Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
6952/10.5TBBRG-A.G1
Relator: ANTÓNIO BARROCA PENHA
Descritores: EMBARGOS SUPERVENIENTES
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 06/28/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
Sumário (art. 663º, n.º 7, do C. P. Civil):

I- Conforme decorre do disposto no art. 728º, n.º 2, do C. P. Civil, há a possibilidade de instauração de “embargos supervenientes” nos seguintes casos: a) quando o facto que os fundamenta ocorrer depois da citação do executado (superveniência objetiva); b) quando este tiver conhecimento do facto depois da sua citação (superveniência subjetiva).

II- Cabe sempre ao embargante a prova dos factos que constituem a superveniência (objetiva ou subjetiva) da matéria da oposição (art. 588º, n.º 2, in fine, do C. P. Civil).

III- Não são de indeferir liminarmente, por extemporaneidade, os “embargos supervenientes”, quando se mostre controvertida a alegada superveniência subjetiva da matéria da oposição.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

I. RELATÓRIO

Por apenso à execução para pagamento de quantia certa intentada por Banco X, S.A. contra Helena, veio esta última deduzir os presentes embargos de executado, alegando, em suma, que a embargante/executada tem vindo a efetuar pagamentos por conta da quantia exequenda, levando a que atualmente a embargante tenha regularizado todas as prestações que se encontravam em débito, por conta do contrato de crédito/mútuo à habitação celebrado entre as partes, sendo certo que o embargado/exequente, ainda que tacitamente, deu sem efeito a resolução unilateral do referido contrato, estando a embargante/executada a cumprir atempadamente as prestações mensais vincendas nas respetivas datas de vencimento, pelo que a execução deverá ser extinta.

Uma vez recebidos liminarmente os presentes embargos de executado, veio o Banco embargado/exequente apresentar contestação, alegando, desde logo, a extemporaneidade da oposição à execução, porquanto a embargante foi citada o dia 17 de Dezembro de 2010, não tendo deduzido oposição à execução, sendo certo que a previsão contida no n.º 2, do art. 728º, do C. P. Civil, não tem, aqui, aplicação.

A embargante/executada sustenta que a execução deve ser declarada extinta porquanto cumpriu o acordo que celebrou com o embargado/exequente, tendo por isso repristinado o contrato exequendo, cujo plano de reembolso está a cumprir escrupulosamente.

No entanto, a embargante/executada foi notificada para se pronunciar quanto à modalidade da venda e valor do bem penhorado à ordem dos autos no dia 16 de Setembro de 2015, pelo que, nessa data, sem qualquer dúvida, tomou conhecimento que o processo de execução prosseguia os seus termos, tendo cessado a sua suspensão, pelo que era a partir desse momento que a embargante/executada dispunha do prazo para deduzir a oposição à execução.

Apesar de a embargante/executada afirmar que só no dia 21 de Março de 2016 é que se apercebeu que tinha totalmente regularizado o seu débito junto do embargado/exequente, essa argumentação não pode colher porquanto, a partir do momento em que o embargado/exequente requereu o prosseguimento dos autos, tal significa que o acordo foi incumprido.

Ademais, o contrato de mútuo executado foi definitivamente resolvido e nenhum pagamento a ele associado se encontra em vigor, sendo que todos os pagamentos efetuados pela embargante/executada junto da embargada/exequente foram recebidos por conta e devidamente imputados ao crédito exequendo, pelo que não alegando, nem demonstrando o pagamento integral da quantia exequenda, deverão ser julgados improcedentes os presentes embargos de executado.

A embargante/executada respondeu à matéria de exceção de extemporaneidade dos presentes embargos de executado, sustentando que, por volta de Outubro de 2014, regularizou o pagamento das prestações mensais do empréstimo que havia contraído junto do embargado/exequente, para aquisição da metade indivisa da sua fração.

Desde essa altura, que todos os meses a embargante/executada paga a prestação mensal do seu empréstimo.

Só se apercebeu que já tinha totalmente regularizado o seu débito junto do embargado/exequente no dia 21 de Março de 2016, tal como consta no artigo 24º dos embargos de executado, razão pela qual deduziu os seus embargos em 26 de Março de 2016.

Só a partir dessa data é que a embargante/executada se apercebeu que as prestações mensais de crédito pagas estavam a ser descontadas no valor do crédito à habitação e estavam a ser operadas, registadas e contabilizadas como se nunca tivesse ocorrido qualquer resolução do mesmo, o que demonstra, de forma inequívoca, que, ainda que tacitamente, o embargado/exequente deu sem efeito a resolução unilateral do contrato de mútuo realizado com a embargante/executada.

Na sequência, por decisão de 13 de Março de 2018, foram os presentes embargos de executado indeferidos liminarmente, ao abrigo do disposto no art. 732º, n.º 1, al. a), do C. P. Civil.

No essencial, a decisão recorrida considerou que: “(…) Com efeito, no artigo 3º, do requerimento de fls.94-96, dos presentes autos, afirma-se que por volta de Outubro de 2014, a embargante/executada regularizou o pagamento das prestações mensais do empréstimo que havia contraído junto do embargado/exequente “Banco X, S. A.”, para aquisição da metade indivisa da sua fracção.

No artigo 4º, subsequente, afirma-se que desde essa altura (Outubro de 2014) que a embargante/executada paga todos os meses a prestação referente a esse empréstimo.

Em face do exposto, se o pagamento das prestações está regularizado desde Outubro de 2014, a oposição à execução deveria ter sido deduzida nessa altura e não cerca de 2 (dois) anos depois.

Por sua vez, na petição da oposição à execução, a identificada Helena afirma, no artigo 22º, que há mais de um ano e meio (tendo por referência a data da dedução deste incidente declarativo) que tem regularizado o seu débito junto do embargado/exequente, encontrando-se, desde essa altura, a pagar, atempadamente, o valor da prestação mensal referente ao crédito à habitação.

Ora, se desde há um ano e meio, contado do dia 26 de Março de 2016, que o crédito do mencionado “Banco X, S. A.” se encontra regularizado, então impunha-se que a oposição à execução fosse instaurada nessa ocasião.

Deste modo, não obstante a embargante/executada Helena referir que apenas no dia 21 de Março de 2016 é que se apercebeu da regularização do seu débito junto do embargado/exequente, na verdade, no requerimento de fls.94-96, dos presentes autos, menciona que essa regularização verificou-se em Outubro de 2014 e na petição da oposição à execução afirma que tal regularização ocorreu há mais de um ano e meio (tendo por referência a data da dedução dos embargos de executado – dia 26 de Março de 2016).
Para além do que ficou sobredito, do compulso dos autos principais, constata-se que a instância executiva esteve suspensa, por acordo das partes, nos termos do artigo 272º, nº4, do Código de Processo Civil (cfr. referência n.º 2051065).

No entanto, da suspensão não resultou qualquer acordo extrajudicial, razão pela qual o(a) Sr.(a) AE notificou as partes para que se pronunciassem quanto à modalidade de venda e valor do bem penhorado.
A notificação da embargante/executada Helena efectuou-se por carta remetida no dia 16 de Setembro de 2015 (cfr. referência nº2281558, dos autos principais).
A decisão do(a) Sr.(a) AE quanto à modalidade da venda e o valor-base do bem penhorado foi notificada à embargante/executada por carta remetida no dia 29 de Outubro de 2015 (cfr. referência nº2553865).
Ora, se a alegada regularização do crédito exequendo teve lugar em Outubro de 2014 (cfr. requerimento de fls.94-96, dos presentes autos) e cerca de um ano e meio antes da dedução da oposição à execução (dia 26 de Março de 2016), com a notificação de 16 de Setembro de 2015, supra referida, bem como com a notificação de 29 de Outubro de 2015, supra mencionada, impunha-se à embargante/executada Helena que deduzisse os competentes embargos de executado.

Com efeito, se, alegadamente, nessa altura, o seu débito para com o embargado/exequente já não se encontrava em situação de incumprimento, a execução não poderia prosseguir para a fase da venda, pelo que deveria ter deduzido a competente oposição à execução, o que, contudo, não fez.
Em face do exposto, os embargos de executado deduzidos pela embargante/executada Helena são manifestamente extemporâneos (cfr. artigo 728º, n.º 1, a contrario e n.º 2, a contrario, do Código de Processo Civil), sendo certo que não foi invocado o incidente do justo impedimento.

Inconformada com o assim decidido, veio a embargante/executada interpor recurso de apelação, nele formulando as seguintes

CONCLUSÕES

I. A Recorrente não pode concordar com a douta sentença recorrida por entender que nela se fez uma incorreta apreciação da prova e uma incorreta aplicação do direito.
II. Entende a Recorrida, não obstante o muitíssimo respeito pela Digníssima Magistrada que subscreveu a sentença recorrida, não assiste razão ao Tribunal a quo no argumento por si apresentado para justificar a extemporaneidade dos presentes Embargos de Executado.
III. Os presentes Embargos foram apresentados tempestivamente e como tal a douta decisão recorrida está enferma de uma profunda injustiça!!!
IV. A Recorrente celebrou com o Recorrido diversos acordos de pagamento da quantia ainda em débito nos presentes autos, acordos esses que foram sempre aceites pelo Recorrido.
V. Em 21 de Novembro de 2013, atento os pagamentos efetuados pela Recorrente e tendo em conta a dedução do valor, por via da aquisição por parte do Recorrido, da propriedade de ½ indivisa da fração em apreço nos autos, o montante em débito nos presentes autos, passou a ascender a apenas 22.228,53€,tal como confessado pelo próprio Recorrido mediante requerimento remetido aos autos executivos, naquela data.
VI. Após a referida data de 21 de Novembro de 2013, a Recorrente foi continuando a efetuar o pagamento quer de diversas prestações já anteriormente em dívida quer das prestações mensais que entretanto se iam mensalmente vencendo, referentes ao crédito á habitação que havia celebrado com o Embargado, o que levou a que, na data da apresentação dos referidos Embargos de Executado, a Recorrente já tivesse regularizado todas as prestações que se encontravam em débito nos presentes autos.
VII. Dado que a Recorrente se encontrava a pagar, simultaneamente, junto do Recorrido, as prestações já vencidas em data muito anterior e as prestações que entretanto se foram vencendo, mensalmente, referente ao crédito à habitação em apreço, a mesma não se apercebeu, de imediato de que já havia regularizado o seu débito junto do Recorrido.
VIII. Não obstante a Recorrente ter regularizado o seu débito junto do Recorrido em Outubro de 2014, a mesma só tomou conhecimento e consciência dessa regularização em 21 de Março de 2016, altura em que, de imediato, deduziu os presentes Embargos de Executado.
IX. Venerandos Desembargadores, parece plausível a V. Exas., de acordo com as mais básicas regras de experiencia comum que, se a Recorrente tivesse conhecimento, naquelas datas, que o seu débito para com o Recorrido se encontrava regularizado, a mesma NÃO FIZESSE NADA…IA PURA E SIMPLESMENTE DEIXAR A METADE INDIVIDA DA SUA PROPRIEDADE SER VENDIDA JUDICIALMENTE?! Claro que não!!!
X. A Recorrente, não obstante ter regularizado o seu débito em Outubro de 2014, dado que continuou a efetuar o pagamento mensal das prestações devidas pelo crédito á habitação, apenas se apercebeu daquela regularização em 21 de Março de 2016, tendo em 26 de Março de 2016 deduzido os presentes Embargos de Executado, pelo que não podia o Tribunal a quo ter decidido pela extemporaneidade dos mesmos.
XI. Resulta do disposto no artigo 728º nº 2 do C.P.C. que: “ Quando a matéria da oposição seja superveniente, o prazo conta-se a partir do dia em que ocorra o respectivo facto ou dele tenha conhecimento o executado”.
XII. Segundo Ana Prata in Dicionário Jurídico - Volume I Direito Civil, Direito Processual Civil e Organização Judiciária, Reimpressão da 5.ª Edição de Janeiro/2008 : Consideram-se supervenientes os factos que ocorreram após o decurso dos prazos legalmente estabelecidos para a apresentação dos articulados das partes (factos objectivamente supervenientes) e ainda aqueles que, tendo ocorrido antes, só vieram ao conhecimento da parte depois de esgotados aqueles prazos (factos subjectivamente supervenientes).” ( sublinhado nosso).
XIII. Tendo a Recorrente alegado e invocado que apenas tomou conhecimento da regularização do seu débito ocorrida em Outubro de 2014, em 21 de Março de 2016 e tendo o Tribunal a quo dúvidas quanto à verificação de tal facto invocado, quanto muito, deveria ter considerado tal facto controvertido e como tal sujeito a ter que ser provado pela Recorrente em sede de audiência de discussão e julgamento
XIV. Venerandos Desembargadores, uma coisa é a dívida em causa, na data das referidas notificações, já se encontrar regularizada, coisa distinta é a Recorrente, nessas datas, já ter conhecimento e consciência dessa regularização, o que não tinha?!
XV. Tendo a Recorrente alegado que só teve conhecimento dessa regularização em 21 de Março de 2016 e não da data da sua regularização, em Outubro de 2014, o Tribunal a quo, possuindo dúvidas quanto a tal facto, teria que sujeitar o facto alagado pela Recorrente a prova em sede de audiência de discussão e julgamento e não a indeferir liminarmente os presentes autos por extemporaneidade por inexistência de elementos probatórios para o efeito.
XVI. Acresce que o próprio Recorrido não nega a regularização da divida por parte da Recorrente.
XVII. Não obstante o Recorrido ter resolvido, unilateralmente, o contrato de crédito á habitação celebrado com a Recorrente e marido desta e consequentemente ter intentado os presentes autos para obter o pagamento da totalidade do valor do mesmo, o Recorrido tem aceite o pagamento das prestações pagas pela Recorrente, deduzindo as mesmas ao valor do crédito á habitação inicial e emitindo e enviando, mensalmente, à Recorrente, o respectivo extracto integrado onde indica o capital ainda em divida referente ao crédito à habitação e a consequente redistribuição do valor da prestação, pelo capital em divida e pelos respectivos juros. Ver documentos nºs 6 e 7 juntos com os Embargos de Executado.
XVIII. Tal significa que, ainda que tacitamente, o Embargado, ao abrigo do principio da liberdade contratual previsto no artigo 405º do Código Civil, deu sem efeito ( revogação tácita ) a resolução unilateral do referido contrato, pois caso contrário, nunca o Recorrido poderia continuar a aceitar o pagamento das prestações mensais referentes ao contrato de crédito á habitação em causa, pagas pela Recorrente, devendo, tais prestações (quantias) ser entregues à Senhora Agente de Execução e redistribuídas por esta para pagamento da quantia exequenda e acrescidos legais inerentes ao presente processo.
XIX. Uma vez que, na presente data, se encontram regularizadas todas as prestações mensais vencidas referentes ao crédito em causa e estando a Recorrente a cumprir escrupulosa e atempadamente o pagamento de todas as prestações vincendas nas respectivas datas de vencimento, sempre que, mensalmente, ocorre o vencimento de uma prestação e a Recorrente a liquida, ocorre uma facto superveniente que sustenta e fundamenta a dedução de Embargos de Executado pela Recorrente ao abrigo do disposto no artigo 728º, nº 2 do C.P.C., motivo pelo qual, os presentes embargos, também por tal facto, NUNCA poderiam ter sido indeferidos liminarmente por extemporaneidade
XX. O comportamento adoptado pelo Recorrido ao não negar a regularização da divida pela Recorrente, a aceitar as prestações mensais pagas por aquela e a tratá-las no âmbito do cumprimento do crédito á habitação e mesmo assim ao não desistir da presente acção executiva espelha a má-fé contratual com o que o mesmo tem pautado o seu comportamento para com a Recorrente no tratamento da presente situação.
XXI. Acresce ainda que se se aceitar e admitir o entendimento perfilhado pelo Tribunal a quo de que se a Recorrente apenas poderia ter deduzido Embargos de Executado, nos vinte dias subsequentes á sua notificação da modalidade da venda, o que não se admite de todo, estaríamos a impedir a mesma de “lançar mão” de um meio de defesa quanto à arbitrariedade e abuso de direito com que o Recorrido tem pautado o seu comportamento.
XXII. Venerandos Desembargadores atentem no seguinte: A Recorrente regularizou o seu débito para com o Recorrido em Outubro de 2014, desde essa data que continuou a pagar a prestação mensal do seu crédito á habitação sendo que o Recorrido aceita tais pagamentos e trata os mesmos como sendo o cumprimento do crédito á habitação em apreço nos autos, contudo, não desiste da presente acção executiva. Perante esta situação, entende o Tribunal a quo que a Recorrente não pode deduzir Embargos de Executado porque o deveria ter feito em Setembro/ Outubro de 2015, data da sua notificação para a modalidade da venda?!
XXIII. Urge questionar, Venerandos Desembargadores, a aceitar-se o argumento perfilhado pelo Tribunal a quo, como pode a Recorrente defender-se desta situação?! Fica impedida de o fazer?! Com o devido respeito, não podemos anuir nem aceitar tal entendimento uma vez que o mesmo nega e veda á Recorrente o direito de se defender nos presentes autos, o que é manifestamente inconstitucional.
XXIV. A existência dos presentes autos, além de infundada, leva a uma situação de profunda injustiça, uma vez que o Recorrido está a peticionar, duplamente, o valor ainda em falta referente a um contrato de crédito à habitação que está a ser cumprido pela Recorrente.
XXV. Não permitir que a Recorrente possa deduzir os presentes Embargos de Executado é coartá-la no direito de exigir a extinção dos presentes autos de execução por cumprimento e permitir que o Recorrido continue a actuar em clamoroso abuso de direito, exigindo à Recorrente, em dobro, o valor do crédito à habitação que está a ser pago pontualmente por esta, pelo que, também por este motivo e dado que a sentença recorrida viola o direito constitucional da Recorrente de se defender em Tribunal, deve a mesma ser revogada e substituída por outra que admita os presentes Embargos de Executado deduzidos em 26 de Março de 2016.
XXVI. Ao não decidir no sentido das conclusões anteriores, a douta sentença recorrida viola, entre outros, os artigos 20º da Constituição da Republica Portuguesa, 288º, 334º, 405º e 433º do Código Civil, e 341º, 342º, 728º, nºs 1 e 2 e 732º do C.P.C.
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O Banco embargado apresentou contra-alegações, tendo concluído pela improcedência do presente recurso, mantendo-se a douta sentença recorrida.
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Após os vistos legais, cumpre decidir.
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II. DO OBJETO DO RECURSO:

O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo o Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso - cfr. arts. 635º, n.º 4, 637º, n.º 2 e 639º, nºs 1 e 2, do C. P. Civil.

No seguimento desta orientação, cumpre fixar o objeto do presente recurso.

Neste âmbito, a única questão decidenda traduz-se nas seguintes:

A) Saber se houve erro de direito na decisão recorrida quanto ao indeferimento liminar, por extemporaneidade, dos presentes embargos de executado.
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III. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Os factos a considerar são os que constam do Relatório que antecede.
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IV) FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

Da tempestividade dos presentes embargos de executado

Prescreve o disposto no art. 728º, n.º 1, do C. P. Civil, que: “O executado pode opor-se à execução por embargos no prazo de 20 dias a contar da citação.

Não obstante, logo em seguida, estipula o n.º 2 do mesmo preceito legal que: “Quando a matéria da oposição seja superveniente, o prazo conta-se a partir do dia em que ocorra o respetivo facto ou dele tenha conhecimento o executado.

Assim, José Lebre de Freitas (1) escreve que: “A oposição à execução deve ser deduzida no prazo de 20 dias a contar da citação do executado … Há, no entanto, a possibilidade de “embargos supervenientes”: a) quando o facto que os fundamenta ocorrer depois da citação do executado; b) quando este tiver conhecimento do facto (ex: o pagamento efectuado por um seu antecessor) depois da sua citação.

A este propósito a doutrina tem vindo a afirmar que no primeiro caso estamos perante uma superveniência objetiva; enquanto no segundo caso estamos perante uma superveniência subjetiva. (2)

De todo o modo, caberá sempre ao embargante a prova dos factos que constituem a superveniência (objetiva ou subjetiva) da matéria da oposição, tal como a lei processual civil dispõe no que se refere aos “articulados supervenientes” (art. 588º, n.º 2, in fine, do C. P. Civil).

No caso em apreço, a embargante veio invocar que, por volta de Outubro de 2014, regularizou o pagamento das prestações mensais do empréstimo que havia contraído junto do embargado/exequente, para aquisição da metade indivisa da sua fração.

Desde essa altura, que todos os meses a embargante/executada paga a prestação mensal do seu empréstimo.

Porém, só se apercebeu que já tinha totalmente regularizado o seu débito junto do embargado/exequente no dia 21 de Março de 2016, razão pela qual deduziu os seus embargos em 26 de Março de 2016.

Só a partir dessa data é que a embargante/executada se apercebeu que as prestações mensais de crédito pagas estavam a ser descontadas no valor do crédito à habitação e estavam a ser operadas, registadas e contabilizadas como se nunca tivesse ocorrido qualquer resolução do mesmo, o que demonstra, de forma inequívoca, que, ainda que tacitamente, o embargado/exequente deu sem efeito a resolução unilateral do contrato de mútuo realizado com a embargante/executada.

O tribunal a quo considerou, desde logo, que tendo a embargante/executada alegado que, em Outubro de 2014, havia regularizado o seu débito junto do Banco embargado/exequente, então impunha-se que a oposição à execução fosse instaurada nessa ocasião.

Ademais, o tribunal a quo, depois de enunciar que a instância executiva esteve suspensa, por acordo das partes, nos termos do disposto no art. 272º, n.º 4, do C. P. Civil, verificou que o agente de execução notificou as partes para se pronunciarem sobre a modalidade da venda e valor do bem penhorado a vender, sendo que a respetiva notificação à embargante/executada efetuou-se por carta remetida a 16 de Setembro de 2015. (cfr. referência citius n.º 2281558 do processo principal apenso).

Por sua vez, a decisão do agente de execução quanto à modalidade da venda e o valor base do bem penhorado foi notificada à embargante/executada por carta remetida no dia 29 de Outubro de 2015 (cfr. referência citius n.º 2553865 do processo principal apenso).

Deste modo, concluiu o tribunal a quo que, conforme o alegado pela embargante/executada, a regularização do crédito exequendo teve lugar em Outubro de 2014, pelo que, com a referida notificação de 16 de Setembro de 2015, bem como com a mencionada notificação de 29 de Outubro de 2015, impunha-se à embargante/executada Helena que deduzisse os competentes embargos de executado.
Consideramos, porém, que assiste razão à embargante/executada.

Senão vejamos.

Como resulta do seu requerimento de embargos de executado, a embargante/executada não invoca a dita superveniência objetiva para a dedução oportuna dos presentes embargos supervenientes.

Invoca e aceita que o facto superveniente há muito que se consolidou, designadamente quando invoca que, há mais de um ano e meio (com referência à data da instauração dos presentes embargos de executado), logrou regularizar o seu débito junto do Banco embargado/exequente, encontrando-se a pagar, atempadamente, o valor da prestação mensal referente ao crédito à habitação celebrado com aquele Banco.
Outra coisa, porém, é a data em que a embargante/executada teve efetivamente conhecimento (superveniência subjetiva) desta regularização do seu débito junto do Banco embargado/exequente, originando, assim, no seu entendimento, a extinção da presente execução.
A embargante/executada invoca que só teve conhecimento desta regularização em 21 de Março de 2016.
Na decisão recorrida considerou-se que, com a regularização do débito exequendo pela embargante/executada em Outubro de 2014 e com as apontadas notificações ocorridas em 16 de Setembro de 2015 e 29 de Outubro de 2015, relativas à venda do bem penhorado, impunha-se à embargante/executada Helena que deduzisse os competentes embargos de executado.
Todavia, esta argumentação não nos permite, sem mais, concluir que a embargante/executada teria necessariamente que já ter conhecimento daquela regularização da dívida para com o Banco embargado.

Outrossim, verifica-se da documentação junta (cfr. docs. de fls. 12 verso a 14) que os extratos bancários referentes à conta onde alegadamente tem vindo a ser debitadas as referidas prestações mensais de amortização do crédito à habitação celebrado com o Banco embargado são dirigidos ao co-executado Filipe e não à embargante/executada.
Daqui resulta que não temos qualquer facto concreto que nos permita concluir, de forma incontroversa, que a embargante/executada tinha já conhecimento da factualidade que serve de fundamento aos presentes embargos de executado em data muito anterior à instauração dos mesmos, mormente naquelas datas apontadas na decisão recorrida, pelo que esta matéria sempre se revelaria controvertida e, como tal, sujeita a prova.
Impõe-se assim, revogar a decisão recorrida, de modo a que os autos prossigam os seus ulteriores termos, designadamente conferindo-se a possibilidade à embargante/executada de demonstrar a superveniência do conhecimento da regularização do débito exequendo junto do Banco embargado/exequente.
Tudo, claro está, sem prejuízo dos mesmos embargos de executado poderem vir a ser indeferidos, caso se entenda que os factos alegados não constituem fundamento legalmente admissível para a dedução de oposição à execução.
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V. DECISÃO

Pelo exposto, concede-se provimento ao presente recurso de apelação e, consequentemente, revoga-se a decisão recorrida, determinando-se o prosseguimento dos ulteriores termos processuais.
Custas pelo apelado (art. 527º, nºs 1 e 2, do C. P. Civil).
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Guimarães, 28.06.2018

António José Saúde Barroca Penha
Eugénia Marinho da Cunha
José Manuel Alves Flores



1. In A Ação Executiva, 6ª Edição, Coimbra Editora, pág. 223.
2. Cfr. Virgínio da Costa Ribeiro e Sérgio Rebelo, in A Ação Executiva Anotada e Comentada, Almedina, 2015, pág. 243.