Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
393/14.2T8VNF-A.G1
Relator: JOSÉ CRAVO
Descritores: QUOTAS DO CONDOMÍNIO
REGIME REGRA
ALTERAÇÃO DO REGIME REGRA
QUORUM DELIBERATIVO
ABUSO DE DIREITO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 10/31/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDÊNCIA DA APELAÇÃO
Indicações Eventuais: 2.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I- Decorre do nº 1 do art. 1424º do CC, ser o regime regra de imputação das comparticipações condominiais proporcional ao valor das respectivas fracções.

II- Para aprovação de imputação das comparticipações condominiais de modo diverso do regime regra - ficar a cargo dos condóminos em partes iguais ou em proporção à respectiva fruição -, é exigível que a deliberação ocorra por maioria representativa de dois terços do valor total do prédio, sem oposição (cfr. nº 2 do art. 1424º do CC).

III- Não é exigível a maioria qualificada de dois terços sem oposição para reverter uma alteração ao regime regra ao pagamento de despesas de condomínio, pois é incomparável a situação de a lei exigir tal maioria qualificada para a imputação das comparticipações condominiais de modo diverso do regime regra (em função da permilagem, de acordo com o art. 1424º/2 do CC), e exigi-la para o regresso ao regime regra.

IV- As deliberações das assembleias de condóminos que sejam contrárias à lei ou a regulamentos são anuláveis, nos termos do art. 1433º/1 do CC, e não nulas, sem prejuízo de situações excepcionais, onde não se incluem as suscitadas nos embargos, poderem implicar a nulidade ou até a inexistência.

V- O abuso de direito apenas é susceptível de se verificar quando o seu “titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito”, nos termos do art. 334º do CC.
Decisão Texto Integral:
Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães
*
1 RELATÓRIO

Condomínio da Rua ..., n.º …, Braga” intentou acção executiva, para pagamento de quantia certa, contra “Clínica Médica Cirúrgica de …, Ldª”, peticionando o pagamento das seguintes quantias parcelares:

- € 12.115,78, a título de quotas condominiais ordinárias e extraordinárias;
- € 1.441,63, a título de penalidades;
- € 375,00, acrescido de IVA, a título de honorários do advogado do condomínio;
- € 330,64, a título de juros de mora sobre as quotizações, vencidos até 28-08-2014.

A executada veio, por apenso à execução, deduzir embargos de executado Tribunal de origem: Tribunal Judicial da Comarca de Braga, V.N.Famalicão – Juízo Execução – Juiz 3 (1).

Para o efeito, alega, de relevante e em síntese, a inexigibilidade à embargante das comparticipações condominiais peticionadas na execução, tendo por base os seguintes fundamentos:

1º - A nulidade, por falta de quórum legalmente exigido (dois terços, ao abrigo do art. 1424.º, n.º 2, do CC), da deliberação da assembleia de condóminos de 24.02.2011, na qual se decidiu alterar o regulamento do condomínio, passando a imputar à fração da embargante as despesas gerais da totalidade do condomínio, em função da permilagem (e já não, como sucedia anteriormente, em função da proporção da sua fruição), isto quando tal fração tem uma entrada própria e, com exceção das estruturas do edifício (telhado, solo, paredes, etc), não beneficia das partes comuns associadas às demais frações (estradas, escadas, electricidade, água etc.), devendo, por isso, ser considerada um condomínio autónomo;
2º - O abuso de direito do condomínio em exigir o pagamento da totalidade das despesas condominiais em função da permilagem, tendo em conta que o condomínio não se tem dirigido à parte usufruída pela embargante para verificar necessidades de intervenção e a embargante não tem usufruído dos serviços de limpeza e desinfecções do condomínio.

O exequente contestou, contraditando a alegação de facto e de direito da embargante, na parte em que a mesma não decorre dos documentos do condomínio, e sustentando, além do mais, que:

- as despesas relativas à fração da embargante que esta invoca como por si suportadas referem-se ao interior da própria fração e não às partes comuns;
- a fração autónoma da embargante e o bloco onde a mesma se insere faz parte do condomínio exequente;
- na execução, o que está peticionado, em grande medida, são as comparticipações condominiais para despesas nas partes que a própria embargante assume como sendo comuns, tendo em conta que respeitam a quotas extraordinárias para obras com a reparação das fachadas;
- a fração da embargante, apesar de ter entrada autónoma, tem ainda arrumos sita na placa de cobertura do edifício, para a qual acede pela outra entrada do condomínio;
- a deliberação de 2011 invocada pela embargante foi aprovada com o quórum legalmente exigido, ou seja, a maioria, não sendo exigida maioria qualificada, sendo que esta só seria exigida se fosse para a aprovar o contrário.

Por despacho de 11-04-2017, foi proferido despacho saneador tabelar e proferida decisão parcial de mérito, onde se julgou extinta a execução quanto aos valores peticionados a título de penalidades e despesas (€ 1.441,63, a título de penalidades e € 375,00, acrescido de IVA, a título de honorários do advogado do condomínio).

Entretanto a instância esteve suspensa, face à possibilidade de se chegar a acordo, o que não veio a suceder.

Entendendo-se permitir o estado dos autos proferir decisão, possibilidade dada a saber previamente às partes para se pronunciarem querendo (só a embargante se pronunciou, não se opondo à prolação imediata da sentença dado que as questões discutidas revestiam questões de direito), conheceu-se do mérito dos embargos e, sem prejuízo do anteriormente decidido quanto à extinção da execução relativamente aos valores peticionados a título de penalidades e despesas (€ 1.441,63 a título de penalidades e € 375,00, acrescido de IVA, a título de honorários do advogado do condomínio), julgaram-se os mesmos improcedentes.
*
Inconformada com essa decisão, a embargante interpôs recurso de apelação contra a mesma, cujas alegações finalizou com a apresentação das seguintes conclusões:

A. Para a aprovação de uma deliberação da assembleia de condóminos que estipule que os encargos com a conservação e fruição das partes comuns do condomínio sejam imputados na respetiva proporção da fruição é exigível uma maioria representativa de dois terços do valor do prédio, nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 1424º do CC.
B. A mesma maioria terá de ser exigível para alterar a referida deliberação pois o pretendido pelo legislador quando estipulou a supra mencionada maioria é conferir uma solenidade à deliberação que define a distribuição das comparticipações condominiais, exigindo-se, assim, uma maioria qualificada.
C. Se assim não fosse, podia-se no limite deliberar no sentido de derrogar o princípio supletivo da comparticipação dos encargos na proporção do valor da fração, exigindo-se, para tal, uma maioria qualificada e, seguidamente, deliberar no sentido de adotar outro critério da distribuição dos encargos, que também derrogue a norma supletivo, sem exigência de qualquer maioria qualificada.
D. No caso sub judice a deliberação da assembleia de condóminos que alterou o regulamento e a forma de comparticipação dos encargos pelos condóminos foi tomada por 443‰ do valor total do prédio.
E. A não verificação do quórum deliberativo necessário tem como cominação a anulabilidade da deliberação nos termos do artigo 1433.º do Código Civil.
F. É entendimento consensual da jurisprudência e da doutrina que tratando-se de deliberações que violem normas imperativas, a cominação não poderá ser a simples anulabilidade, com mecanismos para a sua invocação muito limitados, mas sim a nulidade.
G. O Acórdão da Relação de Lisboa, datado de 14.11.2017, proferido no âmbito do processo 19657/13.6YYLSB-A.L1-7 defende que “as deliberações das assembleias de condóminos que imponham uma repartição diferente da determinada pelos n.ºs 3 e 4 do art. 1424º para as despesas neles previstas são deliberações com conteúdo negocial contrário à lei e, como tal, nulas, por via do disposto no art. 280º do CC.
A sanção da anulabilidade prevista no art. 1433º do CC aplica-se a deliberações que violem normas legais imperativas que não digam respeito ao conteúdo negocial ou normas do regulamento de condomínio”.
H. Assim, de acordo com o referido acórdão, uma deliberação em sentido contrário ao disposto no n.º 3 do artigo 1424.º do CC, que prevê um desvio à regra supletiva da comparticipação atendendo à permilagem de cada condómino, fazendo prevalecer o critério da fruição de cada condómino, tem como cominação a sua nulidade.
I. A deliberação em análise, para além de ser tomada em violação do quórum deliberativo necessário, impõe, indistintamente, o pagamento de todas as despesas na proporção do valor de cada fração, não tendo em consideração que a grande maioria dos espaços comuns é da exclusiva utilização de alguns condóminos, nos quais não se encontra a Recorrente.
J. Pelo que tem a mesma de ser considera nula, sendo tal nulidade arguível a todo o tempo e de conhecimento oficioso do Tribunal.
K. A sentença posta em crise viola, assim, o previsto no artigo 1424.º, fazendo uma interpretação desajustada do mesmo face à jurisprudência e doutrina unânime, quanto ao alcance restritivo do artigo 1433.º do Código Civil
L. Caso assim não se entenda, sempre se dirá que o Tribunal não se encontrava em condições de proferir a sentença.
M. O Tribunal a quo dispensou a realização da audiência de julgamento por entender que uma vez que os autos reúnem desde já todos os elementos para uma decisão de mérito dos presentes embargos, tendo em conta as questões jurídicas suscitadas pelas partes (em especial, a alegada natureza da invalidade das deliberações e a sua eficácia em relação à embargante), sem que a produção de prova tenha a virtualidade de algo acrescentar.
N. Na perspetiva da Recorrente, a dispensa da realização de julgamento só faria sentido num cenário em que o Tribunal a quo, reconhecesse que a deliberação da assembleia de condóminos seria nula e, assim, se julgava capaz proferir sentença sem necessidade de realizar julgamento, ou seja, evitando, nesse caso, atos inúteis.
O. Tendo a sentença sido proferida em sentido inverso, isto é, considerando que a deliberação era somente anulável, o Tribunal a quo teria ainda de produzir prova quanto aos factos alegados pela Recorrente referentes ao abuso de direito, sob pena de violação do artigo 411.º do CPC.
P. A Recorrente alegou factos suficientes que consubstanciam uma atuação em abuso de direito por parte do Recorrido ao descrever os diversos serviços que este não presta nas áreas comuns que beneficiam a sua fração.
Q. Não se consegue compreender como pôde o Tribunal a quo pura e simplesmente considerar que não se verifica um excesso dos limites impostos pela boa-fé, quando o Recorrido pretende imputar à Recorrente as despesas condominiais de cerca de quatro anos, de que esta pouco ou nada beneficiou por se reportarem a partes comuns de outro edifício que não beneficia a sua fração, quando, nesse mesmo período, não foi prestado qualquer serviço às áreas comuns que beneficiam aquela fração, sem pelo menos deixar produzir prova quanto aos factos alegados.
R. Não é razoável exigir que a Recorrente alegasse a recusa de o Recorrido em prestar os serviços para preencher o ónus de alegação quanto ao abuso de direito, bastando a alegação dos serviços que não prestou face ao pagamento dos serviços prestados.
S. Ainda assim, se se considerasse que tais factos deveriam ter sido alegados, então o Tribunal a quo deveria ter convidado a Recorrente a aperfeiçoar a sua alegação nos termos do disposto nos n.ºs 3 e 4 do CPC.
T. Assim, teria o Tribunal a quo de diligenciar pela produção de prova, nomeadamente através da inquirição das testemunhas arroladas pela Recorrente, sob pena de violação do princípio do inquisitório, ínsito no artigo 411º do CPC.

NOS TERMOS ACIMA EXPOSTOS, REQUER-SE A V. EXAS. SE DIGNEM DAR PROVIMENTO AO PRESENTE RECURSO, REVOGANDO A SENTENÇA EM CRISE E SUBSTITUINDO-A POR ACÓRDÃO QUE JULGUE TOTALMENTE PROCEDENTES OS EMBARGOS DA RECORRENTE, OU, SE ASSIM NÃO SE ENTENDER, ORDENE A REALIZAÇÃO DA AUDIÊNCIA DE JULGAMENTO PARA PRODUÇÃO DE PROVA INDICADA PELA RECORRENTE QUANTO AOS FACTOS REFERENTES AO ABUSO DE
DIREITO, FAZENDO ASSIM O QUE É DE INTEIRA JUSTIÇA!
*
Foram apresentadas contra-alegações nas quais se pugna pela improcedência do recurso com a consequente confirmação da decisão recorrida.
*
O Exmº Juíz a quo proferiu despacho a admitir o interposto recurso, providenciando pela subida dos autos. Pronunciou-se sobre a arguida nulidade.
*
Facultados os vistos aos Exmºs Adjuntos e nada obstando ao conhecimento do objecto do recurso, cumpre apreciar e decidir.
*
2QUESTÕES A DECIDIR

Como resulta do disposto no art. 608º/2, ex vi dos arts. 663º/2, 635º/4, 639º/1 a 3 e 641º/2, b), todos do CPC, sem prejuízo do conhecimento das questões de que deva conhecer-se ex officio, este Tribunal só poderá conhecer das que constem nas conclusões que, assim, definem e delimitam o objecto do recurso.

Consideradas as conclusões formuladas pela apelante, esta entende que:

I - a decisão recorrida não interpretou correctamente o disposto nos arts. 1424º e 1433º do CC;
IIo Tribunal a quo violou o disposto no art. 411º do CPC, ao não realizar todas as diligências necessárias ao apuramento da verdade, no que toca à alegada invocação por parte da recorrente da excepção de abuso de direito.
*
3OS FACTOS

Factos provados relevantes:

1. O exequente apresentou à execução a ata n.º 1/2011 da assembleia de condóminos do condomínio exequente, realizada em 24.02.2011, a qual se mostra junta com o requerimento executivo e que aqui se dá por integralmente reproduzida.
2. O exequente apresentou à execução a ata n.º 2/2011 da assembleia de condóminos do condomínio exequente, realizada em 31.05.2011, a qual se mostra junta com o requerimento executivo e que aqui se dá por integralmente reproduzida.
3. O exequente apresentou à execução a ata n.º 3/2012 da assembleia de condóminos do condomínio exequente, realizada em 20.04.2012, a qual se mostra junta com o requerimento executivo e que aqui se dá por integralmente reproduzida.
4. O exequente apresentou à execução a ata n.º 4/2012 da assembleia de condóminos do condomínio exequente, realizada em 24.09.2012, a qual se mostra junta com o requerimento executivo e que aqui se dá por integralmente reproduzida.
5. O exequente apresentou à execução a ata n.º 5/2013 da assembleia de condóminos do condomínio exequente, realizada em 15.04.2013, a qual se mostra junta com o requerimento executivo e que aqui se dá por integralmente reproduzida.
6. O exequente apresentou à execução a ata n.º 6/2013 da assembleia de condóminos do condomínio exequente, realizada em 29.10.2013, a qual se mostra junta com o requerimento executivo e que aqui se dá por integralmente reproduzida.
7. O exequente apresentou à execução a ata n.º 7/2014 da assembleia de condóminos do condomínio exequente, realizada em 29.04.2014, a qual se mostra junta com o requerimento executivo e que aqui se dá por integralmente reproduzida.
8. O primeiro regulamento do condomínio exequente é composto pelas regras constantes do documento com tal título junto a fls. 130 a 137 destes embargos (com o requerimento de 19.06.2017), cujo teor se dá por reproduzido, do qual consta, além do mais, que:

“(...)
Artigo 2º
(...)
4- Parte..., com entrada pelo n.º 120, constituem um espaço ocupado na sua totalidade pela Clínica...
(...)
6- A Clínica integra o condomínio da parte residencial apenas no referente a uma divisão para arrumos...sita na placa de cobertura do edifício, que motiva a cedência de chave e de acesso a esse espaço, bem com a existência de paredes e placas divisórias comuns.
(...)”.
9. A embargante é condómina da fração “A” do condomínio exequente, constando do registo predial desta fração, inserida no prédio urbano constituído em propriedade horizontal descrita na 1ª CRPredial de … sob o n.º …/19860822-A, a aquisição a favor da embargante, pela ap. 9, de 11.09.1986 e a seguinte descrição da fração:
Composição:
Parte da cave – área 782 m2; parte do rés do chão – área 951 m2 e todo o 1º andar – área 1.072,03 m2, pertencendo-lhe a divisão para arrumos contígua à casa das máquinas dos elevadores, sita na placa da cobertura do edifício, com entrada pelo nº 120 de polícia da Rua ....
Valor Tributável: 108.864.000,00 Escudos
10. O prédio descrito na 1ª CRPredial de … sob o n.º …/19860822 foi constituído em propriedade horizontal por escritura pública outorgada em 14.08.1986, nos termos que constam da escritura de fls. 45 a 55 destes embargos, cujo teor se dá aqui por reproduzido.

[transcrição de fls. 149 a 156].
*
4 – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

Vejamos as questões separadamente.

I - A decisão recorrida não interpretou correctamente o disposto nos arts. 1424º e 1433º do CC

No Código Civil (doravante, tão só, CC), Livro III – Direito das Coisas –, Título II – Do direito de propriedade –, Capítulo VI – Propriedade horizontal –, prescreve o art. 1424º da Secção III – Direitos e encargos dos condóminos –, cuja epígrafe é, “Encargos de conservação e fruição” que:

1. Salvo disposição em contrário, as despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns do edifício e ao pagamento de serviços de interesse comum são pagas pelos condóminos em proporção do valor das suas fracções.
2. Porém, as despesas relativas ao pagamento de serviços de interesse comum podem, mediante disposição do regulamento de condomínio, aprovada sem oposição por maioria representativa de dois terços do valor total do prédio, ficar a cargo dos condóminos em partes iguais ou em proporção à respectiva fruição, desde que devidamente especificadas e justificados os critérios que determinam a sua imputação.
3. As despesas relativas aos diversos lanços de escadas ou às partes comuns do prédio que sirvam exclusivamente algum dos condóminos ficam a cargo dos que delas se servem.
4. Nas despesas dos ascensores só participam os condóminos cujas fracções por eles possam ser servidas.
5. Nas despesas relativas às rampas de acesso e às plataformas elevatórias, quando colocadas nos termos do n.º 3 do artigo seguinte, só participam os condóminos que tiverem procedido à referida colocação.
e o art. 1433º da Secção IV – Administração das partes comuns do edifício –, cuja epígrafe é, “Impugnação das deliberações” que:

1. As deliberações da assembleia contrárias à lei ou a regulamentos anteriormente aprovados são anuláveis a requerimento de qualquer condómino que as não tenha aprovado.
2. No prazo de 10 dias contado da deliberação, para os condóminos presentes, ou contado da sua comunicação, para os condóminos ausentes, pode ser exigida ao administrador a convocação de uma assembleia extraordinária, a ter lugar no prazo de 20 dias, para revogação das deliberações inválidas ou ineficazes.
3. No prazo de 30 dias contado nos termos do número anterior, pode qualquer condómino sujeitar a deliberação a um centro de arbitragem.
4. O direito de propor a acção de anulação caduca no prazo de 20 dias contados sobre a deliberação da assembleia extraordinária ou, caso esta não tenha sido solicitada, no prazo de 60 dias sobre a data da deliberação.
5. Pode também ser requerida a suspensão das deliberações nos termos da lei de processo.
6. A representação judiciária dos condóminos contra quem são propostas as acções compete ao administrador ou à pessoa que a assembleia designar para esse efeito.

Entende a recorrente que a interpretação errada feita pelo tribunal a quo resulta do facto de este ter considerado a deliberação da Assembleia de Condóminos de 24-10-2011 – que submeteu a Recorrente à aplicação do Regulamento Interno, passando aquela a responder pelas despesas na proporção das suas fracções –, uma deliberação anulável e não uma deliberação nula. É que estando em causa uma proposta quanto à alteração da distribuição da responsabilidade dos diversos condóminos face às despesas do condomínio, decorre do nº 2 do art. 1424º do CC, que é exigível que a aprovação da deliberação terá que ocorrer por maioria representativa de dois terços do valor total do prédio, sem oposição, o que não ocorreu porque nessa assembleia estavam presentes apenas 443% do valor total do prédio. No entendimento da recorrente, a regra do art. 1424º/2 do CC é imperativa e a deliberação tomada em violação do quórum que tal regra impõe é por isso nula e não anulável.

Mas ocorreu mesmo a errada interpretação?

Antecipando, desde já, a decisão, entendemos que não.
Com efeito, não só não era exigível que a aprovação da deliberação tivesse que ocorrer por maioria representativa de dois terços do valor total do prédio, sem oposição – como bem refere o Sr. Juiz a quo, “(…) a deliberação de aprovação de comparticipações condominiais em função da permilagem ou até a alteração do regulamento do condomínio que, nessa medida, se justifique, está apenas dependente do voto da maioria do capital, no caso de reunião em primeira convocatória, ou do voto da maioria dos condóminos presentes, no caso de reunião em segunda convocatória, desde que, neste caso, representem um quarto do valor total do prédio (art. 1432.º, n.ºs 3 e 4, do CC), tanto mais que tal imputação/proporção da responsabilidade dos condóminos corresponde ao regime legal regra, nos termos do art. 1424.º, n.º 1, do CC. Assim é, mesmo que a assembleia pretenda, neste âmbito, alterar anterior deliberação aprovada por maioria qualificada, pois as deliberações da assembleia de condóminos não “determinam um vínculo contratual permanente, e são sempre suscetíveis de revogação e de modificação, ainda que tomadas por unanimidade. A decisão da assembleia em sede de gestão é sempre contingente e transitória, e não pode precludir novas e diversas deliberações que possam surgir no decurso da vida do condomínio” (cfr. Sandra Passinhas, em “A Assembleia de Condóminos e o Administrador na Propriedade Horizontal”, Almedina, 2ª ed., p. 246 a 247)”, isto é, não era aqui exigida a maioria qualificada, sendo incomparável a situação de a lei exigir uma maioria qualificada para a imputação das comparticipações condominiais de modo diverso do regime regra (em função da permilagem, de acordo com o art. 1424º/2 do CC), e exigi-la para o regresso ao regime regra –, como, as deliberações das assembleias de condóminos que sejam contrárias à lei ou a regulamentos são anuláveis, nos termos do art. 1433º/1 do CC, e não nulas, sem prejuízo de situações excepcionais, onde não se incluem as suscitadas nos embargos como pretende a recorrente, poderem implicar a nulidade ou até a inexistência – como vem sendo maioritariamente sustentado na doutrina e jurisprudência e foi assertivamente demonstrado pelo Sr. Sr. Juiz a quo, aqui dado por reproduzido, a fim de evitar mais repetições –.

Assim, e em consequência, como bem se refere na sentença a quo, as atas juntas, enquanto não forem objecto de sentença anulatória das deliberações nelas constantes, são vinculativas para todos os condóminos, incluindo a ora embargante (cfr. art. 1.º, n.º 2, do DL n.º 268/94, de 25.10), configurando, nomeadamente, título executivo quanto às comparticipações condominiais aprovadas. Não pode, na verdade, a executada, sem prévia anulação das deliberações, obter, por outra via, o mesmo efeito da impugnação e evitar a obrigação de comparticipar nas despesas condominiais aprovadas. Se a executada pretendia evitar o efeito vinculativo ora exposto teria que impugnar as deliberações e obter sentença anulatória, nos termos especificamente previstos no art. 1433.º, n.ºs 1 a 4, do CC.

Lembrando-se que a deliberação em causa nos embargos decidiu alterar o regulamento do condomínio, passando a imputar à fracção da embargante as despesas gerais da totalidade do condomínio, em função da permilagem (e já não, como sucedia anteriormente, em função da proporção da sua fruição), inexistindo a situação de condomínio autónomo como pretende a recorrente (a autonomia de condomínio que a recorrente sustenta para a sua fracção não obsta à sua vinculação quanto às deliberações da única assembleia de condóminos do condomínio exequente) e ignorando o que consta do título constitutivo e do próprio primitivo regulamento do condomínio (para além de integrar o prédio constituído em propriedade horizontal, a fracção da embargante é composta ainda por uma divisão para arrumos que se situa na placa de cobertura do edifício, o que, inclusive, foi feito constar como justificador de entrega de chave de acesso. Daí que a fracção da embargante também beneficie, objectivamente, pelo menos das partes comuns que permitem o acesso à placa de cobertura do edifício, nada justificando, pois, que se pretenda eximir ao pagamento com essas despesas).

Improcede, pois, este fundamento do recurso da recorrente.

II – O Tribunal a quo violou o disposto no art. 411º do CPC, ao não realizar todas as diligências necessárias ao apuramento da verdade, no que toca à alegada invocação por parte da recorrente da excepção de abuso de direito

Entende a Recorrente que o Tribunal a quo teria ainda de produzir prova quanto aos factos por si alegados e referentes ao abuso de direito, sob pena de violação do artigo 411º do CPC.

Refere o art. 411º do CPC, cuja epígrafe é, “Princípio do inquisitório” que:

Incumbe ao juiz realizar ou ordenar, mesmo oficiosamente, todas as diligências necessárias ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio, quanto aos factos de que lhe é lícito conhecer.
Ora, diga-se desde já que a questão suscitada é um contra-senso e parte de premissas erradas. Não sendo correcto que não tenham sido prestados serviços à apelante em partes comuns de que beneficiam a sua fracção.

Com efeito, como a apelante bem reconhece, a decisão proferida não foi uma decisão surpresa, tendo sido concedido às partes oportunidade de se pronunciarem quanto a essa intenção, não se tendo a mesma oposto à prolação imediata da sentença dado que as questões discutidas revestiam questões de direito e tendo aproveitado para vir dizer que entendia que a deliberação era nula. Não fazendo qualquer sentido que venha agora defender que “somente no caso de se considerar como nula a deliberação da assembleia de condóminos não haveria necessidade de produzir mais prova”, quando essa questão da nulidade é uma questão de direito.

De qualquer forma, como bem se refere na sentença, sendo a embargante comproprietária de todas as partes comuns do edifício, nos termos do art. 1420.º, n.º 1, do CC, a embargante beneficia das despesas suportadas com as comparticipações condominiais, não constando sequer (não vem alegado) que o condomínio recuse, sem justificação atendível e, porventura, com intenção de prejudicar a fração da embargante, intervir nas partes comuns que beneficiam tal fração, notando-se que a embargante não alega, por exemplo, que tenha solicitado alguma intervenção do condomínio e este tenha recusado nos moldes atrás expostos, e atendendo a que, como salienta o exequente, o grosso das comparticipações condominiais peticionadas na execução respeita à realização de obras no edifício e, no fundo, naquelas partes que a própria embargante reconhece como pertencendo à estrutura do edifício e para cuja conservação/reparação deve comparticipar, considerando que o abuso de direito apenas é susceptível de se verificar quando o seu “titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito”, nos termos do art. 334º do CC, não se vislumbra que exista abuso de direito por parte do exequente.

Lembrando-se, tal como conclui o recorrido, que o grosso do peticionado na acção executiva e ao que a Recorrente se pretendia também eximir era o valor para obras no exterior do prédio, parte comum estrutural do prédio. O resto do que lhe é peticionado diz respeito às partes comuns de acesso à arrecadação na cobertura do prédio. Nada mais lhe é solicitado, como resulta dos autos.

Improcede, pois, também este fundamento do recurso dos recorrentes.
*
5 – SÍNTESE CONCLUSIVA (art. 663º/7 CPC)

I – Decorre do nº 1 do art. 1424º do CC, ser o regime regra de imputação das comparticipações condominiais proporcional ao valor das respectivas fracções.
II – Para aprovação de imputação das comparticipações condominiais de modo diverso do regime regra - ficar a cargo dos condóminos em partes iguais ou em proporção à respectiva fruição -, é exigível que a deliberação ocorra por maioria representativa de dois terços do valor total do prédio, sem oposição (cfr. nº 2 do art. 1424º do CC).
III – Não é exigível a maioria qualificada de dois terços sem oposição para reverter uma alteração ao regime regra ao pagamento de despesas de condomínio, pois é incomparável a situação de a lei exigir tal maioria qualificada para a imputação das comparticipações condominiais de modo diverso do regime regra (em função da permilagem, de acordo com o art. 1424º/2 do CC), e exigi-la para o regresso ao regime regra.
IV – As deliberações das assembleias de condóminos que sejam contrárias à lei ou a regulamentos são anuláveis, nos termos do art. 1433º/1 do CC, e não nulas, sem prejuízo de situações excepcionais, onde não se incluem as suscitadas nos embargos, poderem implicar a nulidade ou até a inexistência.
V – O abuso de direito apenas é susceptível de se verificar quando o seu “titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito”, nos termos do art. 334º do CC.
*
6 – DISPOSITIVO

Pelo exposto, acordam os Juízes desta secção cível em julgar a presente apelação improcedente, assim se confirmando a decisão recorrida.
Custas pela recorrente.
Notifique.
*
Guimarães, 31-10-2019

(José Cravo)
(António Figueiredo de Almeida)
(Raquel Baptista Tavares)
1 -Tribunal de origem: Tribunal Judicial da Comarca de Braga, V.N.Famalicão – Juízo Execução – Juiz 3