Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
6549/17.9T8BRG-A.G1
Relator: ESPINHEIRA BALTAR
Descritores: INTERVENÇÃO DE TERCEIROS
REQUISITOS
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 10/25/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
A intervenção de terceiros principal provocada passiva pressupõe a contitularidade da relação jurídica controvertida entre o réu e o chamado, o que não se verifica no caso em apreço.
Decisão Texto Integral:
Acordam em Conferência na Secção Cível da Relação de Guimarães

A Autora veio requerer a intervenção de terceiros principal provocada de F. C. e M. C., alegando para o efeito que peticionou a condenação do Réu no reembolso de quantias por si despendidas respeitantes a despesas de condomínio, de seguro e a liquidação de IMI respeitantes à casa de morada de família e respetiva garagem .

Porém, constatou agora que as frações em questão tinham sido alienadas aos agora intervenientes em data anterior à propositura da presente ação, pretendendo deduzir parte do referido pedido contra estes últimos.

Ouvido o Réu, pelo mesmo foi deduzida oposição à intervenção, pelos motivos constantes do requerimento de 22-05-2018.

Foi proferida decisão de indeferimento do incidente de intervenção de terceiros principal provocada suscitada pela autora.

Inconformada com o decidido, a autora interpôs recurso de apelação formulando as seguintes conclusões:

I. Em sede de douto despacho emergente dos autos de processo em epígrafe, o Meritíssimo Juiz a quo, entendeu por despacho não admitir a intervenção principal provocada, de terceiros por entender que os pedidos contra eles peticionados não é uma situação de litisconsórcio necessário nem tão pouco voluntário, mas antes uma situação de coligação dos réus pois os pedidos que poderiam ter sido dirigidos pela Autora ao Réu, e aos intervenientes são distintos perfeitamente individualizados, considerando a data da transmissão das frações.
II. Considerando que não tendo a Autora optado pela coligação inicial de réus, não lhe é facultado pela lei processual civil, a possibilidade de fazer intervir na demanda os agora intervenientes, sob pena de violação do princípio da estabilidade da instância artigo 260º do CPC.,
III. Ora com tal despacho não pode a Autora concordar senão vejamos,
IV. A autora intentou a presente ação peticionando, que o réu fosse condenado a pagar entre outras quantias, despesas de condomínio, IMI,
V. Sucede que, na contestação apresentada pelo réu, teve a Autora conhecimento de que a fração em discussão nos presentes autos, encontra-se entretanto em nome de terceiros.
VI. Ora, tendo em conta que o desfecho da presente lide tem interferência perante o pedido formulado contra o réu, bem como contra os ora chamados, estando ainda a presente lide, na fase dos articulados, provocou a Autora o chamamento daqueles.
VII. Conforme se retira do Ac. Do Supremo Tribunal Justiça nos autos de processo n° 073469, datado de 30-06-1987 disponível em www.dgsi.pt, "Citado o réu, a instância deve manter-se a mesma quanto as pessoas, ao pedido e a causa de pedir, salvo as possibilidades de modificação consideradas na lei.
VIII. O pedido e a causa de pedir podem ser alterados ou ampliados na réplica, ainda que falte o acordo das partes.
IX. A coligação passiva verifica-se quando se demandar conjuntamente vários réus por pedidos diferentes.
X. Nada impede que se formule um pedido principal com base em causas de pedir diversas.
XI. Na demanda de mais que um reu com um pedido único, havendo apenas divergências quanto aos pedidos acessórios, o facto de estes serem diferentes não é suficiente para caracterizar uma verdadeira coligação de réus.
XII. Trata-se, nesta hipótese de litisconsórcio passivo, com a particularidade de serem diferentes os pedidos acessórios formulados contra os respetivos litisconsortes. "
XIII. Com efeito, mal andou o juiz a quo ao decidir como decidiu pelo indeferimento no chamamento de terceiros.
XIV. O incidente de intervenção principal provocada é o adequado para a parte assegurar a presença na lide de terceiros para o qual foram transferidos a responsabilidade emergente pela aquisição do imóvel em causa.
XV. Ora conforme a jurisprudência, após a citação do réu, a instância deve manter-se imutável quanto às pessoas, ao pedido e à causa de pedir, ressalvadas as modificações consagradas na lei. - artigo 260º do CPC.
XVI. Este normativo consagra o princípio da estabilidade da instância, que visa assegurar o andamento normal da causa, para que o tribunal administre, em tempo oportuno, a justiça que lhe é solicitada.
XVII. Na parte ora útil, diremos que tal princípio é suscetível de ser afetado por virtude de uma modificação subjetiva, seja em consequência da substituição de alguma das partes primitivas, seja por via da intervenção de terceiros
XVIII. Essa modificação adjetiva-se através de um incidente processual - típico ou inominado - que, como o seu próprio conceito sugere, pressupõe a pendência de uma causa.
XIX. Os incidentes de intervenção de terceiros foram estruturados na base dos vários tipos de interesse na intervenção e das várias ligações entre esse interesse, que deve ser invocado como fundamento da legitimidade do interveniente e da relação material controvertida desenvolvida entre as partes primitivas.
XX. No quadro geral dos incidentes de intervenção de terceiros integram-se a intervenção principal, a intervenção acessória e a oposição.
XXI. A intervenção principal, espontânea ou provocada, não é, naturalmente, admissível se forem contrapostos os interesses substantivos ou processuais do chamado e da parte ao lado de quem se pretende que intervenha.
XXII. Como não permite que o autor substitua o réu contra quem, por erro, dirigiu a ação.
XXIII. A juízo do interessado com direito a intervir na causa e estatui que qualquer das partes primitivas pode provocá-lo, seja como seu associado, seja como associado da parte contrária.
XXIV. Assim, o próprio autor pode chamar a intervir alguém, seja na posição de autor, seja na posição de réu. E este pode chamar a intervir alguém em posição paralela à sua ou à do autor.
XXV. Começa este incidente com um requerimento apresentado pela parte que pretenda chamar à causa determinada pessoa que, pudesse intervir espontaneamente.
XXVI. O requerente da intervenção deve alegar e justificar, sem possibilidade de apresentação de prova, a legitimidade do chamando e que ele está, face à causa principal.
XXVII. Como a intervenção principal provocada pressupõe que o chamado e a parte à qual pretende associar-se tenham interesse igual na causa, não é de admitir a intervenção apenas destinada a prevenir a hipótese de a parte primitiva não ser titular do interesse invocado.
XXVIII.Por outro lado, a intervenção na lide de alguma pessoa como associado do réu pressupõe um interesse litisconsorcial no âmbito da relação controvertida, cuja medida da sua viabilidade é limitada pela latitude do accionamento operado pelo autor, não podendo intervir quem lhe seja alheio (dr. Salvador da Costa, Os Incidentes da Instância, Coimbra - 1999, pág. 104).
XXIX. A legitimidade processual, que se não confunde com a legitimidade substantiva, requisito da procedência do pedido, afere-se pelo pedido e causa de pedir tal como são apresentados pelo autor, independentemente da prova dos factos que integram a última.
XXX. Logo o incidente de intervenção principal provocada supõe uma contitularidade da relação material controvertida, com participação do chamado à intervenção.
XXXI. Verificado este pressuposto, admitido o chamamento, tal implicará um alargamento do objecto do processo, que passa a reportar-se não só à relação jurídica controvertida, como também ao "direito próprio" do interveniente, e à situação jurídica de que este é titular.
XXXII. Ou seja, a relação material controvertida está perfeitamente definida e vê- se, como e por que forma, os chamados possam ser qualificados como interessados, ou qual o direito que a mesma tem de intervir na causa.
XXXIlI.A presente ação, tal como foi configurada pela Autora, bem como no articulado de réplica apresentado define, a partir do momento que tem conhecimento que terceiros são titulares da fração em causa, atos sequenciais, absolutamente indissociáveis na análise da demanda, na medida em que - existindo efetivamente o direito que a Autora se arroga - sempre se terá de verificar se tal direito subsiste para o réu ou os ora chamados.
XXXIV. Resulta evidente, face ao exposto, que o interesse justificativo da intervenção daqueles terceiros decorre da simples constatação de que a relação material controvertida, tal como é apresentada pela autora diz respeito ao réu, mas também está relacionada com os chamados, pelo que esta tem também interesse em estar presente na discussão da causa.
XXXV. Nesta medida, pode intervir na causa aquele que, em relação ao objeto da causa, tiver um interesse igual ao do Réu.
XXXVI. Aliás, sempre se teria de conceder que, por razões de celeridade, economia processual e regulação efetiva e definitiva da demanda consubstancia um elemento essencial da relação material controvertida e do qual emerge, indubitavelmente, um interesse direto em contradizer pelos chamados.
XXXVII. Ao decidir como decidiu, o meritíssimo Juiz a quo violou ou não aplicou corretamente os invocados, artigos 30°,32°,260° todos do Código do Processo Civil.
XXXVIII. Termos em que deverá o presente recurso ser julgado procedente e, em consequência, deverá o despacho em crise e aqui recorrido, ser revogado e substituído por outro que admita a intervenção principal provocada.

Termos em que deverá o presente recurso ser julgado procedente e, em consequência, deverá o despacho em crise e aqui recorrido, ser revogado e substituído por outro que admita a intervenção principal provocada.”

Não houve contra-alegações.

Das conclusões do recurso ressalta a questão de saber se se verificam os pressupostos da intervenção de terceiros principal provocada.

Com interesse para a decisão do recurso, para além do acima relatado, elencamos a seguinte matéria de facto:

1. A petição inicial deu entrada em juízo no ano de 2017.
2. O prédio onde a autora habita, cuja raiz pertencia ao réu, está inscrito no Registo Predial em nome de seus pais F. C. e M. C. desde 2015/08/11.

Vamos conhecer da questão enunciada.

O tribunal recorrido indeferiu a intervenção de terceiros principal provocada passiva de F. C. e M. C. porque não se está numa situação de litisconsórcio necessário ou voluntário, mas antes numa coligação, em que não há identidade de pedidos entre o réu e os intervenientes, mas antes pedidos distintos e perfeitamente individualizados, tendo em conta a data da transmissão das frações – 11-08-2015, nem se verificam os pressupostos do artigo 39 do CPC, em que há pluralidade subjetiva subsidiária perante a invocação da dúvida fundamentada sobre o sujeito da relação jurídica controvertida.

A apelante insurge-se contra o decidido defendendo que se está perante uma situação de litisconsórcio voluntário, em que há identidade da relação controvertida, em que os chamados têm um interesse igual ao do réu em intervir, porque são contitulares da mesma relação material controvertida.

Julgamos que se está perante duas relações jurídicas distintas. Uma no que tange ao período de tempo alegado pela autora/apelante em que as frações estiveram na esfera jurídica do réu/apelado (até 11-08-2015) e outra, em momento posterior, em que passaram para a esfera jurídica dos chamados a intervir. Enquanto foram propriedade do réu/apelado, eram da sua responsabilidade o pagamento do IMI, as contribuições para o condomínio e do seguro, como o alegado pela autora/apelante. A partir de 11-08-2015, por força da transmissão do direito de propriedade para os chamados, a responsabilidade do pagamento destas contribuições passou para os novos proprietários, os aqui chamados.

Em face disto verificam-se duas relações jurídicas distintas, uma encabeçada pelo réu e outra pelos chamados. Daí que possamos concluir que não se está perante uma situação de litisconsórcio voluntário, uma vez que não há contitularidade da relação jurídica material controvertida, mas duas autónomas e encabeçadas por sujeitos diferentes.

Além disso, a autora/apelante não pretende deduzir um pedido subsidiário contra os chamados por dúvida sobre a titularidade da relação controvertida. Está bem patente, no requerimento da intervenção, que conhece os chamados e o que lhe devem a partir do momento que se tornaram proprietários.

Assim julgamos que não se verificam os pressupostos da intervenção de terceiros provocada nos termos do artigo 316 do CPC., pelo que é de manter a decisão recorrida.

Concluido:1. A intervenção de terceiros principal provocada passiva pressupõe a contitularidade da relação jurídica controvertida entre o réu e o chamado, o que não se verifica no caso em apreço.

Decisão

Pelo exposto acordam os juízes da Relação em julgar improcedente a apelação e, consequentemente, confirmam a decisão recorrida.

Custas a cargo da apelante.

Guimarães,
Espinheira Baltar
Eva Almeida
Maria Santos