Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
6692/19.0T8BRG.G1
Relator: ANTERO VEIGA
Descritores: COOPERATIVA
TRABALHADOR COOPERANTE
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 03/17/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: SECÇÃO SOCIAL
Sumário:
Nas “cooperativas de produção ou de prestação de serviços, como as de ensino, dependendo a aquisição e manutenção da qualidade de cooperante, além do mais, da contribuição com prestação de trabalho, o vínculo que se estabelece entre a cooperativa e o cooperante é em princípio um acordo de trabalho cooperativo ou acordo de trabalho associado.
Não existe uma incompatibilidade absoluta entre a qualidade de cooperante e de trabalhador vinculado por contrato de trabalho.
Existindo previamente à relação de cooperação uma relação laboral, importará escrutinar a vontade das partes no que respeita ao desenvolvimento futuro da relação.
É de considerar que a relação laboral se mantém se não ocorrendo alterações no modo de execução do contrato, dos estatutos e ou regulamentos da cooperativa resulta a possibilidade de vinculação com um cooperante por contrato de trabalho.
Decisão Texto Integral:
Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Guimarães.

O autor P. J., intentou a presente ação declarativa com processo especial de impugnação da regularidade e licitude do despedimento contra a ré X - COOPERATIVA DE ENSINO, CRL., pedindo que seja declarada a ilicitude do despedimento por justa causa a que a ré procedeu.
A ré apresentou articulado motivador do despedimento e juntou o processo disciplinar e os documentos comprovativos do cumprimento das formalidades exigidas.
*
O autor deduziu reconvenção pedindo a condenação da ré a proceder à sua reintegração no posto de trabalho, sem prejuízo da antiguidade e categoria profissional, a pagar as retribuições que deixou de auferir desde o despedimento até ao trânsito em julgado da decisão e a pagar a quantia de € 24.063,13 (vinte e quatro mil e sessenta e três euros e treze cêntimos), a título de diferenças salariais, retribuições vencidas e não pagas e indemnização por danos não patrimoniais.
Na réplica a ré respondeu às exceções e reconvenção deduzidas.
Realizado o julgamento foi proferida decisão julgando a ação improcedente.

Inconformado o autor interpôs recurso apresentado em extensas conclusões e resumidamente as seguintes questões:

2ª. Atenta a factualidade provada, entre o apelante e a Ré não existe uma relação laboral, vigorando antes uma relação cooperativa.
3ª. Na relação cooperativa inexiste, como decorre das regras e dos princípios cooperativos, designadamente, do art. 2.º e 3.º do C. Cooperativo, subordinação jurídica, aspeto estruturante da relação laboral, como julgado, designadamente, no Acórdão da Relação do Porto, de 19.09.2011 e no Acórdão da Relação de Guimarães de 18.03.2021
4ª. Nos termos do direito cooperativo (arts. 25.º e 26.º do C. Cooperativo), a exclusão de um cooperador é da competência exclusiva da assembleia geral e deve obedecer a regras próprias, seguindo um procedimento específico, com observância do direito ao contraditório, e em que se prevê um conjunto de regras cuja inobservância conduz à nulidade de todo o procedimento.
5ª. Se se admitir a sujeição do cooperador a um procedimento disciplinar laboral, a competência para a sua instauração será do conselho de administração da cooperativa, permitindo-se que um grupo de cooperadores (os que integram a administração, em dado momento) possa perseguir e atormentar outro colega cooperador, unicamente porque este é incómodo ou coloca questões de difícil resposta.
6ª. Assim, a decisão da Ré é nula e sem qualquer efeito, como previsto no art. 25.º, nº 4, do C. Cooperativo e no art. 411.º, nº 1, al. c), do Código das Sociedades Comerciais, por remissão do art. 9.º do C. Cooperativo.

10ª. Ainda que assim não se considere, o que apenas de admite por mera hipótese de raciocínio, o ora apelante não pode igualmente conformar-se com douta sentença proferida na parte em que julgou a ação integralmente improcedente, declarando lícito o seu despedimento por justa causa, e julgou o pedido reconvencional igualmente improcedente.
11ª. Antes de mais, atendendo à decisão recorrida e atento o quadro fáctico por esta admitido, entende o apelante que a decisão de facto constante da douta sentença recorrida não se coaduna com a prova produzida e deve ser alterada, em vários pontos.
12ª. Na contestação, o apelante alegou que:
“3º (…) o Autor é membro da Ré, sendo seu cooperador efetivo desde 14.10.2015, mediante o pagamento da joia estatuariamente prevista, conforme documento de que se junta cópia e se dá como reproduzido para todos os efeitos legais (Doc. nº 2 e nº 3),
4º Tendo inclusive sido nomeado como suplente do Conselho de Administração da Ré, no período compreendido entre 2017 e 2018. (…)
9º Com efeito, sendo o Autor cooperador, integra e participa obrigatoriamente nas suas assembleias gerais.”
13ª. A matéria atrás reproduzida não mereceu impugnação por parte da Ré que aceitou o seu teor, conforme se constata da réplica apresentada, pelo que deve ser considerada admitida por acordo, nos termos do disposto nos arts. 1.º, nº 1, al. a), 60.º e 98.º- L, nºs 4 e 5, do CPT e dos arts. 574.º e 587.º, nº 1, CPC.
14ª. Deste modo, caso se julgue necessária a referida factualidade para apreciar a natureza da relação entre o apelante e a Ré, deve ser acrescentada a seguinte factualidade aos Factos Provados:
5. A partir do dia 2 de outubro de 2015, o Autor passou a ser também cooperador da ré, mediante o pagamento da joia estatuariamente prevista.
5.1 O Autor foi nomeado como suplente do Conselho de Administração da Ré, no período compreendido entre 2017 e 2018.
5.2 O Autor integrava e participava nas assembleias gerais da Ré.
15ª. Atendendo a toda a prova produzida, existe erro de julgamento dos factos constantes dos pontos nºs 18, 19, 20 e 22 dos Factos Provados e do ponto nº 1 dos

Factos Não Provados.

21ª. Analisados os referidos depoimentos e documentos, verifica-se, contrariamente ao que consta da douta sentença recorrida, não corresponde à realidade que o apelante não tenha ministrado as aulas a que estava obrigado, ou que, no dia 26 de abril de 2019, o apelante não tivesse ministrado vinte e cinco horas de aulas que estavam em atraso, ou que lhe seja imputável a necessidade de ministrar tempos letivos entre os dias 22 a 26 de julho de 2019.
22ª. Deste modo, tendo em atenção os elementos de prova atrás referidos, deve passar a constar dos Factos Provados o seguinte:
18. Ainda que o autor tivesse ministrado todas as aulas nos termos do horário que lhe tinha sido atribuído, as aulas não estariam terminadas até ao dia 26 de abril de 2019 e sempre teriam de ser ministradas aulas depois da formação em contexto de trabalho; (novo)
19. (Eliminado)
20. (Eliminado)
22. No mês de julho de 2019, após a formação em contexto laboral, foi necessário que o autor ministrasse aulas, o que levou a que entre os dias 22 a 26 de julho de 2019, os alunos tivessem uma semana de aulas com a disciplina de Técnicas de Multimédia;

25ª. Atendendo à peticionada alteração da decisão relativa à matéria de facto, e ainda que se considere que entre o apelante e Ré existe um contrato de trabalho e uma relação laboral, não se verifica qualquer comportamento culposo do apelante, nem tampouco qualquer violação dos seus deveres laborais, nos termos exigidos no art. 351.º do CT, para que exista justa causa de despedimento.
26ª. Analisada a matéria de facto provada, mais concretamente, os pontos nºs 12 a 24 dos Factos Provados, não fica minimamente demonstrado que o apelante tenha violado o dever de assiduidade ou sequer de zelo, previstos no art. 128.º do CT.
27ª. Analisados os pontos nºs 25 a 29 dos Factos Provados, deles não emerge qualquer atuação ilícita, violadora de qualquer dever laboral, ou sequer menos correta do apelante, nada havendo a censurar à atuação do apelante e entendimento diferente, além de contrário às leis laborais, seria uma violação de uma garantia constitucional, mais concretamente, à norma do art. 37.º da CRP.
28ª. Os pontos nºs 33 a 36 dos Factos Provados também não configuram qualquer violação de um dever laboral, nem a ocorrência daquela factualidade gera a impossibilidade da manutenção da relação laboral e admitir qualquer tipo de punição ao apelante com base nesses factos seria, mais uma vez, negar-lhe o exercício de direitos de natureza constitucional., previstos nos arts. 25.º e 26.º da CRP.
29ª. Atendendo a toda a factualidade provada, é flagrante que o apelante não violou qualquer dever laboral, e que, ainda que existisse algum tipo de violação, não está minimamente demonstrado que essa violação tenha sido culposa, nem ficou demonstrado que da atuação do apelante tivessem resultado quaisquer prejuízos ou consequências negativas para a vida da Ré.
30ª. Atendendo à factualidade elencada, sempre a sanção de despedimento seria desproporcional e inadequada.
31ª. Deste modo, a considerar-se a existir relação laboral entre o apelante e a Ré, o deve ser proferido acórdão que revogue a douta sentença recorrida e julgue ilícito o despedimento do apelante.

34ª. Resulta também da matéria de facto que “O autor sentiu desgosto e perturbação pela decisão de despedimento com justa causa que foi tomada pela ré”.
35ª. Assim, deve ainda ser a Ré condenada a pagar ao apelante, nos termos do disposto no art. 396.º, nº 3, do CT, a quantia de €10.000,00, a título de indemnização pelos danos morais sofridos.

37ª. Na hipótese de se julgar improcedente o pedido de alteração da matéria de facto, dos factos provados na douta sentença recorrida não vislumbra o apelante qualquer atuação ou omissão culposa da sua parte que possa colocar em causa a subsistência da relação laboral com a Ré.
38ª. Nos Pontos nºs 18, 19 e 22 dos Factos Provados, não existe uma descrição circunstanciada dos factos, à imagem do que já sucedia na nota de culpa e na decisão de despedimento.
39ª. O apelante ainda hoje continua sem saber, em concreto, quais os concretos dias de aulas em que, eventualmente, terá faltado e que não foram devidamente compensados ou as concretas aulas que não foram ministradas, não existindo qualquer referência a esse respeito, na nota de culpa, na decisão de despedimento e na douta sentença recorrida a esse respeito.
40ª. Assim, qualquer despedimento baseado na referida factualidade seria ilícito, nos termos do disposto nos arts. 353, nº 1, e 382.º, nº 2, do CT.
41ª. Sem prejuízo do alegado, entende o apelante que a matéria de facto constante dos pontos nºs 16 a 25 dos Factos Provados não contém qualquer facto ou ato culposo do apelante, nem dali decorre qualquer prejuízo para a Ré.
42ª. Dos factos provados, apenas consta que o apelante, no ano letivo 2018/2019, não ministrou aulas a que estava obrigado e que por essa razão teve de existir um período complementar de aulas, durante uma semana de julho de 2019, nada sendo referido quanto à razão pela qual essas aulas não foram ministradas, designadamente, se tal se deveu a algum facto imputável ao apelante.
43ª. Acresce que disposto nos arts. 6.º, nº 2, al. d), no art. 7.º, nºs 1 e 6, da Portaria nº 235-A/2018, que procede à regulamentação dos cursos profissionais contraria a parte da douta sentença recorrida que considerou que os alunos da Ré saíram prejudicados com essa situação.
44ª. Assim, com base nessa factualidade, nunca estariam reunidos os pressupostos constantes do art. 351.º, nº 1, do CT.
45ª. No que respeita à restante factualidade, são perfeitamente válidas as considerações já expendidas nas conclusões 27ª. a 30.ª, pelo que se consideram aqui reproduzidas, e que reconduzem ao mesmo raciocínio: atendendo à factualidade elencada, sempre a sanção de despedimento seria totalmente inadequada e desproporcional.
46ª. Deste modo, a considerar-se a existir relação laboral entre o apelante e a Ré, o deve ser proferido acórdão que revogue a douta sentença recorrida e julgue ilícito o despedimento do apelante.
47ª. Também no que respeita à reconvenção se mantêm válidos todos os argumentos já presentados nas conclusões 32.ª a 36.ª.

Em contra-alegações sustenta-se o julgado.
Neste tribunal, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.
Colhidos os vistos dos Ex.mos Srs. Adjuntos, vista a prova, há que conhecer do recurso.
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Factualidade:

1. A ré uma cooperativa de ensino que explora o estabelecimento de ensino do sector cooperativo denominado Externato …;
2. No dia 12 de novembro de 2007, o autor celebrou com a ré um contrato de trabalho a termo certo para desempenhar as funções de professor com o horário que fosse atribuído em cada ano letivo;
3. Este contrato converteu-se em contrato de trabalho por tempo indeterminado;
4. O autor auferia a retribuição mensal de € 1.416,00;
5. A partir do dia 2 de outubro de 2015, o autor passou a ser também cooperador da ré;
6. No dia 25 de julho de 2019, a ré instaurou um processo disciplinar contra o autor;
7. Neste processo disciplinar a ré elaborou a nota de culpa que consta de fls. 233 a 250 do processo disciplinar apenso aos presentes autos e que aqui se dá por integralmente reproduzida;
8. O autor foi notificado da nota de culpa no dia 16 de setembro de 2019;
9. A ré elaborou o aditamento à nota de culpa que consta de fls. 340 a 348 do processo disciplinar apenso aos presentes autos e que aqui se dá por integralmente reproduzida;
10. Por decisão proferida no dia 10 de dezembro de 2019, que consta de fls. 529 a 569 do processo disciplinar apenso aos presentes autos e que aqui se dá por integralmente reproduzida, a ré aplicou ao autor a sanção disciplinar de despedimento com justa causa;
11. O autor foi notificado desta decisão no dia 12 de dezembro de 2019;
12. A ré tinha diversos cursos de formação profissional, sendo um destes cursos o Curso Profissional de Multimédia;
13. No 12º ano este curso dividia-se numa parte letiva e uma parte de formação em contexto de trabalho (FCT);
14. A parte letiva devia estar terminada antes do início da formação em contexto de trabalho para que os alunos iniciassem esta formação com a preparação teórica integralmente ministrada;
15. No ano letivo de 2018/2019 a parte letiva devia estar terminada até ao dia 26 de abril de 2019;
16. Os alunos iniciaram a formação em contexto de trabalho no dia 29 de abril de 2019 a terminaram no dia 18 de julho de 2019;
17. No ano letivo de 2018/2019 o autor era diretor do Curso Profissional de Multimédia e professor da disciplina de Técnicas de Multimédia;
18. Neste ano letivo o autor não ministrou as aulas a que estava obrigado;
19. No dia 26 de abril de 2019, o autor não tinha ministrado vinte cinco horas de aulas que estavam em atraso;
20. Estas aulas tinham obrigatoriamente que ser ministradas para que os alunos terminassem a sua formação;
21. Se os alunos não terminassem a formação, a ré podia ser sancionada pela tutela com a devolução dos financiamentos Programa Operacional do Capital Humano (POCH) que havia recebido;
22. Por este motivo, no mês de julho de 2019, após a formação em contexto laboral, foi necessário que o autor ministrasse as aulas que estavam em atraso, o que levou a que entre os dias 22 a 26 de julho de 2019 os alunos tivessem uma semana de aulas apenas com a disciplina de Técnicas de Multimédia;
23. O autor ficou desagradado com a esta decisão;
24. No dia 25 de julho de 2019, o autor apresentou uma queixa junto da Direcção-Geral dos Estabelecimentos Escolares (DGESTE);
25. No dia 30 de julho de 2019, esta Direcção-Geral comunicou ao autor o seguinte:
'A matriz curricular dos cursos profissionais é flexível e tem uma carga horária total entre 3100 e 3440 horas nos 3 anos de formação, tendo a escolas autonomia para organizarem os tempos letivos que considerarem mais adequados.
(…)
O horário extra à disciplina de Técnicas de Multimédia, de que é professor, foi motivado por aulas não dadas que originaram a existência de módulos em atraso. Refira-se que da parte da escola e no superior interesse dos alunos foi demonstrado empenho em minorar os prejuízos criando um mecanismo de recuperação desses conteúdos'.
25. No ano letivo de 2018/2019 a avaliação dos alunos devia estar terminada até ao dia 31 de julho de 2019;
26. No dia 29 de julho de 2019, foi realizado um conselho de turma para avaliação dos alunos do 12º ano de que o autor era professor;
27. Neste conselho de turma o autor informou que ainda não tinha procedido à avaliação de três alunos porque não tinha tido tempo para corrigir os trabalhos, uma vez que apenas haviam sido entregues no dia 26 de julho de 2019;
28. Por este motivo, foi necessário realizar um segundo conselho de turma que ocorreu no dia 31 de julho de 2019, pelas 18.00 horas, ou seja, no último dia legalmente admissível;
29. O autor opôs-se à realização deste conselho de turma pretendendo que fosse autorizado a apresentar as notas que estavam em falta mais tarde junto da secretaria;
30. No ano letivo de 2018/2019, o autor integrava o projeto denominado GEN10S Portugal;
31. A participação neste projeto obrigava o autor a participar em aulas presenciais noutra escola e em aulas ministradas à distância em outras escolas;
32. Na ré existiam outros professores que davam aulas noutros estabelecimentos de ensino;
33. O autor foi o responsável pela realização das fotografias da festa de finalistas no ano letivo de 2017/2018;
34. Passados mais de seis meses, o autor ainda não tinha entregue as fotografias, o que motivou reclamações dos pais:
35. No dia 21 de janeiro de 2019, a delegada de pais enviou uma mensagem de correio eletrónico a informar o desagrado dos pais e a solicitar as fotografias;
36. O autor apresentou uma queixa crime contra a delegada de pais junto do Departamento de Investigação e Acão Penal de Braga (DIAP Braga);
37. No dia 21 de maio de 2019 o autor apresentou uma queixa junto da Agência Nacional para a Qualificação e o Ensino Profissional imputando à ré má utilização dos fundos do Programa Operacional do Capital Humano (POCH);
38. A este propósito, a Direcção-Geral dos Estabelecimentos Escolares (DGESTE) informou ao autor o seguinte:
'Relativamente às questões de ordem financeira apontadas na V/ exposição, carecem de fundamento, uma vez que existe uma entidade, o POCH, que analisa e audita os financiamentos efetuados à escola, não existindo até à data qualquer reparo ou corte por irregularidades'.
39. A ré teve conhecimento do conteúdo da queixa que o autor apresentou antes do dia 18 de julho de 2019;
40. No ano letivo de 2018/2019, o autor alugava material de fotografia aos alunos para que o pudessem utilizar na realização dos trabalhos escolares;
41. O autor sentiu desgosto e perturbação pela decisão de despedimento com justa causa que foi tomada pela ré.
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2. Factos não provados:
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Conhecendo do recurso:
Nos termos dos artigos 635º, 4 e 639º do CPC, o âmbito do recurso encontra-se balizado pelas conclusões do recorrente.

Questões colocadas:
- Inexistência de relação laboral (relação cooperativa) e nulidade da decisão da ré nos termos do artigo 25.º, nº 4, do C. Cooperativo e no art. 411.º, nº 1, al. c), do Código das Sociedades Comerciais, por remissão do art. 9.º do C. Cooperativo.
- Alteração da decisão relativa à matéria de facto:

- Inexistência de violação do dever de assiduidade, de comportamento culposo de prejuízo e natureza excessiva da sanção aplicada.
- Falta de discrição circunstanciada dos pontos 18, 19 e 22 dos Factos Provados, bem como da nota de culpa. (concretos dias de aulas em que eventualmente faltou)
- Ilicitude do despedimento nos termos do disposto nos arts. 353, nº 1, e 382.º, nº 2, do CT.
- Danos morais
***
Quanto à reapreciação da decisão relativa à matéria de facto:
(…)
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- Inexistência de relação laboral (relação cooperativa) e nulidade da decisão da ré nos termos do artigo 25.º, nº 4, do C. Cooperativo e no art. 411.º, nº 1, al. c), do Código das Sociedades Comerciais, por remissão do art. 9.º do C. Cooperativo.
O recorrente sustenta a natureza cooperativa da relação, invocando a incompatibilidade com a relação laboral pelo facto de ser cooperante. Refere ser inadmissível na lógica do direito cooperativo que um cooperador possa estar sob a autoridade de outro.
Não existe em nosso entender uma incompatibilidade absoluta, uma impossibilidade ao nível jurídico.
Ninguém porá em causa a possibilidade das cooperativas, como a que aqui está em causa, contratarem trabalhadores por contrato de trabalho. Quanto aos cooperadores, é aceite, por princípio, que a relação não constituirá uma relação de trabalho. “por princípio o trabalhador opta voluntariamente por aderir ao grupo, com contribuição de prestação de trabalho, além de capital, em moldes por todos definidos e onde todos participam, face ao princípio de “gestão democrática”. Beneficiando, por isso, a organização (todos, portanto) dos benefícios concedidos por lei. Só assim não será quando o demandante demonstre que esta é uma falsa realidade”, como se referiu no Ac. desta relação de 18/3/2021, processo nº 3162/20.7T8VNF.G1, disponível na net.

Consta deste:
“As cooperativas obedecem a sete princípios básicos, dos quais, para a temática que nos interessa, destacamos os seguintes (3º CCoop):
(i) a “adesão voluntária e livre”, segundo o qual são organizações voluntárias, abertas a todas as pessoas aptas a utilizar os seus serviços e dispostas a assumir as responsabilidades de membro;
(ii) a “gestão democrática pelos membros”, segundo o qual são organizações geridas pelos seus membros, os quais participam nas suas políticas e na tomada de decisões. Os representantes eleitos são responsáveis perante o conjunto dos membros que os elegeram. Nas cooperativas do primeiro grau, os membros têm iguais direitos de voto (um membro, um voto), estando as cooperativas de outros graus organizadas também de uma forma democrática;
(iii) a “participação económica dos membros”, segundo o qual os membros contribuem equitativamente para o capital e controlam-no democraticamente. Pelo menos parte desse capital é, normalmente, propriedade comum da cooperativa. Os cooperadores, habitualmente, recebem, se for caso disso, uma remuneração limitada pelo capital subscrito como condição para serem membros. Os cooperadores destinam os excedentes a objetivos de desenvolvimento das suas cooperativas, a benefício dos membros, a apoio a outras atividades aprovadas pelos membros;
(iv) A “autonomia e independência, segundo o qual são organizações autónomas de entreajuda, controladas pelos seus membros.
O sector cooperativo compreende vários ramos. Em alguns dos quais as relações cooperativas têm por objeto principal a prestação de trabalho por parte dos cooperadores. É o caso designadamente, dos ramos de … ensino onde se integra a ora ré (Decreto-Lei n.º 441-A/82, de 6 de novembro) – 4º, 1, l), CCoop.
Ora, neste tipo de cooperativas a aquisição e manutenção da qualidade de membro depende obrigatoriamente da contribuição com trabalho, além de capital.
Essa contribuição de trabalho é prestada segundo o disposto no CCoop, na legislação complementar do sector em que se integrem, nos estatutos, no regulamento interno, ou nas deliberações dos órgãos sociais, mormente a assembleia geral ou o órgão de administração.
É dever do cooperador o respeito por todos estes normativos (34º, 1, CCoop), bem como a participação nas atividades da cooperativa e a prestação do trabalho ou serviço que lhes competir (34º, 2, c), CCoop.) O trabalho ou os serviços com que os cooperadores concorrem deve aliás obrigatoriamente constar da ata da mesa da assembleia fundadora da cooperativa – 12º, 1, f), CCoop.

Segundo o artigo 10º da referida legislação complementar do ramo “ensino”, as cooperativas de prestação de serviços são constituídas exclusivamente por docentes e investigadores ou por docentes, investigadores ou outros trabalhadores do estabelecimento de ensino ou da cooperativa. Ademais, em concordância, os docentes só poderão ser membros se possuírem as habilitações legais definidas pelo Ministério da Educação para um dos graus de ensino oficial ministrados no ou nos estabelecimentos de ensino a cargo da cooperativa e desempenharem de forma efetiva as suas funções nesses estabelecimentos.
Ou seja, a qualidade de membro cooperador depende da vinculação à prestação de atividade de docente, investigador ou de outros trabalhos no estabelecimento/cooperativa. Não se pode ser membro recusando a prestação do trabalho.
É certo que o cooperador/membro é também substancialmente um trabalhador, mas a sua posição é complexa e nasce de um negócio jurídico misto. Na verdade, a prestação de trabalho a que se obriga, pese embora possa ter um conteúdo muito próximo do laboral, baseia-se na adesão voluntária “ao grupo” e tem na sua origem um vínculo de cariz cooperativo formalizado na aceitação dos estatutos.
Este cariz comunitário também se manifesta durante o desenvolvimento da contribuição do trabalho por parte do cooperador, na medida em esta ocorrerá como vimos segundo regras definidas pelos estatutos, pelo regulamento interno, pela assembleia geral ou mesmo pelo órgão de administração.
Ora, são os membros que elaboram os estatutos e os modificam. São eles que estabelecem as condições em que decorre o trabalho ou os serviços com que os cooperadores concorrem. São eles que deliberam as condições de admissão, suspensão, exclusão e demissão dos membros, bem como os seus direitos e deveres. São eles que aprovam ou alteram os regulamentos internos. Os assuntos são deliberados em assembleia geral, que é o órgão deliberativo supremo, onde todos os cooperadores participam e têm direito de voto. Mais, os próprios órgão sociais (assembleia geral, direção e conselho fiscal), são eleitos por e entre os cooperadores -12º, 1, f), 15, 2, a), 33º, 1, a), b), 34º, 2, a), b), 39ç, 40º, 43º e 44º, 48º e 49º CCoop.
Portanto, os cooperadores trabalhadores atuam segundo regras estabelecidas pelos próprios. A atividade profissional dos cooperadores é exercida no contexto da cooperativa sem dependerem de um poder externo. Prestam um serviço sob a responsabilidade de todos os que trabalham na cooperativa, porque a respetiva atividade dirige-se aos seus membros, que são os destinatários principais das atividades económicas e sociais por esta prosseguidas – 2ºCCoop…”
Contudo, sendo essa a regra para as relações de trabalho que se iniciam com o início da relação de cooperação; as situações como a dos autos, em que a admissão na cooperativa ocorre na vigência de uma relação de foro laboral, exige uma abordagem mais cuidadosa.
Naquela situação de início simultâneo da prestação de trabalho e da relação de cooperação, dificilmente será descortinável uma relação de foro laboral, a menos que haja simulação, ou ainda, diremos nós, tendo em conta a liberdade dos cooperantes, se assim o previrem os estatutos ou regulamentos internos, sem violação das regras legais.
Não nos parece que tal liberdade viole qualquer dos princípios cooperativos. A gestão da cooperativo é efetuada pelos seus órgãos eleitos, dando corpo a vontade desta nos termos da lei. O facto de o cooperante participar nessa gestão, tem alguma similitude com o sócio não gerente de uma sociedade por quotas, que como sabemos pode estar vinculado à sociedade por contrato de trabalho. Os poderes de direção no âmbito da relação contratual laboral serão exercidos pelo CA da cooperativa.
Quanto ao princípio da participação económica dos membros, nas cooperativas em que o objeto principal de cooperação consiste na prestação de trabalho por parte dos cooperadores, o contrato de trabalho poderá ser; para aqueles que não têm poderes de representação da cooperativa; precisamente, o meio de atuação dessa participação, se assim for a vontade manifestada pelos cooperadores – designadamente nos estatutos e ou regulamentos internos -. Fazemos esta referência porque como veremos, os estatutos da ré preveem/pressupõem a possibilidade de uma relação de foro laboral com cooperadores.
Na aplicação da lei sempre importará ter presente que a realidade é mais rica que as cristalizadas previsões legais, evoluindo e mutando. É a realidade que suscita e interroga o direito e não o inverso. Como se refere na decisão recorrida; “ A análise da configuração atual das cooperativas demonstra que estas estão cada vez mais próximas dos modelos empresariais em detrimento do modelo comunitário que correspondia ao ideal cooperativo…”, e mais adiante citando Cataria de Oliveira Carvalho, “por outro lado, 'excluir ab initio os sócios trabalhadores da proteção conferida pela legislação laboral pode significar negar a tutela a quem mais dela necessita em homenagem a princípios cooperativos cuja aplicação em concreto se pode mostrar insuficiente ou mesmo irrealista' [in Qualificação da Relação Jurídica entre Cooperador e Cooperativa: Contrato de Trabalho ou Acordo de Trabalho Cooperativo? - Jurisprudência Cooperativa Comentada (2012), pág. 592]”.
Assim, se por regra a relação não será de trabalho, não deve excluir-se a possibilidade de uma relação de natureza laboral, se demonstradas especificas circunstâncias que claramente configurem este tipo de relação.

Quanto à simulação veja-se o acórdão já referido:

Alguma doutrina mais defensora da corrente juslaboralista [citando-se recorrentemente a favor da corrente que entende o vínculo como contrato de trabalho, Júlio Gomes, Direito do Trabalho - Volume I - Relações Individuais de Trabalho, Coimbra Editora, Coimbra, 2007. p. 177, e em sentido contrário que entende o vínculo como “acordo de trabalho cooperativo” Jorge Leite, «Relação de Trabalho Cooperativo», Questões Laborais, Ano I, n.º 2, Coimbra, 1994, p. 89-108;7] critica a tese contrária por esta supostamente se basear numa visão de inexistência nas cooperativas de conflito entre o capital e o trabalho, lógica o que não corresponderá a atual realidade das cooperativas dos dias de hoje. Chama-se a atenção para os riscos de, sob a veste de “acordos de trabalho cooperativos”, se camuflarem verdadeiros contratos de trabalho com vista a redução de custos laborais. Ou o risco de transformação das cooperativas numa qualquer entidade empregadora com fins lucrativos, o que acontecerá quando o peso das operações com trabalhadores não cooperadores for muitos superior ao dos cooperadores trabalhadores. Haverá também casos de trabalhadores pressionadas a assumirem a qualidade de membros, com vista a obtenção de benefícios fiscais. Acresce que nas cooperativas de grande dimensão, com concentração da gestão em estruturas dirigentes, dificilmente os cooperadores trabalhadores poderão ser “empresários de si próprios”.
Pelo que haverá que estar atento: (i) às circunstâncias que rodearam a formação do vínculo com a cooperativa; (ii) aos indícios de ausência do real exercício do direito de participação dos cooperadores na vida das cooperativas se tal resultar de imposição destas e não de desinteresse do trabalhador.
Competirá, contudo, ao cooperador trabalhador que pretenda ver qualificado o seu vínculo como laboral, por simulação do “acordo cooperativo de trabalho” alegar os factos demonstrativos de simulação – Deolinda Meira, André Almeida Martins, Tiago Pimenta Fernandes, ob. cit, p. 11.
Tendo em conta os princípios cooperativos supra elencados, por princípio o trabalhador opta voluntariamente por aderir ao grupo, com contribuição de prestação de trabalho, além de capital, em moldes por todos definidos e onde todos participam, face ao princípio de “gestão democrática”. Beneficiando, por isso, a organização (todos, portanto) dos benefícios concedidos por lei. Só assim não será quando o demandante demonstre que esta é uma falsa realidade.”
Certo que neste acórdão o autor vinha prestando trabalho anteriormente à sua admissão na cooperativa, contudo não resulta da factualidade daquele que tipo de relação contratual era essa, se contrato de trabalho se prestação de serviços ou outra.
Diferente é a presente situação. O autor celebrou contrato com a ré, de natureza laboral, que teve início a 12/11/2007, o qual sendo inicialmente a prazo se transformou num contrato de trabalho por tempo indeterminado. Esta natureza não é contestada. Não se alegou ou provou qualquer alteração aos termos da relação existente e sua execução, sendo que os Estatutos da ré preveem a continuação da relação como laboral.

Dos estatutos da ré consta no artigo 10º:

1. Podem ser cooperadores os docentes da X e do estabelecimento de ensino de que esta é titular que exerçam a sua atividade ao serviço da Cooperativa em regime de contrato de trabalho por tempo indeterminado e que requeiram ao Conselho de Administração que os admita.

E do artigo 12º:
A cessação do vínculo contratual laboral entre o cooperador e a Cooperativa determina a perda da qualidade de cooperador.
Importa ainda considerar que relativamente a situações de trabalhadores com vínculo laboral que se tornam sócios de uma cooperativa, o legislador não prescreveu a extensão ou sequer a suspensão do vínculo, podendo fazê-lo, como o fez por exemplo no artigo 398º, 2 do CSC a propósito de trabalhador designado administrador de uma sociedade anónima, prevendo a extinção do vínculo.
Nem no código cooperativo nem em outro qualquer diploma se estabelece a extinção do contrato de trabalho de um trabalhador de uma cooperativa, que esteja em vigor aquando a admissão deste como cooperante. Considerar uma impossibilidade superveniente, absoluta e definitiva, de o trabalhador prestar o seu trabalho ou de o empregador o receber não tem pois apoio nas normas legais, e sempre esbarraria no seu caráter não absolto e definitivo, pois o cooperante detém a liberdade de se desvincular.
A questão volver-se-á numa interpretação da vontade das partes, no que relevará de modo sensível o modo como a relação passou ou continuou a desenvolver-se. No caso presente nada aponta no sentido de que tenha ocorrido uma alteração no modo de execução do contrato, sendo que os Estatutos da ré, como referido, preveem que os cooperantes estejam a si vinculados por contrato de trabalho.
Entender que ocorre uma impossibilidade de coexistência dos dois vínculos em situações como a presente, poderia constituir uma inibição para o trabalhador se tornar cooperante, constrangendo-lhe a vontade de participar mais ativamente da vida desta e de se envolver no projeto social por este perseguido.
Entendemos assim com a primeira instância que a relação em causa é de natureza laboral. Refira-se lateralmente que dos recibos resulta que o autor e sindicalizado.
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- Falta de discrição circunstanciada dos pontos 18, 19 e 22 dos Factos Provados, bem como da nota de culpa. (concretos dias de aulas em que eventualmente faltou)
Refere o recorrente não saber quais os concretos dias em que faltou.

É esta a matéria:
12. A ré tinha diversos cursos de formação profissional, sendo um destes cursos o Curso Profissional de Multimédia;
19. No dia 26 de abril de 2019, o autor não tinha ministrado vinte cinco horas de aulas que estavam em atraso;
22. Por este motivo, no mês de julho de 2019, após a formação em contexto laboral, foi necessário que o autor ministrasse as aulas que estavam em atraso, o que levou a que entre os dias 22 a 26 de julho de 2019 os alunos tivessem uma semana de aulas apenas com a disciplina de Técnicas de Multimédia;
Relativamente ao item 12, releva ao caso a referência ao curso em que o autor lecionava, pelo que a referência é suficiente.
Quanto aos restantes itens importa referir que a “descrição circunstanciado dos factos”, constitui um conceito a verificar caso a caso, tendo em conta os recortes de cada situação, e tendo como ponto de referência os objetivos tidos em vista pelo legislador, aqueles valores que pretendeu acautelar com a exigência.

Refere-se no Ac. RP de 10/9/2012, processo nº 448/11.5TTVFR-A.P:
“A necessidade de descrição circunstanciada dos factos imputados ao trabalhador prende-se com o exercício do direito de defesa, sendo que tal descrição deverá ser apta a dar a conhecer ao trabalhador os concretos comportamentos que justificam, segundo o empregador, a justa causa invocada … ela envolve, por regra, a necessidade de indicação das circunstâncias de tempo, modo e lugar dos factos. Não obstante, a imposição da circunstanciação temporal não é, todavia, absoluta, podendo não ter necessariamente que ocorrer se a restante factualidade constante da nota de culpa permitir ao trabalhador, de forma segura, conhecer e situar no tempo o concreto (e não genérico) comportamento que lhe é imputado e, assim, defender-se adequadamente… Se a acusação imputada estiver, em termos concretos e não genéricos, circunstanciada de modo a que permita ao trabalhador saber a que concreta situação se reporta o empregador, dá este cumprimento à exigência legal na medida em que não é posto em causa o exercício do direito de defesa, este o desiderato da norma.”
Tem-se entendido que tal descrição deve conter as indicações de tempo, modo e lugar dos factos. Contudo, em virtude da configuração e circunstâncias próprias, a falta de uma ou outra dessas indicações não prejudique os objetivos tidos em vista, não havendo em tais casos que considerar o procedimento inválido. Com a descrição circunstanciada dos factos teve-se em vista essencialmente, de um lado permitir o cabal exercício do direito de defesa por parte do trabalhador e de outro limitar a atividade probatória aos factos que constam nota de culpa (princípio da vinculação temática), conforme artigos arts. 353º e 357º, nº 4, do CT.
Importa, pois, verificar se as imputações efetuadas na nota de culpa permitem ao trabalhador o normal exercício do seu direito de defesa.
As descrições efetuadas na nota de culpa são adequadas a permitir a defesa do autor, como aliás fez. As faltas reportam-se a um concreto ano letivo, referenciando-se que no período de 22 a 26 de julho teve que ministrar as 25 horas em falta da disciplina em causa – técnicas de multimédia -. Não ocorre a falta invocada, não ocorrendo a invalidade do processo disciplinar.
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- Inexistência de violação do dever de assiduidade, de comportamento culposo de prejuízo e natureza excessiva da sanção aplicada.

Da justa causa:
Vejamos quanto à licitude do despedimento.
Nos termos do artigo 351º do Cód. do Trabalho, "1- Constitui justa causa de despedimento o comportamento culposo do trabalhador que, pela sua gravidade e consequências, torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho.”
O nº 2 do mesmo artigo enumera alguns dos comportamentos que poderão ser tidos como justa causa de despedimento. Tal enumeração é exemplificativa, não dispensando a prova dos requisitos consagrados no nº 1 do normativo.
O comportamento deve assumir uma gravidada tal que seja impossível a manutenção da relação de trabalho, e é, que, segundo as regras da boa-fé, não seja exigível do empregador a manutenção da relação de trabalho, só devendo aplicar-se a pena máxima quando outra não baste para "sanar a crise contratual aberta pelo comportamento desviante do trabalhador".
A impossibilidade de subsistência da relação laboral há-de resultar da repercussão do comportamento do trabalhador no futuro da relação.
Na apreciação da inexigibilidade da manutenção do vínculo laboral, deve atender-se ao comando do nº 3 do artigo 351º.
Apenas deve optar-se pelo despedimento quando num juízo de prognose sobre a viabilidade da manutenção do vínculo, ponderando-se todas as circunstâncias envolventes e os interesses em jogo, se concluir que a permanência do contrato constitui, de um ponto de vista objetivo, uma insuportável e injusta imposição ao empregador. Tal ocorrerá quando a manutenção do vínculo fere de forma inaceitável a sensibilidade e liberdade psicológica do empregador, não considerando a especial sensibilidade do concreto empregador, mas sim a de uma pessoa normal colocada na posição deste.
A conduta do autor configura uma infração disciplinar por violação do dever de comparecer ao serviço com assiduidade e pontualidade e do dever de realizar o trabalho com zelo e diligência, previstos no art. 128º nº1 al. b) e c) do Cód. do Trabalho.

Concorda-se com o juízo efetuado em primeira instância. Como se refere nesta:

Admitimos que o ensino profissional se pode caraterizar por uma maior flexibilidade relativamente ao ensino regular e que os professores podem mais facilmente não ministrar as aulas no horário estabelecido e proceder à sua reposição noutra altura. Porém, esta flexibilidade não pode ir ao ponto de um professor chegar ao final da parte letiva e ter vinte cinco horas de aulas em atraso. Esta flexibilidade também não pode ir ao ponto de os alunos irem para a formação em contexto de trabalho (FCT) sem que a preparação teórica tenha sido integralmente ministrada e com um número tão elevado de aulas em atraso. O prejuízo para a formação dos alunos é muito relevante porque realizam a formação em contexto de trabalho sem os conhecimentos teóricos necessários. Além disso, acabam por ter as aulas em conjunto num curto período de tempo o que não é o mais adequado pedagogicamente. Finalmente, nesta situação os alunos acabam por ter as aulas que estão em atraso num período em que, depois da formação em contexto de trabalho, deviam estar em férias.

Se esta conduta fosse generalizada na ré, além de os horários de trabalho dos professores e os horários escolares dos alunos passarem a ser meramente indicativos, o ano letivo não podia ser cumprido porque não era possível ministrar todas as aulas em atraso depois da formação em contexto de trabalho (entre os dias 18 e 31 de julho). A consequência inevitável era que os alunos deixavam de ter a formação a que tinham direito e a ré deixava de cumprir as suas obrigações (do ponto de vista pedagógico e quantitativo) e perdia a possibilidade de realizar cursos no ensino profissional.
O autor também não cumpriu aquilo a que estava obrigado no conselho de turma que foi realizado no dia 29 de julho de 2019, no qual informou que ainda não tinha procedido à avaliação de três alunos porque não tinha tido tempo para corrigir os trabalhos e tornou necessária a realização de um segundo conselho de turma. Esta conduta revela falta de zelo do autor principalmente depois da situação que já havia ocorrido com as aulas em atraso. Exigia-se ao autor que tivesse a avaliação dos alunos disponível e não, como aconteceu, que causasse ainda mais problemas com a necessidade de ser realizado um segundo conselho de turma.
A gravidade dos factos praticados pelo autor torna imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho.
A relação de confiança entre o autor e a ré foi definitivamente posta em causa. Perante uma violação tão acentuada dos deveres de assiduidade, pontualidade, zelo e diligência (vinte cinco horas de aulas em atraso e a avaliação dos alunos por realizar), o autor não mostrou qualquer vontade de alterar a sua conduta e optou por apresentar sucessivas queixas com a intenção de prejudicar a ré. Em nenhuma destas queixas foi reconhecida razão ao autor e, pelo contrário, concluiu-se sempre que as aulas em atraso eram da sua exclusiva responsabilidade. O autor apresentou uma queixa crime contra a delegada de pais apenas porque esta, precisamente em representação dos pais, questionou o atraso na entrega das fotografias da festa de finalistas no ano letivo de 2017/2018 quando já haviam decorrido mais de seis meses e sendo certo que, como afirmou na contestação, apenas entregou as fotografias 'assim que teve disponibilidade para o efeito' (cfr. fls. 81).
Cremos que não pode exigir-se à ré que mantenha ao seu serviço um professor que não ministra as aulas a que está obrigado, apresenta sucessivas queixas com imputações que são sempre rejeitadas e tem conflitos com os pais ao ponto de os sujeitar a processos criminais quando questionam o cumprimento das suas obrigações profissionais.”
Consequentemente é de confirmar a decisão.
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DECISÃO:

Acordam os juízes do Tribunal da Relação de Guimarães em julgar improcedente a apelação, confirmado a decisão.
Custas pela recorrente.
17.3.22

Relator – Antero Veiga
Adjuntos – Alda Martins
Vera Sottomayor