Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
3383/19.5T8VCT.G1
Relator: JOSÉ CRAVO
Descritores: INTERMEDIAÇÃO FINANCEIRA
DEVER DE INFORMAÇÃO
PRESUNÇÃO DE CULPA
PRESUNÇÃO DE NEXO DE CAUSALIDADE
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 12/17/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I- A atividade do intermediário financeiro é norteada, entre outros, pelo princípio da proteção dos interesses do cliente, pelo princípio de agir de boa-fé e pelo princípio de conhecimento do cliente.
II- A extensão e a profundidade da informação a prestar pelo intermediário ao cliente devem ser tanto maiores quanto menor for o seu grau de conhecimento e experiência, de modo a permitir-lhe uma tomada de decisão esclarecida e fundamentada.
III- O titular de “Obrigações ... 2006”, por se tratar de obrigações subordinadas, apenas pode ser pago pelo património da entidade emitente, em caso de insolvência desta, depois de pagos os credores comuns e, tratando-se de obrigações a 10 anos, o reembolso do capital só seria possível ao fim de 10 anos.
IV- Apresentando as obrigações “... 2006” como sendo “equivalentes a um depósito a prazo”, em que “o reembolso do capital era garantido, por não se tratar de um produto de risco” e que os AA. podiam recuperar o dinheiro investido em qualquer altura, omitindo informação indispensável à avaliação dos riscos relacionados com o reembolso do capital e respetivos juros, o R. violou de forma grave o dever de informação constante do art. 312º do CVM.
V- O nº 2 do art. 314º do CVM consagra uma presunção de culpa e também de nexo de causalidade entre a violação dos deveres de informação pelo intermediário financeiro e os danos sofridos pelo cliente.
Decisão Texto Integral:
Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães
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1 RELATÓRIO

A. B. e R. B. vieram propor a presente acção (1) declarativa de condenação contra Banco ..., S.A. peticionando que (i) o R. seja condenado a pagar aos AA. o capital e juros vencidos que, nesta data, perfazem a quantia de € 115.000,00, sendo € 57.500,00 para cada um dos AA., bem como os juros vincendos desde a citação até efectivo e integral pagamento, ou, caso assim não se entenda, (ii) se declare nulo qualquer eventual contrato de adesão que o R. invoque para ter aplicado a quantia de € 100.000,00 que os AA. entregaram ao R., em obrigações subordinadas ... 2006, sendo € 50.000,00 de cada um dos AA., (iii) se declare ineficaz em relação aos AA. a aplicação que o R. tenha feito desses montantes, (iv) se condene o R. a restituir aos AA. a quantia de € 115.000,00, sendo € 57.000,00 para cada um dos AA., que ainda não receberam dos montantes que entregaram ao R. e de juros vencidos à taxa contratada, acrescidos de juros legais vincendos, desde a data da citação até efectivo e integral cumprimento, e, ainda, num caso ou noutro, (v) seja o R. condenado a pagar aos AA. a quantia de € 5.000,00, sendo € 2.500,00 para cada um dos AA., a título de dano não patrimonial.
Alegam, para o efeito e em síntese, que eram clientes do Banco ... (Banco ...) e que em Abril de 2006 o gerente do Banco R. disse aos AA. que tinha uma aplicação em tudo igual a um depósito a prazo e com capital garantido pelo Banco ... e com rentabilidade assegurada. Os AA. anuíram e entregaram ao R., cada um deles, a quantia de € 50.000,00, num total de € 100.000,00, que este, sem que os AA. se tivessem apercebido, utilizou para adquirir Obrigações ... 2006, que os AA. desconheciam o que fosse. Alegam que se soubessem que o dinheiro seria investido no produto em que foi investido nunca o autorizariam, pois não era sua intenção investir em produtos de risco, mas apenas numa aplicação com as características de um depósito a prazo, pois o R., alegam, sempre assegurou que a aplicação em causa tinha a mesma garantia de um depósito a prazo. Quando, em Novembro de 2015, os juros deixaram de ser pagos, os AA. descobriram o tipo de produto em que o dinheiro foi investido e, em Maio de 2016, data da respectiva maturidade, não o puderam reaver de imediato. Ficaram alarmados, com ansiedade e preocupados com temor de perder os valores entregues ao R.

O R. foi regularmente citado e contestou a acção invocando a excepção de incompetência do tribunal em razão do território, a prescrição do direito invocado pelos AA., por impugnação motivada e alegando factos enquadráveis, para além dos alegados para fundamentar a excepção de prescrição, em excepção peremptória inominada de direito material.

A excepção de incompetência territorial foi julgada improcedente nos termos do despacho de fls. 42-42v (44882766).

A audiência prévia foi dispensada, foi proferido o despacho saneador, definido o objecto do processo e seleccionaram-se os Temas de Prova.

Realizou-se a audiência de discussão e julgamento, com observância de todas as formalidades legais.
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No final, foi proferida sentença, tendo-se decidido nos seguintes termos:

Em face do exposto, julgo a acção proposta por A. B. e R. B. contra Banco ..., S.A., parcialmente procedente, por parcialmente provada, e, consequentemente, condeno o Réu a pagar a cada um dos Autores a quantia de € 50.000,00 (num total global de € 100.000,00), acrescida de juros à taxa legal de 4% desde a citação, contados sobre cada uma das quantias de € 50.000,00, até integral e efectivo pagamento.
Custas por Autores e Réu na proporção do decaimento.
Registe e notifique.
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Inconformado com essa sentença, apresentou o R. Banco ..., S.A. recurso de apelação contra a mesma, cujas alegações finalizou com a apresentação das seguintes conclusões:

1. Por muito respeito que mereça o vertido na decisão a quo, com a mesma não se pode de modo algum concordar, sendo que a presente decisão veio surpreender sobremaneira o aqui Recorrente, pois que, considerando o Tribunal Recorrido a presente ação parcialmente procedente, não julgou corretamente.
2. Com tal decisão, o Mm.º Juiz a quo violou e fez errada aplicação e interpretação do disposto nos arts. 7º, 290º nº 1 alínea a), 304º-A e 312º a 314º-D e 323º a 323º-D do CdVM; 4º, 12º, 17º e 19º do D.L. 69/2004 de 25/02 e da Directiva 2004/39/CE; 220º, 232º e 236º, 483º e ss., 595º e 615º do C.C; 615.º, n.º 1, al. e) do CPC.
3. Apesar da natural e compreensível consternação que é possível observar das peças apresentadas a juízo pelos AA., importa lembrar que a pretensão pelos mesmos deduzida se encontra despida de qualquer fundamento provatório, bem como factual, além de ser manifestamente mal direcionada contra o Banco R.
4. O Apelante entende, por um lado, que os factos dados como provados nas alíneas “b); c); f)” não deveriam constar do corpo da Sentença nos termos ali propostos, em face da prova produzida em sede de audiência de discussão e julgamento. Nestes termos, é o Banco Apelante de pugnar pela alteração de tais números, de acordo com a redação adiante proposta. Por outro lado, o Apelante pugna, ainda, pela inserção das alíneas k) e p), no elenco dos factos dados como não provados.
5. Não podemos deixar de começar as presentes alegações sem referir que não podemos admitir, em caso algum, que os depoimentos dos AA. foram coincidentes com os da testemunha R. C., colocador do produto aos mesmos. De facto, temos, por um lado, o A. A. B., que asseverou, com toda a certeza, em todo o seu depoimento que o R. C., gerente em quem depositava toda a sua confiança, lhe vendeu o produto como se tratando de um depósito com taxa de rendimento interessante. No mesmo sentido, o A. R. B. garantiu que o que lhe foi proposto foi aplicar numa conta a prazo, com melhor taxa.
6. Por outro lado, temos o colaborador que colocou o produto, que à data da subscrição (2006) teria 26 anos de banca, e que refere que o produto foi colocado como sendo Obrigações da ..., que era a dona do Banco, que as mesmas estariam garantidas, como depósitos a prazo e com taxas atrativas. Afirmou, ainda, que eram obrigações colocados pela dona do Banco ... e que era o Banco ... que os colocava, sendo como um depósito a prazo, ou melhor, mas com a mesma segurança.
7. No entanto, certo é que o A. A. B., teve a displicência de afirmar que, mesmo com tanta segurança, ao ponto de assinar documentos sem ler, não subscreveria outro produto se o mesmo R. C. lhe dissesse que o mesmo era seguríssimo.
8. Ou seja, o que serviu de capota para uma subscrição desatenta e de olhos fechados deixava de o ser se a mesma pessoa transmitisse a mesma confiança, mas dissesse que não seria o Banco ... a garantir o capital....
9. Cremos que este dissidio acerca da informação prestada, em que ambos os lados, cliente e gestor, dizem coisas completamente dispares, é fatal!
10. A convicção que se extrai da globalidade do depoimento da testemunha R. C., pese embora algumas tergiversações, muitas respostas a refugiar-se no “não me recordo” e logo a seguir, insistente e repetidamente, a dizer/repetir que se recordava bem de ter dito aos AA. que era uma aplicação com “capital garantido pelo banco” e “sem risco”.
11. Expressões estas – “capital garantido” e “sem risco” – que foram a nota dominante de todo o depoimento do R. C., a ponto de afirmar, para reforçar o que dizia, que os DP (de que os AA. gostavam) não têm risco; deixando a clara convicção de se querer libertar do “peso” dos prejuízos que o seu aconselhamento financeiro está a causar aos AA., motivo pelo qual foi, repetida e insistentemente, lembrando ao Tribunal que efetuou aos AA. uma aplicação com “capital garantido” e “sem risco”.
12. Sem que, porém, alguma das pessoas ouvidas em audiência haja sido questionada e haja esclarecido sobre o que é que se pretendia exatamente dizer com “capital garantido”, designada e principalmente se se pretendia dizer (e se dizia ou fazia crer aos clientes) que o Banco ... garantia o reembolso das obrigações ou tão só que, na maturidade, era o montante investido, sem qualquer variação, que seria devolvido.
13. O que apenas corrobora a ideia de tal assunto – o exato significado da expressão “capital garantido” – não ter sido abordado com os AA.
14. A confessada iliteracia financeira dos AA. e a confiança total que eles tinham no R. C. transferiam a decisão sobre os investimentos financeiros dos AA. para o próprio: era este que avaliava se os produtos financeiros eram adequados ao perfil dos AA. e nesta avaliação achou que as características das obrigações subordinadas em causa respondiam/respeitavam os desejos e a vontade dos AA., aconselhou-lhos e eles seguiram o seu conselho.
15. Mas – é a questão – o R. C. só as considerava um “produto bom” para os AA. por achar que tinham a garantia de reembolso do próprio Banco ...? Questão esta – cuja resposta tem que ser situada/reportada ao momento dos factos (2006) e no contexto/encadeamento dos mesmos – que o mais provável e verosímil era não se colocar sequer ao R. C., ou seja, à época, em 2006, englobar (ou não) na expressão “capital garantido” a garantia de reembolso do próprio Banco ... era algo que, com todo o respeito, não fazia/fez parte das cogitações do R. C. (fosse em que veste fosse).
16. Os AA. e o Sr. R. C. tinham confiança no Banco ... (onde os primeiros tinham as suas poupanças e o segundo trabalhava) e sendo a ..., emitente das obrigações, a dona do Banco ..., não se vê razão para a garantia de reembolso do próprio Banco ... ser algo que fosse relevante e que estivesse equacionado/pensado/refletido.
17. E não sendo isto sequer equacionado/pensado também não se pode dizer que, caso os AA. tivessem sido informados que as obrigações não tinham a garantia do Banco, não teriam investido nas obrigações subordinadas em causa.
18. Sejamos claros, tudo isto acabam por ser hipóteses que na altura não se colocavam/colocaram – e muito menos aos AA., que tinham transferido a decisão sobre os seus investimentos financeiros para R. C. – e que só surgem agora, por causa do que entretanto aconteceu, ou seja, por, sendo a ... e o Banco ... totalmente incapazes de honrar as suas responsabilidades/dívidas, ter sido o Banco ... (ao contrário da ...) “salvo” pelo Estado, momento a partir do qual o que seriam responsabilidades totalmente incobráveis do Banco ... se converteram em responsabilidades totalmente cobráveis.
19. Estando na posse de tudo o que hoje sabemos, ninguém, em 2006, colocaria um cêntimo sequer na ... sem a garantia do Banco ..., porém, é apenas com o que se sabia na altura, em 2006, que se tem de estabelecer o que se queria dizer (e/ou disse) com “capital garantido” e se, tendo tal expressão o sentido do Banco ... garantir o reembolso, tal foi determinante para os AA.
20. E como vimos de explicar, para além de tal concreto e exato sentido não ter sido explicitamente referido, também as presunções naturais ao caso aplicáveis vão no sentido de o mais certo é tal concreto e exato sentido não ter vindo sequer “à baila” nas subscrições das Obrigações ... 2006 pelos AA.
21. Por fim, não podemos deixar de realçar que a própria testemunha F. S. teve o topete de tentar escudar o facto de referir que vendia estes produtos como sendo D/P e com capital garantido, fazendo referência a um e-mail que continham dizeres parecidos. Sabendo nós que se trata de um e-mail, do Dr. J. P., datado de 2008 e que versava sobre Papel Comercial ... Valor 2009... Pior, chegou ao descaramento de referir que, mesmo depois da nacionalização, em que houve a separação do Banco ... e da ..., continuou a dizer aos clientes que era o banco Banco ... que iria garantir as Obrigações, o que vem no encontro de tudo aquilo que vimos de expender do seu depoimento.
22. E de toda esta convicção irradiam alterações em relação a vários dos factos impugnados, devendo os pontos b), c), e f) dos factos provados da sentença recorrida passar a ter, em função do que se referiu, as seguintes redações: b) Em Abril de 2006, o gerente do Banco Réu da agência de Vila Praia de Âncora disse aos Autores que tinha uma aplicação em tudo igual a um depósito a prazo e com capital garantido e com rentabilidade assegurada; c) Tendo ainda utilizado a expressão risco banco nas explicações que deu aos Autores; f) Em todas as aplicações realizadas pelos Autores através do gerente, R. C., no banco supra referido, os primeiros depositavam total confiança no segundo e acreditaram quando este lhes disse que a aplicação em causa era igual a um depósito a prazo, com capital garantido e com rentabilidade assegurada;
23. Por outro lado, e com o mesmo fundamento, deviam as alíneas k) (“Os Autores não sabiam, à data da subscrição, o que era a sociedade ..., SGPS, S.A., qual o seu objecto social e qual a sua relação com o BANCO ...;) e p) (“Se os Autores tivessem tido conhecimento das características do produto/aplicação Obrigações Subordinadas ... 2006, não teriam investido nesse produto o seu dinheiro;) ter sido consideradas não provadas.
24. Os contratos de intermediação financeira implicam relações jurídicas que se estabelecem em níveis diferentes. O negócio de cobertura é o concreto contrato de intermediação financeira celebrado entre o intermediário e o cliente e que tem por objeto imediato conceder ao intermediário os poderes necessários para celebrar o negócio de execução. O negócio de execução, por seu turno, é o contrato celebrado entre o intermediário e o terceiro, no interesse e por conta do cliente (ou também o negócio celebrado diretamente entre o terceiro e o cliente, com a intermediação do intermediário financeiro), e tem a maioria das vezes por objeto a aquisição, alienação ou qualquer outro negócio sobre valores mobiliários.
25. Claro está, que o dever de informação relativo ao negócio de cobertura deve ser prestado em momento anterior ao contrato de intermediação e o dever de informação relativo ao negócio de execução será cumprido já na vigência daquele, tal como sucederá, aliás, com os deveres de informação relativos aos instrumentos financeiros escolhidos! Os deveres de informação a prestar pelo intermediário financeiro, previstos no art. 312º nº 1 do CdVM, são os deveres de informação relativos ao próprio contrato de intermediação financeira, v.g., ao negócio de cobertura!
26. Já os arts. 323º, 323º-A, 323º-B e 323º-C do CdVM tratam dos deveres de informação próprios, relativos, inerentes ou decorrentes dos negócios de execução, levados a cabo ao abrigo dos negócios de cobertura, como aliás decorre das epígrafes dos artigos.
27. Daí que não se possa retirar qualquer consequência jurídica da afirmação do incumprimento dos deveres previstos no art. 312º do CdVM, tendo antes que se buscar na densificação desses preceitos o conteúdo do dever de informação aí genericamente afirmado.
28. O RISCO que a sentença associa maioritariamente a um fenómeno de incumprimento da obrigação assumida (neste caso incumprimento do reembolso da obrigação) ou até à insolvência do emitente, NÃO É NEM PODE SER CONSIDERADO UM RISCO ESPECIAL! O risco de incumprimento ou risco de insolvência de um devedor são RISCOS GERAIS de qualquer obrigação, precisamente porque são características nucleares de toda e qualquer obrigação.
29. Versando como versa aquele art. 312º do CdVM sobre os deveres de informação a cumprir quanto ao contrato de cobertura, a menção aos riscos especiais envolvidos nas operações a realizar, refere-se necessariamente ao negócio de intermediação financeira (no caso a execução de ordens) enquanto negócio de cobertura que, depois, proporcionará negócios de execução.
30. Parece-nos assim por demais evidente que a disposição do art. 312º nº 1 alínea e) relativa aos “riscos especiais nas operações a realizar” em nada se relaciona com a matéria em crise nos presentes autos pois o que é invocado na P.I. é a prestação de uma informação falsa quanto ao instrumento financeiro em si e esta disposição, como vimos, diz respeito à prestação de informação acerca do negócio de intermediação ou de cobertura.
31. Entendemos que nada ficou por dizer ou explicar quanto à natureza dos instrumentos financeiros. Da remissão feita para o art. 312º-E nº 1 resulta que o legislador manda também o intermediário financeiro informar o cliente sobre os riscos do tipo de instrumento financeiro em causa. São ESTES e APENAS ESTES os riscos do tipo do instrumento financeiro sobre os quais o Intermediário Financeiro tem que prestar informação!
32. O investimento efetuado foi feito em obrigações da ... que é um instrumento do mercado monetário (art.º 1 alínea b) do CdVM). Não é um investimento sujeito a qualquer volatilidade, sendo o retorno do investimento certo no final do prazo, por reembolso do capital investido ao valor nominal do título. Logo, não há necessidade de que a advertência do risco de perda da totalidade do investimento seja feita, porque a mesma não é aplicável ao caso!
33. A informação acerca do risco da perda do investimento tem que ser dada em função dos riscos próprios do tipo de instrumento financeiro, o que deve ser feito SE E SÓ se tais riscos de facto existirem! E não se pode confundir a advertência sobre o risco de perda do investimento com a análise de qualquer qualidade e robustez (ou falta dela) do emitente do título! É que a este respeito, impõem-se clarificar, que em lado algum da lei resulta estar o intermediário financeiro obrigado a analisar ou avaliar a robustez financeira do emitente na atividade de intermediação financeira de receção e transmissão de ordens.
34. O risco de incumprimento não constitui qualquer risco especial da operação! A ser alguma coisa, o risco de incumprimento de uma obrigação de compra (subjacente naturalmente ao cumprimento da opção potestativa de venda) é um RISCO GERAL de qualquer obrigação!
35. Na data do endosso das referidas obrigações, a redação do CdVM era aquela resultante das sucessivas alterações do D.L. 486/99 de 13/11 até ao D.L. 52/2006 de 15/03. À data da contratação das aplicações não existia sequer qualquer dever de informação quanto aos riscos associados ao instrumento financeiro, ou quanto ao risco de perda da totalidade do investimento, conforme hoje decorre do art. 312º-E nº 2 alínea a)! Ao contrário do que hoje sucede, não havia na anterior redação do CdVM qualquer norma que taxativamente obrigasse o intermediário financeiro a prestar informações acerca dos riscos do tipo de instrumento financeiro em que se pretendia investir. Essa foi a grande inovação da D.M.I.F. e do diploma que a transpôs!
36. As Obrigações eram então, como é ainda, um produto conservador, com um risco normalmente reduzido, indexado à solidez financeira da sociedade emitente. Ao que acrescia, no caso concreto, o facto de a entidade emitente pertencer ao mesmo Grupo que o Banco Réu. Assim, dificilmente haveria um produto financeiro tão seguro como a subscrição daquela Obrigação. Pelo que o mesmo era então adequado a alguém como os Recorridos. Tanto mais que o risco de um DP no Banco seria, então, semelhante a uma tal subscrição de Obrigações ... Rendimento Mais 2004, porque pertencendo todas as empresas ao mesmo Grupo, o risco da ... estava indexado ao risco do próprio Banco. O investimento efetuado era assim um investimento seguro e não um investimento em qualquer “produto de risco”.
37. O dever de informação neste contrato será um dever secundário, genérico ou acessório da prestação principal, por estar umbilicalmente ligado àquela (não resistindo autonomamente sem ela) e podendo até condicioná-la.
38. Ou seja, e em conclusão, A VIOLAÇÃO DO DEVER DE INFORMAÇÃO NÃO IMPLICA QUALQUER PRESUNÇÃO DE ILICITUDE! E, portanto, tinham que ser os AA. a alegar e provar que concretas informações é que o Banco Réu deveria ter dado, que não deu! Não o tendo feito, tem a presente ação necessariamente que claudicar!
39. Não está alegado, e muito menos provado, que se tenha tornado impossível receber (total ou parcialmente) o montante investido pelos AA. nas Obrigações. Daí resulta, portanto, que a condenação do Banco Réu no pagamento da integralidade do valor desembolsado pelos AA. é manifestamente excessiva e não cumpre com o critério teoria da diferença prevista no art. 566º nº 2 do CC.
40. Não há qualquer matéria provada que permita a conclusão que o comportamento do R. foi decisivo e causal na produção dos danos, pois que foi com base na informação que foi transmitida aos AA., que deram o seu acordo na aquisição da Obrigação ... 2006 – numa primeira e segunda fase, respetivamente. Num primeiro momento é indispensável que o investidor prove que, sem a violação do dever de informação, não celebraria qualquer negócio, ou celebraria um negócio diferente do que celebrou. Num segundo momento é necessário provar que aquele negócio produziu um dano. E, num terceiro momento é necessário provar que esse negócio foi causa adequada daquele dano, segundo um juízo de prognose objetiva ao tempo da lesão.
41. Não podendo, por fim, o Venerando Tribunal da Relação de Guimarães olvidar que a falta de reembolso ocorreu por efeito da insolvência da emitente e não por causa de qualquer deficiente informação ou atuação do intermediário financeiro.
42. Os AA. foram recebendo, periodicamente, as quantias relativas aos cupões, que sempre lhes foram pagos até à insolvência da emitente e recebia mensalmente os extratos bancários com indicação expressa de carteira de obrigações e nada reclamou durante o referido período. Não se verificando, assim, o nexo de causalidade adequada entre a atuação do Recorrente enquanto intermediário financeiro e, o não reembolso, na maturidade, do capital investido.
43. Assim, ou os AA. alegavam e provavam que se tivesse sido cumprido o dever de informação, não teriam realizado o investimento, ou então, tem que arcar com as normais consequências de um investimento que se tornou ruinoso, pois não há forma de corrigir a titularidade do risco, pela responsabilidade — the risk lies where it falls!
44. Ainda que se censure a conduta do Banco Réu (o que não se concede), essa censura NUNCA poderá ser reconduzível a um dolo ou a uma culpa grave. De facto, lida e relida a matéria de facto, a sensação que fica é que o funcionário envolvido do Banco Réu sequer concebeu a possibilidade de estar a faltar ao dever de informação acerca da aplicação financeira e que, com essa falta, poderia estar a determinar o investimento do cliente num produto que este não quereria se estivesse devidamente informado.
45. A ideia que perpassa é que o funcionário do Banco Réu estava absolutamente convencido da segurança do investimento e da adequação do mesmo ao perfil de investidor dos AA. Terá havido, portanto (e quando muito) uma indução dos AA. em erro, sem que por parte do funcionário do Banco Réu houvesse intenção ou consciência de o fazer – trata-se, portanto, de uma indução negligente em erro.
46. Tal conduta apenas pode ser reconduzível à mais leve das formas de negligência – a negligência inconsciente. Esta graduação da culpa do intermediário financeiro tem particular interesse, sobretudo em sede da prescrição, pois o art. 324º do CdVM.
47. Parece-nos evidente e manifesto que os AA. conheceram os termos em que o negócio foi concluído, designadamente a inexistência de garantia de capital e juros e a subordinação da obrigação aquando da receção dos extratos bancários no seu domicílio, ou pelo menos em novembro de 2008, data da nacionalização do Recorrente! Não obstante, a ação apenas foi proposta em Outubro de 2019! E, portanto, já se encontrava prescrita qualquer putativa responsabilidade do Banco Réu!
48. Não havendo declaração negocial, bem ou mal emitida, não pode haver obrigação jurídica – seja ela qualquer for – de fonte contratual, pelo que não pode, em qualquer circunstância, entender-se que o Banco assumiu uma obrigação de reembolso ou que a afiançou!

TERMOS EM QUE, DA MODÉSTIA DE QUANTO FICA, E DO MUITO QUE DOUTAMENTE SERÁ SUPRIDO, DEVE DAR-SE PROVIMENTO AO PRESENTE RECURSO, REVOGANDO-SE A SENTENÇA, E CONSEQUENTEMENTE, SUBSTITUIR-SE POR OUTRA QUE JULGUE TOTALMENTE IMPROCEDENTE A AÇÃO PROPOSTA PELOS AA./RECORRIDOS.
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Foram apresentadas contra-alegações nas quais se pugna pela improcedência do recurso com a consequente manutenção da decisão recorrida.
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O Exmº Juiz a quo proferiu despacho a admitir o interposto recurso, providenciando pela subida dos autos.
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Facultados os vistos aos Exmºs Adjuntos e nada obstando ao conhecimento do objecto do recurso, cumpre apreciar e decidir.
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2QUESTÕES A DECIDIR

Como resulta do disposto no art. 608º/2, ex vi dos arts. 663º/2, 635º/4, 639º/1 a 3 e 641º/2, b), todos do CPC, sem prejuízo do conhecimento das questões de que deva conhecer-se ex officio, este Tribunal só poderá conhecer das que constem nas conclusões que, assim, definem e delimitam o objecto do recurso.

Consideradas as conclusões formuladas pelo apelante, este pretende que:
I - se altere a matéria de facto quanto ao decidido nos pontos b), c) e f) dos factos provados, que deveriam constar com outra redacção que propõe, e nos pontos k) e p) dos factos provados, que entende não terem ficado provados;
II - reapreciação da decisão de mérito da acção, incluindo a questão da prescrição do direito dos AA.
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3 – OS FACTOS

1 – Factos provados

a) Os Autores eram clientes do R. (Banco ...), na sua agência de Vila Praia de Âncora, actualmente, em Valença, com as contas à ordem nºs ………001 e ………01, onde movimentavam parte dos dinheiros, realizavam pagamentos e efectuavam poupanças;
b) Em Abril de 2006, o gerente do Banco Réu da agência de Vila Praia de Âncora disse aos Autores que tinha uma aplicação em tudo igual a um depósito a prazo e com capital garantido pelo Banco ... e com rentabilidade assegurada;
c) Tendo ainda utilizado a expressão risco zero e risco banco nas explicações que deu aos Autores;
d) Propondo-lhes a colocação do dinheiro dos Autores nessa aplicação;
e) Por terem uma remuneração a uma taxa de juro “interessante”, a 4,5%, no primeiro semestre, nos nove semestres seguintes à taxa Euribor a 6 meses, acrescida de 1,15%, e nos semestres seguintes à taxa Euribor a 6 meses, acrescida de 1,50%, e por um prazo de 10 anos;
f) Em todas as aplicações realizadas pelos Autores através do gerente, R. C., no banco supra referido, os primeiros depositavam total confiança no segundo e acreditaram quando este lhes disse que a aplicação em causa era igual a um depósito a prazo, com capital garantido pelo Banco ... e com rentabilidade assegurada;
g) O referido gerente é amigo dos Autores há muitos anos e, por causa desta relação de amizade, os Autores bastaram-se com as referidas explicações do primeiro e assinaram todos os documentos que este lhes pediu para assinarem, sem lerem o respectivo conteúdo, tendo sido desta forma que apuseram as suas assinaturas nos documentos cujas cópias se encontram juntas aos autos de fls. 22 e 22v e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido;
h) O dinheiro dos Autores foi utilizado, em 19 de Abril de 2006 para a aquisição de duas Obrigações Subordinadas ... 2006, emitidas pela sociedade ..., SGPS, S.A.: uma em nome do primeiro Autor, no valor de € 50.000,00; a outra em nome do segundo Autor, no valor de € 50.000,00;
i) Ambas com um prazo de reembolso de 10 anos, com previsão para que este ocorresse a 9 de Maio de 2016;
j) Os Autores não sabiam, à data, da subscrição, o que era ou como funcionava financeiramente uma obrigação subordinada;
k) Os Autores não sabiam, à data da subscrição, o que era a sociedade ..., SGPS, S.A., qual o seu objecto social e qual a sua relação com o Banco ...;
l) Os Autores não sabiam, à data da subscrição, quais os riscos inerentes ao produto obrigação subordinada e nenhum funcionário do Réu lhes explicou;
m) E ficaram convencidos que podiam recuperar o dinheiro investido em qualquer altura;
n) O gerente do Banco Réu sabia que os Autores não possuíam qualificação, ou formação técnica que lhes permitisse à data conhecer, por si, os produtos subscritos, designadamente, as obrigações subscritas e avaliar, por isso, os riscos de cada um deles, a não ser que as respectivas características lhes fossem explicadas pormenorizadamente;
o) Uma vez que eram pessoas que pretendiam salvaguardar o capital investido e, nessa condição, procurar a melhor rentabilidade possível;
p) Se os Autores tivessem tido conhecimento das características do produto/aplicação Obrigações Subordinadas ... 2006, não teriam investido nesse produto o seu dinheiro;
q) O Banco ..., S.A. foi nacionalizado em 12 de Novembro de 2008;
r) Em Novembro de 2015, o Banco Réu deixou de pagar os juros referidos em e);
s) Tendo sido nesse momento que os Autores tomaram conhecimento dos termos e condições do investimento que fizeram, das características do produtos e das possibilidades existentes para recuperar o capital investido;
t) Na data de vencimento das obrigações, o Réu não lhes restituiu o montante que os Autores lhe entregaram;
u) Na data da subscrição dos produtos em causa nestes autos, a sociedade Banco ..., SGPS, SA era detida na totalidade pela ..., SGPS, S.A.;
v) Em 2012, o Banco ... incorpora o Banco ..., S.A. e adopta a denominação deste último.

2 – Factos não provados (com exclusão dos enunciados fácticos de carácter conclusivo, dos enunciados fácticos irrelevantes e dos enunciados descritores de matéria de direito)
Da petição inicial: artigo 6º, sem prejuízo do que se deu por provado nas alíneas b) a f), 31º, sem prejuízo do que se deu por provado na alínea r), 39º a 42º.
Da contestação: artigos 25º a 31º, 50º, 52º a 62º, 64º a 72º.
Do articulado dos Autores em resposta à contestação: nada há para responder.

3 – Motivação fundamentadora da decisão de facto
Fundou o Tribunal a sua convicção na valoração do conjunto da prova produzida em audiência de julgamento, designadamente, na valoração do depoimento das testemunhas J. P., que depôs por escrito, no cumprimento do formalismo processual, e R. C.. Fundou ainda o Tribunal a sua convicção na valoração dos documentos constantes dos autos de fls. 13 e 13v e 22 e 22v.
Valorou ainda o Tribunal, na medida em que o pode fazer livremente, nas declarações dos Autores, prestadas em sede de audiência de julgamento.
Antes de avançarmos há que sublinhar um aspecto fáctico-jurídico de primordial importância. Segundo Pires de Lima e Antunes Varela, “o significado essencial do ónus da prova não está tanto em saber a quem incumbe a prova do facto, como de determinar o sentido em que deve o tribunal decidir no caso de não se fazer prova do facto”1 (2), ou seja, se após a apreciação de todos os elementos de prova levados ao processo por impulso das partes ou por iniciativa do juiz, permanecer a dúvida sobre a verdade de uma asserção de facto necessário para a formação da convicção daquele e para a prolação da decisão, o tribunal pode e deve pronunciar-se desfavoravelmente em relação à pretensão da parte a quem incumbia o ónus da prova. Podemos, pois, extrair duas consequências relativamente à repartição do ónus probatório. Uma, de cariz jurídico. Outra, prévia e de cariz eminentemente fáctico, que é aquela que reside no processo interior do julgador quanto ao convencimento sobre a ocorrência do facto. Neste último âmbito, se, produzidos todos os meios de prova, o julgador permanecer na dúvida sobre a ocorrência do facto deve decidir contra a parte que tem o ónus de o provar, ou seja, deve considerar tal facto como não provado (cfr. artigo 414º do Código de Processo Civil). Ou seja, a enunciação da repartição do ónus da prova auxilia o julgador na resposta fáctica e, por outro lado, posteriormente, determina o sentido da decisão no caso de se fazer ou não se fazer prova do facto. Quando os factos estão já fixados, não há já lugar a qualquer tratamento de uma eventual dúvida, pois que esta é tratada previamente, na resposta fáctica. Não desconhecemos que a jurisprudência, através de um longo processo de perda de rigor e acutilância, tem reduzido as consequências da repartição do ónus probatório ao seu cariz eminentemente jurídico, ou seja, às suas consequências jurídicas, depois de os factos já se encontrarem fixados, esquecendo as suas consequências ao nível da apreciação fáctica, antes de se darem como provados ou não provados os factos enformadores do objecto do processo. Serve, pois, esta nota para reafirmar a dúplice dimensão, ao nível das consequências, da repartição do ónus probatório e para evidenciar que o julgamento da matéria de facto não se pode desligar do disposto no artigo 342º do Código de Processo Civil, consideração essa que esteve sempre presente neste julgamento.
Incumbe aos Autores alegar e provar factos que preencham os pressupostos dos vícios que apontam ao acordo celebrado com o Réu e que permita qualificar este como um contrato de intermediação financeira e, para sustentar o pedido principal, alegar e provar a factualidade tendente a preencher os pressupostos da responsabilidade civil que imputa ao Réu, quando não haja, na aplicação das regras do regime do contrato em causa, inversão do ónus da prova ou legal presunção.
Isto posto.
A factualidade dada por provada nas alíneas a), b) e t) decorre do acordo das partes.
A convicção do Tribunal relativamente à matéria de facto dada por provada nas alíneas restantes, com excepção da factualidade constante das alíneas q), u) e v), que constituem factos públicos e notórios (cfr. artigo 412º, nº 1, do Código de Processo Civil), fundou-se na valoração das declarações de parte dos Autores que, no essencial, depuseram de forma circunstanciada e objectiva. Essencialíssimo, neste âmbito, foi o depoimento da testemunha R. C., gerente da agência do Banco ... onde os Autores tinham contas bancárias abertas, que depôs de forma objectiva, circunstanciada e isenta, tendo revelado uma evidente e fundamentada razão de ciência por ter sido a pessoa que apresentou o produto financeiro em causa aos Autores e que aplicou o dinheiro dos Autores nas ditas obrigações subordinadas. Esta testemunha confirmou ao Tribunal a veracidade do que consta nas mensagens electrónicas juntas aos autos a fls. 13 e 13v, tendo, por isso, permitido enquadrar o comportamento dos intervenientes nas mais abrangentes lógicas organizacionais e hierárquicas do Réu à data dos factos.
No que concerne à matéria de facto dada como não provada, a convicção do Tribunal assentou, para além da valoração dos elementos probatórios já indicados, no facto de as testemunhas que a tal propósito depuseram apresentarem uma versão inverosímil face às regras da experiência comum, não logrando convencer o Tribunal da veracidade do que por si foi afirmado, na falta de prova credível e na total ausência de prova.
A conjugação dos depoimentos testemunhais com o acervo documental supra referido, com as declarações dos Autores e com o teor do relatório pericial resultou, depois de uma última e inevitável depuração pelas regras da lógica e da experiência, na convicção final do Tribunal.

[transcrição dos autos].
*

4 – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO E DE DIREITO

Apreciemos as questões suscitadas nas conclusões formuladas pelo apelante.
E fazendo-o, começamos pelas questões relativas à alteração da matéria de facto.

I - Da alteração da matéria de facto

Diverge o apelante da decisão da matéria de facto dada como provada nos pontos b), c) e f), que entende deverem constar, mas com outra redacção, que propõe, e nos pontos k) e p), que entende não terem ficado provados.
Para tanto, indica o sentido da decisão e os elementos de prova em que fundamenta o seu dissenso, identificando as concretas passagens dos depoimentos dos AA. R. B. e A. B. e da testemunha R. C., em que se baseia, que devem ser analisados com a demais prova produzida em audiência de discussão e julgamento e a prova documental, tudo conduzindo a que os dois últimos factos passem a integrar os factos não provados e os três primeiros, mantendo-se no elenco dos factos provados, passem a ter as seguintes redacções:
b) Em Abril de 2006, o gerente do Banco Réu da agência de Vila Praia de Âncora disse aos Autores que tinha uma aplicação em tudo igual a um depósito a prazo e com capital garantido e com rentabilidade assegurada;
c) Tendo ainda utilizado a expressão risco banco nas explicações que deu aos Autores;
f) Em todas as aplicações realizadas pelos Autores através do gerente, R. C., no banco supra referido, os primeiros depositavam total confiança no segundo e acreditaram quando este lhes disse que a aplicação em causa era igual a um depósito a prazo, com capital garantido e com rentabilidade assegurada.
Mostram-se, assim, cumpridos todos os ónus impostos pelo art. 640º do CPC (cfr. as três alíneas do n.º 1).

Cumpre, pois, apreciar.
O art. 662º do actual CPC regula a reapreciação da decisão da matéria de facto de uma forma mais ampla que o art. 712º do anterior Código, configurando-a praticamente como um novo julgamento.
Assim, a alteração da decisão sobre a matéria de facto é agora um poder vinculado, verificado que seja o circunstancialismo referido no nº 1, quando os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.
A intenção do legislador foi, como fez constar da “Exposição de Motivos”, a de reforçar os poderes da Relação no que toca à reapreciação da matéria de facto.
Assim, mantendo-se os poderes cassatórios que permitem à Relação anular a decisão recorrida, nos termos referidos na al. c), do nº 2, e sem prejuízo de se ordenar a devolução dos autos ao tribunal da 1ª Instância, reconheceu à Relação o poder/dever de investigação oficiosa, devendo realizar as diligências de renovação da prova e de produção de novos meios de prova, com vista ao apuramento da verdade material dos factos, pressuposto que é de uma decisão justa.
As regras de julgamento a que deve obedecer a Relação são as mesmas que devem ser observadas pelo tribunal da 1ª. Instância: tomar-se-ão em consideração os factos admitidos por acordo, os que estiverem provados por documentos (que tenham força probatória plena) ou por confissão, desde que tenha sido reduzida a escrito, extraindo-se dos factos que forem apurados as presunções legais e as presunções judiciais, advindas das regras da experiência, sendo que o princípio basilar continua a ser o da livre apreciação das provas, relativamente aos documentos sem valor probatório pleno, aos relatórios periciais, aos depoimentos das testemunhas, e agora inequivocamente, às declarações da parte – cfr. arts. 466º/3 e 607º/4 e 5 do CPC, que não contrariam o que acerca dos meios de prova se dispõe nos arts. 341º a 396º do CC.
Deste modo, é assim inequívoco que a Relação aprecia livremente todas as provas carreadas para os autos, valora-as e pondera-as, recorrendo às regras da experiência, aos critérios da lógica, aos seus próprios conhecimentos das pessoas e das coisas, socorrendo-se delas para formar a sua convicção.
Provar significa demonstrar, de modo que não seja susceptível de refutação, a verdade do facto alegado. Nesse sentido, as partes, através de documentos, de testemunhas, de indícios, de presunções etc., demonstram a existência de certos factos passados, tornando-os presentes, a fim de que o juiz possa formar um juízo, para dizer quem tem razão.
Como dispõe o art. 341º do CC, as provas têm por função a demonstração da realidade dos factos.
E, como ensina Manuel de Andrade (3), aquele preceito legal refere-se à prova “como resultado”, isto é, “a demonstração efectiva (…) da realidade dum facto – da veracidade da correspondente afirmação”.
Não se exige que a demonstração conduza a uma verdade absoluta (objetivo que seria impossível de atingir) mas tão-só a “um alto grau de probabilidade, suficiente para as necessidades práticas da vida”.
Quem tem o ónus da prova de um facto tem de conseguir “criar no espírito do julgador um estado de convicção, assente na certeza relativa do facto”, como escreve Antunes Varela (4).
O julgador, usando as regras da experiência comum, do que, em circunstâncias idênticas normalmente acontece, interpreta os factos provados e conclui que, tal como naquelas, também nesta, que está a apreciar, as coisas se passaram do mesmo modo.
Como ensinou Vaz Serra (5) “ao procurar formar a sua convicção acerca dos factos relevantes para a decisão, pode o juiz utilizar a experiência da vida, da qual resulta que um facto é a consequência típica de outro; procede então mediante uma presunção ou regra da experiência, ou de uma prova de primeira aparência”.
Ou seja, o juiz, provado um facto e valendo-se das regras da experiência, conclui que esse facto revela a existência de outro facto.
O juiz aprecia livremente as provas e decide segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto – cfr. art. 607º/5 do CPC, cabendo a quem tem o ónus da prova “criar no espírito do julgador um estado de convicção, assente na certeza relativa do facto”, como refere Antunes Varela (6).
Se se instalar a dúvida sobre a realidade de um facto e a dúvida não possa ser removida, ela resolve-se contra a parte a quem o facto aproveita, de acordo com o princípio plasmado no art. 414º do CPC, que, no essencial, confirma o que, sobre a contraprova, consta do art. 346º do CC.
De acordo com o que acima ficou exposto, cumpre, pois, reapreciar a prova e verificar se dela resulta, com o grau de certeza exigível para fundamentar a convicção, o que o apelante pretende neste recurso.
*
Como já referido supra, pretende o apelante a alteração da matéria de facto dada como provada nos pontos b), c), f), k) e p), entendendo que os dois últimos factos passem a integrar os factos não provados e os três primeiros, mantendo-se no elenco dos factos provados, passem a ter outra redacção, que propõe.
*
Passemos, então, aos aludidos factos.

Além de outros, o Meritíssimo Juiz a quo considerou provado que:

b) Em Abril de 2006, o gerente do Banco Réu da agência de Vila Praia de Âncora disse aos Autores que tinha uma aplicação em tudo igual a um depósito a prazo e com capital garantido pelo Banco ... e com rentabilidade assegurada;
c) Tendo ainda utilizado a expressão risco zero e risco banco nas explicações que deu aos Autores;
f) Em todas as aplicações realizadas pelos Autores através do gerente, R. C., no banco supra referido, os primeiros depositavam total confiança no segundo e acreditaram quando este lhes disse que a aplicação em causa era igual a um depósito a prazo, com capital garantido pelo Banco ... e com rentabilidade assegurada;
k) Os Autores não sabiam, à data da subscrição, o que era a sociedade ..., SGPS, S.A., qual o seu objecto social e qual a sua relação com o Banco ...;
p) Se os Autores tivessem tido conhecimento das características do produto/aplicação Obrigações Subordinadas ... 2006, não teriam investido nesse produto o seu dinheiro;

Motivando tal decisão, o tribunal consignou o seguinte:

Fundou o Tribunal a sua convicção na valoração do conjunto da prova produzida em audiência de julgamento, designadamente, na valoração do depoimento das testemunhas J. P., que depôs por escrito, no cumprimento do formalismo processual, e R. C.. Fundou ainda o Tribunal a sua convicção na valoração dos documentos constantes dos autos de fls. 13 e 13v e 22 e 22v.
Valorou ainda o Tribunal, na medida em que o pode fazer livremente, nas declarações dos Autores, prestadas em sede de audiência de julgamento.
(…)
A factualidade dada por provada nas alíneas a), b) e t) decorre do acordo das partes.
A convicção do Tribunal relativamente à matéria de facto dada por provada nas alíneas restantes, com excepção da factualidade constante das alíneas q), u) e v), que constituem factos públicos e notórios (cfr. artigo 412º, nº 1, do Código de Processo Civil), fundou-se na valoração das declarações de parte dos Autores que, no essencial, depuseram de forma circunstanciada e objectiva. Essencialíssimo, neste âmbito, foi o depoimento da testemunha R. C., gerente da agência do Banco ... onde os Autores tinham contas bancárias abertas, que depôs de forma objectiva, circunstanciada e isenta, tendo revelado uma evidente e fundamentada razão de ciência por ter sido a pessoa que apresentou o produto financeiro em causa aos Autores e que aplicou o dinheiro dos Autores nas ditas obrigações subordinadas. Esta testemunha confirmou ao Tribunal a veracidade do que consta nas mensagens electrónicas juntas aos autos a fls. 13 e 13v, tendo, por isso, permitido enquadrar o comportamento dos intervenientes nas mais abrangentes lógicas organizacionais e hierárquicas do Réu à data dos factos.
(…)
A conjugação dos depoimentos testemunhais com o acervo documental supra referido, com as declarações dos Autores e com o teor do relatório pericial resultou, depois de uma última e inevitável depuração pelas regras da lógica e da experiência, na convicção final do Tribunal.
Com o que discorda o apelante, nos termos já supra referidos.
Entendendo os recorridos que não lhe assiste razão, pois a sentença está plenamente fundamentada de acordo com a (toda) prova produzida em julgamento, tendo sido minuciosamente apreciada e conjugada com as regras da experiência comum, não padecendo de nenhum vício ou obscuridade.
Quid iuris?

Revisitada a respectiva prova produzida, designadamente com a audição da gravação integral, em audiência de julgamento, do depoimento da testemunha R. C. e dos depoimentos dos AA. R. B. e A. B., conclui-se não assistir razão ao apelante. Não se tendo adquirido, assim, convicção diferente daquela obtida pelo Tribunal da 1ª instância. Mesmo sem a mais valia que representa a imediação, não nos ficaram quaisquer dúvidas quanto à credibilidade atribuída ao depoimento da testemunha em causa, bem como à valoração dos depoimentos dos AA. R. B. e A. B..
Todavia, quanto ao ponto p) da matéria de facto dada como provada, porque se trata de uma asserção posta no condicional, não deixando de conter um juízo especulativo/lógico-conclusivo, assente em pressupostos hipotéticos, não encerrando por isso matéria de facto, deve ser eliminado. E isto porque, no que concerne à decisão da matéria de facto, a mesma não deverá conter formulações genéricas, de direito ou conclusivas, ali se exigindo que o juiz se pronuncie sobre os factos essenciais e ainda os instrumentais que assumam pertinência para a questão a decidir. Assim, na selecção dos factos em sede de decisão da matéria de facto (art. 607º/4 do CPC) deve o Juiz atender à distinção entre factos, direito e conclusão, e acolher apenas o facto simples e afastar de tal decisão os conceitos de direito e as conclusões que mais não são que a lógica ilacção de premissas, atendendo a todos os factos relevantes, segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito.
Quanto ao mais, como foi consignado pelo Tribunal a quo na sua cuidadosa e explícita análise da prova produzida, a que se adere integralmente e aqui se dá por reproduzido a fim de evitar mais repetições, no tocante aos factos provados e não provados, a convicção teve por base, a valoração do conjunto da prova produzida em audiência de julgamento, designadamente, na valoração do depoimento das testemunhas J. P., que depôs por escrito, no cumprimento do formalismo processual, e R. C.. Fundou ainda o Tribunal a sua convicção na valoração dos documentos constantes dos autos de fls. 13 e 13v e 22 e 22v. Valorou ainda o Tribunal, na medida em que o pode fazer livremente, nas declarações dos Autores, prestadas em sede de audiência de julgamento.
Verificando-se que o apelante, no essencial, dissente da decisão, assentando exclusivamente na sua visão dos factos e interpretação que faz da prova que selecciona e que pretende ter ficado demonstrada.
Porém o apelante não pode limitar-se a invocar apenas parte da prova que lhe é alegadamente favorável, em abono da alteração dos factos, ignorando a análise crítica efectuada pelo Tribunal a quo a essa mesma prova, decidindo em causa própria.
E, assim, querendo impor, em termos mais ou menos apriorísticos, a sua subjectiva convicção sobre a prova.
Porque, afinal, quem julga é o juiz.
Por conseguinte, para obter ganho de causa neste particular, deve ele efectivar uma concreta e discriminada análise objectiva, crítica, lógica e racional de toda a prova, de sorte a convencer o tribunal ad quem da bondade da sua pretensão. O que não logrou.
Resultando evidente nos autos, que na motivação da decisão sobre a matéria de facto, o tribunal recorrido elencou de forma clara e exaustiva os seus argumentos. Alegar como faz o recorrente, que pretende ver suprimida a referência à garantia do Banco ... nos pontos b) e f), bem como a referência ao risco zero no ponto c), é olvidar o que se apurou e então ocorreu, bem como as concretas pessoas envolvidas, em função da interpretação jurídica que hoje pode ser feita e da presente realidade. Os AA., enquanto investidores, eram pessoas vulgares, no sentido em que não tinham conhecimentos técnicos: cfr. pontos g) e n) dos factos provados. Logo, era natural que fosse referida a garantia do Banco ..., já que os AA. eram clientes desse Banco e era ali que tinham as suas poupanças e investimentos. Já o risco zero da aplicação em causa que foi transmitido aos AA nas explicações que lhe foram dadas, significava tão só que se tratava de um investimento não sujeito a qualquer volatilidade, sendo o retorno do investimento certo no final do prazo, por reembolso do capital investido ao valor nominal do título. Tal como nos depósitos a prazo, tratava-se de um produto conservador, sem risco de perda do capital investido e com remuneração (vulgo, juros) pré-fixada. Valendo todas estas considerações também para o ponto k).
Diga-se, ainda, quanto ao apuramento dos factos ocorridos, não estar em causa analisar da bondade da aplicação subscrita pelos AA., mas os termos em que a mesma ocorrera, sem juízos de valor. Não é admissível que a história da subscrição possa ser reescrita do final para o princípio, como pretende o recorrente, só porque ocorreram eventos inicialmente não previstos nem previsíveis, construindo-se agora uma outra realidade.
Logo, porque todos os elementos convocados pelo tribunal a quo constam do processo e foram devidamente ponderados, entende-se, para além da eliminação do ponto p) da matéria de facto dada como provada, nada mais haver aqui a corrigir, decidindo-se pela demais improcedência da impugnação da matéria de facto.
*
II - Da reapreciação da decisão de mérito da acção, incluindo a questão da prescrição do direito dos AA.

Fixada a matéria de facto, que não sofreu qualquer alteração relevante, levando em conta as conclusões do recurso, passemos agora à também pretendida reapreciação da decisão de mérito da acção.
E também aqui, problemática relativamente à qual os Tribunais Superiores têm sido chamados amiúde a pronunciar-se, atendendo às questões bem tratadas na sentença recorrida, que atenderam aos concretos pedidos formulados e às posições assumidas pelas partes, não nos merece a decisão qualquer reparo, que, assim, se confirma. Aderindo-se, pois, à apreciação jurídica da causa nos seus precisos termos, uma vez que se mostra adequada e correcta face à factualidade apurada e aos normativos aplicáveis.
Efectivamente, os AA. subscreveram as mencionadas obrigações no convencimento de que o dinheiro tinha sido investido numa aplicação segura, cujo reembolso do capital era garantido e que lhe seriam pagos os juros semestralmente, podendo recuperar o dinheiro investido em qualquer altura. Os AA. não pretendiam aplicar o seu dinheiro em produtos de risco, como era do conhecimento do funcionário que com eles contactava - o gerente do Banco Réu da agência de Vila Praia de Âncora, de quem eram amigos há muitos anos e em quem confiavam - e que sabia que eles não possuíam qualificação específica ou formação técnica que lhes permitisse, à data, conhecer cabalmente os diversos tipos de produtos financeiros e avaliar, por isso, os riscos de cada um deles, a não ser que lhos explicassem devidamente e que, por isso, tinham um perfil conservador no que respeitava ao investimento do seu dinheiro. Os AA. não possuíam conhecimentos e nem experiência suficientes para compreenderem o tipo de investimento que fizeram e ninguém lho explicou corretamente.
Como já se escreveu (7) numa situação análoga, quanto ao tipo de “produto” ou “aplicação financeira” de que estamos a falar, No canto superior direito do “Boletim de Subscrição ... 2006”, consta como título “Emissão de Obrigações Subordinadas”, sem que em tal documento conste a referência ao regime a que se acham submetidas as “obrigações”, enquanto bens mobiliários e, muito menos, o facto de serem consideradas “subordinadas”.
As “obrigações”, constituindo um dos valores mobiliários previstos no artigo 1º do CVM, constituem um modo de financiamento facultado a determinadas entidades com recurso a capitais alheios, representando um direito de crédito sobre a entidade emitente (artigo 348º do Código das Sociedades Comerciais).
O credor obrigacionista, após subscrição do instrumento financeiro, tem o dever de entregar fundos à entidade emitente e esta fica vinculada à obrigação sinalagmática de restituir o montante mutuado e, sendo convencionado, os respetivos juros.
Segundo Paulo Câmara “Manual de Direito dos Valores Mobiliários”, Almedina 2009, p. 141, o titular da obrigação é fundamentalmente um credor perante a entidade emitente e com relação jurídica subjacente na base deste valor mobiliário existe tipicamente um contrato de mútuo Constituindo a emissão de obrigações um dos modos de financiamento de pessoas coletivas, a par de outros como as ações, distinguem-se destas porque, o obrigacionista é, desde logo, um credor da sociedade, ao passo que o acionista é sócio da mesma – Carlos Osório de Castro, “Valores Mobiliários, Conceito e Espécies”, Porto 1998, p.139-146.
A emissão de obrigações, ao significar o recurso a capitais alheios, implica um endividamento da entidade emitente Paulo Câmara, Manual (…), p. 145.
Dentro do conceito de obrigações supra referido, podem-se distinguir diversas modalidades de obrigações (artigo 360º do CSC), sendo que, em função do tipo de crédito contrapõem-se as obrigações que titulam créditos privilegiados e as obrigações representativas de dívida subordinada.
As obrigações que titulam créditos privilegiados asseguram uma posição preferencial na graduação de créditos em caso de liquidação da sociedade emitente,
As obrigações representativas de dívida subordinada são aquelas em que o titular da obrigação, havendo insolvência do emitente, apenas se pode pagar sobre o património depois de satisfeitos todos os credores comuns.
Ora, aqui chegados, desde logo, nos deparamos com a primeira diferença substancial entre o regime das obrigações subscritas pelos autores e um vulgar depósito a prazo: as obrigações em questão, por se tratar de obrigações “subordinadas”, em caso de insolvência do emitente, para além de não beneficiarem do Fundo de Garantia de Depósitos (ao contrário dos depósitos Como é salientado na sentença recorrida, o Fundo de Garantia de Depósitos foi criado pelo Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, aprovado pelo DL nº 298/92, de 31 de Dezembro, tendo por principal missão garantir o reembolso de depósitos constituídos junto das instituições de crédito nele participantes, na eventualidade de estes se tornarem indisponíveis (artigo 155º). O Fundo garante o reembolso global do saldo em dinheiro de cada depositante, em determinadas condições, cujo limite, em 2006 se situava em 25.000,00 € (nº 1 do art. 166º do RGICSF e da Portaria 1340/98, de 12-12) e atualmente se cifra em 100.000,00 € por depositante e por instituição.), representam para os seus titulares meros créditos subordinados, a serem pagos sobre o património do comitente unicamente depois dos credores comuns.
Quanto à segunda diferença, também esta de relevo, relaciona-se com a sua falta de liquidez – tratando-se de obrigações a 10 anos, o reembolso do capital só seria possível ao fim de 10 anos, a efetuar em maio de 2016 – o reembolso antecipado só seria possível a partir do 5º ano, e sujeito a acordo prévio do Banco de Portugal.
No caso em apreço, a Ré desvalorizou por completo tal informação, ao afirmar-lhe que “poderia dispor do capital investido quando assim o entendesse”, o que não é, de todo, verdade.
Enquanto nos depósitos a prazo, o dinheiro poderia ser resgatado, em qualquer altura, por mera manifestação de vontade perante o banco. Com efeito, ainda que não totalmente disponíveis, qualquer banco admite a sua mobilização antecipada ou resgate sendo a contrapartida da perda de juros Vasco da Gama Lobo Xavier e Maria Ângela Coelho, “Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 5 de março de 1987 – Depósito Bancário a prazo, levantamento antecipado – Anotação, RDE nº14, 1988, pp. 281-315. Nestas “Obrigações ... 2006”, a disponibilização do capital estaria sempre dependente do seu “endosso” a terceiros o que pressupunha a existência de interessados na respetiva aquisição, endosso este que poderá até ter ocorrido com alguma facilidade durante algum tempo, até a situação financeira da emitente ser tornada pública.
De qualquer modo, o potencial investidor teria sempre o direito a conhecer todos os dados da questão para que pudesse ele próprio “avaliar” o risco envolvido na operação e decidir se estava, de facto, por mínimo que fosse (e não era), disposto a corrê-lo.
Como salienta Sofia Nascimento Rodrigues, o risco existirá sempre. “A proteção a conferir aos investidores não pode, naturalmente, eliminar os riscos próprios de cada mercado nem garantir o resultado económico do investimento. Mas pode e deve permitir aos investidores identificarem esses riscos e valorizá-los na sua concreta configuração “A Protecção dos Investidores em Valores Mobiliários”, CMVM, Almedina, p. 34.”. Desde que o investidor esteja defendido contra vícios de informação posta ao seu dispor, é sobre ele que recai o ónus da decisão.
A decisão do investidor pode ser errada, mas tem de ser uma decisão esclarecida. A lei e o mercado devem assegurar ao investidor a informação necessária para o habilitar dos conhecimentos necessários que lhe permitam tomar, por si próprio, uma decisão de investimento esclarecida Sofia Nascimento Rodrigues, obra citada, pp. 33-34.
E quanto maior for a complexidade do negócio, mais completa deve ser a informação a disponibilizar ao investidor. De igual modo, quanto maior for o risco envolvido no negócio em causa, maior deve ser o rol de elementos informativos a disponibilizar ao investidor. Gonçalo André Castilho dos Santos apela à distinção entre os riscos especiais e os riscos gerais, sendo que, no primeiro grupo poderão estar em causa caraterísticas específicas ligadas à utilização de determinante indexante compósito ou à própria estrutura do instrumento financeiro; e, para o segundo grupo, riscos de variação natural dos mercados de valores mobiliários, risco de insolvência ou impacto da gestão empresarial sobre cotação de ações de determinado emitente.
Ora, no caso concreto, ainda que, à data, pudesse não ser previsível que viesse a ocorrer a insolvência da sociedade emitente (risco especial), a Ré tinha a obrigação de alertar os autores para o risco (geral) da insolvência da emitente, sobretudo face à posição extremamente desfavorável atribuída aos credores obrigacionistas em tal situação. E até lhe podia transmitir que, face aos dados de que dispunha, e em sua opinião pessoal, se trataria de um investimento seguro. O que não poderia era ter-se limitado a prestar este tipo de informação, meramente conclusiva e inverídica, quando desacompanhada dos restantes elementos caraterizadores do produto em causa (isto para não falar de uma eventual desadequação do produto ao perfil do cliente em causa Como sustenta Manuel A. Carneiro da Frada, a falta de adequação de um certo produto às necessidades de um cliente pode ser interpretada como expressão ou sinal de violação de um dever de informação, a saber, a falta de elucidação sobre a desadequação de certo instrumento financeiro: entendendo-se então tal dever de adequação como dever de índole informativa destinado a proporcionar a aptidão do contrato a celebrar para a satisfação das necessidades do sujeito – A Responsabilidade Civil dos Intermediários Financeiros por Informação Deficitária ou Falta de Adequação dos Instrumentos Financeiros” – “O Novo Direito dos valores Mobiliários – I Congresso Sobre Valores Mobiliários e Mercados Financeiros”, Coleção Governace Lab, Almedina, p. 405).
Na distinção de que se socorre Agostinho Cardoso Guedes “A responsabilidade do banco por informações à luz do artigo 485º do Código Civil”, in Revista de Direito e Economia, Ano XIV, 1988, p. 140. – entre: a) informações puramente descritivas de factos (existência de provisão na conta, historial de pagamentos em falta, etc.); b) informações que contêm um juízo ou valoração (solvabilidade de outrem, grau de confiança para a concessão de crédito); c) recomendações ou conselhos sobre determinada operação negocial (consultoria em relação a decisões de investimento, intermediação em operações sobre valores mobiliários) –, o grau de exatidão exigido em relação às informações será variável, sendo que, relativamente à primeira situação, deveria exigir-se uma exatidão absoluta, uma vez que esta se encontra ao alcance do banco, através de operações internas como a consulta dos seus registos.
Ora, no caso em apreço, a omissão de informação surgiu logo ao nível do primeiro tipo e relativamente a características essenciais da aplicação financeira em causa – liquidez e garantias de solvabilidade – omitindo informações que eram necessariamente do seu conhecimento por constarem do prospeto do produto.

Temos, assim, que a Ré, na qualidade de intermediária financeira incumpriu os deveres de informação que lhe são impostos pelo artigo 312º do CVM, nomeadamente os previstos nas alíneas a) e c) do seu nº1:
- quanto aos riscos especiais envolvidos na operação a realizar;
- quanto à existência ou inexistência de qualquer fundo de garantia ou de proteção ou equivalente que abranja os serviços a prestar.

Dando por assente que o Banco ... incumpriu os deveres de informação que sobre ele recaíam enquanto intermediário financeiro no negócio de subscrição das obrigações “... 2006”, vejamos de que modo pode a Ré ser responsabilizada pelos danos sofridos pelos autores.

O regime da responsabilidade civil do intermediário financeiro, encontra-se, então, prevista no artigo 314º do CVM, sob a epígrafe:
“Responsabilidade civil
1 - Os intermediários financeiros são obrigados a indemnizar os danos causados a qualquer pessoa em consequência da violação de deveres respeitantes ao exercício da sua atividade, que lhes sejam impostos por lei ou por regulamento emanado de autoridade pública.
2 - A culpa do intermediário financeiro presume-se quando o dano seja causado no âmbito de relações contratuais ou pré-contratuais e, em qualquer caso, quando seja originado pela violação de deveres de informação.”.
O nº 1 do artigo 314º prevê uma cláusula geral de responsabilidade civil a cargo do intermediário financeiro pela violação dos deveres que sobre ele impendem no exercício da sua atividade – ou princípio geral de ressarcibilidade dos danos –, abarcando quer a responsabilidade delitual quer a responsabilidade contratual.
A relação do intermediário financeiro com o cliente terá natureza obrigacional, sendo o facto indutor da responsabilidade o incumprimento do direito de crédito correlativo à relação pré-existente entre ambos.
A responsabilidade civil do intermediário financeiro perante o cliente funda-se na não realização da prestação a que estava obrigado perante o cliente, resultando a ilicitude da desconformidade entre a conduta devida e o comportamento observado pelo intermediário financeiro: a conduta do intermediário financeiro negligentemente inadimplente revestirá, necessariamente, a violação de um dever específico de conduta profissional devida Gonçalo André Castilho dos Santos, “A Responsabilidade Civil (…)”, pp. 200-202.
Quanto à culpa do intermediário financeiro, que se poderá materializar no dolo ou na negligência (o que relevará, nomeadamente, para efeitos do prazo de prescrição – art. 324º, nº 2), o nº 2 do art. 304º introduziu um novo padrão de aferição da culpa que transcende, na sua exigência, o do bom pai de família constante do artigo 487º, nº 2 do Código Civil, consagrando um padrão de conduta profissional diligentíssima Gonçalo André Castilho dos Santos, obra citada, pp. 209-212.: “Nas relações com todos os intervenientes no mercado, os intermediários financeiros devem observar os ditames da boa-fé, de acordo com elevados padrões de diligência, lealdade e transparência”.
Por outro lado, o nº 2 do artigo 314º presume a culpa do intermediário financeiro quando o dano seja causado no âmbito de relações contratuais ou pré-contratuais e, “em qualquer caso, quando seja originado pela violação de deveres de informação”.
“Relativamente à culpa, a presunção compreende-se bem. Na verdade, o facto de o intermediário financeiro ter violado uma disposição legal ou regulamentar justifica logo a admissibilidade de uma presunção de que não colocou na sua conduta profissional a diligência adequada Gonçalo André Castilho dos Santos, obra citada, p. 213.”.

E no caso em apreço, o Banco Réu não logrou afastar a presunção de culpa que sobre ele impendia. Antes pelo contrário. Os factos dados como provados apontam para a ocorrência de culpa grave da sua parte nas informações que prestou aos AA. Com efeito, desde logo se constata que, tratando-se de promover a subscrição de um produto emitido pela sociedade detentora da totalidade do capital do Banco ... – agindo num quadro de conflito de interesses Como se afirma no acórdão do TRE de 11-01-2018, ao contrário do que propugna a sociedade Ré, “i) não ocorreu uma situação de protecção dos legítimos interesses dos clientes; ii) verifica-se um quadro de conflito de interesses – a relação de domínio da ... relativamente ao intermediário financeiro motivou que os interesses económicos do investidor não fossem valorizados, como se compreende através da leitura do email (…) e da posição assumida por diversos funcionários do Banco ... quanto à questão da emissão das obrigações (…); iii) os deveres de informação e publicidade foram instrumentalizados face à necessidade de aumentar o capital social da ... e de assim salvar o grupo económico em causa que já se encontrava em crise e isso explica que a real dimensão da operação fosse camuflada e que o anuncio do lançamento da operação e os dados informativos do prospeto fossem secundarizados em nome desse interesse societário comum” – Acórdão relatado por Tomé de Carvalho, disponível in www.dgsi.pt. Chama-se aqui a atenção de que nos presentes autos não foi junta a “Nota Informativa” emitida pela entidade emitente (...) respeitante às “Obrigações 2006” (nota essa, apresentada em vários outros processos, nomeadamente no proc. 4042/16.6T8LSB, no qual foi proferido Acórdão do TRL de 10-10-2017, relatado por Carlos Oliveira, disponível in www.dgsi.pp.), da qual, aí sim, constavam as advertências que, no caso em apreço, foram deliberadamente omitidas aos autores: a) que, em caso de falência ou liquidação da emitente, o reembolso das obrigações ficava subordinado de todos os demais credores não subordinados da emitente; b) não era permitido o reembolso antecipado de emissão por iniciativa dos obrigacionistas. –, este terá montado uma campanha agressiva de promoção de tais obrigações “... 2006” junto dos seus clientes.
Não foram os autores que, pretendendo dar uma diferente utilização ao seu aforro, contactaram o Banco Réu, de quem eram clientes, pedindo-lhes sugestões ou conselhos relativamente ao modo de rentabilizem tal aforro.
Terá sido o Banco réu que, através dos seus funcionários, promoveu uma campanha agressiva de “angariação” de investidores, no âmbito da qual os funcionários do banco tinham instruções precisas para contactar com os clientes e quanto ao modo de apresentação do produto, propondo-lhes a respetiva subscrição Como é salientado no Acórdão do STJ de 17-03-2016, também respeitante à subscrição de Obrigações ... 2006, “encontramo-nos perante o recurso a técnicas de venda agressivas, mediante a utilização de informação enganosa ou ocultando informação, com o intuito de obter a anuência do cliente a determinados produtos de risco que nunca subscreveria se tivesse conhecimento de todas as caraterísticas do produto, nomeadamente se soubesse que nem sequer o capital investido era garantido” – Acórdão relatado por Clara Sottomayor, disponível in www.dgsi.pt.
Foi transmitido aos autores, por funcionário da ré que lhes sugeriu esse produto, a informação de que o reembolso do capital aplicado era garantido (porquanto não era produto de risco), que tinha uma rentabilidade assegurada, com juros semestrais e que poderia dispor do capital investido quando assim o entendesse, e foram-lhe apresentadas as condições do produto, concretamente, a sua remuneração, vantajosa relativamente aos depósitos a prazo e o seu prazo, de 10 anos.
E, como já referimos, estas informações, não só, são insuficientes omitindo informação relevantíssima quanto às caraterísticas do “produto financeiro” onde iam ser investidas as suas poupanças – quer do que são obrigações enquanto valores mobiliários, quer das implicações de se tratar de obrigações subordinadas –, nomeadamente tendo em consideração o tipo de investidores em causa (notoriamente não qualificados), como são dadas de modo a induzir em erro os potenciais investidores, ao insistirem na equiparação das “... 2006” a simples depósitos a prazo, sem os alertarem para as respetivas diferenças.
As implicações de tais diferenças estão à vista de todos. Que se saiba, os depósitos a prazo efetuados no Banco ... não foram minimamente afetados, quando foi negado o reembolso aos titulares das Obrigações ... 2006, e vindo a ser declarada a insolvência da ....
Mais uma vez, sublinhamos que a censura sobre o comportamento do Banco Réu não recai sobre o facto de aquele não ter sabido prever a ocorrência da insolvência da .... O que é censurável foi a omissão perante os investidores dos aspetos desvantajosos destes valores mobiliários – quer ao nível da liquidez quer dos riscos relativos seu reembolso – e a ligeireza com que comunicavam aos potenciais investidores que se tratava de um produto “equivalente a um depósito a prazo”, “Não vejo as diferenças.
E não era exigível aos autores que, por sua própria iniciativa, tratassem de procurar por outra via informações que pudessem confirmar as caraterísticas que lhe estavam a ser apontadas ao produto pela ré.
“No domínio do direito bancário, a relação entre o Banco e o cliente é uma relação particular, em que as partes são levadas a confiar uma na outra. Sobretudo, o sujeito que se encontra na posição de cliente não profissional, e que não tem formação nem experiência na área financeira, baixa as suas defesas naturais por conferir à instituição bancária uma total competência para cuidar dos seus investimentos, depositando nela uma especial confiança, tornando-se, por isso, mais vulnerável, sobretudo, se as primeiras aplicações produziram rendimentos e ele é assim induzido a confiar ainda mais no produto. Gera-se assim uma situação em que os envolvidos descuram a preocupação de obter informações pelos seus próprios meios. Esta realidade humana deve ser tutelada pelo Direito e, por isso, se cria uma situação que dá azo a obrigações específicas de informar a cargo do Banco, fruto de responsabilidade obrigacional, no caso de inobservância. António de Menezes Cordeiro, Direito Bancário, 5ª ed., Almedina, p. 433.”
Quanto ao dano indemnizável na responsabilidade bancária por informações, não haverá dúvidas de que abrangerá sempre o interesse contratual negativo, ou seja, aos danos que o lesado não teria sofrido se não lhe fosse prestada a informação deficiente.
Quanto ao nexo de causalidade para efeito de imputação dos danos, a doutrina vem entendendo que o nº 2 do artigo 304º contém igualmente uma presunção de causalidade Menezes Cordeiro estende tal presunção não só ao nexo de causalidade mas igualmente à ilicitude – “Manual de Direito Bancário, 3ª ed., Coimbra 2006, pp. 395-397”. No sentido de confirmar a presunção quanto ao nexo de causalidade se pronunciou igualmente o Acórdão do TRL de 06-12-2017, relatado por Luís Correia de Mendonça, disponível in www.dgsi.pt. com a consequente inversão do ónus da prova.

Quanto ao interesse que subjaz à consagração de tal presunção, afirma tal Margarida Azevedo Almeida:
“O estabelecimento da relação de causalidade supõe a determinação da vontade do investidor pelo comportamento do intermediário financeiro. Por outras palavras, a escolha do investidor poderá ter sido causada pela conduta do intermediário financeiro, de tal modo que, se este houvesse cumprido as suas obrigações informativas, a escolha do investidor teria sido inversa. Com efeito, para que se estabeleça o nexo causal é necessário que, caso tivesse formado a sua vontade de modo esclarecido o investidor ter-se-ia abstido de celebrar qualquer negócio ou teria optado por outro investimento.
Tendo em conta que entre o comportamento do intermediário financeiro e os danos sofridos pelo investidor medeia um facto do seu foro interno, isto é, a sua vontade, facilmente nos apercebemos da especial dificuldade de prova nesta matéria.
A aplicação das regras gerais de ónus da prova em matéria de nexo de causalidade poderia colocar em causa a eficácia da proteção ressarcitória do investidor pela violação das obrigações de informação e de adequação. Ao mesmo tempo, prejudicaria a eficácia preventiva que de alguma forma também está ligada à responsabilidade civil. A Responsabilidade Civil de Intermediários Financeiros por Informação Deficitária ou Falta de Adequação dos Instrumentos Financeiros”, in “O Novo Direito dos Valores Mobiliários – I Congresso Sobre Valores Mobiliários e Mercados Financeiros”, Coleção Governance Lab, Almedina, pp. 421-422.”
O modelo de lei visa acautelar a posição enfraquecida do cliente na demonstração da “culpa técnica” do intermediário financeiro ou de nexos de causalidade com complexas e sofisticadas rotinas operacionais, como “leis de mercado” habitualmente desconhecidas do leigo, à partida, de um investidor não qualificado, por sinal Gonçalo André Castilho dos Santos, A Responsabilidade Civil (…), pp. 215-216.

No caso em apreço, a Ré não logrou ilidir a presunção de causalidade entre a violação dos deveres de informação e os danos sofridos pelos autores. Antes pelo contrário, os factos dados como provados confirmam que a vontade dos autores foi determinada pelas informações enganosas que lhes foram prestadas pela Ré.
Os autores foram desapossados da quantia de 100.000,00 € em troca de um produto financeiro que nunca teriam adquirido, não fossem as informações enganosas prestadas pelo Banco Réu, enquanto intermediário financeiro.
Concluímos, assim pela responsabilização da Ré pela violação dos deveres de informação previstos no art. 312º CVM, como aliás tem vindo a ser decidido maioritariamente pelos nossos tribunais. No sentido da responsabilização do Banco ..., enquanto intermediária financeira das “Obrigações ... 2006”, se pronunciaram o Acórdão do TRC de 12-09-2017, relatado por Luís Cravo, o Acórdão do TRE de 11-01-2018, relatado por Tomé de Carvalho, Acórdão do TRL de 22-02-2018, relatado por António Santos, Acórdão do TRG de 27-04-2017, relatado por Alexandra Rolim Mendes.
Os autores terão direito a receber o capital investido, bem como os respetivos juros de mora desde a data da citação, como vem sendo entendido na jurisprudência. Entre outros, Acórdão do TRG de 27-04-2017, relatado por Alexandra Rolim Mendes, e Acórdão do STJ de 17-03-2016, relatado por Maria Clara Sottomayor, disponíveis in www.dgsi.pt.
Quantos aos juros remuneratórios acordados, não fez sentido tal pretensão por parte dos autores quando o direito à devolução do capital se fundamenta na circunstância de que não fora a violação do dever de informação não teriam adquirido o produto em causa.
Quanto à indemnização por um eventual dano não patrimonial, os factos dados como não provados não permitem fundamentar tal tipo de indemnização.
Por fim, cumpre apreciar a exceção de prescrição invocada pela Ré.
Encontrando-se em causa uma violação grosseira dos deveres de informação – não somente pela ocultação de informação relevante, mas ainda mediante prestação de informação falsa, como aqui já foi referido –, excluída fica a aplicação do curto prazo de prescrição de dois anos previsto no artigo 324, nº 2 do CVM, ficando sujeita ao prazo geral de prescrição de 20 anos nos termos do artigo 309º do CC Neste sentido, entre outros, cfr., Acórdãos do STJ de 17-03-2016, relatado por Clara Sottomayor, do TRG de 24-07-20017, relatado por Alexandra Rolim Mendes, do TRL de 22-02-2018, relatado por António Santos, disponíveis in www.dgsi.pt.

Improcede, pois, o recurso com custas a pagar pelo recorrente (art. 527º do CPC).
*
5 – SÍNTESE CONCLUSIVA (art. 663º/7 CPC)

I – A atividade do intermediário financeiro é norteada, entre outros, pelo princípio da proteção dos interesses do cliente, pelo princípio de agir de boa-fé e pelo princípio de conhecimento do cliente.
II – A extensão e a profundidade da informação a prestar pelo intermediário ao cliente devem ser tanto maiores quanto menor for o seu grau de conhecimento e experiência, de modo a permitir-lhe uma tomada de decisão esclarecida e fundamentada.
III – O titular de “Obrigações ... 2006”, por se tratar de obrigações subordinadas, apenas pode ser pago pelo património da entidade emitente, em caso de insolvência desta, depois de pagos os credores comuns e, tratando-se de obrigações a 10 anos, o reembolso do capital só seria possível ao fim de 10 anos.
IV – Apresentando as obrigações “... 2006” como sendo “equivalentes a um depósito a prazo”, em que “o reembolso do capital era garantido, por não se tratar de um produto de risco” e que os AA. podiam recuperar o dinheiro investido em qualquer altura, omitindo informação indispensável à avaliação dos riscos relacionados com o reembolso do capital e respetivos juros, o R. violou de forma grave o dever de informação constante do art. 312º do CVM.
V – O nº 2 do art. 314º do CVM consagra uma presunção de culpa e também de nexo de causalidade entre a violação dos deveres de informação pelo intermediário financeiro e os danos sofridos pelo cliente.
*
6 – DISPOSITIVO

Pelo exposto, com a eliminação do ponto p) da matéria de facto dada como provada, acordam os juízes desta secção cível em julgar improcedente o recurso de apelação interposto pelo recorrente e consequentemente manter a decisão recorrida.
Custas pelo recorrente.
Notifique.
*
Guimarães, 17-12-2020

(José Cravo)
(António Figueiredo de Almeida)
(Maria Cristina Cerdeira)


1. Tribunal Judicial da Comarca de Viana do Castelo, V.Castelo - JC Cível - Juiz 3
2. In Código Civil Anotado, V. I, 4ª Ed., Coimbra Ed., 1987, p. 306.
3. In “Noções Elementares de Processo Civil”, págs. 191 e 192.
4. In “Manual de Processo Civil”, Coimbra Editora, pág. 420.
5. In B.M.J. nº 112, pág. 190.
6. Obra supracitada.
7. Cfr. Ac. da RC de 15 de Maio de 2018, proferido no Proc. nº 2339/16.4T8LRA.C2 e acessível in www.dgsi.pt.