Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
646/14.0TBVCT-A.G1
Relator: ALEXANDRA ROLIM MENDES
Descritores: EMBARGOS DE EXECUTADO
COMPENSAÇÃO
OPOSIÇÃO À PENHORA
PRINCIPIO DA PROPORCIONALIDADE
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 10/11/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
1 - Traduzindo-se a compensação num direito potestativo extintivo que tanto pode ser exercido por via extrajudicial ou judicial, nada impede que a mesma seja invocada no requerimento de instauração da execução, desde que verificados os requisitos necessários para que possa operar, previstos no art. 847º do C. Civil

2 - O princípio da proporcionalidade no âmbito da penhora, consagrado legalmente no art. 735º, nº 3 do C.P.C., determina que esta não deve exceder os bens necessários para assegurar o pagamento da dívida exequenda e das despesas prováveis da execução.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

Relatório:

X – Engenharia e Construção, Lda, deduziu embargos de executado e oposição à penhora, por apenso à execução em que é exequente P. – Pinturas e Construção Civil, Unipessoal, Lda invocando a inexigibilidade da obrigação por a sentença que constitui título executivo, não ter ainda transitado em julgado uma vez que foi interposto recurso de revista da mesma e por considerar que a exequente efetuou uma “ilegítima compensação do crédito”. Diz ainda que a obrigação não é líquida porque não se procedeu à liquidação da mesma. Quanto à oposição à penhora, vem a Opoente alegar que os bens e direitos penhorados excedem o valor da quantia exequenda, devendo o valor das penhoras ser reduzido para o valor de 28.921,39€.

Com esses fundamentos pede que os presentes embargos sejam julgados procedentes e extinta a execução.

A exequente apresentou contestação dizendo que o recurso de revista tem sempre efeito devolutivo, sendo pois a sentença passível de execução. Refere ainda que a exequente comunicou à executada a intenção de fazer operar a compensação de créditos no requerimento executivo, sendo pois a mesma válida e admissível. Pronuncia-se também no sentido da improcedência da oposição à penhora.

Foi proferida decisão que julgou os embargos improcedentes.

Relativamente à oposição à penhora e para efeitos da decisão da mesma, o Exmº Juiz solicitou à AE informações sobre o valor previsível da quantia exequenda e custas e valor dos bens/direitos penhorados.

Após recebimento das mencionadas informações, foi proferida decisão que julgou a oposição à penhora parcialmente procedente, determinando-se “o levantamento da penhora incidente sobre o saldo bancário de 16.298,69€ (passando o valor dos bens e direitos penhorados a ascender ao valor de 36.892,09€ que se reputa suficiente, em face das citadas disposições legais para o pagamento da quantia exequenda e das despesas previsíveis da execução)”.

A Embargante/Executada veio recorrer da decisão que julgou improcedentes os embargos.
A Exequente veio recorrer da decisão que julgou parcialmente procedente a oposição à penhora.

Conclusões do recurso interposto pela Embargante:

A. A sentença recorrida encontra-se ferida de nulidade, porquanto, da mesma não consta qualquer facto dado como provado que sustente a decisão.
B. A mesma não contém qualquer facto provado donde se extraia a sua fundamentação, não procedendo à fixação de factos essenciais que se mostram provados e, porventura, não provados, nem procedendo à motivação que se impunha e que importava ponderar para a apreciação da questão em apreço.
C. Pelo Tribunal recorrido não foram fixados, ainda que de forma sumária, os factos essenciais, provados e não provados e respetiva motivação que sustente a decisão de direito proferida, limitando-se o tribunal recorrido a formular conclusões.
D. O dever de fundamentar as decisões tem consagração constitucional nos arts. 205º, nº.1 da C.R.P. e ao nível do direito processual civil no art. 154º, nº.1 do C.P.C, e a falta de especificação dos fundamentos de facto que justificam a decisão acarretam a nulidade desta. (arts. 613º, nº. 3 e art. 615º, b) do C.P.C.
E. Impunha-se que o MMº Juiz a quo explicitasse as razões de facto que estiveram na base da decisão recorrida, mormente, com recurso aos factos articulados pela recorrente e pela recorrida e, ainda, dos que resultem da prova documental junta nos autos, o que não aconteceu.
F. Trata-se, assim, de uma omissão absoluta de fundamentação que conduz à nulidade da sentença em crise, nos termos do art. 154º e 615º b) do C.P.C (como é jurisprudência uniforme) o que limita gravemente o direito de sindicar a decisão.
G. Entendeu a douta decisão que tendo sido a embargante, no âmbito do processo executivo, citada para os seus termos, a mesma tomou conhecimento da declaração da exequente produzida no requerimento executivo e isso basta para se considerar que a compensação se tornou efetiva.
H. No momento em que a execução foi intentada, além de se encontrar pendente recurso, a sentença ora executada, não existia qualquer declaração expressa por parte da exequente dirigida à executada em que procedesse à declaração de compensação, como a recorrida confessa no art. 22º dos embargos de executado apensos aos presentes autos, tal como o obriga legalmente o disposto no art. 848.º do C.C..
I. A recorrida exequente limitou-se a intentar a presente execução sem qualquer declaração de compensação, pelo que a obrigação não é, assim, líquida e exigível.
J. Desta feita, não se encontram preenchidos os requisitos da obrigação exequenda de a mesma ser certa, líquida e exigível, previstos no art. 713º do CPC.
K. A exigibilidade da obrigação coincide com o seu vencimento, não sendo exigível a prestação quando a obrigação está ainda sujeita a uma declaração de compensação, que não foi efetuada.
L. Nem se diga como o fez a sentença em crise que o titulo dado à execução é uma sentença transitada em julgado, pois à data da instauração da execução a mesma ainda estava pendente de recurso.
M. A obrigação também não é líquida, uma vez que não se procedeu à liquidação da mesma.
N. Tendo a aqui recorrente/executada direito a um contra-crédito, não pode a exequente/recorrida, sem mais, proceder à execução, não se tornando ainda líquida a quantia a receber por esta.
O. No âmbito dos presentes autos, foi dado como título para a presente execução uma sentença em que ambas as partes foram condenadas, sendo que na parte respeitante ao crédito da recorrida a mesma estava ainda dependente de recurso.
P. Não pode, a exequente reclamar da executada a quantia de 26.827,17€, acrescida dos respetivos juros, uma vez que, não procedeu à necessária compensação nos termos do art. 848º do C.C., sendo a pretensa compensação invocada em sede de execução manifestamente ilícita e abusiva.
Q. E não sendo exigível a prestação principal, porque a condição - a liquidação da compensação - não se verificou, também não são devidos os juros de mora à exequente.
R. Ainda que se entenda que a citação equivale à declaração de compensação, refira-se que sempre a recorrente/executada foi citada da instauração da execução apenas em 20.03.2017 e na pessoa do seu mandatário em 13.03.2107 e já depois de em 09.03.2017 ter entrada em Juízo da sua própria execução, sendo que, a notificação ao mandatário não opera a compensação.
S. A recorrente só foi citada da instauração da execução intentada pela recorrida em 20.03.2017 e na pessoa do seu mandatário (após a penhora) em 13.03.2017, isto é, em momento posterior a ter intentado a sua própria execução para cobrança do seu crédito (Apenso C) o que se verificou em 09.03.2017.
T. Só com a citação para a presente execução em 20.03.2017, a recorrente X teve conhecimento que esta havia invocado a compensação do seu crédito, uma vez que, a recorrida P. não efetuou qualquer declaração/notificação de compensação.
U. A citação para a presente execução é posterior à execução intentada pela recorrente, devendo por isso os presentes embargos deduzidos ser julgados procedentes.
V. Refira-se que, ainda que se entenda que a citação para a presente execução equivale a declaração de compensação, foi a embargada que deu causa ao presente incidente, ao intentar a execução sem a prévia notificação da compensação, pelo que sempre deverá ser responsável pelas custas do processo.

TERMOS EM QUE, deve conceder-se provimento ao presente recurso nos termos das conclusões referidas supra e revogando a douta decisão impugnada, farão Vossas Excelências a habitual, JUSTIÇA

As conclusões das alegações do recurso interposto pela Exequente P. – Pinturas e Construção Civil, Unipessoal, Lda, reproduzem quase ipsis verbis o “corpo” das mesmas, pelo que, tendo perdido a oportunidade de concentrar as suas conclusões, não se transcrevem as mesmas, resumindo-se o objeto deste recurso ao facto de a penhora de créditos, referida na decisão recorrida já não existir, pelo que os bens/direitos penhorados são insuficientes para satisfazer a quantia exequenda e as custas da execução. Pedindo a Recorrente que a decisão impugnada seja revogada e substituída por outra que julgue improcedente a oposição à penhora.
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Não foram apresentadas contra-alegações.
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Questões a decidir:

Recurso da Embargante:

- Da nulidade decorrente da falta de fundamentação de facto;
- Da (in)exequibilidade da obrigação;
- Da liquidez da obrigação;
- Da possibilidade de fazer operar a compensação de créditos;

Recurso da Embargada:

- Do excesso de penhora.
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Nada obstando ao conhecimento do objeto do recurso, cumpre apreciar e decidir.

Da arguida nulidade por falta de fundamentação de facto da decisão que apreciou a matéria dos embargos:

A nulidade da decisão por falta de fundamentação de facto e de direito está prevista no art. 615º, nº 1, al b) do C. P. Civil.

Os termos da motivação de uma decisão judicial estão definidos no art. 607º, nº 4 do C. P. Civil, sendo essencial a motivação para a legitimação da decisão judicial.

Assim, o tribunal deve explicar as razões pelas quais decidiu em determinado sentido e não noutro, permitindo aos intérpretes dessa sua decisão perceber em que meios de prova alicerçou a sua convicção e qual a razão por que o fez.

Lebre de Freitas e Isabel Alexandre (1) entendem que a nulidade existe quando falte em absoluto a indicação dos fundamentos de facto e a indicação dos fundamentos de direito da decisão e não a mera deficiência de fundamentação.

Conforme vem sendo decidido uniformemente pela jurisprudência, tal vício só se verifica quando se verifica a total omissão dos fundamentos de facto e de direito em que assenta a decisão.

No caso em apreço vemos que, no que respeita à fundamentação de direito, a mesma existe.

Quanto à fundamentação de facto, embora o Sr. Juiz não autonomize os factos que estão na base da decisão, verifica-se que tais factos ou pelo menos alguns se encontram mencionados aquando da análise do mérito da decisão e portanto, a decisão nunca seria nula pois, como acima se referiu só a total ausência de fundamentação faria incorrer a mesma na mencionada nulidade.

De qualquer forma, ainda que o juiz não tivesse fixado os factos que estão na base da sua decisão, em obediência ao preceituado no art. 607º, nº 3 do C. P. Civil, tal omissão não implicaria a nulidade da sentença pois, como expressamente decorre do disposto no art. 615º, nº 1 - b) acima mencionado e do que acima foi dito, apenas a completa falta de fundamentação de facto e de direito faz a sentença incorrer no invocado vício.

A omissão da decisão sobre a matéria de facto, entendendo-se que a irregularidade cometida tem influência no exame ou na decisão da causa, consiste numa nulidade processual, prevista no art. 195º, nº 1 do C. P. Civil, com o regime de arguição previsto no art. 197º do mesmo Código.

Tal nulidade, a existir, deveria ter sido suscitada em sede de 1ª instância, por aplicação dos mencionados preceitos (arts. 195º e 197º do C. P. Civil), já que esta não é uma nulidade da sentença e não é de conhecimento oficioso (2).
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Factos com interesse para a decisão da causa (provados documentalmente):

1Por apenso à ação com processo comum, com o nº 646/14.0TBVCT, veio P. – Pinturas e Construção Civil, Unipessoal, Lda instaurar ação executiva nos seguintes termos:

“Por douta sentença proferida em 27/05/2016, no Processo n.º 646/14.0 TBVCT, da Instância Central da Secção Civel-J4, deste Tribunal, foi a Ré, ora executada, condenada a pagar à Autora, ora exequente, a quantia de 27.976,93 euros (vinte e sete mil, novecentos e setenta e seis euros noventa e três cêntimos), acrescida dos juros de mora, a contar de 07/03/2014 sobre a quantia de 27.545,08 euros, à taxa legal aplicável às operações comerciais, até integral e efectivo pagamento.

Pela mesma sentença, foi a Autora, ora exequente, condenada a pagar à Ré, ora executada, a quantia de 5.393,56 euros (cinco mil, trezentos e noventa e três euros e cinquenta e seis cêntimos), acrescida de juros contados sobre esta quantia desde 30/04/2014, à taxa legal aplicável às operações comerciais até integral e efectivo pagamento.

A Ré, ora executada, interpôs recurso desta sentença para o Tribunal da Relação de Guimarães.

Também a Autora, ora exequente, interpôs recurso subordinado quanto à procedência parcial do pedido reconvencional.

Por douto despacho de fls... dos autos, foram admitidos os supra mencionados recursos (principal e subordinado), que são de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito devolutivo, ao Tribunal da Relação de Guimarães

Em 12/01/2017, foi proferido douto acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães que decidiu julgar improcedentes ambos os recursos (principal e subordinado) confirmando a douta sentença recorrida, cfr. documento que se junta sob n.º 1.

Do douto Acórdão da Relação de Guimarães, não é admissível recurso de revista, nos termos do previsto no n.º 3 do artigo 671º, do C.P.C.

Na eventualidade da Ré, ora executada, interpor recurso de revista excecional, o mesmo terá sempre efeito devolutivo, nos termos do disposto no artigo 676º, do C.P.C.

Face a tal efeito devolutivo e à falta de prestação de caução por parte da executada, vem a exequente lançar mão da presente execução.
10º
Pelo que, nesta data a exequente é credora da executada da quantia 27.976,93 euros (vinte e sete mil, novecentos e setenta e seis euros noventa e três cêntimos), acrescida dos juros de mora, a contar de 07/03/2014 sobre a quantia de 27.545,08 euros, à taxa legal aplicável às operações comerciais, até integral e efectivo pagamento.
Por sua vez, a executada é credora da exequente da quantia de 5.393,56 euros (cinco mil, trezentos e noventa e três euros e cinquenta e seis cêntimos), acrescida de juros contados sobre esta quantia desde 30/04/2014, à taxa legal aplicável às operações comerciais até integral e efectivo pagamento.
12º
Na presente data, sobre a quantia que a executada foi condenada a pagar à exequente já se venceram juros no montante de 5.742,16 euros (cinco mil, setecentos e quarenta e dois euros e dezasseis cêntimos).
13º Sobre a quantia que a exequente foi condenada a pagar à executada, já se venceram juros no montante de 1.066,51 euros (mil e sessenta e seis euros e cinquenta e um cêntimos).
14º
Procedendo-se à compensação dos créditos (33.287,24-6.460,07), neste momento, o crédito da exequente sobre a executada ascende ao montante global de 26.827,17 euros (vinte e seis mil, oitocentos e vinte e sete euros e dezassete cêntimos), sem prejuízo dos juros legais vincendos contados desde esta data até efectivo e integral pagamento.
15º
Dado o efeito devolutivo do recurso interposto pela Ré, ora executada, da douta sentença proferida em 1ª instância por este Tribunal, ou do eventual recurso de revista excecional que possa interpor, e à falta de prestação de caução por parte da executada, possui a exequente titulo executivo.
16º
O crédito da exequente é certo, líquido e exigível
Valor Líquido:
Valor NÃO dependente de simples cálculo aritmético: 0,00 €
Total:
A executada foi condenada a pagar à exequente a quantia de 27.976,93 euros (vinte e sete mil, novecentos e setenta e seis euros noventa e três cêntimos), acrescida dos juros de mora, a contar de 07/03/2014 sobre a quantia de 27.545,08 euros, à taxa legal aplicável às operações comerciais, até integral e efectivo pagamento. Nesta data, o crédito da exequente sobre a executada ascende ao montante de 33.287,24 euros (trinta e três mil, duzentos e oitenta e sete euros e vinte e quatro cêntimos)

Por sua vez, a exequente foi condenada a pagar à executada, a quantia de 5.393,56 euros (cinco mil, trezentos e noventa e três euros e cinquenta e seis cêntimos), acrescida de juros contados sobre esta quantia desde 30/04/2014, à taxa legal aplicável às operações comerciais até integral e efectivo pagamento.

Nesta data, a executada tem um crédito sobre a exequente de 6.460,07 euros (seis mil, quatrocentos e sessenta euros e sete cêntimos)

Assim, procedendo-se à compensação de créditos (33.287,24-6.460,07), neste momento, o crédito da exequente sobre a executada ascende ao montante global de 26.827,17 euros (vinte e seis mil, oitocentos e vinte e sete euros e dezassete cêntimos), sem prejuízo dos juros legais vincendos contados desde esta data até efectivo e integral pagamento.”

2 – Na data de instauração do processo executivo referido no ponto 1 tinha sido interposto, pela Ré X – Engenharia e Construção, Lda, recurso de revista excecional do Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães que confirmou a sentença de 1ª instância proferida no processo principal.
3 – Em 23/2/17 a Srª AE notificou o Município K que se “considera penhorado o crédito que X – Engenharia e Construção, Lda, NIPC (…) detém ou venha a deter (…) ficando este à ordem da signatária, até ao montante de 28.921,39€ (…).
4 – Por ofício datado de 27/2/17 (ofício nº 108), o Município K informou a Srª AE que existem créditos no valor de 24.209,39€ e que o valor fica penhorado.
5 – Em 23/2/18, na sequência de notificação que lhe foi enviada por ordem do juiz titular do processo de embargos, a AE informou que o valor da quantia exequenda e custas prováveis era de 33.597,17€ e que se encontravam penhorados os seguintes saldos bancários:
- Banco A: 868,39€;
- Banco B, SA: 16.268,69;
- BANCO C, SA: 11.784,31€.
6 – Em 9/3/17 a Srª AE enviou notificação ao Município K. notificando-o para suspender a penhora do crédito “até nova ordem”.
7 – Em 20/4/18 a Srª AE prestou informação nos autos nos seguintes termos:

“A. S., agente de execução nos autos acima referenciados, notificada do despacho de fls___ vem expor o seguinte: No processo supra identificado para além dos saldos bancários, encontra-se suspensa uma penhora de créditos no Município K no valor de 24209,39 euros, que por lapso, do qual a signatária se penitencia, não foram os autos informados. No entanto a signatária considera necessária esta penhora, uma vez que o valor da divida na presente data ascende a 34097,94 euros, conforme nota discriminativa provisória que se junta. Pelo exposto, e tendo em consideração que os saldos bancários penhorados não são suficientes para cobrar o valor da dívida actual, que a esse valor deve acautelar-se os juros moratórios, compensatórios, bem como todas as despesas processuais, e desconhecendo-se a data do efectivo e integral pagamento, em virtude do recurso interposto, salvo melhor opinião, a penhora do crédito deverá manter-se suspensa até ao transito em julgado.”
8 – Na sequência da comunicação à AE da decisão proferida no incidente de oposição à execução, em 21/06/18 a AE enviou ao Município K. notificação com o seguinte teor:

“(…) venho pela presente informar que mantemos interesse na penhora do crédito existente no valor de 24209,39 euros, pelo que deve o mesmo manter-se cativo à ordem dos presentes autos.”.
9 – Encontra-se elaborado e junto aos autos auto de penhora do crédito acima referido.
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O Direito:

A primeira questão a analisar prende-se com a exequibilidade do título.

A Embargante alega que a sentença que constitui o título executivo não exequível por não ter transitado em julgado à data da instauração da execução.

Vejamos:

O título executivo é um documento que constitui o meio legal de demonstração da existência do direito da exequente ou que estabelece, de forma ilidível, a existência daquele direito (3).

O título executivo constitui, pois, a base da execução, por ele se determinando o fim e os limites daquela (art. 10º, nº5 do C. P. Civil).

No caso o título executivo é uma sentença (art. 703º, nº 1 – a) do C. P. Civil).

A inexequibilidade da obrigação é um fundamento possível dos embargos baseados em sentença (art. 729º, alíneas a) e e) e do C. de P. Civil).

Na data de instauração da execução a que os presentes embargos se encontram apensados, tinha sido interposto recurso de revista excecional do Acórdão deste Tribunal que confirmou a sentença de 1ª instância.

Ora, conforme decorre do disposto no art. 676º, nº 1 do C. P. Civil, o recurso de revista excecional tem efeito devolutivo como regra, só tendo efeito suspensivo nas ações sobre o estado das pessoas, o que não é o caso da ação principal que tem por base a celebração de um contrato de subempreitada entre A. e R..

Assim e neste caso, o recurso mencionado tinha necessariamente efeito devolutivo, constituindo pois o Acórdão título executivo exequível, tal como dispõe o art. 704º, nº 1 do C. P. Civil.

De qualquer forma, em 12/10/2017 o recurso de revista excecional foi rejeitado pelo STJ, tendo a decisão em causa transitado em julgado.
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Da liquidez da obrigação:

A Embargante refere que a obrigação não é líquida.

“Como pressupostos processuais, o título executivo e a verificação da certeza, da exigibilidade e da liquidez da obrigação exequenda são requisitos de admissibilidade da ação executiva, sem os quais não têm lugar as providências executivas que o tribunal deverá realizar com vista à satisfação da pretensão do exequente. (4)

A obrigação é ilíquida se a sua existência for certa mas o respetivo montante ainda não estiver fixado.

O art. 716º do C. P. Civil, que trata da liquidação da obrigação, refere, na parte com interesse para o caso em apreço que, “Sempre que for ilíquida a quantia em dívida, o exequente deve especificar os valores que considera compreendidos na prestação devida e concluir o requerimento executivo com um pedido líquido (nº 1). Quando a execução compreenda juros que continuem a vencer-se a sua liquidação é feita a final, pelo agente de execução, em face do título executivo e dos documentos que o exequente ofereça em conformidade com ele ou, sendo caso disso, em função das taxas legais e juros de mora aplicáveis (nº 2).

Analisando o requerimento executivo verificamos que a Exequente liquidou a obrigação (que estava dependente de simples cálculo aritmético), calculando a quantia em dívida após subtrair o valor que ela própria devia à Executada e ainda calculando o valor dos juros já vencidos, ficando o cálculo dos vincendos para momento posterior, a cargo da AE.

Assim, a quantia em dívida, liquidada pela Exequente mediante simples cálculo aritmético, é suscetível de ser executada.

Da compensação:

Conforme resulta da sentença proferida nos autos principais, aí a Ré X – Engenharia e Construção, Lda foi condenada a pagar à aí Autora P. – Pinturas de Construção Civil, Unipessoal, Lda a quantia de 27.976,93€, acrescida de juros de mora a contar de 7/3/2004, sobre a quantia de 27.545,08€, à taxa legal aplicável às operações comerciais, até efetivo pagamento. Nessa mesma decisão, a reconvenção foi julgada parcialmente procedente e a A. condenada a pagar à Ré a quantia de 5.393,56, acrescida de juros contados sobre esta quantia desde 30/04/2004, à taxa legal aplicável às operações comerciais, até integral pagamento.

O art. 847º do C. Civil admite uma forma de extinção das obrigações denominada “Compensação”.

Diz-nos este preceito, no seu nº 1, que “Quando duas pessoas sejam reciprocamente credor e devedor, qualquer delas pode livrar-se da sua obrigação por meio de compensação com a obrigação do seu credor, verificados os seguintes requisitos:

a) Ser o seu crédito exigível judicialmente e não proceder contra ele exceção perentória ou dilatória, de direito material;
b) Terem as duas obrigações por objeto coisas fungíveis da mesma espécie e qualidade.

Como referem Pires de Lima e Antunes Varela (5) a compensação é uma forma de extinção das obrigações que, no lugar do cumprimento, como sub-rogado dele, o devedor opõe o crédito que tem sobre o credor. Ao mesmo tempo que se exonera da sua dívida, cobrando-se do seu crédito, o compensante realiza o seu crédito libertando-se do seu débito, por uma espécie de ação direta.

A compensação baseia-se na conveniência de evitar pagamentos recíprocos quando o devedor tem, por sua vez, um crédito contra o seu credor. Assim, através da compensação o devedor livra-se da obrigação, por extinção simultânea do crédito equivalente de que disponha contra o seu credor. (6)

No caso, verificam-se os requisitos necessários para que possa operar a compensação de créditos, nomeadamente a exigibilidade dos mesmos, tal como acima se analisou, no entanto, a Embargante/Apelante considera que não houve qualquer declaração por parte da exequente dirigida à executada em que procedesse a declaração da compensação.

Ora, no requerimento de instauração da execução a Exequente refere que pretende fazer operar a compensação entre os dois créditos acima referidos.

Segundo o preceituado no art. 848º, nº 1 do C. Civil, a compensação torna-se efetiva mediante declaração de uma parte à outra.

Conforme refere Menezes Cordeiro (7) a declaração pode ser feita em termos comuns, sem dependência de forma.

“A declaração de compensação é um negócio jurídico unilateral, podendo denominar-se negócio potestativo porque, através dela, é exercido o direito potestativo do declarante. Consequentemente, traduzindo-se a compensação num direito potestativo extintivo que tanto pode ser exercido por via extrajudicial ou judicial, por via de ação ou de defesa por exceção, ou por reconvenção, conforme a situação.” (8)

Deste modo, nada impede que a compensação seja invocada no requerimento de instauração da execução, não obstando à sua invocação o facto de a aqui Executada ter já intentado ação executiva para cobrança do seu crédito para com a ora Exequente, podendo eventualmente tal circunstância, conduzir a uma inutilidade superveniente dessa outra lide.

Conclui-se, pois, como na primeira instância, pela improcedência dos embargos deduzidos pela Embargante X.
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Analisemos agora o recurso da Exequente referente à decisão que reduziu a penhora, determinando o levantamento da penhora incidente sobre um dos depósitos bancários identificados nos autos.

O princípio da proporcionalidade no âmbito da penhora, consagrado legalmente no art. 735º, nº 3 do C.P.C., determina que esta não deve exceder os bens necessários para assegurar o pagamento da dívida exequenda e das despesas prováveis da execução.

Este princípio, da proporcionalidade, deve ser utilizado não só para apreciar se a penhora excede (ou não) os limites estabelecidos no art. 735º, nº 3 do C.P.C., mas também para determinar, caso se conclua pela existência de excesso, qual ou quais dos bens do executado devem permanecer penhorados, em vista da realização da finalidade última da execução – integral satisfação do crédito exequendo – e também, quais dos bens devem ser libertados e subtraídos a tal garantia.

No caso, em 23/2/18 o valor da quantia exequenda e custas prováveis era de 33.597,17€ e encontravam-se penhorados saldos bancários no montante total de 28.921,39€. Em 20/4/18 a AE informou que o valor da quantia exequenda e custas prováveis era de 34.097,94 euros.

Em 27/2/17 ficou ainda penhorado à ordem dos autos um crédito no valor de 24.209,39€, sendo devedor o Município K.
Em 9/3/17 a Srª AE enviou notificação ao Município K. notificando-o para suspender a penhora do crédito “até nova ordem”.
Em 21/06/18 a AE comunicou ao Município K. que mantinha interesse na penhora do crédito, devendo o respetivo montante ficar cativo à ordem dos autos.

Em face destes factos verificamos que, ao contrário do que alega a Exequente, a penhora do crédito nunca foi levantada, tendo sido apenas “suspensa”, provavelmente e em face da informação prestada pela AE em 24/4/18, por causa da dedução do incidente de oposição à penhora.

Não colhe o argumento da Exequente no sentido de que entretanto o Município K. pode já ter procedido ao pagamento total ou parcial à executada pois, como se referiu, a penhora do crédito nunca foi levantada, pelo que, a ter entregue a quantia à Executada (o que certamente o Município referiria ao processo caso tal tivesse acontecido em face do previsto no art. 773º, nº 4 do C. P. Civil) o Município seria responsável pelo seu pagamento nos termos do disposto nos art. 771º do C.P. Civil, aplicável à penhora de créditos por via do preceituado no art. 783º do mesmo Código, pelo que a Exequente sempre teria assegurado o pagamento de tal valor.

Deste modo, ascendendo a dívida exequenda e encargos da execução a cerca de 34.000,00€ e estando penhorados à ordem dos autos montantes que perfazem 53.160,78€ é manifesto que, mesmo tendo em conta o valor dos juros que entretanto se vencerão, a penhora excede manifestamente o valor que a penhora pretende assegurar, pelo que, bem andou o Sr. Juiz ao levantar a penhora que incidia sobre um dos depósitos bancários.

Improcede, assim, a apelação da Exequente/Embargada.
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DECISÃO:

Pelo exposto, acorda-se nesta secção cível do Tribunal da Relação de Guimarães em julgar improcedente as apelações, confirmando-se as decisões recorridas.
Custas a cargo das Recorrentes.
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Guimarães, 11 de outubro de 2018

(Alexandra Rolim Mendes)
(Maria de Purificação Carvalho)
(Maria dos Anjos Melo Nogueira)


1. in Código de Processo Civil anotado, 3ª ed., 2º vol., págs 735 e 736
2. Abrantes Geraldes in Recursos no Novo Código de Processo Civil, 3ª ed., pág. 24
3. José Lebre de Freitas, A Acção Executiva à luz do Código Revisto, 2ª ed., pág. 30
4. José Lebre de Freitas, A Acção Executiva à luz do Código Revisto, 2ª ed., pág. 28
5. in Código Civil anotado, vol. II, pág. 135
6. v. Ac. STJ de 14/3/2013, in www.dgsi.pt
7. in Da Compensação no Direito Civil e no Direito Bancário, pág. 129
8. v. Ac. R. L. de 7/5/15 in www.dgsi.pt