Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
2559/13.3TAGMR.G1
Relator: FÁTIMA FURTADO
Descritores: VÍCIOS DA SENTENÇA
NULIDADE DA TRAMITAÇÃO DA CAUSA
ANULAÇÃO DE SENTENÇA
ANULAÇÃO DE JULGAMENTO
IMPEDIMENTO
JUIZ
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 02/20/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário: I) Há casos em que a decisão proferida no recurso tem também como consequência a nulidade da sentença, mas não é determinado o reenvio processual para novo julgamento, com convocação do preceituado nos aludidos artigos 426.º e 426.º-A do Código de Processo Penal. É essa a situação que se verifica sempre que a anulação da sentença e do julgamento é ditada não por vícios intrínsecos da própria decisão, mas apenas reflexamente, por via do cometimento de uma nulidade decorrente da tramitação da causa.
II) Nestas situações não se verifica o impedimento do juiz a que alude a alínea c) do artigo 40.º do Código de Processo Penal, por não se poder dizer que o julgador se esteja a debruçar sobre uma causa que tenha julgado em fase anterior à do recurso.
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Guimarães.
(Secção penal)
Relatora: Fátima Furtado; adjunta: Elsa Paixão.

I. RELATÓRIO
No processo comum singular nº 2559/13.3TAGMR, da instância local de Guimarães, secção criminal, juiz 3, da comarca de Braga, em que é arguida M. E., com os demais sinais dos autos, foi decidido não se verificar o impedimento do julgador por aquela suscitado, em despacho proferido a 30 de maio de 2016, a fls. 273, com o seguinte teor:
«Quanto ao requerimento deduzido pela arguida a fls. 255 e segs:
Conforme decorre do acórdão de fls. 201 e segs. apenas foi revogado o despacho que não admitiu a contestação e o rol de testemunhas que a acompanhava, tendo sido determinada a sua substituição por outro que admita a referida contestação, seguindo-se os ulteriores termos do processo. Resulta, assim, que não foi ordenada a realização de novo julgamento, ainda que parcial, nos termos dos artigos 426.º e 426.º-A, do CPP mas sim a reabertura da audiência para produção da prova arrolada pela arguida. A pretensão da arguida no sentido de se realizar novo julgamento não tem qualquer sustentação no acórdão da Relação de Guimarães.
Dito isto, porque se trata da continuação da audiência de julgamento, para a inquirição das testemunhas de defesa, não tem qualquer fundamento a invocação do impedimento previsto no artigo 40.º, alínea c), do CPP (veja-se, neste sentido, o acórdão da Relação de Guimarães, de 18-05-2016, publicado em www.dgsi.pt).
Assim sendo, indefere-se o requerido.»
*
Inconformada, a arguida interpôs recurso interlocutório, apresentando a competente motivação, que remata com as seguintes conclusões:
«A – Por douta Decisão sumária proferida pelo Venerando Tribunal da Relação de Guimarães, foi decidido revogar o douto despacho proferido pelo Tribunal “a quo” que não admitiu a contestação deduzida pela arguida por outro que admita tal articulado, seguindo-se os ulteriores termos do processo.
B – No seguimento desta Decisão sumária o Tribunal “a quo” proferiu despacho que, para além de admitir a contestação deduzida pela arguida e prova nela inserta, designou o dia 30 de maio de 2016, pelas 09:30 horas, para reabertura da audiência, com inquirição das testemunhas de defesa.
C – Ou seja, o Mmo. Juiz “a quo” que anteriormente havia realizado o julgamento e proferido decisão condenatória, entendeu que a douta Decisão sumária de fls. 201 e segs. apenas revogou o despacho que não admitiu a contestação e o rol de testemunhas que a acompanhava, determinando a sua substituição por outro que admita a referida contestação e não ordenou a realização de novo julgamento, ainda que parcial, nos termos do disposto nos artigos 426º e 426º-A do CPPenal, mas outrossim a reabertura da audiência para a produção da prova arrolada pela arguida.
D – Contudo, salvo o devido e merecido respeito, entende a recorrente que a douta Decisão sumária ao ordenar que, após despacho de admissão da contestação deduzida pela arguida a fls. 92/93, o processo siga os seus ulteriores termos, estará necessariamente a ordenar ou implicará necessariamente a anulação de todo o processado após aquele despacho recorrido e revogado que indeferiu a contestação da arguida, incluído o julgamento realizado e a sentença proferida.
E – Ou seja, ao contrário do que entendeu o Tribunal recorrido, entende a arguida que a audiência não deverá ser reaberta apenas para a inquirição das testemunhas de defesa, mas outrossim, para novo julgamento relativamente à totalidade da causa ou objeto do processo, mais a mais quando o Tribunal recorrido já proferiu decisão condenatória.
F – Assim, tendo já o Tribunal recorrido ouvido toda a prova da acusação e uma das testemunhas arroladas pela arguida na sua contestação e, com base nelas, ter formado a sua convicção e se pronunciado quanto ao objeto do processo, condenando a arguida, reabrir a audiência apenas para inquirição das testemunhas de defesa, com o devido e merecido respeito, será a total inversão do ónus da prova em processo penal, isto é, com tal produção de é a arguida quem passa a ter o ónus de fazer prova e convencer o Tribunal de que afinal não cometeu o crime de que vem acusada.
G – O douto Tribunal “a quo” deveria, assim e por isso, ao abrigo do disposto nos artigos 40º, 426º e 426º-A, do CPPenal, remeter os autos à distribuição para novo julgamento.
H – O douto despacho recorrido violou, por isso, ou fez errada interpretação, além doutros, dos artigos 40º, 426º e 426º-A, do CPPenal.»
*
No decurso da audiência de julgamento, foi também indeferido um acréscimo de prova requerido pela arguida, ao abrigo do disposto no artigo 340.º do Código de Processo Penal, por despacho proferido a 30 de maio de 2016, a fls. 274, com o seguinte teor:
«Quanto ao requerimento de fls. 239:
Conforme decorre do art.º 340.º, n.º 4, al. a) do Cód. Proc. Penal, os requerimentos de prova são indeferidos se for notório que as provas requeridas já podiam ter sido juntas ou arroladas com a acusação ou contestação, exceto se o tribunal entender que são indispensáveis à descoberta da verdade e boa decisão da acusa. Ora quer a prova documental cuja junção é requerida pela arguida, quer a indicação das testemunhas aí mencionadas podiam já ter sido indicadas aquando da contestação, que entretanto foi admitida na sequência do douto acórdão da relação de Guimarães. Acresce que entendemos que tais elementos de prova não são indispensáveis à boa decisão da causa, pelo que não se admite o requerimento de prova, nos termos do art.º 340.º, n.º 4, al. a) do Cód. Proc. Penal.
Notifique»
*
Inconformada, a arguida dele interpôs recurso interlocutório, apresentando a competente motivação, que remata com as seguintes conclusões:
«A – O artigo 340º do CPPenal, permite ao arguido requerer a produção de meios de prova, mesmo que o não tenha feito no momento próprio, isto é, no prazo de 20 dias a que alude o artigo 315º do CPPenal.
B – O Tribunal apenas pode indeferir o requerimento de prova deduzido ao abrigo do artigo 340º do CPPenal se a prova requerida já poderia ter sido junta ou arrolada com a contestação, o caracter irrelevante ou supérfluo, inadequado, de obtenção impossível ou muito duvidosa ou ainda a finalidade meramente dilatória da prova requerida fosse notório, ou seja, de fácil perceção, manifesta, patente, o que, salvo o devido respeito, no caso dos autos não acontece.
C – Se por um lado e ao contrário do entendido pelo douto Tribunal recorrido, a junção dos documentos apenas foi possível após o termo do prazo previsto no artigo 315º do CPPenal, pois o despacho de pronúncia cuja junção requereu, apesar de ter sido proferido em 12/12/2014, transitou em data posterior a 08/06/2015 – data que se encontra aposta no Acórdão da Relação de Guimarães, também junto com aquele despacho de pronúncia –, ou seja, em momento posterior ao termo do prazo para apresentação da contestação.
D – Por outro lado, tal requerimento encontra-se suficientemente fundamentado.
E – Isto é, no requerimento de prova que deduziu, ao abrigo do disposto no artigo 340º do CPPenal, a arguida, ora recorrente, argumenta que a alegada ocorrência dos factos constantes do douto despacho de pronúncia cuja junção requereu, além do mais, impossibilitariam a alegada prática, por banda da recorrente, dos factos narrados na douta acusação pública proferida nos presentes autos, ou seja, que, nos autos que, com o nº 466/13.9GCGMR, correm termos pelo J2, da Secção Criminal, da Instancia Local de Guimarães, da comarca de Braga, vem o marido da sócia-gerente da assistente nestes autos, M. J., que nestes autos prestou depoimento na qualidade de testemunha, pronunciado pela prática dos crimes de ofensas à integridade física, ameaça e omissão de auxílio, p. e p. pelos artigo 143º, nº 1, 153º, nº 1 e 155º, nº 1, al. a) e 200, nº 2, todos do CPenal, perpetrados na pessoa da aqui arguida e alegadamente ocorridos naquele mesmo dia 30 de outubro de 2013, em momento anterior à alegada prática dos factos de que esta vem acusada nos presentes autos.
F – O Tribunal “a quo” ao decidir como decidiu no que concerne ao requerimento de prova apresentado pela arguida violou ou fez errada interpretação, além doutros, do artigo 340º do CPPenal.»
*
Ambos os recursos interlocutórios foram admitidos para este Tribunal da relação de Guimarães, por despacho datado de 1 de setembro de 2016.
O Ministério Público, na 1ª instância, não respondeu a estes recursos.
Nesta Relação, o Ex.mo Senhor Procurador-Geral adjunto emitiu douto parecer, pronunciando-se pelo não provimento dos recursos interlocutórios.
*
Realizada a audiência de julgamento, foi proferida sentença a 6 de junho de 2016, depositada no mesmo dia, com o seguinte dispositivo:
«Julga-se a acusação pública procedente e, consequentemente, decide-se:
a) Condenar a arguida M. E., pela prática de um crime de dano, p. e p. pelo artigo 212º, nº 1, do Código Penal, na pena de 100 (cem) dias de multa, à taxa diária de € 6,00 (seis euros).
b) Condenar a arguida nas custas do processo, fixando-se a taxa de justiça em 2 (duas) UC – artigos 513º e 514º, do CPP e artigo 8º nº 5 e Tabela III do Regulamento das Custas Processuais.
Julga-se procedente o pedido de indemnização civil e, consequentemente, decide-se:
c) Condenar a demandada M. E. no pagamento à demandante ... Lda. da quantia de € 497,70 (quatrocentos e noventa sete euros e setenta cêntimos), a título de danos patrimoniais.
d) Sem custas na instância cível - artigo 4º, nº 1, alínea n), do Regulamento das Custas Processuais.
Notifique e registe.
Após trânsito, remeta boletins à DSIC.
Proceda ao depósito – artigo 372º nº 5 do Código Penal.»
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Inconformada, a arguida interpôs recurso da sentença, apresentando a competente motivação, que remata com as seguintes conclusões:
«1 - Por douta sentença proferida nos presentes autos foi a arguida M. E. condenada, pela prática de um crime de dano, p. e p. pelo artigo 212º, nº 1, do Código Penal, na pena de 100 (cem) dias de multa, à taxa diária de €6,00 (seis euros) e, bem assim, no pagamento à assistente/demandante “... Lda.” da quantia de €497,70 (quatrocentos e noventa e sete euros e setenta cêntimos), a título de danos patrimoniais.
2 - Contudo, salvo o devido e merecido respeito, não pode a arguida concordar com a douta decisão proferida.
3 - Conforme da respetiva sentença se alcança, o douto Tribunal “a quo” formou a sua convicção e, por conseguinte, fundamenta essa sua condenação na valoração da prova produzida e examinada em audiência de discussão e julgamento, designadamente nas declarações da arguida e nos depoimentos das testemunhas M. J. (marido da sócia gerente da assistente), F. V. (ajudante da testemunha M. J.), A. R. (mecânico) e A. G. (tio da testemunha M. J.) douto Tribunal recorrido.
4 - Ao contrário do entendimento do Tribunal “a quo”, entende a arguida que desta prova produzida não resulta, com o mínimo de certeza exigível, qualquer prova do factualismo constante da douta acusação pública e, por conseguinte, do factualismo que o Tribunal recorrido deu como provado.
5 - De facto, se por um lado e ressalvado que seja sempre o princípio da livre apreciação da prova, do depoimento da testemunha M. J. resulta claro e evidente o interesse do mesmo no desfecho dos presentes autos, interesse este demonstrado, desde logo, pelo discurso ou depoimento prestado na primeira pessoa do singular, veja-se o depoimento desta testemunha registado no sistema integrado de gravação digital, ficheiro 20150909144009_2631173_2870588 – minuto 00:00:01 ao minuto 00:21:44, vg minuto 00:03:18:
(…) “pegou numa pedra e assapou-me com ela na carrinha, partiu-me o vidro da carrinha”
(…).
6 - Para além disso, o depoimento desta testemunha enferma de inúmeras incongruências e falhas de memória que, no mínimo, à luz das regras da experiência e bom senso, são incompreensíveis, desde logo e a titulo de exemplo, a testemunha recordar-se que entregou a viatura na oficina para reparar ou substituir o vidro logo no dia imediatamente a seguir ao da alegada ocorrência dos factos vertidos na acusação pública e não se recordar quando foi apresentar queixa dos mesmos, se durante ou depois da dita reparação, veja-se o depoimento desta testemunha registado no sistema integrado de gravação digital, ficheiro 20150909144009_2631173_2870588 – minuto 00:08:15 e mais à frente ao minuto 00:10:34. - v.g. minuto 00:08:15
Advogado da Assistente: Senhor M., foi o senhor que foi levar a carrinha à oficina do senhor A.?
Testemunha: Fui, fui.
Advogado da Assistente: Quando é que a deixou lá?
Testemunha: Deixei-a logo ao outro dia, isto foi à noite. Eu já não pude ir embora, fui no carro do meu pai embora e ao outro dia fui levá-la ao senhor Augusto, à oficina do senhor A. para a reparar
Advogado da Assistente: Quando é que ele a entregou
Testemunha: Esteve lá para aí dois dias, esteve para aí dois dias na oficina, não posso
precisar mas creio que dois dias.
(…)
- minuto 00:10:34
Testemunha: Se calhar até fui eu, na GNR fui eu que fui dar conhecimento da situação.
Advogado Defesa: Foi o senhor que foi dar conhecimento da situação GNR?
Testemunha: Sim, sim.
Testemunha: Quantos dias depois?
Testemunha: Não faço ideia
Advogado Defesa: No dia a seguir, dois dias depois?
Testemunha: Não sei. Dois dias depois, não sei. Isso já não me recorda, são coisas tão
mesquinhas.
Advogado Defesa: Olhe eu perguntava-lhe, se o senhor se recorda, se possível pelar à sua memória, o senhor quando foi apresentar queixa foi depois de entregar a carrinha na oficina, foi depois de ir buscar a carrinha, foi quando a carrinha lá estava, o senhor recorda-se?
Testemunha: Não
Advogado Defesa: Não se recorda?
Testemunha: Não, não me recordo.
7 - Por outro lado, o depoimento da testemunha F. v. é excessivamente coincidente com o depoimento prestado pela predita testemunha M. J. que, de resto e segundo este, aquele é quem o iria ajudar algumas vezes a ordenhar as vacas e pretensamente é a única testemunha ocular ou presencial dos factos.
8 - Esta sua nova afirmação, conforme facilmente se pode alcançar da simples audição do registo da prova, foi pensada e posteriormente reiterada.
9 - Salvo o devido respeito, da análise do depoimento desta testemunha facilmente se constata que a mesma diz nem mais, nem menos que a testemunha M. J. disse, revelando-se ainda excessivas coincidências em ambos os depoimentos, veja-se o depoimento desta testemunha F. V. registado no sistema integrado de gravação digital, ficheiro 20150909151057_2631173_2870588 - minuto 00:00:01 ao minuto 00:21:44.
10 - Por outro lado, ainda, do depoimento da testemunha A. resulta e é claríssimo e evidente a falta de seriedade do depoimentos das testemunhas M. J. e F. V., designadamente quando de forma perentória e espontânea, em diversos momento do seu depoimento, afirma que a viatura foi entregue na sua oficina para substituição do vidro para brisas em data anterior a 30 de outubro de 2014, portanto anterior à alegada ocorrência dos factos narrados na acusação pública.
11 - Por isso, face a tal testemunho que se afigurou credível ao Tribunal “a quo”, no mínimo, sempre esta instância deveria ficar com dúvidas sobre a ocorrência dos factos narrados na acusação pública e eventual envolvimento da arguida nos mesmos, veja-se o depoimento desta testemunha A. registado no sistema integrado de gravação digital, ficheiro 20150909150326_2631173_2870588 – minuto 00:00:01 ao minuto 00:06:34. - (minuto 00:45)
(…)
Procuradora MP: Muito boa tarde senhor Augusto. O senhor sabe porque está aqui hoje?
Testemunha: Sei, sei. Porque estou cá hoje?
Procuradora MP: Sim.
Testemunha: Sei. Portanto, convocaram-me para vir para dizer, prontos, sobre a reparação, suponho eu, porque eu não sei de mais nada. Eu única e simplesmente limitei-me a reparar.
Procuradora MP: O sr. reparou uma viatura foi?
Testemunha: Eu reparei uma viatura que é do senhor Peixoto
Procuradora MP: Que viatura é essa? O senhor recorda-se?
Testemunha: Era uma Opel Combo.
Procuradora MP: Recorda-se da matrícula?
Testemunha: Não.
Procuradora MP: Se eu lhe disser…
Testemunha: Eu tenho aqui cópia da fatura se for preciso, se puder, se me der autorização para ver…
Procuradora MP: Se eu lhe disser 58-20-XQ?
Testemunha: Não posso…
Procuradora MP: Num, num…
Testemunha: Não.
Procuradora MP: Muito bem. O senhor reparou essa viatura, o que é que essa viatura tinha?
Testemunha: Tinha o vidro partido e tinha parte da coluna também amolgada.
Procuradora MP: E o senhor sabe porque é que o vidro tinha, tem ideia porque é que terá
partido o vidro?
Testemunha: Portanto, a ideia que tenho daquilo, pronto sei que estava bastante, bastante
danificado, o vidro estava para dentro, dava impressão que foi arremesso de alguma coisa que mandaram para cima dela. Agora o que lá caiu não posso ser bem preciso nisso.
Procuradora MP: Não viu?
Testemunha: Claro
Procuradora MP: E outra coisa que lhe ia perguntar, quando é que essa viatura lhe foi levada à oficina do senhor A. para ser reparada, tem ideia?
Testemunha: Não tenho ideia. Se me deixar consultar a fatura, eu pela fatura…
Procuradora MP: Vamos mostrar a fatura que esta aqui junta ao processo.
Juiz: Fls. 7
Testemunha: Exatamente. A 1 de Novembro foi quando o senhor M. levantou a viatura.
Ah… prontos estava, a reparação estava feita ele teve a verificar que estava em conformidade e aquele que realmente era necessário e limitou-se a pagar e foi à vida.
Procuradora MP: Essa fatura foi emitida no dia em que entregou a viatura e diga-me uma coisa, não era feriado nessa altura?
Testemunha: Não. Nessa altura eu acho que já tinha deixado de existir esse feriado do dia 1 de Novembro. Porque era o dia de todos os santos, se fosse pela regras antigas. Eu acho que nessa só podia ser porque eu não trabalhava no feriado.
Procuradora MP: E portanto a regra é que emite a fatura no dia…
Testemunha: No dia em que entrego a viatura. Recolho os dados e emito a fatura.
Procuradora MP: E não tem ideia quantos dias antes a viatura lhe foi entregue?
Testemunha: Antes… que me foi entregue a mim?
Procuradora MP: Sim.
Testemunha: Eu suponho dois dias antes, que eu depois tive que pedir o pára-brisas para substituir a borracha que também estava danificada e eu acho que foram dois dias antes portanto assim ao certo também não posso ser bem preciso nessa parte mas suponho que foram dois dias antes.
Juiz: É tudo senhora Procuradora?
Procuradora MP: É assim confirma o valor que tá aí?
Testemunha: Sim.
Procuradora MP: É tudo.
Juiz: O senhor recorda-se que teve que mandar vir o pára-brisas, o vidro?
Testemunha: Sim, sim.
Juiz: Não tem lá à mão novo logo para colocar?
Testemunha: Não, não tenho.
Juiz: Quanto tempo costuma demorar?
Testemunha: Normalmente é a gente pedir num dia e no outro está cá.
Juiz: Um dia?
Testemunha: 24 horas mais ou menos.
Juiz: 24 horas portanto.
Testemunha: Normalmente
Juiz: Não tem dúvidas que essa data que apôs na fatura foi a data em que foi entregue o veículo.
Testemunha: Exatamente.
Juiz: Entregou o veículo, agora paga o serviço.
Testemunha: Exatamente.
Juiz: É isso?
Testemunha: É.
Juiz: E portanto o carro teria sido entregue dois dias antes.
Testemunha: Danificado. Foi quando eu depois fiz o pedido das peças.
Juiz: Portanto, dia 1 de Novembro. Em que dia de Outubro então ter-lhe-á sido entregue?
Recorda-se?
Testemunha: No dia 28, 29, por aí suponho.
Juiz: Dia 30?
Testemunha: Dia 30, por vezes, é como acabei de dizer, assim ao certo, ao certo é uma incógnita, porque uma coisa é a gente estar a viver uma coisa 8 ou 15 dias antes, outra coisa já vai há muito tempo.
Juiz: Uma coisa tem a certeza, o senhor não fez o serviço no dia em que lhe foi entregue o veículo.
Testemunha: Não, não.
Juiz: Isso nunca poderia ter sido
Testemunha: Não, não senhor.
Juiz: Senhor Doutor algum esclarecimento?
Advogado da Assistente: Oh senhor A. pelo que o senhor está a dizer que entre aspas o vidro demora 24 horas então também a viatura poderia ter sido entregue, por exemplo, no dia 31 de manhã e aí já teria tempo para vir o vidro 24 horas e entregar a carrinha no dia 1?
Testemunha: Mas normalmente a gente num, num, portanto, isto é um vidro colado. Tem de estar um tempo a secar. Portanto não é um vidro que é chegar ali colocar uma borracha e já está. Portanto o vidro leva um kit de cola e tem que ficar a secar, pelo menos 4 a 5 horas.
Advogado da Assistente: Pronto é plausível, portanto se o senhor M., vamos supor entregava-lhe a viatura no dia 31 de manha, manda vir o vidro, chegava no dia 1, colava, ao final da tarde e entregava e emitia a fatura e resolvido.
Testemunha: Também poderia ser mas certamente não foi assim, também podia ser, não vou dizer que não desse para fazer.
Advogado da Assistente: Senhor Juiz não desejo mais nada
Juiz: Senhor Doutor?
Advogado Defesa: Só um pequeno esclarecimento. Muito boa tarde senhor A. .
Testemunha: Boa tarde.
Advogado Defesa: o senhor por acaso recorda-se se o objeto que o senhor diz que alegadamente terá sido arremessado bateu no vidro do lado esquerdo, lado direito, parte superior, inferior, no meio, se é que se recorda?
Testemunha: Eu não me recordo. Lembro-me de ele estar, estar bastante, portanto bastante estilhaçado, digamos, mas se é mais a um lado ou se é mais a outro não me recordo bem.
Advogado Defesa: Mais nada senhor Juiz.
12 - De facto, analisados todos estes depoimentos em que o Tribunal “a quo” se baseou para formar a sua convicção e fundamentar a condenação da arguida, com exclusão até do testemunho prestado pela testemunha A. P., arrolada pela defesa, que disse ter visto o arguido no dia imediatamente a seguir à alegada ocorrência dos factos narrados na acusação com a viatura em causa e que a mesma não apresentava qualquer vidro quebrado – depoimento este que se encontra registado no sistema integrado de gravação digital, ficheiro 20150909153409_2631173_2870588 – minuto 00:00:01 ao minuto 00:11:14 – nunca o mesmo e salvo o devido e merecido respeito, poderia ficar com a certeza da ocorrência dos factos por ele dados como provados.
13 - É que, tendo a testemunha que reparou ou substituiu o vidro da viatura em causa, o senhor A. , no seu depoimento começado por dizer que tal viatura lhe foi entregue na sua oficina no dia 28 ou 29 de outubro de 2014 e esteve aí depositada até ao dia 1 de novembro de 2015 - data da emissão da fatura – e mais à frente do seu depoimento, quando perguntado se poderia a dita viatura lhe ter sido entregue para reparar no dia 31 de manhã e ele, por sua vez, a entregar ao respetivo proprietário, devidamente reparada, no dia 1 de novembro, dito que certamente não foi assim que aconteceu, não consegue a recorrida entender como foi possível o Tribunal “a quo” ficar convencido da ocorrência da estória narrada pelas testemunhas M. J. e F. V. e, por conseguinte, dar como provados todos os factos constantes da acusação pública, designadamente que “1. No dia 30 de outubro de 2013, pelas 20h30, a arguida dirigiu-se as instalações da sociedade denominada “…Lda”, sita na Rua do Paço, nº 433, em …; 2. Nas referidas circunstâncias, a arguida dirigiu-se a M., colaborador da referida sociedade e durante a conversa, esta exaltou-se, levantando a voz e M. J., a fim de evitar aborrecimentos com a arguida, afastou-se; 3. De imediato, a arguida aproximou-se do veículo de matrícula …, propriedade da sociedade ofendida e de forma inesperada, muniu-se de uma pedra e arremessou-a contra o vidro frontal do veículo, quebrando-o.
14 - Ora, perante esta prova produzida em audiência de julgamento, a dúvida, era o mínimo que o Tribunal “a quo” poderia ficar sobre a ocorrência dos factos constantes da acusação pública e, por conseguinte, em obediência ao princípio “in dubio pro reu”, deveria dar como não provado todo o factualismo vertido na douta acusação pública, designadamente os factos constantes dos pontos 2 e sgts dos factos dados como provados e, em consequência, a arguida absolvida da prática do crime de dano de que vinha acusada e, bem assim, do pedido de indemnização civil contra si formulado.
15 - A douta sentença ao condenar a arguida M. E. pela prática do crime de dano de que vinha acusada e no pedido de indemnização civil formulado violou, além doutros, o disposto nos artigos 127º do CPPenal, 212º, nº 1, do CPenal e 483º e sgts do CCivil.
16 - Encontram-se pendentes, a aguardar despacho de admissão, com subida a final, dois recursos interpostos do douto despacho proferido na sessão de julgamento, realizada no dia 30 de maio de 2016, que indeferiu a verificação do incidente previsto na alínea c), do artigo 40º, do CPPenal invocado pela arguida, bem como, o requerimento de prova apresentado ao abrigo do disposto no artigo 340º, do CPPenal.
17 - Nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 412º, nº 5, a recorrente declara manter interesse na subida e apreciação dos mesmos.»
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O recurso da sentença foi admitido para este Tribunal da Relação de Guimarães, por despacho datado de 1 de setembro de 2016.
O Digno Magistrado do Ministério Público junto do Tribunal a quo respondeu, pugnando pela manutenção da sentença recorrida.
Nesta Relação, o Exmo. Senhor Procurador-Geral adjunto emitiu douto parecer, igualmente no sentido do não provimento do recurso.
Foi cumprido o disposto no artigo 417.º, n.º 2 do Código de Processo Penal, sem resposta.
Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.
*
II. FUNDAMENTAÇÃO
Conforme é jurisprudência assente, o âmbito do recurso delimita-se pelas conclusões extraídas pelo recorrente a partir da respetiva motivação, sem prejuízo da tomada de posição sobre todas e quaisquer questões que sejam de conhecimento oficioso e de que ainda seja possível conhecer Cfr. artigo 412º, nº 1 do Código de Processo Penal e Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, III, 2ª edição, Editorial Verbo, 2000, pág. 335, V.
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1. – Questões a decidir –
Face às conclusões extraídas pela recorrente da motivação apresentada em cada um dos três recursos interpostos, as questões a decidir são:
A. Recurso interlocutório do despacho proferido a 30 de maio de 2016, constante de fls. 273:
. Saber se a anulação do julgamento e da sentença determina in casu o impedimento do julgador para o novo julgamento, nos termos do disposto no artigo 40.º, al. c) do Código de Processo Penal.
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B. Recurso interlocutório do despacho proferido a 30 de maio de 2016, constante de fls. 274:
. Saber se é de manter, ou não, o despacho de indeferimento do acréscimo de prova requerido pela arguida, ao abrigo do disposto no artigo 340.º do Código de Processo Penal.
*
C. Recurso da sentença:
. Verificar se ocorreu errada apreciação e valoração da prova, sindicável em recurso, de determinados pontos da matéria de facto provada, com violação do princípio do in dubio pro reo.
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2. Factos Provados
Segue-se a enumeração dos factos provados, não provados e respetiva motivação, constantes da sentença recorrida:
«Com relevância para a boa decisão da causa encontram-se provados os seguintes factos:
Da acusação pública:
1) No dia 30 de Outubro de 2013, pelas 20h30, a arguida dirigiu-se as instalações da sociedade denominada “…, Lda.” sita na Rua…, Guimarães.
2) Nas referidas circunstâncias, a arguida dirigiu-se a M. A. colaborador da referida sociedade e durante a conversa, esta exaltou-se, levantando a voz e M. J., a fim de evitar aborrecimentos com a arguida, afastou-se.
3) De imediato, a arguida aproximou-se do veículo de matrícula …, propriedade da sociedade ofendida e de forma inesperada, muniu-se de uma pedra e arremessou-a contra o vidro frontal do veículo, quebrando-o.
4) O vidro teve de ser substituído, tendo a arguida com a sua conduta causado um prejuízo no valor de € 497,70.
5) A arguida agiu com a intenção alcançada de destruir o vidro do referido veículo, propriedade da sociedade queixosa, bem sabendo que não o podia fazer por o mesmo não lhe pertencer e que estava a agir contra a vontade da sua proprietária, resultado que representou.
6) Agiu livre, consciente e deliberadamente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei.
Da situação pessoal da arguida:
7) A arguida encontra-se reformada por invalidez, auferindo a pensão mensal de € 233,00.
8) O marido é trabalhador por conta de outrem, auferindo o vencimento mensal equivalente ao salário mínimo nacional.
9) Têm dois filhos, com 22 e 13 anos de idade.
10) O filho mais velho, residente com o casado, aufere um vencimento equivalente ao salário mínimo nacional.
11) Vivem em casa própria, sendo que suportam a prestação bancária mensal de € 300,00, na sequência de empréstimo contraído para aquisição da habitação.
12) A arguida não tem antecedentes criminais.
Do pedido de indemnização civil:
Os factos já dados como provados relativos à acusação.
B. FACTOS NÃO PROVADOS:
Inexistem.
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Os factos alegados na contestação não são mencionados, uma vez que se limitam, ora a negar a prática dos factos imputados, ora a invocar uma agressão física de que terá sido vítima a arguida que, ainda que tenha ocorrido, não determinam a impossibilidade de terem sido praticados os factos que lhe são concretamente imputados, designadamente em momento anterior à invocada agressão.
III MOTIVAÇÃO:
O Tribunal formou a sua convicção apreciando de forma crítica o conjunto da prova produzida em audiência, a qual foi apreciada segundo as regras da experiência e bom senso.
Assim, a arguida, embora admitindo as circunstâncias de tempo e lugar dadas como provadas, negou ter lançado uma pedra contra o veículo, tendo antes referido que acabou por ser agredida fisicamente pela testemunha M. J..
M. J., marido da gerente da sociedade demandante, num registo que se nos afigurou objectivo, relatou toda a conduta da arguida nos precisos termos dados como provados e, bem assim, a reparação efectuada e respectivo valor e propriedade do veículo.
F. V., ajudante da anterior testemunha, na altura dos factos, presente no local da ocorrência (facto confirmado pela arguida), descreveu de forma coerente e objectiva, a conduta da arguida nos precisos termos dados como provados. Tendo esclarecido que a arguida se encontrava no local para falar com o pai da testemunha M. J. mas como aquele já se encontrava a descansar, foi chamar à vacaria aquela testemunha, altura em que se iniciou uma discussão acesa entre M. J. e a arguida, que culminou com a destruição do vidro frontal do veículo em causa por parte da arguida.
A testemunha A. , mecânico, não assistiu aos factos, tendo apenas confirmado a reparação do veículo em causa e seu valor, tendo reconhecido como emitida por si a factura de fls. 7. Relatou que os danos que o vidro apresentava aparentavam ter sido provocados pelo arremesso de um objecto.
A testemunha A. g., tio da testemunha M. J., referiu que no dia seguinte aos factos, encontrou o sobrinho num café, tendo este lhe confidenciado que havia agredido fisicamente a arguida. Mais relatou a testemunha que nesse dia viu M. J. com o veículo aqui em causa, apesar de não ter reparado se o mesmo apresentava o vidro da frente danificado. Ora, este depoimento, apesar de pouco ou nada esclarecer sobre a ocorrência dos factos, não nos soou credível pela forma como foi prestado, sendo certo que uma eventual agressão efectivamente perpetrada por M. J. de modo algum implica a conclusão que a arguida não tenha praticado os factos que lhe são imputados.
A testemunha de defesa A. L., filha da arguida, não assistiu aos factos, designadamente à discussão ocorrida entre a mãe e M. J., não tendo o seu depoimento servido para infirmar ou confirmar a versão da acusação ou da defesa.
A testemunha T. M., vizinho da arguida, não tendo assistido à referida discussão, prestou um depoimento completamente genérico, logo, imprestável, tendo referido que chegou a ver o veículo em causa com o pára-brisas quebrado durante o período de dois ou três meses, não sabendo quando e muito menos em que ano.
Assim, concatenando a prova produzida, designadamente os depoimentos das testemunhas de acusação, que nos soaram credíveis e objectivos, aliada à efectiva reparação do veículo, evidenciada pela factura já aludida, convenceu-se o tribunal da ocorrência dos factos nos termos dados como provados.
No que concerne ao aspecto subjectivo da conduta, ponderou-se o iter criminis da conduta da arguida, ou seja a acção objectiva apurada, apreciada à luz de critérios de razoabilidade e bom senso e das regras de experiência da qual se extrai a sua intenção, designadamente a de atingir a integridade física do ofendido e danificar o seu veículo, sendo certo que não foi produzida qualquer prova susceptível de contrariar tal entendimento.
Quanto às condições sociais e económicas da arguida, valoraram-se as suas próprias declarações.
Quanto à ausência de antecedentes criminais, considerou-se o CRC constante dos autos.»

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3. APRECIAÇÃO DOS RECURSOS

A. RECURSO INTERLOCUTÓRIO......................................................
do despacho proferido a 30 de maio de 2016, constante de fls. 273.
O recorrente defende que o senhor juiz que presidiu à reabertura da audiência se encontrava para tal impedido, por força do disposto na alínea c) do artigo 40.º do Código de Processo Penal, por ter realizado o julgamento anterior e proferido sentença condenatória, que foram anulados.
*
Vejamos, antes de mais, as ocorrências processuais com interesse para a questão:
. Por sentença de 18.09.2015, a arguida M. E. foi condenada, pela prática de um crime de dano, p. e p. pelo artigo 212.º, n.º 1 do Código Penal, na pena de 100 (cem) dias de multa à taxa diária de € 6,00 (seis) euros.
Na procedência do pedido de indemnização civil deduzido pela demandante ... Lda., a arguida/demandada foi ainda condenada a pagar-lhe a quantia de € 497,70 (quatrocentos e noventa e sete euros e setenta cêntimos), a título de indemnização por danos patrimoniais.
. Inconformada com esta decisão a arguida dela interpôs recurso, no qual também declarou, nos termos do n.º 5 do artigo 412.º do Código de Processo Penal, manter interesse na subida e apreciação do recurso interlocutório interposto a 14.05.2015, do despacho de 19.03.2015, que não admitiu a contestação por si apresentada e a prova nela inserta, por a ter considerado extemporânea.
. Em 14.03.2016 foi proferida decisão sumária nesta Relação, com o seguinte dispositivo:
«Em face do exposto e ao abrigo do artigo 417.º, n.º 6, alínea d) do Código de Processo Penal, julgo o recurso interlocutório procedente e, em consequência, revogo o despacho recorrido o qual deverá ser substituído por outro que admita a contestação, seguindo-se os ulteriores termos do processo.
Fica prejudicado o conhecimento do recurso da sentença.
Sem tributação.»
. Na sequência do que, recebidos os autos na 1ª instância, foi proferido despacho que admitiu a contestação da arguida e rol de testemunhas que a acompanhava e designado o dia 30 de maio de 2016, pelas 09.30 horas, para a reabertura da audiência, com inquirição das testemunhas de defesa.
. Naquele dia e hora foi reaberta a audiência, presidida pelo mesmo senhor juiz que havia participado nas anteriores sessões e, após, proferida sentença, datada de 06.06.2016.
*
Estabelece o artigo 40.º do Código de Processo Penal, na redação dada pela Lei n.º 20/2013, de 21.02, o seguinte:
«Nenhum juiz pode intervir em julgamento, recurso ou pedido de revisão relativos a processo em que tiver:
a) Aplicado medida de coacção prevista nos artigos 200.º a 202.º;
b) Presidido a debate instrutório;
c) Participado em julgamento anterior;
d) Proferido ou participado em decisão de recurso que tenha conhecido, a final, do objeto do processo, de decisão instrutória ou de decisão a que se refere a alínea a), ou proferido ou participado em decisão de pedido de revisão anterior;
e) Recusado o arquivamento em caso de dispensa de pena, a suspensão provisória ou a forma sumaríssima por discordar da suspensão proposta.»
Estas situações, previstas como impedimentos, reportam-se todas à verificação de um circunstancialismo objetivamente suscetível de causar nos intervenientes processuais, e na comunidade em geral, a dúvida sobre o desempenho funcional isento e imparcial do juiz, como se impõe que ele seja num estado de direito democrático Como o é o Estado português onde, por imposição constitucional, a justiça é administrada em nome do povo (cfr. artigo 205.º da Constituição da República Portuguesa)..
O presente recurso coloca a questão do impedimento do senhor juiz por via da «participação em julgamento anterior» a que alude a alínea c) do transcrito artigo 40.º.
A verificação deste impedimento é evidente na situação linear em que o tribunal de recurso anula uma decisão do juiz (ou em que este tenha participado), com fundamento de nela se verificarem vícios decisórios previstos nas alíneas do n.º 2 do artigo 410.º do Código de Processo Penal; procedendo ao reenvio (parcial ou total) do processo para novo julgamento, por a natureza do vício detetado não permitir ao tribunal de recurso decidir a causa, nos termos do disposto nos artigos 426.º e 426.º-A do Código de Processo Penal.
Contudo, outros casos há em que a decisão proferida no recurso tem também como consequência a nulidade da sentença, mas não é determinado o reenvio processual para novo julgamento, com convocação do preceituado nos aludidos artigos 426.º e 426.º-A. É essa a situação que se verifica sempre que a anulação da sentença e do julgamento é ditada não por vícios intrínsecos da própria decisão, mas apenas reflexamente, por via do cometimento de uma nulidade decorrente da tramitação da causa.
Nestes casos, a jurisprudência tem vindo a entender não se verificar o impedimento do juiz a que alude a alínea c) do artigo 40.º do Código de Processo Penal, por não se poder dizer «que o julgador se esteja a debruçar sobre uma causa que haja julgado em fase anterior à do recurso, nessa medida imbuído de convicções, ideias, juízos e valorações précondicionantes da sua independência e imparcialidade, aos quais se mostra autovinculado e incapaz de se demarcar. O julgamento a realizar, por força da anulação, retorna ao ponto inicial da fase de recurso, tudo se passando como se, para esse efeito, não tivesse tido lugar qualquer julgamento.» Cfr. acórdão do STJ, de 09.06.2010, proferido no proc. n.º 2290/07.9TABRG.G1-A.S1, disponível em www.dgsi/jstj.pt
Precisamente sobre esta interpretação da alínea c) do artigo 40.º, do Código de Processo Penal, o Tribunal Constitucional foi já por diversas vezes chamado a pronunciar-se, em sede de fiscalização concreta, tendo vindo sempre a declarar a conformidade constitucional da interpretação que considera não haver impedimento na participação de juízes em novo julgamento, anulado o antecedente, quando essa anulação não seja resultado de «vícios intrínsecos e lógicos do conteúdo da própria decisão», mas antes «ditada reflexamente por via da anulação de atos posteriores em consequência do cometimento de uma nulidade decorrente da tramitação da causa.» Cfr. acórdãos do TC, n.º 393/2004, in DR II Série, de 8.7.2004 e n.º 399/2003, disponível em www.tribunalconstitucional.pt.
Reportando-se, um desses acórdãos (o n.º 393/2004), precisamente a uma situação em que o julgamento veio a ser considerado inválido por força da revogação, em recurso, de despacho que determinara o desentranhamento da contestação e do requerimento de produção de prova apresentados pelo arguido.
Revertendo agora ao caso em apreço, não há dúvida que a sentença anteriormente proferida nos autos pelo senhor juiz não chegou a ser apreciada e que a sua anulação ocorreu por motivos que lhe são estranhos, que se prendem com a necessidade de repetição parcial do julgamento, para produção da prova indicada na contestação Repare-se na similaridade do caso dos autos com a situação que esteve na base do acórdão do TC n.º 393/2004, sintetizada no parágrafo anterior.,.
Nada obstando, assim, a que a repetição do julgamento, no caso apenas parcial, seja feita pelo mesmo juiz Neste sentido, cfr. acórdão do TRP, de 08.05.2013, proferido no proc. n.º 125/09.7GCPRG.P1, relatado por Eduarda Lobo, disponível em www.dgsi/jtrp.pt..
Naufragando o recurso interlocutório que contra tal reagiu.

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B. RECURSO INTERLOCUTÓRIO......................................................
do despacho proferido a 30 de maio de 2016, constante de fls. 274:
Sustenta a recorrente que o Tribunal a quo não poderia ter indeferido o acréscimo de prova que requereu no decurso da audiência e, ao proceder dessa forma, violou o disposto no artigo 340.º do Código de Processo Penal.
Vejamos.
A alegação da recorrente reporta-se à omissão pelo tribunal de julgamento de diligências probatórias que no seu entender deviam ter sido ordenadas, por se reputarem essenciais para a descoberta da verdade.
Ora, não entrando sequer na questão da essencialidade da junção dos documentos e audição das testemunhas requerida a fls. 239 e segs. pela arguida, o certo é que o respetivo indeferimento, ocorrido por despacho proferido na sessão da audiência de 30.05.2016 Cfr. fls. 274., configuraria sempre, e apenas, uma nulidade processual relativa (sanável) prevista no artigo 120.º, n.º2, alínea d), do Código de Processo Penal – «…omissão posterior de diligências que pudessem reputar-se essenciais para a descoberta da verdade» … a arguir «antes que o ato esteja terminado» (artigo 120º, n.º3, al. a)), que servirá de eventual fundamento de recurso (cfr. art. 410.º, n.º3 do Código de Processo Penal) Neste sentido, cfr. o acórdão do TRG de 27.04.2009, proferido no Proc. nº 12/03.2TAFAF.G1, relatado por Cruz Bucho, disponível em www.dgsi/jtrg.pt..
Contudo, compulsados os autos, designadamente as atas da audiência de julgamento, constata-se que embora a própria arguida e o seu defensor estivessem presentes na sessão em que foi proferido o despacho de indeferimento do requerido acréscimo de prova Cfr. ata da sessão de 30.05.2016, a fls. 272 a 275. não arguiram a respetiva nulidade no decurso dessa sessão, nem até ao encerramento da audiência, pelo que a mesma, a existir, considera-se sanada, nos termos do disposto nos artigos 120.º, n.º 2 al. d) 2ª parte, n.º. 3 al. a) e 123.º, 1 do Código de Processo Penal.
Assim e sem necessidade de mais considerações, é manifesta a improcedência deste recurso interlocutório.
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C. RECURSO DA SENTENÇA
Neste recurso, a arguida/recorrente sustenta que o Tribunal a quo, ao dar como provados os factos descritos nos pontos 1, 2 e 3 fez incorreta apreciação da prova produzida em audiência, da qual tal não resultou.
Para tanto, indica as provas que, em seu entender, impõem decisão diversa, com a menção concreta das passagens da gravação em que funda a impugnação. Cumprindo os requisitos de forma estabelecidos para a impugnação da matéria de facto pelo artigo 412.º n.º 3, als. a), b) e c) e n.º 4 do Código de Processo Penal.
Requisitos esses que se fundam na necessidade da delimitação objetiva do recurso da matéria de facto, na medida em que o recurso deste tipo não se destina a um novo julgamento com reapreciação de toda a prova, como se o julgamento efetuado na primeira instância não tivesse existido, sendo antes o recurso da matéria de facto concebido pela lei como remédio jurídico Cfr. Simas Santos e Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, 7.ª edição, atualizada e aumentada, 2008, pág. 105.
.
Nestes casos, o Tribunal da Relação não faz um segundo julgamento, não vai à procura de uma nova convicção, antes se limitando a fazer o reexame dos erros de procedimento ou de julgamento que tenham sido referidos no recurso e das provas que imponham, e não só que permitam, decisão diferente. Pois a decisão do recurso sobre a matéria de facto não pode ignorar, antes tendo de respeitar, o princípio da livre apreciação da prova do julgador, expresso no artigo 127.º do Código de Processo Penal e a sua relação com a imediação e oralidade, sobretudo quando tem que se debruçar sobre a valoração efetuada na primeira instância da prova testemunhal, face à ausência de contacto direto com esse prova, o que integra uma das grandes limitações deste tipo de recursos.
Posto isto, e dentro dos limites que a lei estabelece para a apreciação do recurso da matéria de facto, vejamos pois se o Tribunal a quo errou na apreciação e valoração da prova produzida na audiência e se o resultado do processo probatório devia ser outro.
Do teor da motivação, já supra transcrita, logo se alcança que a sentença recorrida expôs de forma suficiente os elementos de facto que fundamentam a decisão e explicou de modo percetível o processo lógico que a tal raciocínio conduziu, o que fez sem erro patente de julgamento e sem utilizar meios de prova proibidos.
Explicando de forma clara que a conduta da arguida, respeitante ao arremesso de uma pedra contra o vidro frontal do veículo automóvel de matrícula --- e consequente quebra do mesmo, nas circunstâncias de tempo e lugar em causa nos autos, teve por base os depoimentos coincidentes das testemunhas M. J. e F. V., que se encontravam presentes e a tal assistiram. A testemunha A. , por sua vez, e embora não tenha assistido aos factos, confirmou ter reparado o vidro daquele veículo, que aparentava ter sido quebrado pelo arremesso de um objeto, tendo emitido a fatura junta a fls. 7, relativa ao pagamento desse serviço.
Ora, ouvida a gravação das declarações e depoimentos produzidos oralmente em audiência, confirmam-se os depoimentos das testemunhas M. J., F. V. e A. , nos exatos termos mencionados pelo Tribunal a quo na motivação e supra sintetizados.
Insurge-se a recorrente com a credibilidade conferida a tais depoimentos, desde logo por o M. J. apresentar um interesse direto na causa, o que é efetivamente verdade. Esta testemunha, no seu depoimento, não esconde ser marido da sócia gerente da sociedade proprietária do veículo danificado e sentir o dano nele provocado como se produzido em coisa sua. Mas, como é óbvio, tal não é impeditivo de que o seu depoimento possa ser considerado credível, como foi. Tanto mais que, no caso, há uma outra testemunha presencial, o F. V., que narra os acontecimentos de forma absolutamente coincidente com a descrição deles feita por aquele M. J..
Aliás, essa mesma coincidência dos depoimentos é também esgrimida no recurso como indício da falta de credibilidade da testemunha F. V., mas igualmente sem fundamento. Basta ouvir os depoimentos para se perceber ser absolutamente natural que o episódio em causa, pela sua própria natureza e circunstâncias em que ocorreu, seja facilmente retido na memória e como tal narrado de forma coincidente por quem o presenciou. Repare-se que se trata do arremesso voluntário de uma pedra contra o vidro de um veículo, na sequência de uma conversa entre a arguida e M. J., que é um acontecimento que, precisamente pela sua simplicidade e peculiaridade é facilmente percetível e suscetível de ser recordado pormenorizadamente por quem o vivenciou.
O mesmo já não acontecendo com o concreto dia em que o M. J. foi apresentar queixa, sendo natural que este já não recorde se tal ocorreu enquanto o carro estava a reparar ou já depois. Tanto mais que das suas declarações e sua conjugação com o depoimento da testemunha A. resulta que o carro terá ido para reparar logo no dia seguinte aos factos, sendo entregue, já pronto, logo um dia depois.
É efetivamente isso que decorre do depoimento daquela testemunha A. , que confirmou que a fatura junta a fls. 7 corresponde à reparação do vidro frontal do veículo e foi por si emitida no dia em que o entregou, já reparado. É certo que esta testemunha não recordava já o dia em que lhe entregaram o veículo para reparação, como é natural, uma vez que faz da reparação de veículos a sua atividade profissional. Contudo, contrariamente ao alegado pela recorrente, o seu depoimento não exclui a hipótese de a reparação em causa ter sido feita em um dia, como se alcança da própria transcrição dele feita no recurso.
É também verdade que a arguida, embora admita as circunstâncias de tempo e lugar dadas como provadas, negou ter arremessado uma pedra e com ela partido o vidro do veículo automóvel.
Tendo, por sua vez, a testemunha A. G. afirmado ter visto o M. J. no dia imediatamente a seguir à alegada ocorrência dos factos, com a viatura em causa, que não apresentava qualquer vidro quebrado
Acontece que, na motivação, não é escamoteada a produção desta prova de sinal contrário, designadamente as declarações da arguida e depoimento da referida testemunha de defesa, apenas não lhes sendo conferida credibilidade, o que é devidamente fundamentado.
Assim, se o Tribunal a quo, que teve a imediação da prova, conferiu credibilidade às testemunhas M. J. e F. V. e a sua versão é plausível segundo as regras da experiência comum, não se vê como poderia sequer este tribunal de recurso, que não contactou diretamente com a arguida e testemunhas, proceder a um novo julgamento sobre a credibilidade dos mesmos.
Aliás, proceder a novo julgamento nesses termos, implicaria um modelo de recurso da matéria de facto que não é o do Código de Processo Penal Português.
Como ensina Figueiredo Dias Direito Processual Penal, vol. I, ed.1974, pág. 204. a decisão sobre a matéria de facto, para além da atividade racional que envolve, tem também sempre de conter uma convicção pessoal, na qual estão presentes elementos racionalmente não explicáveis e mesmo puramente emocionais, designadamente no que respeita à credibilidade dos depoimentos. E o legislador, consciente das limitações que o recurso da matéria de facto necessariamente tem envolver, teve o cuidado de dizer que as provas a atender pelo Tribunal ad quem são aquelas que «impõem» e não as que «permitiriam» decisão diversa Cfr. artigo 412º, nº 3, al. b) do Código de Processo Penal..
In casu, é indubitável que a argumentação e prova indicadas pela recorrente não impõem decisão diversa da proferida, nos termos da al. b) do n.º 3 do artigo 412.º do Código de Processo Penal, apenas sendo exemplificativas de outra interpretação da prova, até menos credível, porque feita não pelo órgão jurisdicional com competência para tal, mas por uma das partes, com interesse direto no desfecho do processo.
A decisão do Tribunal a quo é assim inatacável neste ponto, porque proferida de acordo com a sua livre convicção, nos termos do artigo 127.º do Código de Processo Penal e em absoluto respeito dos dispositivos legais aplicáveis.
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O princípio in dubio pro reo
Como se escreveu no acórdão do Tribunal da Relação do Porto Datado de 17.11.2010, proferido no proc. 97/08.2GCSTS.P1, disponível em www.dgsi.pt.: «I. O princípio in dubio pro reo pressupõe que após a produção e apreciação exaustiva de todos os meios de prova, o julgador se defronte com a existência de uma dúvida razoável sobre a verificação dos fatos; não de uma dúvida hipotética e abstracta, sugerida pela apreciação da prova feita pelo recorrente, mas antes uma dúvida assumida pelo próprio julgador. II – Só há violação do princípio in dubio pro reo quando for manifesto que o julgador, perante uma dúvida relevante, decidiu contra o arguido, acolhendo versão que o desfavorece».
Ora, como flui já da exposição imediatamente antecedente, o Tribunal a quo considerou provados todos os factos relevantes relativos à arguida, o que fez para além de qualquer dúvida razoável sobre qualquer deles, sem dúvidas em fixar a ocorrência dos factos tal como se encontram descritos. Não decorrendo da sentença a existência ou confronto do julgador com qualquer dúvida insanável sobre factos, motivo pelo qual não houve nem há dúvida para ser valorada a seu favor, não tendo aqui aplicação o princípio in dubio pro reo.
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Naufragando, assim, também este recurso.

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III. DECISÃO
Pelo exposto, acordam as juízas desta secção do Tribunal da Relação de Guimarães, em:
A. negar provimento ao recurso interlocutório interposto do despacho proferido a 30 de maio de 2016, a fls. 273.
Vai a recorrente condenada em custas, fixando-se em 3 (três) Ucs a taxa de justiça.
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B. Negar provimento ao recurso interlocutório interposto do despacho proferido a 30 de maio de 2016, a fls. 274.
Vai a recorrente condenada em custas, fixando-se em 3 (três) Ucs a taxa de justiça.
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C. Negar provimento ao recurso interposto da sentença.
Vai a recorrente condenada em custas, fixando-se em 5 (cinco) Ucs a taxa de justiça.
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Guimarães, 20 de fevereiro de 2017
(Elaborado e revisto pela relatora)