contrato de trabalho, sendo certo que tal lhe irá impedir o exercício do “direito ao arrependimento”. Mas, precisamente porque está em causa a restrição do exercício desse direito, entendeu também o legislador que a realização da assinatura na presença do notário garante a genuinidade e a actualidade da declaração extintiva proferida pelo trabalhador, evitando práticas fraudulentas por parte do empregador e exigindo do trabalhador uma reflexão acrescida”[[12]5], assim se exigindo esse formalismo reforçado. É certo que, aquando da publicação do CT/2003, o reconhecimento presencial da letra e/ou assinatura de documentos era exclusivamente um acto notarial[[13]6]. E que, apenas posteriormente, com o DL 76-A/2006, de 29.03, é que veio a ser conferida aos advogados[[14]7] a possibilidade de efectuarem reconhecimentos simples e presenciais, (…) Sendo, até então, os reconhecimentos presenciais um acto da competência notarial, entendeu o legislador estender tal competência às entidades acima referidas, conferindo aos respectivos documentos a mesma força probatória que teriam se tais actos tivessem sido realizados com intervenção notarial. Não obstante, e salvo melhor opinião, não se nos afigura que tanto baste para que, nos termos e para os efeitos do art. 449º, nº 1, do CT/2003, se possa equiparar o reconhecimento presencial feito por advogado ao “reconhecimento notarial presencial” previsto nesse art. 449º. Na verdade, e pese embora, à data do CT/2003, o reconhecimento presencial fosse um acto notarial, a verdade é que a letra da lei, ainda assim, não dispensou a referência à competência “notarial”. Se se poderia dizer, tal como o entende a Recorrida e pressuposto na sentença, que essa referência decorreria apenas da circunstância de os reconhecimentos presenciais serem actos notariais, poder-se-á, na defesa da tese oposta, argumentar que, então e se assim é, escusado seria o legislador ter feito tal menção (pois se os reconhecimentos presenciais simples eram actos praticados apenas pelo notário para quê dizê-lo?). O que nos parece é que o legislador, não obstante o regime que, à data da publicação do CT/2003, vigorava em matéria de reconhecimento presencial simples de letra e/ou assinaturas de documentos, pretendeu enfatizar a natureza exclusivamente notarial de tal reconhecimento[[15]9], propósito este tanto mais evidente quanto se tivermos em conta que o CT/2009[[16]10], no seu art. 402º, nº 1, manteve a exigência do reconhecimento notarial presencial. Ou seja, quando este foi publicado, em 2009, já estava em vigor o DL 76-A/2006, de 29.03, pelo que o legislador, certamente, não desconhecia que a lei permitia que tais reconhecimentos fossem levados a cabo por advogado. E, ainda assim, o CT/2009, no seu art. 402º, nº 1, ao invés de utilizar uma formulação mais ampla (reportando-se tão-só ao reconhecimento presencial da assinatura) caso a sua intenção tivesse sido a de incluir os reconhecimentos feitos por advogado, manteve a exigência do “reconhecimento notarial presencial”[[17]11]. Por outro lado, afigura-se-nos que a ratio do art. 449º do CT/2003 (e 402º do CT/2009) aponta no sentido da competência exclusivamente notarial. Com efeito, a lei consagra o direito do trabalhador (que denuncia o contrato de trabalho) ao arrependimento, o qual pode ser exercido no prazo de 7 dias. Confere-lhe, pois, um prazo em que ele, de forma mais reflectida e, designadamente, livre que qualquer eventual constrangimento, possa melhor ponderar a sua decisão. Todavia, em benefício do empregador, a lei introduz uma restrição a esse direito, ao impedir o seu exercício se a assinatura do trabalhador for objecto de reconhecimento notarial presencial. A exigência da intervenção notarial, face, designadamente, à maior solenidade do acto, ao peso institucional e social que a intervenção notarial reveste e à equidistância relativamente a qualquer interesse particular, foi, precisamente, o meio que a lei entendeu ser de exigir, em contrapartida da restrição do direito, como forma de garantir ao trabalhador a necessária ponderação e consciencialização da importância do acto de denunciar o contrato de trabalho. Acresce que a equiparação mencionada no art. 38º, nº 2, do DL 76-A/2006 se reporta aos efeitos probatórios. Ora, parece-nos, a ratio da exigência do reconhecimento notarial prevista no art. 449º do CT/2003 extravasa os efeitos meramente probatórios do documento. Tal exigência não visa, apenas, conferir ao empregador a segurança de que, por via do reconhecimento notarial, o trabalhador não venha, mais tarde, a impugnar a sua assinatura[[18]12]. Com efeito, e como decorre do que acima dissemos, essa exigência é estabelecida não apenas no interesse do empregador, mas também no interesse do trabalhador, na medida em que visa, como contrapartida da eliminação do seu direito ao arrependimento, garantir-lhe a possibilidade de uma adequada e actual ponderação da sua decisão. A terminar, resta apontar o elemento literal da lei que, indiscutivelmente, se reporta ao reconhecimento notarial.” (sic) Concordamos inteiramente com esta jurisprudência. São razões de garantia e certeza as que levaram o legislador a decidir manter a redacção da norma, apesar de não desconhecer o alargamento da possibilidade de outras entidades levarem a efeito reconhecimentos. Trata-se de evitar, nomeadamente e para o que ao presente caso interessa, que o trabalhador, fortemente pressionado ou mesmo num estado de incapacidade acidental, profira a declaração de denúncia, com assinatura reconhecida pelo Advogado da própria entidade patronal, à semelhança do que aconteceu no presente caso, aliás paradigmático daquelas que foram as precauções do legislador ao manter o pressuposto do reconhecimento notarial da assinatura do trabalhador, para que a declaração produza os efeitos a que se refere o artigo 402º nº1 “a contrario”.[19]” Ora, sendo este o nosso entendimento, e reportando aos factos provados – particularmente sob os n.ºs 3 (quanto à data), 9 e 12, 15, e 7 – só nos resta reafirmar a concordância com o decidido. Efectivamente, o reconhecimento presencial da assinatura do autor na carta de rescisão do contrato de trabalho foi efectuado por advogado, o que não impedia, pois, o autor de revogar tal rescisão, como, tempestivamente, revogou. V - DECISÃO Nestes termos, acordam os juízes que integram a Secção Social deste Tribunal da Relação em julgar improcedente a apelação e confirmar a decisão recorrida. Custas da apelação a cargo da recorrente. Notifique. Guimarães, 02 de Fevereiro de 2023 Francisco Sousa Pereira (relator) Antero Veiga Vera Maria Sottomayor
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