Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1300/07.4TBFAF.G1
Relator: ANTÓNIO BEÇA PEREIRA
Descritores: RUÍDO
LIMITES
DIREITO DE PERSONALIDADE
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 06/09/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário: I - O Regulamento Geral do Ruído estabelece limites máximos objectivos inultrapassáveis, mas não consagra um direito absoluto de emissão de ruídos abaixo de tais limites, pelo que os ruídos que respeitarem o tecto que consta nesse diploma têm ainda que observar a restante legislação sobre a matéria, designadamente a referente aos direitos de personalidade.
II - Viola o direito ao repouso dos autores a emissão de ruído por parte de um estabelecimento comercial, designadamente o proveniente de três compressores, que os acorda durante a noite, lhes torna difícil retomar o sono e faz com que este não seja reparador.
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães
I
Fernando A e mulher Maria A, instauraram, na então Comarca de Fafe , a presente acção declarativa contra P D S.A. e I G S.A., pedindo a condenação daquela:
"a) a indemnizar os AA., a título de danos morais, com a quantia de € 5.000,00 para cada um, acrescidos dos juros a contar da presente acção;
b) a indemnizar os AA., com a quantia que for liquidada em execução de sentença a título de danos morais futuros mencionados em 28. e 29. supra;
c) a não usar, nas descargas que faz para o supermercado, carros de transporte manual de mercadorias, ou, em alternativa, a usar outros dotados de rodados de borracha por forma a não produzirem os ruídos que acima se descreveram;"
Mais pedem a condenação de ambas as rés:
"d) no pagamento de € 250,00 a título de sanção pecuniária compulsória por cada dia de atraso no cumprimento da presente decisão.
e) a cessar imediatamente a utilização da fracção "DM" para outro fim que não o de garagem.
f) a reporem o pavimento e a fracção no estado em que se encontravam antes da colocação das máquinas."
Alegaram, em síntese, que são donos da fracção que constitui o 3.º e 4.º andares daquele prédio urbano, que habitam, e que na fracção situada no rés-do-chão, propriedade da ré Imoretalho, está instalado um supermercado explorado pela ré P D. Neste supermercado são emitidos ruídos audíveis na sua casa, que os impede de dormirem e descansarem. E numa garagem, também pertencente à ré Imoretalho, ré Pingo Doce instalou, com o consentimento daquela, vários tipos de maquinaria em violação com o estipulado no título constitutivo da propriedade horizontal.
A ré I contestou dizendo, em suma, que não tem qualquer responsabilidade pelo funcionamento do estabelecimento comercial.
A ré P D contestou afirmando, em resumo, que as máquinas em questão estão naquele local há mais de 10 anos, o que nunca suscitou qualquer objecção por parte dos condóminos, que não produzem barulho e que o título de constitutivo da propriedade horizontal não impede que no espaço de apoio estejam colocadas máquinas.
Os autores apresentaram réplica mantendo, no essencial, as posições inicialmente expostas.
Foi proferido despacho saneador, fixados os factos assentes e elaborada a base instrutória.
Procedeu-se a julgamento .
Foi proferida sentença em que se decidiu:
"Pelo exposto, julgamos a acção parcialmente provada e procedente, e, em conformidade, condenamos a Ré P D, SA:
- a pagar a cada um dos autores a quantia de € 1500,00 (mil e quinhentos euros);
- a não usar, nas descargas que faz para o supermercado, carros de transporte manual de mercadorias com rodas de plástico duro ou outro material ruidoso;
Condenamos ainda as rés P D, SA., e I G, SA.:
- a cessarem a utilização da fracção "DM", supra descrita, como lugar de instalação de maquinaria de apoio ao supermercado estando tais máquinas a trabalhar;
- a reporem o pavimento da fracção "DM" ao nível em que se encontrava antes da colocação das máquinas.
No mais, vão as Réu absolvidas do pedido."
Inconformadas com a sentença, as rés dela interpuseram recurso, que foi recebido como de apelação, findando a respectiva motivação, com as seguintes conclusões:
1.ª – Enferma de erro de julgamento a decisão da matéria de facto provada quanto às alíneas h), m), n), q), r), s), t), u), v), w), x), y) e z) do elenco de factos provados;
2.ª – Enferma de erro de julgamento a decisão da matéria de facto que deu como não provados os factos caídos nos quesitos 23.º e 24.º da Base Instrutória;
3.ª – Deve considerar-se "Não Provado" o facto h) da sentença em toda a sua extensão;
4.ª – A alteração da matéria de facto vertida no facto h) nos termos constantes da conclusão anterior resulta na correta valoração dos seguintes meios de prova:
i. Não se encontrar no elenco de factos provados que a Recorrente I seja a proprietária da fracção autónoma designada pelas letras DM;
ii. Não constar do relatório de esclarecimentos de fls. 240 e seguintes qualquer referência ao estado da referida fracção autónoma antes da colocação das máquinas por parte da Recorrente P D, sendo, por isso, desconhecido o estado do pavimento da mesma, o que torna impossível concluir que nele tenham sido feitas alterações;
iii. Os depoimentos das testemunhas Maria M, Leonor M e Júlio N que evidenciam absoluto desconhecimento acerca das obras realizadas no interior daquela fracção;
iv. Estar alegado que as Recorrentes procederam a escavações que afectaram o solo natural ou estrutural do edifício, sendo que tal alegação incumbia aos Autores;
v. Mesmo que tal alegação houvesse sido feita, e não foi, não consta dos relatórios periciais nem se colhe dos depoimentos das testemunhas supra referidas o que quer que seja quanto ao estado do pavimento na fracção DM antes da colocação das máquinas, pelo que é impossível saber qual a extensão das escavações realizadas;
5.ª – Devem considerar-se como "Não Provados" os factos m) e n) da sentença em toda a sua extensão;
6.ª – A alteração da matéria vertida nos factos m) e n) nos termos constantes da conclusão anterior resulta da correta valoração dos seguintes meios de prova:
i. Os depoimentos das testemunhas Maria M, Leonor M e Júlio N que estão em manifesta e insanável contradição com o teor do relatório pericial;
ii. A interpretação acrítica da validade do trecho do relatório pericial que não é validamente conjugada com o teor dos depoimentos;
iii. Terá que ser correctamente valorada a relação de interdependência entre a matéria caída nas alíneas m) e n) com as respostas oferecidas aos quesitos 6.º e 7.º da Base Instrutória, pelo que só dar como não provados tais factos permite uma solução racional, justa e lógica;
7.ª - Deve considerar-se "Não Provado" o facto q) da sentença em toda a sua extensão;
8.ª – A alteração da matéria de facto vertida no facto q) nos termos constantes da conclusão anterior resulta na correta valoração dos seguintes meios de prova:
i. Teor do relatório pericial de fls. 296 e seguintes que demonstra que o ruido medido na habitação dos Autores cumpre com a legislação em vigor, foi realizado nas condições mais adversas possíveis procurando obter medições sobre o período mais extremo de ruido e concluiu que o ruido proveniente das máquinas não era relevante para os níveis de ruido existente nos quartos da fracção dos Autores;
ii. Teor do relatório pericial de fls. 223 e seguintes que afirma que o nível e ruido medido em casa dos Autores cumpre com a legislação em vigor e todas as medições efectuadas em diferentes horas e em 3 diferentes dias;
iii. A circunstância dos depoimentos que criaram o convencimento de que existiam ruídos serem prestados por moradores do prédio que têm interesse directo e necessário no desfecho dos presentes autos;
iv. Os depoimentos de Maria M, Júlio N e Leonor M que denotam que apenas visitaram pontualmente ou mesmo uma única vez a habitação dos Autores, não tendo, por isso, um conhecimento nem mais profundo nem mais detalhado do que aquele que decorre da prova pericial recolhida;
v. O depoimento da testemunha Júlio N que dá conta da existência de outras fontes de ruído no prédio como sejam máquinas de lavar de outros condóminos;
vi. O depoimento da mesma testemunha que dá conta de que os Autores têm um apartamento duplex que tem quartos nos andares superiores que os Autores persistem em não usar, demonstrando assim que não estão verdadeiramente incomodados com o ruído que dizem sentir no seu quarto;
9.ª – Devem considerar-se como não provados os factos vertidos nas alíneas r), s), t), u), v), w), x), y) e z) dos factos provados, em toda a sua extensão.
10.ª - A alteração da matéria de facto vertida nos factos r), s), t), u), v), w), x), y) e z) nos termos constantes da conclusão anterior resulta da circunstância destes estarem directa e necessariamente relacionados com o facto vertido na alínea q), sendo deste dependentes;
11.ª- Falecendo a prova da matéria de facto vertida na alínea q) do elenco de factos provados, atendendo ao modo como está elaborada a base instrutória e encadeadas as respostas dadas à mesma, não poderão ser dados como provados os factos caídos nas alíneas r), s), t), u), v), w), x), y) e z) do elenco de factos provados;
12.ª – Sem prescindir, mesmo que se mantenha a resposta dada à alínea q) dos factos provados, o que por mera cautela de patrocínio se concebe, deverá ser alterada para Não Provado a resposta aos quesitos 13.º a 22.º da base instrutória, sendo os seguintes elementos probatórios que urge analisar correctamente:
i. Teor do relatório pericial de fls. 296 e seguintes que demonstra que o ruido medido na habitação dos Autores cumpre com a legislação em vigor, foi realizado nas condições mais adversas possíveis procurando obter medições sobre o período mais extremo de ruido e concluiu que o ruido proveniente das máquinas não era relevante para os níveis de ruido existente nos quartos da fracção dos Autores;
ii. O depoimento da testemunha Júlio N que dá conta da existência de outras fontes de ruído no prédio como sejam máquinas de lavar de outros condóminos;
iii. O depoimento da mesma testemunha que dá conta de que os Autores têm um apartamento duplex que tem quartos nos andares superiores que os Autores persistem em não usar, demonstrando assim que não estão verdadeiramente incomodados com o ruído que dizem sentir no seu quarto;
iv. Novamente o depoimento da testemunha Júlio N, no trecho que dá conta que entende que os Autores não padeceram com o ruído e que o mesmo não é de molde a causar incomodidade ou cansaço nos seus vizinhos.
13.ª – Devem considerar-se provados os factos vertidos nos quesitos 23.º e 24.º da Base Instrutória, que devem passar a ter a seguinte redacção "23.º - Provado que pelo menos desde 1993 a Ré P D tem máquinas a laborar na fracção autónoma designada pelas letras "DM" e "24.º - Provado";
14.ª - A alteração da resposta dada aos quesitos 23.º e 24.º nos termos constantes da conclusão anterior resulta da correta valoração dos seguintes meios de prova:
i. Depoimento da testemunha Carlos M, da testemunha Maria M e Júlio N que dão conta, em uníssono, que a Recorrente P D utiliza a fracção DM desde há mais de 20 e que nela tem desde essa data máquinas, isto independentemente do ruído que estas produzam;
ii. Os referidos depoimentos, essencialmente os dois últimos, demonstram igualmente que a ocupação daquela fracção com máquinas é conhecida ab initio pelos moradores do prédio;
iii. Depoimentos das testemunhas Carlos M e Júlio N donde se extrai que a única reclamação que foi apresentada às Recorrentes teve por causa o ruído e em momento algum a ocupação da fracção com máquinas propriamente dita, o que é bem demonstrativo que a mesma não só sempre foi conhecida como sempre foi tolerada pelos Autores e demais condóminos.
15.ª A nova redacção dada aos quesitos 23.º e 24.º da base instrutória e sua inclusão no elenco de factos provados determinarão que a Recorrente P D logrou fazer verificar os requisitos da usucapião quanto à ocupação da fracção autónoma, quer quanto à sua afectação quer quanto ao mero e simples facto de nela poder ter e ter efectivamente máquinas instaladas;
16.ª – Esse elemento que constitui a aquisição originária do direito de colocar e manter em funcionamento máquinas naquela fracção, reconduzido à alteração da afectação da fracção, determinam que fique vedado à sentença a proibição de utilização da fracção DM com as máquinas que lá estão instaladas, sendo ilegal a decidida cessação da utilização da fracção DM como lugar de instalação e colocação de máquinas.
17.ª – A alteração da matéria provada e não provada nos termos precedentemente descritos terá a consequência de determinar a improcedência da acção, por não provava, uma vez que deverão falecer à sua procedência os factos que determinavam que se tivessem por preenchidos os requisitos da responsabilidade civil extracontratual, que na decisão recorrida, foi o mecanismo jurídico de que se serviu o Meritíssimo Juiz para decidir como decidiu.
Sem prescindir,
18.ª – A sentença proferida violou os artigos 342.º, 483.º, 487.º, 335.º, todos do Código Civil e bem assim os artigos 61.º e 62.º da Constituição da República Portuguesa e ainda o artigo 13.º do Decreto-Lei n.º 292/2000 (Regulamento Geral do Ruído);
19.ª- Competia aos Autores, nos termos do disposto no artigo 342.º do Código Civil, carrear para os autos factos suficientes para que se demonstrasse que o ruído proveniente das máquinas existentes na fracção DM violava os limites objectivos estabelecidos pelo artigo 13.º do Regulamento Geral do Ruído;
20.ª – A falta de alegação de tal facto, conjugada com o facto vertido na alínea q) da matéria de facto dada como provada determinam que não haja factos suficientes nos autos para que se conclua, como concluiu a sentença em crise que o comportamento da Recorrente P D é ilícito portanto gerador de responsabilidade extracontratual;
21.ª – A emissão de ruídos provenientes das máquinas da Recorrente são inerentes à actividade a que esta se dedica e como tal cabem no espectro do seu direito constitucionalmente consagrado de levar a cabo a sua actividade económica;
22.ª – Pelo que, para que se entenda tal emissão como sendo geradora de ilicitude, terá que ficar manifestamente provado que a actuação viola a lei, por um lado ou, não violando, que é de tal modo grave torna insuportável a vida dos lesados, afectando o seu direito constitucional à saúde e repouso;
23.ª – Não tendo ficado nos presentes autos provada nem uma coisa nem outra, a sentença ao decidir como decidiu violou grosseiramente as normas referentes à responsabilidade civil extracontratual, designadamente os artigos 483.º, 487.º e,
24.ª – Errou ao não decidir a questão no âmbito da mera conflitualidade de direitos, condenando as Recorrentes em excesso e violando os seus direitos à liberdade e realização económicas previstos pelos artigos 62.º e 63.º da Constituição da República Portuguesa.
25.ª – Além do mais, a sentença ao decidir como decidiu acerca da violação do título constitutivo da propriedade horizontal violou de forma clara o disposto no artigo 1421.º n.º 2 d) do Código Civil;
26.ª – Tendo ficado provado que a Recorrente P D tem instaladas na fracção DM máquinas de apoio ao supermercado, e apenas isso, não se pode concluir que tal utilização extravasa a finalidade prevista no título constitutivo que impõe a utilização daquela fracção como garagem;
27.ª – Se é verdade que a definição corrente de garagem é um local onde se estacionam automóveis é bem certo que a utilização corrente, pública e conhecida que se dá a tais espaços pode variar muito, sendo comum que funcionem como arrumos, local de guarda de móveis, roupas, bicicletas e mesmo electrodomésticos;
28.ª – A Jurisprudência Nacional tem entendido que não viola o título constitutivo da propriedade horizontal a utilização de uma fracção para uma finalidade conexa com aquela que lhe está atribuída;
29.ª – Sendo certo que terá que se entender como conexa com a guarda de um automóvel a guarda de máquinas, até porque o conceito máquinas engloba desde um compressor a uma mera arca frigorífica, razão pela qual não pode aceitar-se uma tao grosseira violação da Lei e do mais elementar direito de propriedade da Recorrente.
Os autores contra-alegaram sustentando a improcedência do recurso das rés e interpuseram recurso subordinado, onde formula as seguintes conclusões:
1. Provou-se que o funcionamento das máquinas, instaladas na fracção OM, causam ruídos, permanentes uns, intermitentes outros em ciclos de poucos minutos, cerca de cinco, que impedem, no seu conjunto, quotidianamente e o normal repouso e bem-estar dos AA, nomeadamente o seu sono nocturno, porque tais ruídos, o pelo menos o permanente, é audível em casa dos AA o suficiente para lhes causar as referidas perturbações.
2. Provou-se que a circulação dos carros de transporte de abastecimento ao " P D " ocorre entre as 07h00 e as 09h00 e que também esse facto, só por si mas especialmente conjugado com o anterior, viola os já aludidos direitos de personalidade dos AA.
3. Provou-se que isso causou danos, que não podem ter-se senão por graves, na saúde e no estado anímico e psicológico dos AA.
4. Resulta à evidência, porque isso é materialmente comprovável nos autos, sendo esta constatação insusceptível de ser contrariada, que a violação do direito dos AA ao repouso, ao sono, ao bem-estar normal, e as nefastas e já descritas consequências disso, ocorreram desde a instauração da acção, aos 18/07/2007, até à da douta Sentença recorrida, 02/10/2015
5. Só pelo facto de os danos terem ocorrido durante todo este período de tempo, seria justo, equilibrado e equitativo que lhes fosse atribuída indemnização não inferior a € 5.000,00 para cada um.
6. Mas igualmente se provou que os fados danosos tiveram início em 2014, ou 2015 , ou seja, pelo menos dois anos antes da propositura da acção, o que eleva para 10 anos o período de tempo durante o qual os direitos dos AA foram violados, o que mais adequado toma o valor de € 5.000,00 de indemnização para cada Autor.
7. Uma tal indemnização é adequada, tendo em consideração a natureza, persistência, gravidade dos danos e seus efeitos, conjugadamente e com o mais consignado no art. 494.º do CCiv.
8. Na verdade, a culpa das RR grave, o que resulta do seu conhecimento dos danos alegados pelos AA e de não terem, apesar disso, feito cessar a fonte causadora deles, vendo-se dos autos que só o não fizeram por razões económicas, já que pretendem persistir no funcionamento das máquinas e movimentação, nas condições descritas na douta Sentença, dos carros de transporto de produtos para a loja, requerendo efeito suspensivo para aquela decisão.
9. Esse prejuízo económico é, dizem as RR, no valor de uma facturação média diária de € 10 000,00.
10. O simples facto de a facturação ser essa, só por si demonstra o reduzido, mesmo insignificante, impacto, na sua situação patrimonial, da satisfação de indemnização global aos AA. de € 10 000,00 correspondente a apenas um dia de facturação.
11. Pode dizer-se nulo esse impacto se se considerar, como é público, que a loja "P D" se integra no multimilionário império comercial do grupo J M.
12. Quanto à situação patrimonial dos AA. o que dos autos se colhe é não mais que são professores do ensino básico, ou do secundário, que se sabe não poder considerar-se elevado, sabendo-se que não ultrapassa os € 1 500,00 por cada um, e ao tendo sido alegado, nem existindo elementos nos autos, que permitam admitir que tenham, como demais património, algo além da casa em que vivem.
13. Uma Indemnização de € 5 000.00 será modesta, atenta a reiterada referência à natureza e constância quotidiana do dano, pelo que esse valor já é inferior ao que na realidade entendem os AA que deveria ser-lhes atribuída como indemnização.
14. Modesta a ponto de, indemnização inferior, de menos € 1 500,00 por cada um dos AA, deixar de ser equitativa, face aos elementos a que o artigo 494.º do CCiv manda atender.
15. Decidindo como decidiu a este respeito, a douta Sentença violou o disposto em tal preceito, devendo ser revogada na parte em que fixa a indemnização atribuída aos AA., devendo ser fixada indemnização não inferior a € 5 000,00 por cada Autor.
b)
16. Os AA alegaram, na Petição, que enquanto não cessassem as causas da violação dos seus direitos essa violação continuaria.
17. Por isso pediram que as RR. fossem condenadas a indemniza-los pelos danos futuros, posteriores à instauração da acção, que em execução de sentença viesse a provar-se terem sofrido a partir de então, danos a serem nessa execução liquidados.
18. Na douta Sentença apelada foi entendido que, não, tendo sido alegado que tais, danos fossem alterados na sua intensidade, persistência e consequência, não seria de considerar que o pudessem ser.
19. Tal entendimento é salvo o devido respeito, errado pois que o pedido de liquidação de indemnização em execução de sentença, pressupõe, precisamente, a continuação dos danos, cabendo, na ao executado, alegar factos demonstrativos do desaparecimento ou alteração benéfica, dos factos causadores dos danos, consequentemente, pugnar pela fixação de indemnização correspondente à alteração dos factos e, se cessados eles, não liquidação de quaisquer danos a partir da data que se comprovasse ter sido a da cessação.
20. Errado, ainda e sempre salvo o devido respeito, o entendimento de que, continuando os AA a sofrer danos, em virtude dos factos julgados como provados, e mesmo de outros, maiores ou menores decorrentes de tais factos, podem, em processo executivo, alegá-los e requerer a liquidação da correspondente indemnização.
21. Na verdade, não estando as RR condenadas a indemnizar os AA pelos danos que comprovassem em execução ter sofrido posteriormente à Sentença, não só ficam legalmente impedidos de, em execução dela, peticionarem esses danos relativamente à data da sentença, corno de instaurarem um outro processo executivo por eles, dada a manifesta falta de título executivo,
22. Em liquidação de sentença não pode pedir-se mais que o constante da condenação, nem coisa em que o executado na acção não tenha sido condenado.
23. Na douta Sentença recorrida foi reconhecido que os AA. poderiam continuar, a partir da sua prolação, a sofrer danos, mas, apesar disso, a decisão foi com o conteúdo enunciado nas conclusões supra 18 e 20, não lendo os RR sido condenados a indemnizar os AA pelos danos futuros, a liquidar em execução de sentença, condenação que os AA expressamente pediram para os RR.
24. Exequíveis são, exclusivamente, as sentenças condenatórias e, evidentemente, apenas naquilo, em que condenam, como resulta do comando do artigo 703.º, 1, a) do CPCiv.
25. Não condenando as RR a indemnizar os AA pelos danos a serem comprovados em execução de sentença, violou a douta decisão recorrida o preceito acabado de enunciar.
26. Deste modo deve a douta Sentença ser revogada também na parte ora em causa, condenando-se as RR a indemnizarem com o valor que em execução de sentença seja liquidado correspondentemente aos danos que os autores comprovem ter sofrido após a data da prolação daquela Sentença, até completa cessação da causa desses danos, tudo conforme resultante dos factos provados dela constantes.
As conclusões das alegações de recurso , conforme o disposto nos artigos 635.º n.º 3 e 639.º n.os 1 e 3 do Código de Processo Civil , delimitam os poderes de cognição deste Tribunal e, considerando a natureza jurídica da matéria versada, as questões a decidir consistem em saber se:
1- no recurso principal:
a) "enferma de erro de julgamento a decisão da matéria de facto provada quanto às alíneas h), m), n), q), r), s), t), u), v), w), x), y) e z) do elenco de factos provados [e] a decisão da matéria de facto que deu como não provados os factos caídos nos quesitos 23.º e 24.º da Base Instrutória" ;
b) "a alteração da matéria provada e não provada nos termos precedentemente descritos terá a consequência de determinar a improcedência da acção" ;
c) "para que se entenda tal emissão [de ruídos] como sendo geradora de ilicitude, terá que ficar manifestamente provado que a actuação viola a lei, por um lado ou, não violando, que é de tal modo grave torna insuportável a vida dos lesados, afectando o seu direito constitucional à saúde e repouso" ;
d) a decisão recorrida errou ao condenar "as Recorrentes em excesso e violando os seus direitos à liberdade e realização económicas previstos pelos artigos 62.º e 63.º da Constituição da República Portuguesa" ;
e) "a sentença ao decidir como decidiu acerca da violação do título constitutivo da propriedade horizontal violou de forma clara o disposto no artigo 1421.º n.º 2 d) do Código Civil" , visto que tendo ficado "provado que a Recorrente P D tem instaladas na fracção DM máquinas de apoio ao supermercado (…), não se pode concluir que tal utilização extravasa a finalidade prevista no título constitutivo que impõe a utilização daquela fracção como garagem" .
2- no recurso subordinado:
g) deve "ser fixada indemnização não inferior a € 5 000,00 por cada Autor" ;
h) deve condenar-se "as RR a indemnizarem com o valor que em execução de sentença seja liquidado correspondentemente aos danos que os autores comprovem ter sofrido após a data da prolação daquela Sentença, até completa cessação da causa desses danos" .
II
1.º
Na perspectiva das rés a prova produzida conduz a conclusões diferentes das extraídas pelo tribunal a quo, no que se refere ao julgamento dos factos das alíneas h), m), n), q), r), s), t), u), v), w), x), y) e z) dos factos provados e dos que se encontram nos quesitos 23.º e 24.º da base instrutória.
Nos factos em causa consta:
"h) Em mês e ano não concretamente apurados, mas compreendidos entre os anos de 2004/2005, as RR., nalguns pontos da fracção referida em E), fracção "DM", levaram a cabo obras de rebaixamento do piso, a ponto de atingir o solo do edifício referido em A).
m) Que ocorrem de modo intermitente.
n) Os referidos equipamentos funcionam continuamente, efectuando descargas de vapor aproximadamente a cada cinco minutos, sendo a duração da descarga de vapor variável, mas que tem uma duração aproximadamente entre um a dois minutos.
q) Os ruídos referidos em k) são perceptíveis e ouvidos pelos AA. Na fracção referida em A), nalguns períodos da noite.
r) Os ruídos referidos em p) , são igualmente audíveis pelos AA., entre as horas referidas em f) .
s) O que os acorda durante a noite.
t) E lhes torna difícil retomar o sono.
u) E a conciliar o sono.
v) Não sendo o seu sono profundo.
w) Nem reparador.
x) Devido ao referido em s) a w) os autores estão irritados.
y) E cansados.
z) E tristes.
23.º Desde 1993 que a ré P D tem máquinas como as acima referidas a laborar da forma supra descrita?
24.º Sem qualquer oposição?"
Segundo as rés, estes dois últimos factos deviam ser julgados provados e todos os outros não provados.
Examinados os autos e ouvida a prova produzida, verifica-se que, no que toca à prova relativa à matéria de facto agora reapreciação, as testemunhas Maria M, Júlio N e Leonor M vivem no mesmo prédio dos autores .
Quanto aos factos m) e n) Maria M e Leonor M fazem alusão a que, em virtude do funcionamento das máquinas que dão apoio ao funcionamento do supermercado, há descargas de vapor para o exterior que ocorrem de tempos a tempos. Esses equipamentos funcionam continuamente, como aliás, já resulta do que está provado em k) . Porém, estes dois depoimentos não são absolutamente coincidentes quanto ao intervalo entre as respectivas descargas e a sua duração, pelo que não se tem prova suficiente no que toca a esses aspectos.
Relativamente ao facto k) as testemunhas Maria M, Júlio N e Leonor M são claras em afirmar que ouvem tais ruídos nas suas habitações e que os autores também se queixam de os ouvir na casa deles. Maria M diz que esse barulho começa pelas 5h 30m, Júlio N relata que se inicia às 6h e Leonor M menciona de "madrugada". Ninguém refere uma hora concreta em que cessa esse ruído. Neste aspecto, temos só a declaração da testemunha Carlos M no sentido de que o horário para a entrega de certo tipo de produtos é entre as 6h e as 8h 30m. Mas isso é só uma alusão genérica ao horário que em princípio se respeitará; não mais do que isso.
As testemunhas Maria M, Júlio N e Leonor M, principalmente a primeira e a última , são peremptórias e convincentes ao dizerem que os ruídos em causa são suficientes para dificultar o adormecer e acordar quem está a dormir, o que origina um descanso insuficiente. No entanto, relativamente ao cansaço, tristeza e irritação dos autores, por este motivo, a testemunha Júlio N quase que se limitou a fazer conjecturas e Maria M e Leonor M fazem referências vagas, sem suporte em factos objectivos e palpáveis.
Na perícia realizada confirma-se a realização das obras de rebaixamento mencionadas em h) e as testemunhas Neves N, Manuel S , Leonor M e Carlos M situam-nas por volta de 2005.
Finalmente, no que toca aos factos 23.º e 24.º não se produziu prova suficiente que os suporte.
As testemunhas Maria M, Júlio N e Leonor M dizem que o ruído das máquinas só se começou a ouvir quando foram colocadas as que presentemente lá se encontram, o que, como se viu terá sido por volta de 2005. A testemunha Carlos M diz que antes dessas máquinas estavam lá outras , mas não sabe que tipo de máquinas eram essas; refere que era uma "casa de máquinas normal". Inexiste, deste modo, prova que demonstre que desde 1993, no local em causa, há máquinas "como" as que agora lá estão.
E, em relação à ausência de "qualquer oposição", sabe-se que, por um lado os autores se queixaram, como dá conta Carlos M e, por outro lado, esta mesma testemunha relata que não tem conhecimento de que tenha havido um pedido dirigido ao condomínio para a colocação das máquinas , mas assegura que o condomínio e os condóminos sabem da sua existência. Porém, o saber da sua existência não é, só por si, sinónimo de não haver oposição. A prova produzida não possibilita a afirmação segura de que não há "qualquer oposição".
Aqui chegados, relativamente aos factos das alíneas h), m), n), q), r), s), t), u), v), w), x), y) e z) dos factos provados e aos que se encontram nos quesitos 23.º e 24.º da base instrutória, considera-se estar provado que:
"h) Por volta de 2005, as RR., nalguns pontos da fracção referida em E), fracção "DM", levaram a cabo obras de rebaixamento do piso.
m) Que ocorrem de modo intermitente.
n) Os referidos equipamentos funcionam continuamente.
q) Os ruídos referidos em k) são perceptíveis e ouvidos pelos AA na fracção referida em A), nalguns períodos da noite.
r) Os ruídos referidos em p), são igualmente audíveis pelos AA. A partir das 6h.
s) Estes ruídos acorda-os durante a noite, torna-lhes difícil retomar o sono e faz com que este não seja reparador."
Tudo o mais não se provou.
2.º
Estão provados os seguintes factos:
a) Mediante a cota G-1, efectuada sob a apresentação 12/190897, os autores estão inscritos como titulares do direito de propriedade sobre a fracção autónoma designada pelas letras "CS" do prédio urbano, sujeito ao regime de propriedade horizontal, descrito na CRP de Fafe sob o n.º 00720/281287, situado na Rua da Noruega, bloco B, entrada C.
b) A fracção autónoma mencionada em a) corresponde a um apartamento situado no 3.º e 4.º andares do prédio urbano referido em a), destinado a habitação, conforme consta da escritura de constituição do regime de propriedade horizontal.
c) Mediante a cota a apresentação 10 de 27-06-1996, a segunda ré, Imoretalho L.da, está inscrita como titular do direito de propriedade sobre a fracção autónoma designada pelas letras "CX" do prédio urbano, sujeito ao regime de propriedade horizontal descrito na CRP sob o n.º 00720/281287, situado na Rua da Noruega, bloco B, entrada C.
d) A fracção autónoma mencionada em c) situa-se na sobrecave do prédio urbano que integra e destina-se a supermercado.
d1) Mediante a apresentação 10 de 27-06-1996, a segunda ré, I L.da, está inscrita como titular do direito de propriedade sobre a fracção autónoma designada pelas letras "DM" do prédio urbano, sujeito ao regime de propriedade horizontal, descrito na Conservatória do Registo Predial de Fafe sob o n.º 00720/281287, situado na Rua da Noruega, bloco B, entrada C - cfr. fls, 133.
d2) A fracção autónoma mencionada em d1) situa-se na cave do prédio urbano que integra e destina-se a garagem e aparcamento, conforme consta da escritura pública de constituição do regime de propriedade horizontal cuja cópia consta de fls. 80 e ss..
d3) Consta da escritura pública de constituição do regime de propriedade horizontal do prédio referido em a) que a fracção autónoma referida em d) se destina a garagem individual- cfr. fls. 80 e 5S., em especial fls, 113.
e) A 1.ª ré é dona de um estabelecimento comercial de supermercado, denominado "P D", instalado na fracção autónoma situada no piso -1 do prédio referido em a).
f) A 1.ª ré procede a descargas para o supermercado referido anteriormente diariamente entre as 6h 00m e as 9h 0m.
g) Os autores habitam na fracção referida em a) e b).
h) Por volta de 2005, as RR., nalguns pontos da fracção referida em E), fracção "DM", levaram a cabo obras de rebaixamento do piso.
i) E instalaram máquinas de apoio ao funcionamento do supermercado referido em d).
j) Entre as quais três compressores.
k) As máquinas referidas em i) e j) emitem um ruído constante inerente ao seu funcionamento.
l) É inerente ao normal funcionamento das máquinas referidas em i) e j) efectuarem descargas de vapor para o exterior.
m) Que ocorrem de modo intermitente.
n) Os referidos equipamentos funcionam continuamente.
o) Nas alturas referidas em f), a R. P D, S.A., utiliza carros porta paletes e dois carros de transporte de caixas (sendo que os carros porta-paletes têm rodas de borracha mole (pouco ruidosas) e os carros de transporte de caixas têm rodas de plástico duro (sendo estas rodas mais ruidosas que as de borracha).
p) O porta-paletes e o carro de transporte de caixas referidos em r) emitem ruído que resulta do contacto dos rodados com as juntas do pavimento.
q) Os ruídos referidos em k) são perceptíveis e ouvidos pelos AA na fracção referida em A), nalguns períodos da noite.
r) Os ruídos referidos em p), são igualmente audíveis pelos AA. a partir das 6h.
s) Estes ruídos acorda-os durante a noite, torna-lhes difícil retomar o sono e faz com que este não seja reparador.
3.º
A procedência da questão de direito que as rés colocaram na conclusão 17.ª pressupunha, para além do mais, uma modificação na matéria de facto, a qual, como se viu, não ocorreu com a amplitude pretendida .
4.º
As rés sustentam que "para que se entenda tal emissão [de ruídos] como sendo geradora de ilicitude, terá que ficar manifestamente provado que a actuação viola a lei, por um lado ou, não violando, que é de tal modo grave torna insuportável a vida dos lesados, afectando o seu direito constitucional à saúde e repouso" . Pois, na sua perspectiva os autores tinham que ter demonstrado "que o ruído proveniente das máquinas existentes na fracção DM violava os limites objectivos estabelecidos pelo artigo 13.º do Regulamento Geral do Ruído" .
Como é sabido, "o n.º 1 do art. 70.º do Código Civil toma como bem jurídico, objecto de uma tutela geral, a personalidade física ou moral, dos indivíduos, isto é, os bens inerentes à própria materialidade e espiritualidade de cada homem" . Estes direitos abrangem "aspectos tanto físicos, como espirituais" e "asseguram juridicamente a (…) dignidade" do ser humano. E "não existe uma taxatividade, um numerus clausus, de direitos de personalidade. Bem pelo contrário, é possível, tanto por via científica como por via jurisprudencial, que novos direitos se consigam identificar" .
Ora, independentemente da conformidade ou desconformidade do ruído emitido com os níveis estabelecidos no Regulamento Geral do Ruído, o pressuposto em que assente esta alegação das rés não é verdadeiro, pois é certo que não obsta " à tutela prioritária do direito fundamental [de personalidade] lesado a mera circunstância de ter ocorrido licenciamento administrativo da actividade lesiva ou os níveis de ruído pericialmente verificados não ultrapassarem os padrões técnicos regulamentarmente definidos (vejam-se, por exemplo, os Acs. do STJ de 22/10/98 - p. 97B1024-de 13/3/97- p.96B557- e de 17/1/02 - p. 01B4140) . Merece particular realce a conclusão de que as normas, constitucionais e legais, que tutelam a preservação do direito básico de personalidade não podem ser vistas como contendo uma mera proclamação retórica ou platónica, sendo essencial que lhes seja conferido o necessário relevo e efectividade na vida em sociedade – não sendo obviamente tolerável que o interesse no exercício ou exploração lucrativa de quaisquer actividades lúdicas, de diversão ou económicas se faça com o esmagamento dos direitos básicos de todos os cidadãos que tiverem o azar de residir nas proximidades, aniquilando, em termos claramente desproporcionados, o direito a gozar de um mínimo de tranquilidade, sossego e qualidade de vida no seu próprio domicílio."
Com efeito, "o direito de personalidade não pode ser restringido por um simples regulamento; a compatibilização jurídica do Regulamento do Ruído com o direito de personalidade deve ser feita no sentido de que todos devem limitar a emissão de ruídos, em geral, ao estabelecido no Regulamento, mas desse Regulamento não resulta um «direito a fazer ruído» e muito menos a licitude do impedimento do repouso alheio; o direito de personalidade prevalece sobre o regulamento do ruído."
O Regulamento Geral do Ruído estabelece limites máximos objectivos inultrapassáveis, mas não consagra um direito absoluto de emissão de ruídos abaixo de tais limites, pelo que os ruídos que respeitarem o tecto que consta nesse diploma têm ainda que observar a restante legislação sobre a matéria, designadamente a referente aos direitos de personalidade. Deste modo, mesmo que o ruído em causa não ultrapasse os limites consagrados no Regulamento Geral do Ruído, sempre terá ainda que situar em níveis que (também) respeitam os direitos de personalidade dos autores.
5.º
As rés censuram também a decisão recorrida por que, segundo afirmam, errou ao condenar "as Recorrentes em excesso e violando os seus direitos à liberdade e realização económicas previstos pelos artigos 62.º e 63.º da Constituição da República Portuguesa" .
Aqui, muito fracamente, e com o devido respeito, não se percebe bem o que querem a rés dizer.
A sentença do Tribunal a quo teve em consideração "o direito de propriedade supostamente exercido pelas Rés, e o referido direito da livre iniciativa económica, têm o conteúdo por estas implicitamente defendido: abrangem eles a faculdade de, a partir da coisa objecto da propriedade e da iniciativa económica, emitir um ruído com as características daquele que está em causa nestes autos", fazendo neste campo diversos considerandos, e concluindo que "a Constituição da República Portuguesa confere predomínio aos direitos, liberdades e garantias sobre os direitos económicos, sociais e culturais, o que conduz a reputar de prevalecentes os direitos de personalidade e, em concreto, o direito ao repouso."
Acompanha-se o Meritíssimo Juiz nesta conclusão, não só face aos fundamentos que apresenta, como também pelo que resulta do que atrás já se deixou dito.
6.º
As rés entendem ainda que não é verdade que haja "violação do título constitutivo da propriedade horizontal" , na medida em que tendo "a Recorrente P D (…) instaladas na fracção DM máquinas de apoio ao supermercado (…), não se pode concluir que tal utilização extravasa a finalidade prevista no título constitutivo que impõe a utilização daquela fracção como garagem" , pois "não viola o título constitutivo da propriedade horizontal a utilização de uma fracção para uma finalidade conexa com aquela que lhe está atribuída" .
Portanto, se bem se acompanha o raciocínio das rés, a colocação de "máquinas de apoio ao supermercado" numa fracção cuja "finalidade prevista no título constitutivo (…) [é] a utilização daquela (…) como garagem", "não viola o título constitutivo" em virtude de se tratar de "uma finalidade conexa com aquela que lhe está atribuída".
A fracção "DM" situa-se na cave do prédio e destina-se a garagem e aparcamento.
Garagem significa "casa, loja ou local coberto para recolha de veículos automóveis" e aparcamento significa " recolha (de viatura) em parque de estacionamento"
Então, é evidente que ao instalar nessa fracção "máquinas de apoio ao funcionamento do supermercado (…) entre as quais três compressores", não se está a observar o fim que para ela foi consagrado no título constitutivo da propriedade horizontal, nem tão pouco se está a usá-la para uma "finalidade conexa" com a que se encontra consignada nesse título.
Como sabemos, o artigo 1422.º n.º 2 c) não permite que se dê à fracção "uso diverso do fim a que é destinada". Dito de outra forma, a fracção só pode utilizada para o fim que lhe foi definido. Logo, mesmo que fosse o caso, e não é, esse fim não se estende a uma qualquer "finalidade conexa com aquela que (…) está atribuída" à fracção .
Bem andou, pois, o Meritíssimo Juiz quando concluiu que na situação em apreço se está "a violar os limites impostos pelo Art. 1422.º n.º 1 e n.º 2 al. c) do C.C., por [se] utilizar a fracção para fim diverso daquele a que a mesma se destina."
7.º
No seu recurso subordinado os autores defendem que deve "ser fixada indemnização não inferior a € 5 000,00 por cada Autor" .
O artigo 496.º n.º 1 do Código Civil dispõe que "na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito", acrescentando o seu n.º 3 que "o montante da indemnização será fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no artigo 494.º". Por outro lado, não sendo possível a reconstituição natural, como nestes danos, pela sua natureza, sucede, a indemnização é então fixada em dinheiro .
O dano não patrimonial (também chamado dano moral ) é a "lesão que se produz em interesses insusceptíveis de avaliação pecuniária. Assim acontece com as dores físicas ou sofrimentos psicológicos que decorrem para o lesado de um comportamento de outrem, constitutivo deste na obrigação de indemnizar". Ele tem por objecto um interesse "não avaliável em dinheiro" , "bens de carácter imaterial" , o que, desde logo, mostra a dificuldade em encontrar o valor da respectiva indemnização, pois ele "não pode ser avaliado em medida certa."
A este nível apurou-se que os carros porta paletes e carros de transporte de caixas utilizados no estabelecimento da ré P D produzem ruídos audíveis pelos autores, na sua habitação a partir das 6h e que as máquinas de apoio ao funcionamento do supermercado referido, entre as quais três compressores, emitem um ruído constante que é igualmente ouvido nalguns períodos da noite. Estes ruídos acordam os autores durante a noite, torna-lhes difícil retomar o sono e faz com que este não seja reparador.
Ora, é pacífico que, dada a importância e a necessidade de dormir, e dormir com tranquilidade, esta realidade se traduz em "danos não patrimoniais que, pela sua gravidade" merecem "a tutela do direito".
"Os direitos ao repouso, ao sono e à tranquilidade constituem uma emanação dos direitos fundamentais de personalidade, nomeadamente à integridade física e moral da pessoa e a um ambiente de vida sadio, direitos esses acolhidos quer em Convenções Internacionais, como a DUDH (art. 24.º) e a CEDH (art. 8.º, n.º 1), encontrando-se também constitucionalmente consagrados, nos arts. 17.º e 66.º da CRP." E importa não esquecer que "os direitos ao sossego, ao repouso e ao sono traduzem-se em factores que se mostram potenciadores, em grau muito elevado, da recuperação física e psíquica da pessoa".
A violação destes direitos, não é, portanto, coisa menor, nem os seus efeitos são de diminuta relevância.
Neste contexto, afigura-se como adequado fixar a indemnização por danos não patrimoniais devida a cada um dos autores em € 3 000,00.
8.º
Por último, os autores consideram que deve condenar-se "as RR a indemnizarem com o valor que em execução de sentença seja liquidado correspondentemente aos danos que os autores comprovem ter sofrido após a data da prolação daquela Sentença, até completa cessação da causa desses danos" .
Não se encontra nos factos provados nada que aponte no sentido de que haverá, para além dos danos já tidos em consideração na sentença, outros que serão somente "sofrido[s] após a data da prolação" desta.
Depois do trânsito da sentença, se as rés a não cumprirem voluntariamente, caberá aos autores exercer os direitos que lhe assistem, usando os mecanismos legais ao seu dispor, e são vários.
Não têm, desta forma, os autores razão relativamente a esta pretensão.
III
Com fundamento no atrás exposto, julga-se improcedente o recurso principal e parcialmente procedente o recurso subordinado, pelo que:
a) fixa-se em € 3 000,00 o valor dos danos não patrimoniais devidos a cada um dos autores;
b) mantém-se, no mais, a decisão recorria.

Custas pelas rés e pelos autores na proporção dos seus decaimentos, tanto no recurso principal, como no subordinado.
9 de Junho de 2016
(António Beça Pereira)
(António Santos)
(Maria Amália Santos)
*
1 O processo encontra-se agora na Secção Cível da Instância Local de Fafe, da Comarca de Braga
2 Houve a necessidade de repetir a audição de algumas testemunhas por haver deficiência na gravação dos seus depoimentos inicialmente prestados.
3 Convém lembrar que aos quesitos 18.º e 19.º foi dada resposta de "não provado".
4 Aqui parece haver um erro material, pois certamente que se queria dizer "2004 ou 2005".
5 Neste caso, também as do recurso subordinado.
6 São deste código todas as disposições adiante mencionadas sem qualquer outra referência.
7 Cfr. conclusões 1.ª e 2.ª.
8 Cfr. conclusão 17.ª.
9 Cfr. conclusão 22.ª.
10 Cfr. conclusão 24.ª.
11 Cfr. conclusão 25.ª.
12 Cfr. conclusão 26.ª.
13 Cfr. conclusão 2.ª do recurso subordinado.
14 Cfr. conclusão 26.ª.
15 Dos porta-paletes e do carro de transporte de caixas.
16 As 6h 00m e as 9h 00m.
17 De apoio ao funcionamento do supermercado.
18 Na sessão de 5-6-2015 a qualidade da gravação das intervenções do Ilustre Mandatário dos autores é muito má, sendo significativas as partes que se não percebem. O depoimento da testemunha Leonor Pinto também está gravado com deficiências no som. E a gravação feita na cassete, onde está o depoimento da testemunha Carvalho Araújo, parece ter ficado a uma velocidade superior ao normal, o que dificulta a compreensão do que é dito.
19 No 1.º e 2.º andares.
20 Facto que se não colocou em crise.
21 É director de operações do P D.
22 Segundo Leonor M, a testemunha Júlio N, que é seu marido, dome que "nem uma pedra".
23 Cfr. folha 241.
24 Tiveram participação em algumas obras contratadas pela ré P D.
25 "Se não me falha a memória" desde 1996.
26 E muito menos uma autorização expressa.
27 Por manifesto lapso, na sentença não figuram estes três factos, que se encontravam em E, F e G dos factos assentes. Mas, como se pode ver na sentença, na parte em que se aprecia a questão do invocado desrespeito pelo fim que se encontra definido para a fracção "DM" no título constitutivo, o Meritíssimo Juiz a quo invoca estes factos e funda-se neles para decidir esse segmento.
28 E que era necessária para esse fim.
29 Cfr. conclusão 22.ª.
30 Cfr. conclusão 19.ª.
31 Capelo de Sousa, O Direito Geral da Personalidade, Reimpressão, pág. 106.
32 Capelo de Sousa, O Direito Geral da Personalidade, Reimpressão, pág. 115.
33 José Alberto González, Código Civil Anotado, Vol. I, pág. 95.
34 José Alberto González, Código Civil Anotado, Vol. I, pág. 95. Neste sentido veja-se Pais de Vasconcelos, Teoria Geral do direito, 5.ª Edição, pág. 48.
35 Neste sentido pode ainda ver-se o Ac. STJ de 19-4-2012 no Proc. 3920/07.8 TBVIS.C1. S1, www.gde.mj.pt.
36 Ac. STJ de 7-4-2011 no Proc. 419/06.3TCFUN.L1.S1, www.gde.mj.pt.
37 Pais de Vasconcelos, Teoria Geral do Direito Civil, 3.ª Edição, pág. 59. Neste sentido veja-se Ac. STJ de 29-11-2012 no Proc. 1116/05.2TBEPS.G1.S1 e Ac. STJ de 30-5-2013 no Proc. 2209/08.0TBTVD.L1.S1, www.gde.mj.pt.
38 Decreto-Lei 9/2007 de 17 de Janeiro.
39 Cfr. conclusão 24.ª.
40 Cfr. conclusão 25.ª.
41 Cfr. conclusão 26.ª.
42 Cfr. conclusão 28.ª.
43 www.infopedia.pt/dicionarios/lingua-portuguesa.
44 "O título constitutivo da propriedade horizontal deve ser interpretado à luz das regras constantes dos artigos 236.º a 238.º do Código Civil", Ac. STJ de 28-1-2016 no Proc. 3076/06.3TVLSB.L1.S1, www.gde.mj.pt.
45 Cfr. conclusão 2.ª do recurso subordinado.
46 Cfr. artigo 566.º n.º 1 do Código Civil.
47 Do francês "dommages moraux".
48 Ana Prata, Dicionário Jurídico, Vol. I, 5.ª Edição, pág. 437.
49 Vaz Serra, BMJ n.º 83, pág. 69.
50 Galvão Telles, Direito das Obrigações, 7.ª Edição, pág. 378.
51 Dário de Almeida, Manual de Acidentes de Viação, 3.ª Edição, pág. 274.
52 Ac. STJ de 30-5-2013 no Proc. 2209/08.0TBTVD.L1.S1, www.gde.mj.pt.
53 Ac. STJ de 17-4-2012 no Proc. 1529/04.7TBABF.E1.S1, www.gde.mj.pt
54 Cfr. conclusão 26.ª.