Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1320/16.8T8VRL-A.G1
Relator: SANDRA MELO
Descritores: MEIOS DE PROVA
REQUERIMENTO PROBATÓRIO
PRAZO DE APRESENTAÇÃO DO REQUERIMENTO PROBATÓRIO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 11/16/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: TOTALMENTE IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:

1- A possibilidade dada ao Autor de apresentar requerimento probatório no caso de ter sido apresentada contestação, no prazo de dez dias a contar da apresentação desta ou na própria réplica, prevista na 2ª parte do artigo 552º nº 2 do Código de Processo Civil, não depende da apresentação de meios de prova na petição inicial.

Sandra Melo

Decisão Texto Integral:
I. Relatório

A. P. e esposa M. A., NIF nº … e …, , residentes na Rua …, Vila Real, instauraram contra:
M. P. e esposa E. L., casados no regime da comunhão de adquiridos, residentes na 7, …, França,
a presente ação especial de divisão de coisa comum.
São os seguintes do factos processuais relevantes nestes autos:

1) Com a petição inicial deste processo especial, os Autores juntaram um documento (descrição do prédio na Conservatória do Registo Predial), mas não arrolaram testemunhas, nem requereram outros meios de prova.
2) Os Réus contestaram, deduzindo pedido reconvencional, o qual veio a ser admitido.
3) Os Autores apresentaram réplica, em 19 de Dezembro de 2016, pugnando pela improcedência da reconvenção, afirmando serem falsos os factos alegados pelos Réus e apresentaram requerimento probatório, nos seguintes termos:

i. PROVA POR DEPOIMENTO DE PARTE: Requerem o depoimento de parte dos AA. à matéria vertida nos art.ºs 6.º a 12.º desta peça processual;
ii. PROVA POR DECLARAÇÕES DE PARTE: Requerem seja obtidas declarações de parte do A. à matéria dos art.º 6.º a 12.º por se tratar de matéria que detém conhecimento e intervenção direta.
iii. PROVA TESTEMUNHAL: Requerem a inquirição das testemunhas infra para comparência no Tribunal: 1. A. M., residente na Rua das … Vila Real; 2. L. M., residente na Rua das … Vila Real; 3. M. M., residente no Lugar …Vila Real.
4) Em 11 de Janeiro de 2017, os Réus apresentaram requerimento em que peticionaram o indeferimento, por manifestamente extemporâneo, do requerimento probatório, invocando “O artigo 552º n.º 2 do CPC estabelece: "No final da petição, o autor deve apresentar o rol de testemunhas e requerer outros meios de prova; caso o réu conteste, o autor é admitido a alterar o requerimento probatório inicialmente apresentado, podendo fazê-lo na réplica, caso haja lugar a esta, ou no prazo de 10 dias a contar da notificação da contestação.” Acontece porém que o Autor inicialmente não apresentou qualquer requerimento probatório e, nos termos legais, com a réplica o Autor é apenas admitido a alterar o requerimento probatório inicialmente apresentado.”
5) Em sede de audiência prévia:

a. -- os Autores requereram “a alteração do seu depoimento de prova no sentido de ficar a constar que requer o depoimento de parte dos Réus aos artigos 6º a 12º da réplica.
b. -- os Réus responderam manter os requerimentos já apresentados.
c. -- foi proferido despacho, sem qualquer fundamentação, no que se refere à questão da tempestividade, nos seguintes termos:

· Defiro o depoimento de parte dos réus à matéria dos artigos 6º a 12º da réplica} nos termos do art.º 452º do c.P. Civil. ---
· Defiro as declarações de parte do autor, nos termos do disposto no art.º 466º do c.P. Civil. ­Admito a prova testemunhal indicada pelos autores e réus. ---
· Admito a prova documental junta aos autos. ---
· Defiro ainda o requerimento de fls. 17, no sentido de ser oficiado à Conservatória do Registo Predial para juntar aos autos cópia da apresentação 3579 de 20-11-2009 do prédio descrito sob o n.º … e documentos que acompanharam a referida apresentação. ---
6) Os Réus interpuseram o presente recurso de apelação, pugnando para que seja revogado o despacho de admissão da prova testemunhal, do depoimento de parte e das declarações de parte, apresentados pelos Autores na réplica, por manifestamente extemporâneos, em violação dos artigos 552º nº 2 e 598º CPC e seja revogada a decisão recorrida.

Formulou as seguintes
conclusões:

Com a petição inicial os Autores não apresentaram nem o rol de testemunhas nem outros meios de prova.
IIº Com a Réplica vieram os Autores apresentar, extemporaneamente, o rol de testemunhas o requerimento de depoimento de parte e de declarações de parte.
IIIº Nos termos do artigo 552º n.º 2 do CPC, no final da petição inicial o Autor deve apresentar o rol de testemunhas e requerer outros meios de prova,
IVº na réplica apenas é admitido ao Autor alterar o requerimento probatório inicialmente apresentado.
A decisão de admissão do rol de testemunhas, do depoimento de parte e das declarações de parte, apresentadas pelo Autor com a réplica, viola os artigos 552º n.º 2 do CPC e 598º do CPC.
Os recorridos apresentaram contra-alegações, nas quais defendem a improcedência do recuso, sustentando-se no seguinte:
deverá a reconvenção ser admitida, como foi, ao abrigo do disposto nos artigos 266°, n." 3 e 37°, n.os 2 e 3 do Código de Processo Civil, ordenando-se, em consequência, que o processo siga os termos, subsequentes à contestação, do processo comum.
Assim, como resposta à reconvenção é permitida a dedução e réplica para resposta à matéria da reconvenção, podendo para contraprova dos factos inovados em sede de reconvenção ser indicada a prova que aos AA. Reconvindos melhor lhes aprouver.
De forma que não resulta extemporânea a prova apresentada em sede de réplica, bem andando a M. Juiz a quo ao decidir como decidiu, admitindo a prova indicada em sede de réplica.”

Observaram-se os vistos.

II. Questões a decidir

O objeto do recurso é definido pelas conclusões das alegações, mas esta limitação não abarca as questões de conhecimento oficioso, nem a qualificação jurídica dos factos (artigos 635º nº 4, 639º nº 1, 5º nº 3 do Código de Processo Civil).
Este tribunal também não pode decidir questões novas, exceto se estas se tornaram relevantes em função da solução jurídica encontrada no recurso e os autos contenham os elementos necessários para o efeito. - artigo 665º nº 2 do mesmo diploma.
Da mesma forma, não está o tribunal ad quem obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes para sustentar os seus pontos de vista, desde que prejudicadas pela solução dada ao litígio.

Assim, cumpre verificar se é tempestiva a apresentação da prova efetuada pelos Autores na sua réplica.

III. Fundamentação de Facto

Os factos relevantes para a decisão já se mostram elencados e numerados supra, pelo que se não repetem nesta sede.

IV. Fundamentação de Direito

Tal como para a petição inicial de um processo comum, também o artigo 925.º do Código de Processo Civil, ao estipular sobre o teor da petição inicial neste tipo de processo especial, especifica que nesta devem ser indicadas as provas.
Este processo segue, quando o juiz o juiz não possa conhecer logo da questão, os termos do processo comum, após a contestação (ou quando se verifique que a revelia não é operante) -artigo 926º do mesmo diploma.
Foi o que aconteceu neste caso, face à admissão da reconvenção.
Há, pois, que olhar agora para o processo comum.
Caso o Réu conteste, permite o artigo 552º nº 2 do Código de Processo Civil que o Autor altere o requerimento probatório inicialmente apresentado, o que pode fazer ou nos dez dias seguintes à notificação desta peça ou na réplica.
Pretende o recorrente que se entenda que esta norma não permite, na ausência de qualquer requerimento probatório na petição inicial, que o Autor apresente mais meios de prova, visto que a norma apenas menciona a alteração do requerimento probatório inicialmente apresentado.
Diga-se, desde já, que os Autores apresentaram um elemento probatório (e inerente, ainda que implícito, pedido para a sua admissão), com o seu articulado: um documento.
Estaria, logo à partida, aberta a possibilidade de alterar o seu requerimento probatório, quer com novos documentos, quer com outros meios de prova.
Mas mesmo que assim se não entendesse, a posição defendida pelo Recorrente constituiria tão violento ataque aos princípios básicos do nosso Processo Civil que não poderia ter acolhimento.
Num caso em que a petição inicial não careça de prova (vg, por se basear apenas em factos notórios) não necessita o Autor de apresentar requerimentos probatórios. Não viola qualquer ónus se os não apresentar.
Se o Réu reconvir, tem que ser dada a possibilidade ao Autor de se defender quanto à nova matéria factual trazida aos autos pela parte contrária.
A não ser assim, violar-se-iam frontalmente os princípios do contraditório e da igualdade das partes, ao admitir-se que uma parte apresentasse um pedido ex novo nos autos, impedindo-se a parte contrária de se defender cabalmente, pela impossibilidade de apresentar provas.
O princípio da igualdade das partes tem garantia constitucional, exigindo-se num Estado de Direito que o processo seja equitativo: assim o impõe o artigo 20º nº 4 da Constituição da República Portuguesa, tal como o consagrou também o artigo 10º da Declaração Universal dos Direitos do Homem.
Este princípio está, naturalmente, intrinsecamente ligado ao do contraditório, que impede que se profira decisão sem se conceder às partes, em igualdade de circunstâncias, oportunidade de se pronunciar em termos efetivos.
O princípio do contraditório traduz-se na garantia da participação efetiva das partes no desenvolvimento de todo o processo mediante a possibilidade de, em plena igualdade, influírem em todos os elementos (alegação, prova e direito) que se encontrem em ligação com o objeto da causa, e que em qualquer fase do processo apareçam como relevantes para a decisão. “o direito de acesso aos tribunais é, entre o mais, o direito a uma solução jurídica dos conflitos, a que se deve chegar em prazo razoável e com observância das garantias de imparcialidade e independência, possibilitando-se, designadamente, um correto funcionamento das regras do contraditório, em termos de cada das partes poder aduzir as suas razões (de facto e de direito), oferecer as suas provas, controlar as provas do adversário e discretear sobre o valor e o resultado de umas e outras [cf. o Acórdão n.º 86/88 (Acórdãos do Tribunal Constitucional, 11.º vol., pp. 741 e segs.)].
Um processo para ser justo exige o respeito por um conjunto de princípios, que se concretizam, na parte que aqui nos interessa, na concessão às partes de meios de defesa idênticos e da possibilidade de se pronunciar sobre todas as questões relevantes para a decisão.
Assim, impossível se mostraria que um Autor, confrontado com um pedido reconvencional, não pudesse exercer o seu direito de defesa na vertente probatória, por não ter apresentado meios de prova quando fez o seu pedido.
Tanto mais assim é, quanto a reconvenção é como que um novo processo enxertado no inicial.
Mas ainda se entende que os mesmos princípios têm aplicação quanto às exceções que o Réu levantasse na contestação; a leitura estrita da citada norma impediria que o Autor se não pudesse defender de tais exceções, realizando a competente contraprova.
Ora, carece de sentido a possibilidade de responder, sem que a mesma seja acompanhada da faculdade de apresentar prova para o sustento dessa resposta, visto que se não vislumbra qualquer fundamento que justificasse tal limitação nesta fase processual, tão embrionária ainda.
Tanto basta para se compreender que não pode ser efetuada uma interpretação restritiva do artigo 552º nº 2 do Código de Processo Civil, mas, pelo contrário, se impõe a sua leitura hábil e consentânea com os princípios básicos do nosso sistema jurídico.
Vários são os objetivos que a regulamentação da alteração dos meios de prova pretende obter, sendo de realçar os seguintes, em sentidos opostos: por um lado permitir o acesso à verdade material, permitindo que as partes possam adaptar a prova indicada no início do processo aos factos que entretanto ocorreram (falecimentos de testemunhas, conhecimento de novas testemunhas em melhor posição para relatarem os factos, etc), por outro evitar atrasos no processo, com adiamentos da audiência final, em virtude quer da demora na obtenção da prova (veja-se como exemplo a prova pericial), quer em virtude da necessidade de permitir o uso do contraditório à parte confrontada com a nova prova requerida.
Da mesma forma, a imposição da apresentação logo ab initio dos meios de prova disponíveis, obriga a parte à ponderação na apresentação dos factos em que se vai basear e ao respeito do princípio da cooperação e lealdade, impedindo as partes de usar o fator surpresa.
Pretende-se também que se possa alcançar a complexidade da prova a produzir, permitindo um agendamento realista da audiência final, evitando sucessivos adiamentos, mercê de imprevistas alterações nos requerimentos probatórios.
Ambos os princípios têm sido tutelados na jurisprudência, tendo-se sempre tentado permitir alguma abertura na alteração dos meios de prova após os articulados, face ao interesse na busca da verdade material, desde que não contenda com a celeridade que se pretende dar aos autos e o respeito do princípio do contraditório.
Carece é de sentido, estrangular a conformação dos meios de prova no âmbito dos regulares articulados em que vão sendo trazidos aos autos novos factos.
Veja-se que mesmo no caso de apresentação de um articulado superveniente se não restringe a apresentação de provas quanto aos factos supervenientes à anterioridade de apresentação de requerimentos probatórios quanto aos demais factos (artigo 589º nº 5 do Código de Processo Civil); também carece de sentido que se vede a possibilidade de apresentar prova quanto a matéria nova trazida pelo Réu na sua contestação, seja de exceção, seja o sustentar pedido reconvencional.
É de confirmar o despacho recorrido.

V. Decisão

Pelo exposto, acorda este Tribunal em julgar totalmente improcedente a apelação, confirmando integralmente a decisão recorrida.
Custas da apelação pela recorrente, que decaiu na totalidade.

Guimarães, 16 de novembro de 2017


Sandra Melo
Heitor Gonçalves
Amílcar Andrade