Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
963/14.9T8CHV-A.G1
Relator: MARIA AMÁLIA SANTOS
Descritores: EXECUÇÃO
SANÇÃO PECUNIÁRIA COMPULSÓRIA (LEGAL)
RESPONSABILIDADE DA SUA LIQUIDAÇÃO PELO AGENTE DE EXECUÇÃO
CONSTITUCIONALIDADE
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 01/31/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I. Tendo sido fixada na sentença dada à execução uma determinada quantia devida pela executada, foi estipulado judicialmente o pagamento em dinheiro corrente, razão pela qual são devidos automaticamente juros à taxa de 5% ao ano, desde o transito em julgado daquela decisão judicial até integral pagamento, nos termos do artº. 829º-A nº4 do CPC.

II. É da responsabilidade do agente de execução a liquidação daquela sanção na conta final de custas.

III. O art. 829º-A nº4 não padece de inconstitucionalidade orgânica, uma vez que a matéria vertida naquele preceito não se encontra abrangida pelo artº. 165ºnº1 da Constituição da República Portuguesa – não sendo, por isso, matéria de reserva (relativa) da Assembleia da República.
Decisão Texto Integral:
Nos presentes autos de execução que J. S. e outros, melhor identificados nos autos, instauraram contra a executada “X, Hotelaria e Turismo, SA,” também melhor identificada nos autos, foi proferida a seguinte decisão:

“No âmbito dos presentes autos veio a executada "X, Hotelaria e Turismo, SA" apresentar reclamação da conta de custas apresentada pelo SAE invocando o seguinte:

A nota discriminativa apresentada pelo Senhor Agente de Execução, cuja conta final ascende a 15.749,78€, é composta por pelo menos duas rubricas no valor de 6.677,28€ cada uma sem que seja indicado qualquer fundamento de facto ou de direito que as justifiquem.
O Exmo Senhor Agente de Execução inclui na conta o valor de 6.677, 28€, relativo a juros compulsórios a favor do Estado sem indicar nem o fundamento legal que constitui o Estado no direito de receber esta quantia, nem as fórmulas e as operações aritméticas que levaram a tal montante;
E inclui também na mesma nota a quantia de 6.677,28€, relativa a juros compulsórios a favor do exequente, sem indicar nem o fundamento legal que constitui o exequente no direito de receber esta quantia, nem as fórmulas e as operações aritméticas que a ela levam, sendo que, neste caso, o pagamento de juros compulsórios nem sequer foi pedido pelos autores e exequentes na acção declarativa e na acção executiva.
A motivação de facto e de direito das rubricas da nota discriminativa é obrigatória e sem ela tem de ser julgada ilegal, por falta de fundamentação.
Conclui peticionado que se ordene a reforma da dita conta de custas.
Posteriormente, veio o SAE (responder) nos termos que melhor se alcançam do requerimento de 18.09.2018.

Cumpre apreciar.

Assim, e compulsados os autos, desde logo se constata que o reclamante não impugna os valores relativos aos honorários e despesas do agente de execução, centrando-se a sua reclamação na legalidade dos juros compulsórios nela contemplados.

Com efeito, constata-se que a conta apresentada ao executado contempla o valor de 13.354,56 € referentes a juros compulsórios a dividir em partes iguais entre o exequente e os cofres de Estado.

Consta dos autos o requerimento datado de 28/05/2018, em que o exequente informa que o executado pagou directamente ao exequente o valor da quantia exequenda, faltando pagar os juros compulsórios e requerendo a realização da conta do processo.

No seguimento desse requerimento, foi o executado notificado para proceder ao pagamento da mesma.

Ora, vista a conta apresentada, constata-se que os juros compulsórios foram calculados desde o trânsito da sentença ocorrido em 18/04/2013 até à data da entrada do requerimento do exequente, em que refere ter recebido a quantia exequenda (28/05/2018), assim se alcançando o montante de 6.677,28 € para os cofres do estado e o mesmo montante para o exequente.

Tal valor, como bem explica o SAE, é o que resulta da aplicação da taxa de juro de 5% sobre o capital 51.528,82 €.

Dispõe o artigo 829°-A, nº4, do Código Civil que "quando for estipulado ou judicialmente determinado qualquer pagamento em dinheiro corrente, são automaticamente devidos juros à taxa de 5% ao ano, desde a data em que a sentença de condenação transitar em julgado, os quais acrescerão aos juros de mora, se estes também forem devidos, ou à indemnização a que houver lugar", cabendo tal liquidação desse valor ao agente de execução (nº 3 do artº 716° do CPC).

Nestes termos, concordando na íntegra com a explanação do SAE, nada se nos vislumbra corrigir na conta apresentada.

Face ao exposto, indefere-se a reclamação apresentada…”.
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Não se conformando com a decisão proferida, dela veio a executada interpor o presente recurso de Apelação, apresentando Alegações e formulando as seguintes Conclusões:

a) Se as normas do artigo 829º-A fossem válidas para estabelecer e fixar o valor de sanções pecuniárias compulsórias a favor do Estado e do credor, mesmo assim, nos termos do nº 1 deste artigo, a fixação das sanções pecuniárias compulsórias têm, necessariamente, de ser expressamente pedidas pelo credor.
b) No despacho recorrido (como sucede aliás na nota discriminativa apresentada pelo Senhor Agente de Execução) nada se diz quanto ao facto de na execução em apreço o pedido para fixação duma sanção pecuniária compulsória ter sido ou não ter sido deduzido.
c) E o pedido para que os tribunais fixem e imponham a obrigação de pagamento duma sanção pecuniária compulsória tem de ser expressamente formulado na acção ou no requerimento executivo.
d) Se o credor não a tiver expressamente pedido, a fixação da sanção compulsória não pode ser estabelecida, sob pena de ser o Agente de Execução (como sucedeu neste caso) a julgar e impor a sanção.

Sucede ainda que:

e) O artigo 829º-A foi aditado ao Código Civil pelo Decreto Lei 262/83, de 16 de Junho de 1983, e foi estabelecido ao abrigo da competência legislativa do Governo.
f) Todavia, a legislação sobre o estabelecimento de sanções pecuniárias compulsórias e sobre disposição do direito de propriedade sobre os bens era em 1983, e é-o em 2018, da competência da Assembleia da República.
g) O Governo decretou o artigo 829º-A do Código Civil sem possuir a necessária autorização legislativa e, assim sendo, as normas deste artigo que estabelecem a existência e a obrigação de pagar uma sanção pecuniária compulsória, consistente no pagamento de juros de 5% sobre o valor de uma dívida, são organicamente inconstitucionais e não podem servir de fundamento de direito às decisões dos nossos tribunais.

Termos em que a decisão recorrida deve ser revogada e substituída por outra que julgue a reclamação procedente e ordene a consequente reforma da nota discriminativa que o Exmº Senhor Agente de Execução apresentou, de modo a que dela sejam excluídas as duas parcelas relativas à sanção pecuniária compulsória”.
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Dos autos não consta que tenham sido apresentadas contra-alegações.
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Tendo em consideração que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações da recorrente (acima transcritas), sem prejuízo da apreciação de eventuais questões de conhecimento oficioso, as questões a decidir são:

- a de saber se a sanção pecuniária compulsória pode ser aplicada automaticamente, sem ter de ser pedida pelo exequente;
- se o artº 829º-A nº 4 do CPC é organicamente inconstitucional.
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Os factos a considerar para a decisão das questões suscitadas são os mencionados na decisão recorrida, acima transcrita.
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Da inclusão na conta de custas da sanção pecuniária compulsória:

Insurge-se a recorrente contra a decisão recorrida, que considerou bem elaborada a conta de custas, na qual o sr. agente de execução nela incluiu os juros compulsórios, desde o trânsito em julgado da sentença, ocorrido em 18/04/2013, até à data da entrada em juízo do requerimento do exequente, no qual aquele refere ter recebido do executado a quantia exequenda (em 28/05/2018), assim se alcançando o montante de 6.677,28€ para os cofres do estado e o mesmo montante para o exequente. Tal valor, como explica o agente de execução, é o que resulta da aplicação da taxa de juro de 5% sobre o capital de 51.528,82 €, previsto no artº 829º-A nº4 do CPC.

Mas não concordamos com a recorrente.

Dispõe o artigo 829°-A, nº4, do Código Civil que "quando for estipulado ou judicialmente determinado qualquer pagamento em dinheiro corrente, são automaticamente devidos juros à taxa de 5% ao ano, desde a data em que a sentença de condenação transitar em julgado, os quais acrescerão aos juros de mora, se estes também forem devidos, ou à indemnização a que houver lugar", cabendo tal liquidação desse valor ao agente de execução.

Efetivamente, nos termos do artº 716° nº 3 do CPC “( ... ) o agente de execução liquida, ainda, mensalmente e no momento da cessação da aplicação da sanção pecuniária compulsória, as importâncias devidas em consequência da imposição de sanção pecuniária compulsória, notificando o executado da liquidação”.

Como se decidiu no recente acórdão do STJ, de 8-11-2018 (disponível em www.dgsi.pt), “A sanção pecuniária compulsória tem por objectivo não propriamente indemnizar o credor pelos danos sofridos com a mora, antes o de impelir o devedor a cumprir, vencendo a resistência da sua oposição, da sua displicência ou mesmo negligência. A sanção pecuniária compulsória é de aplicação automática, nos casos em que tenha sido estipulado judicialmente determinado pagamento em dinheiro corrente; Na execução para pagamento de quantia certa, diversamente do que acontece na execução para prestação de facto, a secretaria procede oficiosamente, não carecendo a sanção pecuniária compulsória de ser pedida nem de ser fixada pelo juiz, pois o direito a ela constituiu-se automaticamente”.

Também no acórdão desta relação de Guimarães, de 11-05-2017 (também disponível em www.dgsi.pt), se decidiu que “A sanção prevista no art°. 829°-A, nº 4 do Código Civil é classificada pela doutrina como uma sanção pecuniária compulsória legal, por ser fixada por lei e automaticamente devida; Esta sanção opera de forma automática, quando for estipulado ou judicialmente determinado qualquer pagamento em dinheiro corrente, sendo devida desde o trânsito em julgado da sentença de condenação, não carecendo, por isso, de ser fixada na sentença proferida na acção declarativa, nem de ser pedida no requerimento executivo; Decorre do disposto nos nºs 1 e 4 do art°. 829°-A do Código Civil que compete ao devedor o pagamento dos juros compulsórios, estabelecendo o art°. 716º n° 3 do NCPC que cabe ao agente de execução proceder à liquidação da quantia devida a título de juros compulsórios e notificar o executado da dita liquidação”.

A figura da sanção pecuniária compulsória foi introduzida no nosso direito civil pelo DL nº 263/83, de 16 de Junho, que, inspirando-se fundamentalmente no modelo francês das astreintes, aditou ao Código Civil o citado artº 829º-A.

Com o propósito de evitar que as decisões judiciais ficassem reduzidas a "simples flatus vocis", criou-se entre nós esse instituto, a que se reconheceu "uma dupla finalidade de moralidade e de eficácia", pois além de reforçar "a soberania dos Tribunais, o respeito pelas suas decisões e o prestígio da justiça", favorece – na situação prevista no seu nº 1 -, o cumprimento "das obrigações de prestação de facto ou de abstenção infungíveis" (Ac. da Rel. de Lisboa de 19/12/91, Col. Jur. , Ano XVI, V, 147).

A consagração da sanção pecuniária compulsória nos termos do artº. 829º-A do Código Civil constituiu, à data, autêntica inovação, como se colhe do relatório que precede o Decreto-Lei nº 262/83, de 16 de Junho: “A sanção pecuniária compulsória visa, em suma, uma dupla finalidade de moralidade e de eficácia, pois com ela se reforça a soberania dos tribunais, o respeito pelas suas decisões e o prestígio da justiça, enquanto por outro lado se favorece a execução específica das obrigações de prestação de facto ou de abstenção infungíveis. Quando se trate de obrigações ou de simples pagamentos a efectuar em dinheiro corrente, a sanção compulsória – no pressuposto de que possa versar sobre quantia certa e determinada e, também, a partir de uma data exacta (a do trânsito em julgado) – poderá funcionar automaticamente. Adopta-se, pois, um modelo diverso para esses casos, muito similar à presunção adoptada já pelo legislador em matéria de juros, inclusive moratórios, das obrigações pecuniárias, com vantagens de segurança e certeza para o comércio jurídico.”

Daqui se evidencia, por forma clara, que a sanção pecuniária compulsória tem por objectivo não propriamente indemnizar o credor pelos danos sofridos com a mora, mas o de impelir o devedor a cumprir, vencendo a resistência da sua oposição, da sua displicência ou mesmo negligência.

Cremos, aliás, ser hoje maioritariamente defendido pela jurisprudência dos nossos tribunais superiores que a sanção pecuniária compulsória prescrita no artigo 829°-A, n° 4 do CC, quando for estipulado ou judicialmente determinado qualquer pagamento em dinheiro corrente, opera ex legis, na fase executiva, sem necessidade de ser peticionada no requerimento executivo.

Defende-se que a sanção pecuniária compulsória é, por definição, um meio indirecto de pressão, destinado a induzir o devedor a cumprir a obrigação a que está adstrito e a obedecer à injunção judicial, a qual se analisa, quanto à sua natureza jurídica, numa medida coercitiva, de carácter patrimonial, seguida de sanção pecuniária na hipótese de não ser eficaz na consecução das finalidades que prossegue.

O legislador teve o cuidado de disciplinar de modo directo, fixando o seu montante (5%), ponto de partida (trânsito em julgado da sentença de condenação) e funcionamento automático. Por isso, porque prevista e disciplinada por lei, poderá qualificar-se como sanção pecuniária compulsória legal, enquanto aquela que é ordenada e fixada pelo juiz (prevista no nº 1 para as prestações de facto infungíveis) poderá chamar-se de sanção pecuniária compulsória judicial. O espírito de ambas, porém, é o mesmo: levar o devedor a encarar as coisas a sério e a não desprezar o interesse do credor e do tribunal.

Ou seja, a sanção pecuniária estabelecida no nº. 1 tem que ser aplicada pelo Tribunal, sustentada em critérios de razoabilidade, na própria sentença condenatória; a sanção pecuniária compulsória a que alude o nº. 4 do enunciado preceito é de aplicação automática, nos casos em que tenha sido estipulado judicialmente determinado pagamento em dinheiro corrente (Ac do STJ de 12.4.2012 (disponível em www.dgsi.pt).

Por isso, admitir a tese de que tal instituto legal estaria dependente da iniciativa do credor para poder operar, seria esvaziar de conteúdo os conceitos empregues na estatuição normativa, transformando o mesmo num instrumento vazio de conteúdo e eficácia.

Acresce que, atentas as finalidades de respeito pelas decisões judiciais, pela realização e prestígio da justiça a que está intrinsecamente associado o instituto da sanção pecuniária compulsória, tais finalidades não seriam asseguradas, caso a mesma estivesse dependente da iniciativa ou do impulso processual do credor. Acresce ainda que, revertendo o valor da sanção pecuniária compulsória de 5 %, em partes iguais para o credor e para o Estado, logo se vê que tal finalidade só pela eficácia imediata e sem qualquer condicionalismo poderá ser efectivamente atingida.
Por isso é obrigação legal do agente de execução proceder á liquidação da sanção pecuniária compulsória, nos termos do art. 716° n° 3 do CPC, o que é bem revelador do cariz automático e imediato prescrito no art. 829°-A nº 4 do Código Civil.

Ora, revertendo ao caso dos autos, fixada na sentença dada à execução uma determinada quantia devida pela executada, não restam duvidas de que foi estipulado judicialmente o pagamento em dinheiro corrente, razão pela qual são devidos automaticamente juros à taxa de 5 %, desde o trânsito em julgado daquela decisão judicial até integral pagamento.

Tem sido esse, de resto, o entendimento sufragado pela vasta doutrina e jurisprudência dos nossos tribunais superiores. Assim, na doutrina, temos, entre outros: Pires de Lima e Antunes Varela, “Código Civil Anotado”, vol. II, 3ª ed., pág. 106; Almeida Costa, “Direito das Obrigações”, Almedina, 2001, pág. 995; Menezes Leitão, “Direito das Obrigações”, vol. II, 4ª ed., Almedina, pág. 284; Calvão da Silva, “Cumprimento e Sanção Pecuniária Compulsória”, edição de 1995, pág. 407; Pinto Monteiro, “Cláusula Penal e Indemnização”, pág. 112; José Lebre de Freitas, “A Acção Executiva Depois da Reforma da Reforma”, 5ª ed., Coimbra Editora, 2009, pág. 98; Amâncio Ferreira, “Curso de Processo de Execução”, 11ª ed., Almedina, 2009, pág. 128; e na Jurisprudência, temos também, entre outros, os Acórdãos do STJ de 09.05.2002, de 23-01-2003, de 18-05-2006 e de 12-04-2012; da Rel. de Lisboa de 20-06-2013; desta Rel. de Guimarães de 02-05-2016, de 11-05-2017 e de 01-03-2018; da Rel. de Coimbra de 13/07/2016, de 08-11-2016, e de 16-02-2018 - todos eles disponíveis em ww.dgsi.pt.

Não se trata de executar o devedor por uma sanção pecuniária não contida no título executivo, como defende a executada, mas de pressionar o devedor a cumprir a obrigação exequenda.

Por isso se impõe que o agente de execução, aquando da liquidação, proceda igualmente à contabilização “das importâncias devidas a título de sanção pecuniária compulsória”, nos termos do art.º 716º n.º 3 do Código de Processo Civil, sem que seja exigido que o exequente requeira e proceda à liquidação das quantias já vencidas a esse título, como o faz para os juros vencidos - art.º 716º n.º 1 do Código de Processo Civil (cfr. também neste sentido Lebre de Freitas, “A Acção Executiva, à luz do Código de Processo Civil de 2013”, 6ª edição – 2014, Coimbra Editora, página 115, o qual, ao comentar o art.º 716º do actual Código de Processo Civil sustenta que “a liquidação pelo agente de execução tem também lugar no caso de sanção pecuniária compulsória e, executando-se obrigação pecuniária, a liquidação não depende de requerimento do exequente, devendo ser feita a final”).

Cremos, assim, por todo o exposto, ser de sufragar o entendimento de que a partir das alterações adjectivas civis (introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 226/2008 ao art.º 805º do antigo Código de Processo Civil, que o actual art.º 716º n.º 3 do Código do Processo Civil também contempla), ficou (ainda mais) claro não ser exigível ao exequente a dedução do pedido de pagamento da sanção pecuniária compulsória, sendo esta de funcionamento automático, sendo da responsabilidade do agente de execução a sua liquidação.
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Da inconstitucionalidade orgânica do artº 829º-A nº 4 do CC:

Sustenta também a recorrente a inconstitucionalidade orgânica da norma aplicada (do artº 829º-A nº 4 do CPC), com o fundamento de que aquele preceito foi aditado ao Código Civil pelo Decreto Lei 262/83, de 16 de Junho de 1983, o qual foi estabelecido ao abrigo da competência legislativa do Governo.

Todavia, defende que a legislação sobre o estabelecimento de sanções pecuniárias compulsórias e sobre disposição do direito de propriedade sobre os bens era, em 1983, e ainda é actualmente, da competência (relativa) da Assembleia da República, carecendo, por isso, o Governo da necessária autorização legislativa para poder legislar sobre aquelas matérias, pelo que as normas em causa são organicamente inconstitucionais e não podem servir de fundamento de direito às decisões dos nossos tribunais.

Mas também não acompanhamos a recorrente nesta matéria.

A questão por ela colocada prende-se com a de saber se a matéria vertida na norma do artº 829º-A nº 4 do CC se encontra abrangida por alguma das situações previstas nas várias alíneas do nº1 do artº 165.º da Constituição da República Portuguesa, intitulado “Reserva relativa de competência legislativa”, o qual preceitua que “É da exclusiva competência da Assembleia da República legislar sobre as seguintes matérias, salvo autorização ao Governo…”

A leitura deste preceito deve ser feita conjugadamente com a do artigo 198.º da mesma Lei Fundamental, relativo à competência legislativa do Governo, intitulado “Competência legislativa”, no qual se prevê, nas suas alíneas a) e b) que “Compete ao Governo, no exercício de funções legislativas (…) Fazer decretos-leis em matérias não reservadas à Assembleia da República; e Fazer decretos-leis em matérias de reserva relativa da Assembleia da República, mediante autorização desta”, acrescentando o nº 3 do preceito em análise que os decretos-leis previstos na alínea b) do n.º 1 devem invocar expressamente a lei de autorização legislativa ao abrigo da qual são aprovados.

Ora, compulsado o DL nº Decreto-Lei 262/83, de 16 de Junho de 1983, do mesmo não consta, de facto, que o governo tenha legislado sobre a matéria constante daquele diploma, com a autorização da Assembleia da República, pelo que cumpre aferir se essa matéria cabia ou não na sua esfera legislativa (sem necessitar, portanto, de autorização da Assembleia da Republica).

E cremos que sim, pois analisadas as várias alíneas do nº 1 do artº 165º da CRP, não vemos incluída em nenhuma delas a matéria legislada – sobre sanção pecuniária compulsória –, nem a recorrente a indica também.

Como se tem decidido nos Acs. do Tribunal constitucional (que consultamos em www.dgsi.pt., designadamente, o Acórdão n.º 859/2014), para se poder invocar a inconstitucionalidade orgânica de determinada norma é necessário que se demonstre que a norma se inclui na reserva relativa de competência da Assembleia da República; porque está em causa a reserva relativa, é indispensável demonstrar que a norma sob juízo escapa ao âmbito da habilitação; e complementarmente, e de acordo com a jurisprudência do Tribunal Constitucional, é ainda determinante que a norma legal em causa tenha inovado na ordem jurídica.

Ora, nenhuma destas situações se encontra plasmada na citada norma da CRP (artº 165º nº1), tendo o Governo competência para sobre ela legislar, pelo que concluímos também que o artº 829-A nº 4 não padece de inconstitucionalidade orgânica.

Improcedem, assim, todas as conclusões de recurso da apelante.
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Decisão:

Pelo exposto, Julga-se improcedente a Apelação e confirma-se a decisão recorrida.
Custas pela recorrente.
Notifique.
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Sumário do acórdão:

I. Tendo sido fixada na sentença dada à execução uma determinada quantia devida pela executada, foi estipulado judicialmente o pagamento em dinheiro corrente, razão pela qual são devidos automaticamente juros à taxa de 5% ao ano, desde o transito em julgado daquela decisão judicial até integral pagamento, nos termos do artº. 829º-A nº4 do CPC.
II. É da responsabilidade do agente de execução a liquidação daquela sanção na conta final de custas.
III. O art. 829º-A nº4 não padece de inconstitucionalidade orgânica, uma vez que a matéria vertida naquele preceito não se encontra abrangida pelo artº. 165ºnº1 da Constituição da República Portuguesa – não sendo, por isso, matéria de reserva (relativa) da Assembleia da República.
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Guimarães, 31.1.2019

Relatora: Maria Amália Santos
1ª Adjunta: Ana Cristina Duarte
2º Adjunto: Fernando Fernandes Freitas