Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
7/13.8PTBRG.G1
Relator: ANTÓNIO CONDESSO
Descritores: DESCONTO
PENA
INIBIÇÃO DA FACULDADE DE CONDUZIR
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 09/22/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário: O cumprimento da injunção de proibição de conduzir veículos com motor, aplicada no âmbito da suspensão provisória do processo, deve ser descontado no cumprimento da pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados, aplicada em sentença proferida na sequência da revogação daquela suspensão
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Guimarães

*

I- Relatório

Nuno L... foi condenado como autor de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelo art. 292º, nº1 do CP, na pena de 60 dias de multa, à taxa diária de € 5,00 e na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados pelo período de 3 meses, tendo esta última sido considerada cumprida, face ao período em que o arguido teve a sua carta apreendida nos autos, em cumprimento de injunção consistente na abstenção de conduzir por 3 meses no âmbito da suspensão provisória do processo que viria a ser revogada.

O MP veio recorrer desta última parte da decisão por entender que não há lugar a desconto daquele período na pena acessória de proibição de conduzir ora fixada na sentença.

*

O arguido respondeu, pugnando pela improcedência do recurso.

Nesta Relação, o Exº Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer no mesmo sentido, aduzindo, entre o mais, o seguinte:

“… Emitindo o nosso parecer sobre o presente recurso, devemos desde já dizer que a questão colocada no recurso - realização, ou não, de desconto da pena acessória nas circunstâncias acima descritas, isto é, quando aquela é cumprida na vigência da suspensão provisória do processo e posteriormente é determinado nesse mesmo processo o cumprimento de uma pena acessória em sentença condenatória, após a revogação daquela suspensão - é, efectivamente, propícia a entendimentos diversos a que a jurisprudência, aliás, vem dando eco.

O recorrente apoia a sua tese - não realização de desconto - mormente no acórdão da Relação de Lisboa de 06/03/2012, proc. 282/09.2SILSB.L1.S.

Já o arguido alicerça a sua discórdia para com a tese referida e propugnada no recurso apelando, expressamente, aludindo na sua resposta a um acórdão da Relação de Évora, de 11/07/2013, proc. 108/11.7PTSTB.E1.

Por sua vez, a questão referida foi já ponderada nesta Relação.

Tal aconteceu no acórdão de 06/01/2014, no âmbito do pr. 99/12.7 GAVNC.G1, sendo sua relatora a desembargadora Ana Teixeira. Sem o referir, persegue, contudo e de forma explícita, o que se exarou no acórdão da Relação de Évora reportado pelo arguido. Ou seja, avança pela relevância da operação de desconto.

E, fundamentalmente, por apelo a um argumento de analogia: "Aliás, no nosso ordenamento encontramos situação idêntica com a prisão preventiva e cumprimento de pena efectiva, que de igual modo têm natureza jurídica diferente e no entanto, quando o arguido passa a cumprimento de pena a prisão preventiva é objecto de desconto na pena de prisão, sem que para o efeito seja atribuído qualquer obstáculo".

Reconhecendo a disparidade de opiniões, inclinamo-nos a aceitar como mais aceitável juridicamente a posição que adopta a operação de desconto da pena acessória já cumprida.

Tal como no art. 80 do CPenal ao definir os termos e relevância do instituto do desconto, aqui sobreleva, sem qualquer dúvida, uma premente ideia de justiça material.

Como se escreveu no acórdão de 21/05/2009 do STJ, proc. 08P3770, 3ª sendo relator o conselheiro Armindo Monteiro "O instituto do desconto, já com tradução do antecedente, embora restrito à prisão correccional e ao internamento em manicómio criminal e a metade da prisão maior, repousa numa ideia de justiça material, doutrinam Germano Marques da Silva, Direito Penal Português, III, 176, Muñoz Conde, em comentário ao Tratado de Direito Penal, de Jescheck, II, 1227, e o Prof. Figueiredo Dias, in Direito Penal Português -As Consequências Jurídicas do Crime, pág. 297 (...)".

E assente em tal ideia, indo além duma visão meramente positivista do direito, cremos que a razão está, neste caso, na aceitação da posição contrária à pugnada pelo recorrente.

2.2.

Assim e em conclusão, e sempre com a ressalva de melhor e mais avisada opinião: o recurso deverá ser julgado improcedente.”

Colhidos os vistos cumpre apreciar e decidir.

*

II- Fundamentação

Sinteticamente, dir-se-à que concordamos com o douto parecer do Exº PGA, tal qual se decidiu igualmente no acórdão desta Relação de Guimarães de 6-1-2014, pr. 99/12.7 GAVNC.G1, sufragando, ao fim e ao cabo, o entendimento explanado no Ac. Rel. Évora de 11-7-2013, pr. 108/11.7PTSTB.E1, relator Sénio Alves, no qual se escreveu o seguinte:

“… A questão é outra e consiste em saber se tendo a arguida cumprido a obrigação de entregar a sua carta de condução e de se abster de conduzir veículos motorizados por 3 meses, deve ser considerada cumprida a pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados por 3 meses em que veio a ser condenada, na sequência da revogação da suspensão provisória do processo.

Esta condenação teve em vista um facto – condução de veículo em estado de embriaguez no dia 10/7/2011.

A injunção cumprida pela arguida teve em vista o mesmíssimo facto.

E foi cumprida da mesmíssima forma como o seria a pena acessória em cujo cumprimento foi condenada.

Que diferença existe, então, a impedir que se considere efectuado o cumprimento?

Diz-se no Ac. RL de 6/3/2012 que “o recorrente quando entregou a carta de condução fê-lo voluntariamente, no âmbito do cumprimento de uma injunção com que concordou”.

Não vemos que faça a diferença: inúmeras são as situações em que os arguidos cumprem voluntariamente a obrigação de entrega da sua carta de condução, em cumprimento da pena acessória em que foram condenados, concordando com tal decisão (de que não recorrem), por vezes mesmo antecipando-se ao trânsito em julgado da decisão (e várias vezes, mesmo, ao depósito da sentença…).

Será, então, em função da diferente natureza jurídica da injunção e da pena acessória?

É verdade – como se diz no Ac. RL de 27/6/2012, acima identificado – que “a injunção é um instrumento processual que visa a composição e pacificação social e a pena criminal [6], seja detentiva ou não detentiva, tem fins próprios de prevenção especial e geral”. Como é verdade aquilo que se afirma no Ac. RL de 6/3/2012: as penas acessórias cumprem “uma função preventiva adjuvante da pena principal”.

Mais uma vez, porém, isso não resolve o problema: condenada a arguida em pena acessória de proibição de conduzir veículo motorizado, a função preventiva adjuvante da pena principal não se mostra já cumprida (esgotada) com o cumprimento dessa proibição, efectuada no âmbito da suspensão provisória do processo?

Repare-se, aliás, que o artº 281º do CPP foi recentemente alterado pela Lei 20/2013, de 21/2. E o seu nº 3 passou a ter a seguinte redacção:

«Sem prejuízo do disposto no número anterior, tratando-se de crime para o qual esteja legalmente prevista pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor, é obrigatoriamente oponível ao arguido a aplicação de injunção de proibição de conduzir veículos com motor”.

Quer dizer: actualmente nem sequer é possível esgrimir com a pretensa voluntariedade na adesão do arguido à injunção relativa à proibição de conduzir veículos motorizados: querendo beneficiar da suspensão provisória do processo, tem que a aceitar, pois que resulta de imposição legal…

… Ainda no mesmo sentido foi o parecer dos docentes da Faculdade de Direito de Lisboa [7], no âmbito da consulta que lhes foi feita pelo Parlamento: «Em princípio, a cominação legal de penas acessórias, mesmo no caso de inibição de condução de veículo a motor, é totalmente compatível com a suspensão provisória do processo e, se esta for a medida adequada, o julgamento apenas agravará a situação. É bom recordar que a suspensão provisória do processo é uma medida de diversão processual que apenas constitui um desvio à tramitação normal que conduziria ao julgamento. O que se evita com a suspensão provisória do processo é o julgamento, mas não a sanção acessória quando esta possa equivaler, materialmente, à imposição de uma injunção ou regra de conduta. Em tese, a inibição de condução, enquanto sanção acessória, também pode consistir numa injunção aplicada através de suspensão provisória do processo, aliás tornada efectiva mais prontamente do que se fosse aplicada como resultado de uma condenação transitada em julgado» (subl. nosso).

Foi no seguimento destas objecções que os grupos parlamentares do PSD e do CDS-PP apresentaram uma proposta de alteração à Proposta de Lei 77/XII, suprimindo a alteração à al. e) do nº 1 do art. 281º do CPP e alterando o nº 3 do mesmo artigo, proposta que foi aprovada, dando origem à actual redacção daquele artigo [8].

A injunção de proibição de conduzir veículos com motor que consta, agora, do elenco das aplicáveis é, exactamente, aquela que foi aplicada à recorrente, no âmbito da suspensão provisória do processo.

Que ela cumpriu.

E que, como se sugere no parecer dos docentes da FDL supra referido, mais não é do que a sanção acessória de proibição de conduzir, aplicada no âmbito desse “desvio processual” que é a suspensão provisória do processo: a mesma finalidade, a mesma justificação, o mesmo modo de execução.

E ainda que se continue a insistir na diferente natureza jurídica das duas figuras, permita-se-nos a questão: porventura não têm a prisão preventiva e a pena de prisão natureza (e finalidades, já agora) distintas? E, contudo, não é a primeira objecto de desconto na segunda?

Que dificuldade dogmática existe, então, em proceder de igual modo na situação dos autos?

Convenhamos:

A vingar a tese da decisão recorrida, a recorrente, se bem que condenada em proibição de conduzir veículos com motor pelo período de 3 meses, cumprirá efectivamente tal pena pelo período de 6 meses…”.

Daí que aplicando tal jurisprudência à presente situação, seja forçosa a conclusão no sentido de que a decisão visada no recurso não merece qualquer censura, mostrando-se inteiramente conforme à lei vigente.

Improcede, consequentemente, o recurso.

*

III- Decisão

Nos termos expostos, acordam os juízes desta secção criminal do Tribunal da Relação de Guimarães em negar provimento ao recurso.

Sem custas.

*

Guimarães, 22/9/2014