Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
111/13.2TAPTB.G1
Relator: AUSENDA GONÇALVES
Descritores: VIOLAÇÃO REGRAS URBANÍSTICAS
NULIDADE DA SENTENÇA
OMISSÃO DE PRONÚNCIA
REENVIO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 02/20/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NULIDADE DA SENTENÇA
Indicações Eventuais: SECÇÃO PENAL
Sumário:
I – Uma vez demonstrada a prática pelo arguido de um crime de violação de regras urbanísticas, p. e p. pelo art. 278.º-A n.º 1 do C. Penal e que a obra edificada, violadora de tais regras, foi demolida entre a instauração do procedimento criminal e o encerramento da audiência de julgamento, a sentença sofre da nulidade a que alude o preceito do art. 379.º, nº 1, c), do CPP na parte em que omite a pronúncia sobre a questão da atenuação especial da pena, prevista no nº 2 do art. 278º-B do C. Penal e, por isso, em frontal desacato a este comando.

II - Essa nulidade deve ser oficiosamente conhecida, perante o que dispõe o nº 2 do citado artigo 379º (desde a redacção da Lei nº 59/98 de 25/08) e, em princípio, deve ser suprida pelo tribunal de recurso (com a alteração conferida a este normativo pela lei 20/2013, de 21/2), a menos que, obviamente, tal vício só seja susceptível de suprimento pelo tribunal recorrido.

III – Realmente, apesar de se reconhecer que com esta última alteração foi intenção do legislador impor ao tribunal superior o dever de suprir as nulidades, o certo é que o cumprimento de tal dever não poderá deixar também de salvaguardar a indisponibilidade pelo tribunal de recurso de elementos suficientes para o efeito, bem como a garantia de um duplo grau de jurisdição ou o princípio do contraditório, que, em determinadas situações, o suprimento da nulidade pelo tribunal superior poderia eliminar ou afrontar, respectivamente: em tais situações, o suprimento da nulidade deve caber ao tribunal que proferiu a decisão, pois que o seu suprimento pelo tribunal superior cercearia o direito do arguido ao recurso, como sucederia no caso em análise, interferindo com outros segmentos da decisão, como o atinente aos critérios da pena única englobando a parcelar a atenuar especialmente.
Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência, na Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães:

No referenciado processo, do Juízo Local Criminal da Ponte da Barca, da Comarca de Viana do Castelo, os arguidos Alberto, Manuel, José e “X - Arquitetura e Engenharia, Lda., foram submetidos a julgamento por se encontrarem pronunciados: o primeiro, pela prática, em concurso real, de um crime de violação de regras urbanísticas, p. e p. no artigo 278.º-A, n.º 1, do C. Penal e de um crime de falsificação de documento, p. e p. no artigo 256.º, n.º 1, als. d) e e), do C. Penal, ex vi artigo 100.º, n.º 2, do Regime Jurídico da Urbanização e Edificação (DL n.º 555/1999, de 16/12, com as alterações introduzidas pelo DL n.º 177/2001, de 4/6); o segundo e o terceiro, pela prática, de um crime de violação de regras urbanísticas por funcionário, p. e p. no artigo 382.º-A do C. Penal; e a quarta pela prática de um crime de violação de regras urbanísticas p. e p. no artigo 278.º-A, n.º 1, do C. Penal, por força do n.º 3 do mesmo artigo, e do artigo 11.º, n.º 2, do C. Penal.

Realizado o julgamento, foi proferida e depositada sentença, em 6/7/2017, absolvendo os arguidos Manuel e José e condenando:

- o arguido Alberto, como autor de um crime de violação de regras urbanísticas p. e p. no artigo 278.º-A, n.º 1, do C. Penal, na pena de 180 dias de multa, e de um crime de falsificação de documento, p. e p. no artigo 256.º, n.º 1, als. d) e e), do C. Penal, ex vi artigo 100.º, n.º 2, do Regime Jurídico da Urbanização e Edificação, na pena de 180 dias de multa e, em cúmulo jurídico da tais penas parcelares, na pena única de 280 dias de multa, à taxa diária de € 7, perfazendo o montante de € 1.960 (mil e novecentos e sessenta euros), a que corresponde 186 dias de prisão subsidiária, nos termos do artigo 49.º, n.º 1 do C. Penal, caso o arguido não proceda ao pagamento da pena de multa ou esta não seja substituída por trabalho a favor da comunidade a pedido do arguido;
- a arguida “X Lda.”, como autora de um crime de violação de regras urbanísticas p. e p. no artigo 278.º-A, n.º 1, do C. Penal, por força do n.º 3 do mesmo artigo, e do artigo 11.º, n.º 2, do C. Penal, na pena de 180 dias de multa, à taxa diária de 7 € (sete euros), perfazendo o montante de 1.260 (mil duzentos e sessenta euros).

Inconformado, o Ministério Público interpôs recurso dessa decisão, restrito à medida da pena aplicada ao arguido Alberto, o qual rematou com as conclusões a seguir extractadas:

«III (…) tal pena, aplicada ao arguido na decisão ora recorrida, mostra-se, salvo o devido respeito, desadequada, desajustada e desconforme às elementares necessidades de prevenção geral e especial que se fazem sentir no caso em apreço.
IV. Há que ter em conta não só os critérios legais aplicáveis como também a matéria de facto dada como provada.
V. A decisão ora recorrida não tomou em conta, especificamente, que o arguido agiu com plena consciência da ilicitude da sua conduta, praticou ambos os crimes no exercício da sua actividade profissional e na qualidade de engenheiro, não ponderando, ainda, a gravidade dos crimes em questão, a elevada ilicitude dos factos praticados, o dolo intenso com que o mesmo pautou as suas condutas e, bem assim, desconsiderando a enorme projecção social que os factos praticados pelo arguido possuíram na vila de Ponte da Barca, comunidade onde está inserido e vem exercendo a sua profissão.
VI. Ademais, ressalte-se, em julgamento, o arguido não confessou os factos, nem os admitiu, adoptando uma postura desresponsabilizante, tendo em vista isentar a sua responsabilidade.
VII. Tomando em consideração tais elementos, a pena de 180 (cento e oitenta) dias de multa quanto ao crime de violação de regras urbanísticas e a pena de 180 (cento e oitenta) dias de multa quanto ao crime de falsificação de documento, em cúmulo jurídico, a pena única de 280 (duzentos e oitenta) dias de multa, mostra-se, como já se disse, desajustada, desadequada e desproporcional a tais circunstâncias.
VIII. Ajustada, adequada e proporcional afigura-se-nos, assim, a aplicação ao arguido a aplicação ao arguido pela prática do crime de violação de regras urbanísticas, p. e p. no artigo 278.º-A, n.º 1, do Código Penal, a pena de 280 (duzentos e oitenta) dias de multa e, quanto ao crime de falsificação de documento, p. e p. no artigo 256.º, n.º 1, als. d) e e), do Código Penal, ex vi artigo 100.º, n.º 2, do Regime Jurídico da Urbanização e Edificação, a pena de 280 (duzentos e oitenta) dias de multa, julgando adequado punir a conduta do arguido Alberto com a pena única de 380 (trezentos e oitenta) dias de multa, à taxa diária de 7 € (sete euros), o que perfaz o montante de 2.660,00 € (dois mil, seiscentos e sessenta euros).
IX. Decidindo da forma como o fez, a decisão recorrida fê-lo ao arrepio das linhas doutrinal e jurisprudencial correntes, bem como do espírito da lei vigente.
X. Pelo exposto, foram violados os normativos constantes dos artigos 47.º e 71.º, ambos do Código Penal.».
Terminou pedindo a condenação do arguido na pena única de 380 (trezentos e oitenta) dias de multa, à taxa diária de 7 € (sete euros), o que perfaz o montante de € 2.660 (dois mil, seiscentos e sessenta euros).

Também o arguido Alberto se insurgiu contra a decisão recorrida, pugnando pela sua absolvição, apresentando na sua motivação as seguintes conclusões (sic.):

«1.O presente recurso vem interposto da sentença proferida pelo Tribunal a quo que condenou o arguido Alberto pela prática, em autoria material, na forma consumada e em concurso efectivo de um crime de violação de regras urbanísticas, previsto e punido pelo artigo 278º-A, n.º 1 do Código Penal e ainda um crime de falsificação de documento, previsto e punido pelo artigo 256º, n.º 1, al. d) e e) do Código Penal ex vi artigo 100º, n.º 2 do Regime Jurídico da Urbanização e Edificação, em cúmulo jurídico, na pena única de 280 dias de multa, à taxa diária de 7 euros.
2. O M.mo. Juiz a quo julgou incorrectamente a matéria de facto, cuja prova produzida em audiência de julgamento exigia decisão diferente da recorrida.
3. O princípio da imediação e da livre apreciação da prova não permite ao magistrado decidir arbitrariamente, sem se conectar ou minimamente basear na prova produzida em audiência de julgamento.
4. O M.mo Juiz a quo fez uma errada apreciação e valoração das provas, e não atentou, nem valorou a confissão da testemunha Tiago sobre a autoria de parte de factos narrados na acusação pública que foram, a final, atribuídos ao recorrente fundamentando a sua condenação.
5. O Tribunal a quo deu como provada a matéria constante do ponto 1.7. da sentença em crise, quando da prova produzida em audiência de Julgamento resulta claro que o contrato de prestação de serviços celebrado com o gabinete “X” remonta ao ano de 2010 e foi outorgado entre V. C. - representante do falecido marido da Maria e dono da obra - e a gerente da “X” - Manuela, tendo sido totalmente alheio ao mesmo o recorrente.
6. Resulta ainda claro que esse mesmo contrato e respectivo orçamento se mantiveram inalterados até conclusão da obra, tendo sido efectuados em reunião onde estiveram presentes apenas as testemunhas Manuela, V. C. e Tiago.
7. Foi ainda durante o ano de 2010, que este processo de obras foi entregue ao desenhador/projectista Tiago, ficando da sua inteira responsabilidade a instrução do mesmo, deslocando-se o mesmo à obra para efectuar o levantamento do pré-existente e estudo subsequente sobre o que podia ser edificado no local e que iria instruir o requerimento de Comunicação Prévia que deu à entrada na CM PB.
8. Por motivos alheios à “X” o processo esteve parado entre 2010 e 2012, tendo sido retomado o trabalho pela testemunha Tiago, por ordem directa da testemunha V. C., representante do dono da obra.
9. O arguido Alberto não conhecia a testemunha V. C. até ao momento da notificação da Nulidade da Comunicação Prévia e nunca chegou a conhecer o primitivo dono da obra.
10. Pelo exposto, o arguido Alberto não instruiu o requerimento de comunicação prévia, nem esteve presente no momento da contratualização dos serviços, nem tão-pouco ajustou qualquer valor a título de honorários, pelo que jamais poderia ter sido dado como provados os factos constantes do ponto 1.7. que devem, por isso, ser alterados e dados como não provados.
11. A conclusão precedente decorre ainda mais evidente quando confrontada com os factos dados como provados nos pontos 1.77. a 1.80. e com os depoimentos das testemunhas V. C. (cfr. minuto 02:02 a 11:01), Tiago (cfr. Minutos 7:29 a 11:36 e 51:53 a 56:49) e Manuela (cfr. Minutos 03:12 a 07:08 e 08:07 a 08:56).
12. O Tribunal a quo deu como provada a matéria constante dos pontos 1.8. a 1.14., 1.17., 1.19., 1.29. e 1.30. da sentença ora em crise, quando da prova produzida em audiência de Julgamento resulta claro que a autoria dos factos relatados nesses pontos se deve à testemunha Tiago.
13. A testemunha Tiago foi expressa e solenemente advertida pelo M.mo Juiz a quo da importância do seu depoimento e de que, a qualquer momento, poderia ser constituído arguido, tendo respondido iria dizer a verdade, fossem quais fossem as consequências de tal verdade para si próprio.
14. A testemunha Tiago confessou a autoria de todo o processo de instrução do Requerimento de Comunicação Prévia, bem como de todas as peças escritas e desenhadas referentes à arquitectura e desenho do edifício a reconstruir.
15. A testemunha Tiago confessou que o processo de levantamento do existente e estudo da viabilidade de construção ficou ao seu cargo, afirmando peremptoriamente que este era um processo da sua responsabilidade e que lhe fora entregue pela Manuela, gerente da “X”, no ano de 2010 e que após ter estado o processo esteve parado, por motivos respeitantes ao dono da obra, recebeu ordem da testemunha V. C. para retomar o serviço e dar entrada do requerimento de comunicação prévia.
16. A testemunha Tiago confessou que este processo de levantamento do existente, estudo de viabilidade de construção e instrução com todas as peças escritas e desenhadas da parte da arquitectura que faziam parte do requerimento de comunicação prévia foram realizados por si, sem necessidade de qualquer instrução ou ordem por parte do arguido Alberto, pois que esta é a sua função, há mais de 20 anos, enquanto desenhador/projectista, tendo ainda preparado e instruído o processo com os pareceres favoráveis da Direcção Regional de Cultura do Norte.
17. A testemunha Tiago disse ainda que não precisava sequer da supervisão ou instrução do arguido Alberto, a quem competiu apenas a elaboração dos projectos de especialidades.
18. Verifica-se, assim, que os termos de responsabilidade referidos nos pontos 1.11. e 1.12. foram elaborados pela testemunha Tiago e assinados pela testemunha Arq.ª Isabel e que o arguido Alberto, em todo o processo de Comunicação Prévia, apenas interveio na elaboração e assinatura dos projectos de especialidades.
19. Estando em causa na decisão recorrida apenas a alegada falsidade dos Termos de Responsabilidade da parte de Arquitectura e Memória Descritiva que não são da responsabilidade, autoria ou assinatura do recorrente, jamais poderia ter sido dado como provados os factos constantes dos pontos 1.8. a 1.14., 1.17., 1.19., 1.29. e 1.30. que devem, por isso, ser alterados e dados como não provados.
20. A conclusão precedente resulta ainda clarinha dos factos dados como provados nos pontos 1.46., 1.47., 1.48., 1.49. e 1.65., e ainda da prova produzida em audiência de julgamento, nomeadamente do depoimento da testemunha Tiago (cfr. Minutos 3:31 a 4:57; 42:22 a 44:59 e 54:28 a 56:48) e do depoimento da testemunha Manuela (cfr. Minutos 05:36 a 07:08 e 08:07 a 08:56).
21. O Tribunal a quo deu como provada a matéria constante do ponto 1.18. da sentença ora em crise, quando da prova produzida em audiência de Julgamento resulta claro que a testemunha de acusação Arq.ª Ana referiu expressamente que os desenhos anexos ao Plano de Pormenor de Reabilitação Urbana de Ponte da Barca eram imprecisos, não tinham escala e não estavam condizentes com a realidade, nem tão-pouco entre eles próprios, já que os cortes nos vários desenhos referentes a um mesmo prédio eram diferentes.
22. Resulta ainda claro da prova produzida que somente após a construção do edifício se percebeu, no local, que esta obra não se enquadrava nas demais construções envolventes, sendo certo que, por não haver documentos fidedignos de referência, ninguém na CM sabia por onde rigorosamente deveria ter sido reconstruído o edifício.
23. Por causa dessa incerteza e falibilidade dos desenhos anexos ao Plano de Pormenor e do desconhecimento camarário relativamente ao alinhamento que deveria seguir o edifício em causa nos presentes autos, face à completa ruína e inexistência do edifício pré-existente, foi necessária a constituição de uma Comissão Camarária para definir os limites concretos do prédio e por onde deveria o mesmo ser alinhado.
24. Referiu expressamente a testemunha Arq.º P. S. – arquitecto camarário e que fez parte da dita comissão Camarária - que a parte da obra demolida se aproximou dos 3 metros (cfr. Minuto 01:53:15 a 01:55:37).
25. Referiu ainda a testemunha Tiago que a parte da obra demolida foi de 2,30 metros e que jamais ultrapassou os 3 metros (até porque foi ele que desenhou e redesenhou estas peças) e que, aquando do levantamento do pré-existente, atento o estado de ruína do prédio e ausência de miolo do mesmo, alinhou a obra a edificar pelo terraço do prédio contíguo, virado para o Largo dos Poetas, prédio esse que havia sido reconstruído e aprovado pela CM poucos anos antes (cfr. Minutos 20:48 a 21:07, 1:30:01 a 1:30:29, 22:42 a 42:40 e 46:18 a 52:12).
26. Referiu a testemunha arquitecta Ana que a parte demolida poderia estar entre os 7 a 10 metros conforme constava da acusação (cfr. Minuto 57: 04 a 54:43).
27. É evidente, pelo exposto nas três conclusões precedentes que jamais poderia o M.mo Juiz a quo ter dado como provado o ponto 1.18. em face dos testemunhos acima indicados, os quais são contraditórios entre si e jamais poderiam afastar a dúvida razoável quanto à metragem efectivamente demolida, pelo que o ponto 1.18. deverá ser dado como não provado.
28. Adjectivou o M.mo Juiz a quo as declarações da testemunha Tiago como enganatórias desde logo porque considerou que o terraço do prédio confinantes não faz parte desse mesmo prédio e que por isso, a obra em mérito nestes autos deveria ter sido alinhada com a parede do prédio confinante.
29. A testemunha Tiago, enquanto desenhador/projectista, considerou, e bem a nosso ver, que a área de construção do prédio contíguo termina apenas na extremidade do terraço pois que este faz parte integrante do prédio, não é um elemento isolado ou independente (cfr. Minuto 20:48 a 21:07, 1:30:01 a 1:30:29, 22:42 a 42:40 e 46:18 a 52:12).
30. O Tribunal a quo deu como provada a matéria constante do ponto 1.22. da sentença ora em crise, quando da prova produzida em audiência de Julgamento resulta que a da testemunha Tiago testemunha disse que na referida Memória Descritiva e Justificativa indicou que se tratava de uma obra composta por dois artigos matriciais que iriam ter um tratamento urbanístico único, porquanto, após intervenção urbanística e conforme aprovado pela CM, os dois prédios têm um piso em comum e ligação interna entre eles, pelo que são tratados como um único edifício, pelo que sempre este ponto 1.22. deverá ser dado como não provado.
31. A conclusão precedente resulta dos depoimentos do arguido Alberto (cfr. Minuto 28.49 a 29:57).
32. O Tribunal a quo deu como provada a matéria constante nos pontos 1.31. e 1.32. da sentença ora em crise, quando da prova produzida em audiência de Julgamento resulta que o recorrente não beneficiou, nem pretendeu beneficiar o dono da obra, a quem inclusivamente não conhecia, como o M.mo Juiz a quo deu, e bem, como provado no ponto 1.76.
33. O recorrente não orçamentou, não contratualizou, não foi à obra, não acompanhou, não ordenou, nem fez o levantamento do pré-existente, que nem sequer conhecia, nem tão-pouco sugeriu ou instruiu a testemunha Tiago para efectuar os desenhos da obra a edificar, desta ou daquela forma, com mais ou menos área, alinhado pelo terraço ou parede ou qualquer outro elemento existente no local.
34. As conclusões precedentes saem validadas do depoimento da testemunha Tiago (cfr. Minuto 18:14 a 19:29, 42:23 a 42:51 e 1:25:08 a 1:25:50), da testemunha V. C. (cfr. Minuto 02:02 a 04:51, 07:29 a 09:11, 10:28 a 14:49 e 17:23 a 20:52) e do depoimento do arguido Alberto (cfr. Minuto do 05:51 a 06:44 do segundo excerto do depoimento do arguido e Minuto 00:00 a 01:48, dia 21.06.2017 do depoimento do arguido).
35. O recorrente é somente engenheiro de especialidades e só trata dessa parte, pelo que jamais poderia o M.mo Juiz a quo ter dado como provados os pontos 1.31. e 1.32. que devem ser alterados e dados como não provados.
36. Pelo exposto supra, os pontos acima referidos - 1.7. a 1.14., 1.17. a 1.19., 1.22. e 1.24. e 1.29. a 1.32. da decisão recorrida, foram, por isso, incorrectamente julgados, pelo que, dadas as transcrições supra efectuadas, se impunha ao M.mo Juiz a quo decisão diversa da recorrida.
37. E isto ainda porque de toda a prova produzida em Audiência de Julgamento em lado algum as demais testemunhas, de acusação e de defesa, afirmam o contrário do que acima se expôs, pelo que a decisão do M.mo Juiz a quo não tem qualquer suporte documental ou testemunhal para ter decidido como decidiu, pelo que alterada a matéria de facto nos termos supra expostos, deverá o recorrente Eng.º Alberto ser absolvido dos dois crimes em que foi condenado.
38. Aliás, decorre ainda claramente dos factos dados como provados nos pontos 1.30., 1.46., 1.49., 1.65. e 1.70. que o arguido não fez o levantamento do existente; Não se deslocou à obra para tal; Não participou na reunião onde ficou “fechado” os termos do contrato de prestação de serviços; Não desenhou qualquer peça de arquitectura; Não mandou desenhar ou narrar qualquer facto e/ou informação atinente às peças desenhadas e escritas, apontadas como falsas na decisão recorrida; Nem tão-pouco as assinou.
39. A sentença em crise peca ainda pela evidente oposição entre o que foi dado como não provado na sentença recorrida e a prova produzida em audiência de julgamento, que impunha decisão contrária à que foi proferida e consequente alteração da matéria de facto.
40. Em consequência de tudo o que supra se concluiu e das transcrições da prova produzida em audiência de julgamento, deveria o tribunal a quo ter dado como provado os factos constantes dos pontos 2.8. a 2.18. da sentença ora em crise.
41. Não se coaduna a decisão do M.mo Juiz a quo de condenar o arguido Alberto como autor material dos dois crimes pelos quais foi acusado e ainda assim, atenta a conduta e confissão da testemunha Tiago, comunicar aos Serviços do Ministério Público junto daquele Juízo Criminal (remetendo cópia da gravação áudio do julgamento e da sentença) para os fins tidos por convenientes.
42. Na motivação da convicção do tribunal, o M.mo Juiz a quo refere expressamente, no que respeita à testemunha da acusação Arq.ª Isabel que “Das declarações prestadas em julgamento resulta confessada a falsidade do declarado pela testemunha no termo de responsabilidade, na memória descritiva e justificativa, e peças desenhadas, quanto à autoria da elaboração do projeto de arquitetura” (cfr. pág.34, 1º parágrafo da decisão recorrida).
43. Não se coaduna esta confissão da testemunha de acusação com a condenação do arguido Alberto e ainda com a comunicação aos Serviços do Ministério Público junto daquele Juízo Criminal (remetendo cópia da gravação áudio do julgamento e da sentença) para os fins tidos por convenientes.
44. Existe contradição patente na própria “MOTIVAÇÃO DA CONVICÇÃO DO TRIBUNAL” quando o M.mo Juiz a quo firma a sua convicção nos depoimentos da Arq.ª Ana e Arq.º P. S., no que respeita à volumetria do avanço da obra que depois foi demolido, volumetria essa que era notória e que chocou as Senhoras Vereadoras da oposição junto da CM e, por isso, e porque era notório esse avanço, teve repercussões na Vila de Ponte da Barca, quando os mesmos são contraditórios entre si (cfr. pág. 32, 2º parágrafo, da decisão recorrida e pág. 33, 2º parágrafo, da decisão recorrida, respectivamente).
45. Sendo notório e evidente esta contradição dos depoimentos dos senhores arquitectos no que concerne aos metros demolidos do avanço, jamais o M.mo Juiz a quo poderia ter dado como provado o ponto 1.18.
46. Resulta cristalino da prova produzida que a conduta do arguido não preencheu o tipo objectivo, nem o tipo subjectivo do crime de violação de regras urbanísticas p.p. pelo n.º 1 do artigo 278º-A do Código Penal.
47. O tipo subjectivo desta norma exige DOLO DIRECTO ou NECESSÁRIO, o que claramente não resulta da prova produzida em audiência de julgamento.
48. Resulta da prova produzida em julgamento que o arguido desconhecia e não tinha a mínima consciência da existência de qualquer desconformidade entre os desenhos e a realidade.
49. Resulta ainda claro da prova produzida que a conduta do arguido não preencheu o tipo objectivo, nem o tipo subjectivo do crime de falsificação de documento p.p. pelo artigo 256º, n.º 1, al. d) e e) do Código Penal.
50. O tipo objectivo desta norma exige a presença de documento que contenha uma declaração idónea a provar um facto, mas não qualquer facto, pelo que o Termo de Responsabilidade não encaixa na noção de documento para efeitos da al. a) do artigo 255º do Código Penal.
51. O Termo de Responsabilidade é um documento apenas para efeitos meramente civis, e já não o é para efeitos jurídico-penais, pois que a declaração que ele incorpora não serve de meio de prova no tráfico jurídico probatório e, por isso, não tem sequer a virtualidade de lesar o bem jurídico protegido pela norma, ou seja, a segurança e a credibilidade no tráfico jurídico probatório no que respeita à prova documental.
52. E isto porque declaração que contém o Termo de Responsabilidade não confere, nem retira quaisquer direitos, não cria, não modifica, nem extingue uma relação jurídica.
53. Como observa Helena Moniz, in Comentário Conimbricense do Código Penal, Tomo II, pág. 683, seguindo o rumo indicado por Figueiredo Dias, “Actas”, 1993, pág. 298: “a falsidade em documentos é punida quando se tratar de uma declaração de facto falso, mas não todo e qualquer facto falso, apenas aquele que for juridicamente relevante, isto é, aquele que é apto a constituir, modificar ou extinguir uma relação jurídica”.
54. Pelo exposto, não havendo documento, porquanto o termo de responsabilidade certamente não encaixa na definição de documento para efeitos jurídico-penais, não há crime de falsificação de documento.
55. Concluiu a Senhora Conselheira do Supremo Tribunal de Justiça Dr.ª Helena Moniz na sua obra “O crime de Falsificação de Documentos”, pág. 179:“Concluímos, assim, que o documento é uma declaração, declaração esta que terá que ser representada, corporizada num certo objecto material, que poderá ser um escrito ou qualquer outro objecto a ele equiparado; Por fim, resta saber a que tipo de declaração se refere o nosso CP quando nos diz que terá de ser uma declaração idónea a provar um facto juridicamente relevante. Será necessariamente uma declaração de um facto que cria, modifica ou extingue uma relação jurídica. O que por si só restringe bastante o conceito de documento.”
56. Mais acresce que o tipo legal de crime de falsificação exige, no que respeita ao tipo subjectivo, para além do DOLO GENÉRICO – i. é., conhecimento e vontade de praticar um facto com consciência da sua censurabilidade -, o DOLO ESPECÍFICO, a intenção de causar prejuízo ou de obter benefício ilegítimo, o que claramente não saiu provado da prova produzida em audiência de julgamento.
57. O dolo específico exige que, no momento da prática do crime de falsificação, o arguido deverá ter conhecimento de que está a falsificar um documento ou que está a usar um documento falso, e apesar disto, quer falsificá-lo ou utilizá-lo com intenção de causar prejuízo a outra pessoa ou ao Estado, ou de obter para si ou para outrém benefício ilegítimo, o que claramente não saiu provado da prova produzida em audiência de julgamento.
58. Deverá, por tudo isto, o arguido, aqui recorrente, ser absolvido dos crimes em que foi condenado, revogando-se a sentença ora em crise.
59. Sem prescindir de tudo quanto acima se escreveu e defendeu, sempre se dirá que o Tribunal a quo violou ostensivamente a norma jurídica prevista no n.º 2 do artigo 278º - B, do Código Penal.
60. O M.mo Juiz a quo deu como provado os factos constantes dos pontos 1.20., 1.67. e 1.87., e no entanto não aplicou a norma prevista no n.º 2 do artigo 278º-B do Código Penal que prevê a atenuação especial da pena nos casos em que existe demolição da obra até ao encerramento da audiência de julgamento em primeira instância.
61. A aplicação desta norma não está sujeita ao Princípio da Livre Apreciação da Prova, nem à livre aplicação ou não pelo M.mo Juiz do tribunal a quo.
62. Conforme escreve na anotação a este artigo de Paulo Pinto de Albuquerque in Comentário do Código Penal à Luz da constituição da república e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, 3ª edição actualizada, pág. 997: “ A atenuação especial da pena é obrigatória.”

Os recursos foram admitidos pelo despacho proferido a fls. 992.

O arguido respondeu ao recurso deduzido pelo Ministério Público, dizendo ser descabido pretender o agravamento de uma pena cuja atenuação especial se imporia.

O Ministério Público, em 1ª instância, não respondeu ao recurso do arguido.

Neste Tribunal, o Exmo. Sr. Procurador-Geral Adjunto emitiu um proficiente parecer, elencando todas as questões suscitadas nos recursos, sustentando com pertinentes argumentos que a decisão recorrida assenta em provas legais, mostrando-se devidamente fundamentada, com um exame crítico das provas que permite avaliar cabalmente o processo lógico-mental que serviu de suporte ao respectivo conteúdo, justo e adequado, com escorreito enquadramento jurídico. Contudo, reconhecendo que a não observância do preceituado no art. 278º-B, nº 2 do C. Penal, determina a nulidade parcial da decisão, propôs a devolução dos autos à primeira instância para o respectivo suprimento e que se considere prejudicada apreciação do recurso interposto pelo Ministério Público, embora perfilhando o entendimento de que o agravamento da pena se justificaria em relação ao crime de falsificação de documento.

Foi cumprido o art. 417º, nº 2, do CPP.

Efectuado exame preliminar e colhidos os vistos, cumpre agora apreciar e decidir em conferência.
*
Na medida em que o âmbito dos recursos se delimita pelas respectivas conclusões (art. 412º, nº 1, do CPP), sem prejuízo de questões que importe conhecer oficiosamente, por obstarem à apreciação do seu mérito, nos recursos suscitam-se as seguintes questões (organizadas pela ordem lógica das consequências da sua eventual procedência):

1. A nulidade da decisão por omissão de pronúncia;
2. O erro de julgamento;
3. Enquadramento jurídico dos factos;
4. A medida das penas parcelares e da pena única.
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Importa decidir, para o que deve considerar-se como pertinentes os factos considerados provados e não provados na decisão recorrida (sic):

«1.1.- “X – Arquitetura e Engenharia, Lda” é uma sociedade comercial com o NIPC … e sede em Avenida … Ponte da Barca, que foi constituída em Maio de 2002, tendo como objeto, entre outros atos, “engenharia de construção”, “consultoria arquitetónica no âmbito da elaboração de projetos da construção e de transformação de edifícios (muitas vezes inclui a supervisão das obras), planeamento urbanístico e arquitetura paisagística”.
1.2.– O arguido Alberto é engenheiro civil e, desde Abril de 2011, gerente de “X – Arquitetura e Engenharia, Lda.”.
1.3.– O arguido Manuel é engenheiro técnico civil e funcionário autárquico, tendo exercido nos anos de 2011 e 2012 funções de Chefe de Divisão de Planeamento e Urbanismo na CM PB.
1.4.– Enquanto funcionário autárquico, no âmbito das suas atribuições, competia a este arguido, além do mais, emitir pareceres sobre processos de licenciamento de obras particulares.
1.5.– O arguido José é engenheiro civil e funcionário autárquico, tendo exercido nos anos de 2011 e 2012 funções de Chefe de Unidade de Gestão Urbanística e Licenciamentos Diversos na CM PB.
1.6.– Enquanto funcionário autárquico, no âmbito das suas atribuições, competia a este arguido, além do mais, elaborar informações técnicas/emitir pareceres sobre processos de licenciamento de obras particulares.
1.7.– Em 2012, antes de 30 de maio, o arguido Alberto, na qualidade de legal representante (gerente) de “X – Arquitetura e Engenharia, Lda.”, no exercício da sua atividade de engenheiro civil, ao serviço da sua representada, e em execução de contrato de prestação de serviços celebrado entre a referida sociedade e Maria, titular do Cartão de Cidadão …, ou representante desta, elaborou e/ou mandou elaborar, no gabinete da referida sociedade, sito em Ponte da Barca, requerimento de comunicação prévia, “ao abrigo do nº 4, do art. 4º, ou nº 1, do art. 17º de RJUE” (Regime Jurídico da Urbanização e Edificação), em nome da mesma Maria, relativo, nos termos constantes do mesmo, a prédio sito da Rua …Ponte da Barca, inscrito na matriz predial sob os nºs … e … e descrito na Conservatória sob o nº ...6 e o nº ...0.
1.8.– Nesse requerimento, que constitui fls. 1 e 2 do processo camarário apenso – requerimento aqui dado por integralmente reproduzido - o arguido Alberto fez ou mandou fazer constar, além da identificação da requerente e do suposto prédio: “Comunica, ao abrigo do nº 4, do art. 4º, ou nº 1, do art. 17º de RJUE, a realização da seguinte operação urbanística: Obras de reconstrução com preservação das fachadas; Obras de construção, de alteração ou de ampliação em zona urbana consolidada” e como, “Informação Complementar Obrigatória”, “Área Localizada em zona urbana consolidada, tendo sido respeitados os planos municipais, e não resulta edificação com cércea superior à altura mais frequente das fachadas da frente edificada do lado do arruamento onde se integra a nova edificação, no troço de rua compreendido entre as duas transversais mais próximas, para um e para o outro lado”, datando esse mesmo requerimento ou mandando-o datar de 29 de Maio de 2012.
1.9.– Para instrução desse requerimento, em 2012, até 29 de maio, o arguido Alberto juntou ou mandou juntar, diversos documentos.
1.10.– Assim, o arguido Alberto juntou ou mandou juntar, entre outros:

- Certidões permanentes do registo predial relativas ao prédio ...6, situado na Rua …, correspondente ao prédio inscrito na matriz predial urbana de Ponte da Barca sob o n.º …, e ao prédio ...0, situado no largo …, correspondente ao prédio inscrito na matriz predial urbana de Ponte da Barca sob o n.º …;
- Plantas de localização, planta de ordenamento e planta de condicionantes, obtidas de acordo com instruções do próprio arguido;
- Ofício do Diretor dos Serviços dos Bens Culturais, da Direção Regional de Cultura do Norte, datado de 07/05/2012, dando notícia de que por despacho favorável do Sr. Diretor Geral do Património Cultural de 26/04/2012, tinha sido emitido parecer favorável sobre o processo de “Reconstrução e alteração de um edifício destinado a habitação e comércio sito na Rua …, Freguesia e Concelho de Ponte da Barca”;
- “Declaração de Conformidade Digital”, “Termo de responsabilidade do coordenador – Autor do projeto de arquitetura”, “Termo de responsabilidade do autor do projeto de arquitetura”, “Termo de responsabilidade – Plano de acessibilidades” “Arquitetura – Memória descritiva e justificativa”, “Arquitetura – Quadro Sinótico”, “estimativa orçamental”, plantas do projeto de arquitetura, elaborados na mesma altura, no gabinete de “X – Arquitetura e Engenharia, Lda.”, pelo e/ou de acordo com as instruções do próprio arguido, em nome de Isabel, arquiteta, id. a fl. 164, e por esta assinados e rubricados, por mero favor, a pedido do arguido Alberto;
- “Termo de responsabilidade de Diretor de Fiscalização de Obra” e plantas do projeto de engenharia, elaborados na mesma altura e no mesmo gabinete, pelo e/ou de acordo com as instruções e em nome do próprio arguido, e por este assinados e rubricados.
1.11.– No “Termo de responsabilidade do coordenador – Autor do projeto de arquitetura”, datado de 29 de maio de 2012, o arguido Alberto fez ou mandou fazer constar que, para efeitos do disposto no nº 1 do artigo 10º do Decreto-Lei nº 555/99, de 16 de dezembro, com as alterações introduzidas pelo Dec.-Lei nº 26/2010, de 30 de março, e demais alterações, que “o projeto de arquitetura …relativo ao projeto de reconstrução e alteração de um edifício destinado a habitação e comércio, que vai levar a efeito na Rua …, freguesia de Ponte da Barca, concelho de Ponte da Barca, cujo licenciamento foi requerido pela Srª Maria, residente no lugar …, freguesia de …, concelho de Ponte da Barca, observa as normas legais e regulamentares aplicáveis, designadamente as normas técnicas gerais e específicas de construção, os instrumentos de gestão territorial”.
1.12.– No “Termo de responsabilidade do autor do projeto de arquitetura”, datado de 29 de maio de 2012, o arguido Alberto fez ou mandou fazer constar que, para efeitos do disposto no nº 1 do artigo 10º do Decreto-Lei nº 555/99, de 16 de dezembro, com as alterações introduzidas pelo Dec.-Lei nº 26/2010, de 30 de março, e demais alterações, que “o projeto de Arquitetura …relativo ao projeto de reconstrução e alteração de um edifício destinado a habitação e comércio, que vai levar a efeito na Rua …, freguesia de Ponte da Barca, concelho de Ponte da Barca, cujo licenciamento foi requerido pela Srª Maria, residente no lugar …, freguesia de …, concelho de Ponte da Barca, observa as normas técnicas gerais e específicas de construção, bem como as disposições legais e regulamentares aplicáveis, designadamente o Plano Diretor Municipal e Regulamento Geral de Edificações Urbanas”.
1.13.– Na “Memória descritiva e justificativa”, datada de 29 de maio de 2012, o arguido Alberto fez ou mandou fazer constar que a mesma dizia respeito “ao projeto de reconstrução e alteração de um edifício destinado a habitação e comércio que a Srª Maria pretende levar a efeito numa propriedade que possui na Rua …, freguesia e concelho de Ponte da Barca. De acordo com as peças desenhadas, a propriedade confronta de Sul com a atrás referida Rua … e de Norte com a rua …. Ao nível da Rua … (Sul), o edifício é composto por três pisos acima da cota de soleira e dois abaixo da mesma. Já ao nível da Rua voltada para o …, o edifício apresenta cinco pisos acima da cota soleira, tendo já dois dos quais desabado parcialmente. No local existe um edifício, outrora composto por cinco pisos o qual com o decorrer dos anos se veio a degradar, tendo inclusive já desabado os dois superiores, ao nível da fachada Norte” e, sob o título “ADEQUABILIDADE”, “Refere-se este capítulo da presente memória descritiva, à justificação desta proposta à Adequabilidade aos princípios contidos no Plano Diretor Municipal (PDM) de Ponte da Barca.”
1.14.– O requerimento e os documentos acima referidos nos números 1.7 a 1.13 foram apresentados pelo ou de acordo com as instruções do arguido Alberto nos serviços da CM PB em 5 de junho de 2012 e aí autuados como processo administrativo de comunicação prévia CP-Edi 19/2012 (processo anexo a estes autos).
1.15– O mencionado processo CP-Edi 19/2012 foi presente ao arguido José, que, em 6 de setembro de 2012, elaborou no mesmo informação técnica com parecer favorável à aprovação da comunicação prévia, escrevendo, designadamente, “Analisando o processo e de posse do parecer favorável da DRCN, emitimos parecer favorável à aprovação da presente comunicação prévia”, de seguida foi presente ao arguido Manuel que, no mesmo dia 6 de setembro de 2012, também emitiu parecer favorável à admissão do pedido de comunicação prévia, escrevendo, designadamente, “Propõe-se superiormente a admissão do pedido de comunicação prévia, em conformidade com a informação precedente”, e finalmente foi presente ao Exmo. Presidente da CM, que, ainda no mesmo dia 6, exarou despacho de deferimento, escrevendo “Concordo. D.N.” – informação técnica, parecer e despacho constantes de fls. 246 do processo de comunicação prévia CP-Edi 19/2012 e de fl. 94 destes autos (cópia), aqui dados por integralmente reproduzidos.
1.16.– Na sequência do referido despacho do Exmo. Presidente da CM e depois de pagas as taxas camarárias, os competentes serviços da CM, emitiram, em 29 de novembro de 2012, “Comprovativo de Admissão de Comunicação Prévia de Edificação nº 16/2012” (fls. 285 do processo camarário).
1.17. – As obras a que se refere o processo CP-Edi 19/2012 iniciaram-se em data não anterior a 7 de maio de 2013 e prolongaram-se até julho do mesmo ano, tendo sido executadas parcialmente, até essa altura, de acordo com os projetos de arquitetura e engenharia apresentados ou mandados apresentar pelo arguido Alberto e segundo as instruções deste (v. fl. 286 a 295 do processo camarário).
1.18.– Por força dos trabalhos, os 2.º e 3.º pisos do prédio urbano inscrito na matriz predial urbana de Ponte da Barca sob o nº …, com entrada pela Rua …, foram prolongados, para norte, em cerca de 7 metros, o 2º piso, e 10 metros, o 3º piso, tendo sido assim alterada a configuração, nomeadamente as fachadas, e aumentada a volumetria do mesmo prédio, em relação à configuração e volumetria fixadas no Plano de Pormenor de Reabilitação Urbana de Ponte da Barca, publicado no Diário da República, de 27/10/1990, através de Declaração da Secretaria de Estado da Administração Local e do Ordenamento do Território, plano elaborado ao abrigo do Decreto-Lei 561/71, de 17 de dezembro (v., designadamente, fls. 47 e 293 do processo camarário).
1.19.– Em julho de 2013, já tinham sido erguidas, de acordo com as instruções do arguido Alberto, todas as paredes exteriores projetadas por este ou a mando deste, nomeadamente as correspondentes à alteração de configuração e ao aumento de volumetria referidos no número anterior.
1.20.– As obras na parte em que violavam o Plano de Pormenor de Reabilitação Urbana de Ponte da Barca foram demolidas nos meses de abril a junho de 2014 (fls. 118 a 129).
1.21.– O instrumento de gestão territorial válido e eficaz relativo à operação urbanística requerida e executada pelo arguido Alberto nos termos acima descritos é, desde finais de 1990, até ao presente, o Plano de Pormenor de Reabilitação Urbana de Ponte da Barca, também denominado Plano de Pormenor do Centro Histórico, acima referido no número 1.18, facto de que todos os arguidos tinham perfeito conhecimento aquando da prática por si dos atos supra narrados.
1.22.– Ao contrário do que o arguido Alberto fez constar ou mandou fazer constar da memória descritiva e justificativa do projeto de arquitetura e das demais peças que instruíram o requerimento de comunicação prévia a que aludem os números 1.7 a 1.10, a operação urbanística que se pretendia levar a cabo e que foi executada não incidia sobre um único prédio de cinco pisos, mas sobre dois prédios, os inscritos na matriz predial de Ponte da Barca sob os artigos ...º e ...º, com cotas distintas, cada um deles com três pisos, acima da cota soleira (piso térreo) e traduzia-se em alteração da configuração, nomeadamente em termos de fachadas, e em aumento da volumetria dos edifícios, o que o arguido Alberto bem sabia.
1.23.– Nas peças desenhadas do projeto de arquitetura, os dois prédios surgem unidos, com prolongamento, para norte, dos dois últimos pisos (o 4.º e o 5.º pisos, segundo o projeto), sobrepondo-se estes sobre o prédio original voltado para norte (para o largo …), e as volumetrias e a configuração dos alçados são diferentes/dissonantes das dos prédios originais (tal como identificados no Plano de Pormenor de Reabilitação Urbana de Ponte da Barca) e da própria envolvente, traduzindo-se num aumento da área de construção.
1.24.– A intervenção urbanística requerida e realizada não se adequava ao Plano de Pormenor de Reabilitação Urbana de Ponte da Barca, o que também era conhecido do arguido Alberto.
1.25.– De acordo com regulamento e planta síntese do Plano de Pormenor de Reabilitação Urbana de Ponte da Barca, dos quais todos os arguidos estavam cientes, ao prédio urbano inscrito na matriz sob o art. … corresponde o nível 2 de obras permitidas. Este nível protege as características do edifício em presença da sua envolvente, preservando os elementos arquitetónicos que definem as fachadas e volumetrias. Neste nível de proteção, são admitidas obras de restauro, conservação, consolidação, as obras do acondicionamento deverão manter o aspeto exterior do edifício e as obras de reestruturação não poderão modificar a fachada, conservando a sua composição e adequando-se aos materiais originais, sendo que estas últimas têm a limitação de não poder alterar a envolvente da edificação original. O edifício encontra-se abrangido por área de proteção a monumento nacional - a Igreja Matriz e o Pelourinho conforme arts. 23º a 25º do Regulamento do Plano de Pormenor.
1.26.– Segundo os instrumentos referidos no número anterior, ao prédio urbano inscrito na matriz sob o nº 206º corresponde o nível 1 de obras permitidas. Este nível protege os edifícios integralmente, preservando as suas características arquitetónicas e construtivas, a sua forma e quantidade de ocupação do espaço e todos os elementos que contribuem para a sua singularidade como elemento integrante do património arquitetónico. Neste nível de proteção, são admitidas obras de restauro, conservação, consolidação, as obras de acondicionamento deverão manter o aspeto exterior do edifício e as obras de reestruturação não poderão modificar a fachada, conservando a sua composição e adequando-se aos materiais originais. O edifício encontra-se abrangido por área de proteção a monumento nacional - a Igreja Matriz e o Pelourinho conforme arts. 23º a 25º do Regulamento do Plano de Pormenor.
1.27.– Ainda nos termos dos mesmos instrumentos mencionados no número 1.25, quanto à volumetria e forma das edificações, devem ser mantidos os alinhamentos, limites das atuais construções e perímetros murados, salvo indicação expressa do Plano, devem ser mantidas as volumetrias existentes e a forma que define a sua silhueta, não sendo permitido o aumento de cércea, não são permitidas alterações nas águas das coberturas que se traduzam em alteração da silhueta das edificações conforme art. 14º do Regulamento do Plano de Pormenor.
1.28.– A Rua … e o largo … integram o centro histórico de Ponte da Barca, sendo facilmente identificadas como tal, por qualquer funcionário do município de Ponte da Barca, assim como por qualquer residente ou cidadão capaz que desenvolve atividade profissional de forma regular nesta localidade.
1.29.– O arguido Alberto sabia que a “Memória descritiva e justificativa” de arquitetura, as plantas do projeto de arquitetura, o “Termo de responsabilidade do coordenador – Autor do projeto de arquitetura” e o “Termo de responsabilidade do autor do projeto de arquitetura”, elaborados nas circunstâncias acima descritas, continham elementos e declarações não conformes à realidade (falsos) e que as obras projetadas e realizadas violavam o Plano de Pormenor de Reabilitação Urbana de Ponte da Barca, incidindo em terreno (área) especialmente protegido nos termos da lei.
1.30.– Ao contrário do declarado no “Termo de responsabilidade do coordenador – Autor do projeto de arquitetura” e no “Termo de responsabilidade do autor do projeto de arquitetura”, referidos nos números 1.11 e 1.12, o projeto de arquitetura não observava as normas legais e regulamentares, os instrumentos de gestão territorial aplicáveis, designadamente o Plano de Pormenor de Reabilitação Urbana de Ponte da Barca – facto do conhecimento do arguido Alberto, que elaborou ou mandou elaborar tais termos e os deu a assinar à arquiteta Isabel.
1.31.– O arguido Alberto agiu livre e conscientemente, com o propósito de beneficiar os donos dos prédios inscritos na matriz predial de Ponte da Barca sob os nºs 172 e 206, ampliando, como efetivamente aconteceu, as áreas de construção e as áreas úteis de tais prédios.
1.32.– O arguido Alberto sabia que as suas descritas condutas eram contrárias ao direito.
1.33.– No dia 6 de Setembro de 2012, quando foi presente ao arguido José para análise, o “pedido de comunicação prévia”, referente ao processo CP-Edi - 19/2012, emitiu parecer favorável à aprovação do mencionado “pedido de comunicação prévia”, não só porque já estava na posse do parecer favorável da DRCN, mas ainda condicionado à verificação do cumprimento das seguintes obrigações:

I - Na obra de abastecimento de água e tendo em consideração o impacto negativo da colocação das caixas de contador nas fachadas dos edifícios, e por se situar no Centro Histórico, deverão as referidas caixas serem colocadas no espaço comum/hall da entrada do denominado piso 2;
II - Na obra de saneamento de águas residuais domésticas a ligação ao coletor público deverá ser apenas uma, sendo a caixa de ramal implantada no exterior do edifício e na rua …;
II - Na obra de drenagem de águas pluviais a ligação ao coletor público deverá ser apenas por um ramal em cada rua;
IV - As ligações de outras infraestruturas deverão ser subterrâneas;
V - Os beirados da cobertura não poderão ultrapassar as paredes laterais do edifício;
VI - Ficarão ao encargo do requerente todas as reparações e substituição de materiais, existentes na via pública, com a execução da obra.
1.34. – O arguido, ainda antes de emitir o seu parecer favorável ao referido “pedido de comunicação prévia”, também teve em conta uma informação da autoria da Técnica Superior da CM PB, Ana.
1.35.– O parecer favorável da DRCN emitido cm 05/04/12, refere no ponto 2 - Apreciação: “Pretende-se proceder à sua reconstrução, para o que se prevê a implantação de um sistema estrutural de betão armado, sendo o edifício a desenvolver com a volumetria preexistente”.
1.36.– O arguido José não tinha acesso ao interior da obra.
1.37.– Mais tarde os serviços técnicos da CM PB constataram uma ampliação do edifício nos dois pisos superiores.
1.38.– Entre 2011 e 2012, o arguido exerceu as funções correspondentes ao cargo de Chefe de Divisão da Administração e Conservação do Território (DACT) na CM PB, competindo-lhe coordenar as acções desenvolvidas no âmbito das duas unidades que integravam a DACT.
1.39.– O arguido Manuel tinha confiança nos seus subalternos.
1.40.– A Unidade de Gestão Urbanística e Licenciamentos Diversos (UGULD) da CM PB tinha competências específicas na gestão urbanística do município, nomeadamente na condução dos processos de obras particulares, garantindo os procedimentos administrativos aplicáveis aos respetivos requerimentos/pedidos.
1.41.– A Unidade de Gestão Urbanística e Licenciamentos Diversos integrava, à data, os seguintes funcionários:

Chefe de Divisão - Manuel;
Chefe de Unidade - José;
Técnico Superior de Arquitetura - Ana;
Gestora de Procedimento - M. G.;
Funcionário administrativo - M. B.;
1.42.– A DACT (Divisão da Administração e Conservação do Território) era integrada por algumas dezenas mais de funcionários.
1.43.– Competia aos funcionários supra referidos, no âmbito da condução dos processos de obras particulares:

- Chefe de Divisão - Manuel - coordenar a equipa de trabalho afeta à unidade, bem como das tarefas referidas supra, no item 14°;
- Chefe de Unidade - José - Chefiar a equipa de trabalho que integra a UGULD, propor medidas ou meios para aperfeiçoamento do seu funcionamento, informar os processos de obras particulares na sua componente técnica (projetos de especialidade); substituir em funções no período de férias e faltas o Técnico Superior de Arquitetura na informação aos processos, assinar toda a correspondência/ofícios/ notificações/ alvarás de licença/ admissões de comunicação prévias da UGULD;
- Técnica Superior de Arquitectura - Ana - Informar e emitir pareceres sobre os projetos de obras particulares e de loteamentos, nomeadamente na fase do saneamento técnico dos mesmo, dando apoio técnico à gestora de procedimento na análise técnica dos documentos instrutórios dos processos; propor e elaborar regulamentos ou alterações aos existentes no âmbito da gestão urbanística; propor e executar medidas de simplificação administrativa em sequência de exigências ou determinações legais; acompanhar e apoiar as ações dos serviços de fiscalização no âmbito da gestão urbanística; participar em vistorias no âmbito da gestão urbanística, garantindo a conclusão dos respetivos processos;
- Gestora de Procedimento - M. G. - Análise, validação e informação/proposta de despacho sobre os elementos instrutórios dos processos de gestão urbanística, com a colaboração da técnica superior de arquitetura na análise dos documentos técnicos; gerir e acompanhar todas as ações administrativas conducentes ao movimento e organização dos processos de gestão urbanística, nomeadamente à sua instrução, notificações, emissão de alvarás, admissão de comunicações prévias, envio de ofícios, notificações e correto arquivo dos mesmos;
- Funcionário administrativo - M. B. - organização dos processos de gestão urbanística / nomeadamente preparação de correspondência /ofícios/ notificações, emissão de; alvarás, comprovativos de comunicações prévias, elaboração de autos, informação sobre taxas a liquidar, preparação, envio de dados estatísticos, arquivo de processos;
- Auxiliar dos Serviços Gerais - M. C. - Envio do expediente da DACT, ofícios notificações, colaboração na organização dos processos com a documentação relativa à sua tramitação, colocação e procura de processos em arquivo.
1.44.– Foi apresentado em 05/06/2012, nos serviços da CM PB, por Maria, um procedimento de controlo prévio de "comunicação prévia" relativo a uma operação urbanística de obras de reconstrução e alteração para dois edifícios (descrito como um único edifício na memória descritiva e justificativa apresentada) destinados a comércio e habitação, sendo edifícios contíguos e pré-existentes, sitos na Rua …, em Ponte da Barca.
1.45.– Com o requerimento inicial foi junto pela requerente o parecer favorável condicionado da Direção Regional de Cultura do Norte, dele constando que a operação urbanística tinha obtido parecer favorável por despacho do Senhor Diretor-Geral do Património Cultural de 26/04/2012.
1.46.– O pedido vinha igualmente instruído com termo de responsabilidade emitido pela coordenadora dos projectos, Arquitecta Isabel, ao abrigo do disposto no n.º 2 do artigo 10° do RJUE, nos termos do qual a sua subscritora declarou, entre o mais, o seguinte:
“Isabel, ... declara para efeitos do disposto no n.º 1 do artigo 10° do Decreto-Lei n°. 555/99, de 16 de Dezembro ... que o projeto de arquitetura, de que é autora, relativo ao projecto de reconstrução e alteração de um edifício destinado a habitação e comércio, que vai levar a efeito na Bua... cujo licenciamento foi requerido pela Sra. Maria ... observa as normas técnicas gerais e específicas de construção, bem como as disposições lesais e regulamentares aplicáveis, designadamente o Plano Director Municipal e Regulamento Geral de Edificações Urbanas.”
1.47.– Vinha ainda instruído com um outro termo de responsabilidade emitido pela que era simultaneamente subscritora do projecto de arquitectura, a referida Arquitecta Isabel, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 10° do RJUE, nos termos do qual a sua subscritora declarou, entre o mais, o seguinte:
“Isabel,... declara para efeitos do disposto no n°. 1 do artigo 10° do Decreto-Lei n°. 555/99, de 16 de Dezembro ... que o projecto de arquitectura, de que são coordenadores e co-autores, relativo ao projecto de reconstrução e alteração de um edifício destinado a habitação e comércio, que vai levar a efeito na Rua ... cujo licenciamento foi requerido pela Sra. Maria ... observa as normas legais e regulamentares aplicáveis, designadamente as normas técnicas gerais e específicas de construção, os instrumentos de gestão territorial.”
1.48.– O Sr. Engenheiro Técnico Alberto, no processo em causa subscreveu os termos de responsabilidades como Diretor de Fiscalização da Obra, como coordenador dos projetos de especialidades, bem como os termos relativos à elaboração destes (estabilidade de betão armado, rede de abastecimento de águas, rede de águas residuais e pluviais, Telecomunicações - ITED, instalação de gás e segurança contra incêndios).
1.49.– No penúltimo parágrafo da memória descritiva e justificativa apresentada, a subscritora do projeto de Arquitecta, Sra. Arquiteta Isabel, referia o seguinte:

“Relativamente à cércea, este edifício, apresenta cinco pisos, todos acima da cota de soleira, no que não respeita o plano, visto que este admite como cércea máxima rés-do-chão mais três pisos. Salienta-se o facto de se tratar de um prédio existente que se pretende reconstruir sem lhe introduzir qualquer tino de ampliação, pelo que se baseia no “princípio da garantia do existente.”
1.50. – Assim, no dia 06/06/2012, dia imediato ao da entrada nos serviços municipais, o requerimento, com todos os elementos e peças escritas e desenhadas que o instruíram, foi submetido a saneamento administrativo da Sra. Coordenadora Técnica e gestora do procedimento, M. G., que proferiu informação alertando para o seguinte:

“...a certidão da conservatória do registo predial não se encontra válida, Também não é apresentada declaração emitida pelo INCI, nos termos do n°. 4 do artigo 22.º da Lei n°. 31/2009, de 3 de Julho. Após saneamento técnico, deverá ser notificado o requerente de acordo com o n°. 3 do artigo 11° do RJUE para completar o pedido no prazo de 15 dias, sob pena de rejeição liminar do mesmo”
1.51.– Em 08/06/2012, dois dias após a entrada do procedimento foi feito o saneamento técnico, através de informação da Sra. Arquitecta Ana, que é do seguinte teor:

“Da apreciação do serviço de topografa resulta o seguinte-

1. O Levantamento Topográfico apresentado, apesar da falta de representação de curvas de nível, exigidas na al. a) do n.º 4 do artigo 7.º do RMUE, parece-nos ser de aceitar, uma vez que a densidade de pontos altimétricos e elementos relevantes apresentados são suficientes para a adequada caracterização do local
2. Pode-se, nesta situação, uma vez que todas as outras condições estão verificadas, dar como cumprido o artigo 7o do RMUE.
3.2. Concordo com o informado pela gestora do procedimento.
4.3. O parecer da Direcção Regional de Cultura do Norte emitiu parecer favorável condicionado. Assim, deve ser solicitada consulta externa àquela entidade que nos termos da lei deve emitir parecer vinculativo relativamente à pretensão em epígrafe.
5.3. Para o efeito deve constar da notificação ao requerente, conforme informou anteriormente a gestora do procedimento, a necessidade do interessado juntar o parecer final da Direcção Regional de Cultura do Norte, caso contrário terá que se promover tal consulta junto do portal do RJUE, n°. 1 do art.° 13° do RJUE.
6.4. É 0 que me cumpre informar e propor”
1.52.– Em 11/06/2012, sobre a informação constante do item anterior, recaiu despacho do arguido Manuel, do seguinte teor:

“Deverá o interessado aperfeiçoar a instrução do requerimento, nos termos da informação precedente”.
1.53.– Em 11/06/2012, na sequência de tal despacho, foi remetida à requerente do procedimento notificação a dar-lhe conta das insuficiências instrutórias referidas no saneamento administrativo e no saneamento técnico do procedimento, concedendo-lhe o prazo de 15 dias para apresentar os documentos em falta sob pena de rejeição liminar do pedido, notificação essa recebida a 13/06/2012.
1.54.– Em 28/08/2012, depois de ter solicitado e obtido a prorrogação do prazo para apresentação dos elementos em falta (fls. 220/223), a requerente apresentou tais elementos, nomeadamente, e para o que aqui releva, o parecer final favorável da Direcção Regional de Cultura do Norte, constando do documento apresentado que, “...por despacho do Sr. Director de Serviços dos Bens Culturais de 20/07/2012 ... foi emitido parecer favorável sobre o processo acima referido”.
1.55. – Foi ainda apresentado documento comprovativo de que por despacho da Senhora Diretora Regional da Cultura do Norte de 11/07/2012 foi emitido parecer favorável ao respetivo Plano de Trabalhos Arqueológicos.
1.56.– Em 06/09/2012, foi então emitida informação pelo Chefe de Unidade de Gestão Urbanística e Licenciamentos Diversos, Sr. Eng°. José, pronunciando-se sobre os projectos de engenharia de especialidades, do seguinte teor:

“Analisando o processo e de posse do parecer favorável da DRCN, emitimos parecer favorável à aprovação da presente comunicação prévia, condicionada ao seguinte:

1- Na obra de abastecimento de água e tendo em consideração o impacto negativo na colocação das caixas de contador nas fachadas dos edifícios, e por se situar no Centro Histórico, deverão as referidas caixas serem colocadas no espaço comum/hall da entrada do denominado piso 2;
2- Na obra de saneamento de águas residuais domésticas a ligação ao coletor público deverá ser apenas uma, sendo a caixa de ramal implantada no exterior do edifício e na rua ….
3- Na obra de drenagem de aguas pluviais a ligação ao coletor público deverá ser apenas por um ramal em casa rua;
4- As ligações de outras infraestruturas deverão ser subterrâneas;
5- Os beirados da cobertura não poderão ultrapassar as paredes laterais do edifício;
6- Ficarão ao encargo do requerente todas as reparações e substituição de materiais, existentes na via pública, com a execução da obra".
1.57. – No mesmo dia 06/09/2012, foi emitido o parecer final do arguido Manuel, datado do mesmo dia 06/09/2012, que é do seguinte teor: “Propõe-se superiormente a admissão do pedido de comunicação prévia em conformidade com a informação precedente”.
1.58.– A comunicação prévia viria então a ser deferida por despacho do Sr. Presidente da CM da mesma data, que é do seguinte teor: “Concordo. D.N.”
1.59.– O processo decorria digitalmente, sendo que a informação ou outro ato de cada interveniente chega às mãos do destinatário respectivo em tempo real.
1.60.– Na estrutura da Divisão, era a Sra.. Arquiteta Ana que tinha a seu cargo o saneamento técnico e a apreciação dos projetos de arquitetura.
1.61.– No segundo procedimento de comunicação prévia apresentado em consequência da declaração de nulidade do primeiro, o qual correu na CM sob o n°. CP- EDI-16/2014, a mesma técnica, Arquitecta Ana, em 01/08/2014 e 29/09/2014, volta a suscitar, como efetivamente lhe competia, as mais variadas questões sobre os elementos apresentados pela requerente do procedimento (que mais uma vez recorreu à mesma Sra. Arquiteta Isabel como coordenadora de projetos e autora do projeto de arquitetura), nomeadamente, sobre o levantamento topográfico, demais peças desenhadas apresentadas, memória descritiva, etc.
1.62.– Os edifícios objeto da operação urbanística requerida situam-se em área abrangida pelo Plano de Pormenor de Reabilitação Urbana de Ponte da Barca ou Plano de Pormenor do Centro Histórico.
1.63.– Em conformidade com os elementos que instruem o PP do Centro Histórico, nomeadamente no processo que integra a sua FASE III, de 1988, são reproduzidos em desenho a caraterização das delimitações dos pisos e dos alçados do conjunto edificado em todo o quarteirão onde se inserem os dois prédios em causa, tal como a Sr. Arquiteta Ana veio posteriormente a referir na sua informação de 24 de Julho de 2013.
1.64.– Qualquer técnico da CM, tal como da DRCN, sabia que a zona em que os prédios se situam está abrangida pela área do Plano de Pormenor do Centro Histórico de Ponte da Barca.
1.65.– A Sra. Arquiteta Isabel, subscritora do projeto de arquitectura, declarou falsamente na memória descritiva e justificativa que apresentou que não haveria qualquer tipo de ampliação e que a reconstrução se baseava no princípio da garantia do existente previsto no artigo 60° do RJUE.
1.66. – No levantamento topográfico e demais peças desenhadas apresentadas, a requerente da comunicação prévia não fez a correcta caraterização topográfica dos dois edifícios, quer sobre o aspeto planimétrico, definidor dos limites das paredes laterais, dos prédios confinantes até 15 metros, dos vãos existentes e limites das coberturas, quer sobre o aspecto altimétrico, definidor do n.° de pisos, limites das paredes laterais, limites de beirados, dos vãos existentes e da profundidade dos pisos.
1.67.– O arguido Manuel veio a ter conhecimento de que o projeto não respeitava o Plano de Pormenor após a notificação ao infrator para dar continuidade aos trabalhos de demolição parcial das obras executadas e consideradas ampliação da construção existente, resultantes do auto de vistoria efetuado em 05.05.2014 pelos técnicos superiores, Eng°s. André e M. S. e Arquiteto I. C.. - fls. 340/340v° do processo administrativo, e da informação técnica da Sra. Arquiteta. Ana, datada de 08/05/2014 - fls. 339 do processo administrativo - quando ele já se encontrava a chefiar uma outra Divisão, isto é, a Divisão Administrativa e Conservação do Território.
1.68.– A requerente procedeu à ampliação dos edifícios, o certo é que nas peças que apresentou declarou expressamente que não havia qualquer tipo de ampliação e que se limitava a reconstruir a pré-existência, invocando o princípio da garantia do existente consagrado no artigo 60° do RJUE e sendo que as plantas dos diversos pisos identificavam construção existente a reconstruir e não a prolongar/ampliar.
1.69.– O arguido Manuel desconhecia que o projecto englobava, na realidade e ao contrário do que era afirmado nas peças escritas e desenhadas apresentadas, a ampliação dos edifícios existentes.
1.70.– Só bem mais tarde os serviços detetaram, face ao problema suscitado em reunião da CM, que as obras em execução levantaram, que o levantamento topográfico e o levantamento em desenho do existente estavam errados e eram falsos, pois que parte da área de construção era maior do que a área real existente.
1.71.– O arguido Manuel desconhecia que o projeto e os elementos que o instruíam contrariavam qualquer norma ou regulamento aplicável, desconhecendo a falsidade e incorrecção do levantamento topográfico apresentado, dos termos de responsabilidade e das demais peças escritas e desenhadas juntas pela requerente da comunicação prévia, que davam por existente uma realidade que efectivamente não existia, não se lendo apercebido de que no processo era referido pela autora do projecto de arquitectura que o instrumento de gestão territorial aplicável era o PDM e não o PP do Centro Histórico.
1.72.– O arguido Manuel convenceu-se, em face dos pareceres que foram emitidos no processo, anteriores à sua pronúncia, pelo seu subalterno José e pela DRCN, que nenhuma violação de qualquer norma legal ou regulamentar se verificava, sendo que aqueles suscitaram no mesmo um sentimento de confiança de que estava a atuar dentro dos parâmetros da lei e de que da sua informação não resultaria qualquer benefício ilegítimo para a requerente da comunicação prévia.
1.73.– Uma vez detetada a ilegalidade, os serviços da CM propuseram a declaração de nulidade da comunicação prévia e a reposição das obras no estado anterior à intervenção, no que à ampliação respeitava, com a consequente obrigação de sujeitar as mesmas a um pedido de legalização, o que veio a ser deferido e concretizado.
1.74.– Regra geral o arguido Manuel foi um profissional e funcionário honesto, diligente e zeloso.
1.75.– O arguido Manuel não tem registadas condenações disciplinares.
1.76.– O arguido Alberto não conhecia a dona da obra.
1.77.– O arguido Alberto não era nem sócio nem gerente da “X - Arquitectura e Engenharia Lda.” aquando da contratualização dos serviços que esta prestou na obra de Maria.
1.78.– Em 2010 o arguido Alberto era um Engenheiro Técnico ao serviço da “X” e elaborava projetos de especialidade.
1.79.– Tiago deslocou-se ao local e elaborou o levantamento topográfico, nomeadamente, levantamentos do existente.
1.80.– Em 2010 a “X” era gerida pela sócia e gerente Manuela.
1.81.– O representante de Maria, dona da obra, era V. C..
1.82.– O processo interno encontrava-se já instruído com o levantamento do existente efetuado, tal como de costume, por Tiago.
1.83.– Os trabalhos foram inicialmente contratados com a “X”, na pessoa da sócia gerente Manuela.
1.84.– Em 11 de Abril de 2011, a sócia e gerente Manuela foi acometida de doença incapacitante e o arguido Alberto assumiu a gerência da “X - Arquitectura e Engenharia Lda.”
1.85.− Em meados do mês de Abril de 2012 o Sr. V. C. deslocou-se às instalações da “X” deu instruções para que o processo fosse retomado.
1.86.– O arguido Alberto, enquanto gerente da “X”, solicitou à Sra. Arquiteta Isabel para subscrever o processo já que não tinha legalmente capacidade para o fazer, nem ele enquanto Engenheiro Técnico, nem Tiago.
1.87.– O arguido Alberto interveio na solução imediatamente ao apontar das irregularidades pela CM.

Mais se provou que:
1.88.– O arguido Alberto está casado; aufere cerca de 1000 euros mensais assim como a sua esposa; vive em casa própria mas paga um empréstimo bancário de 370 euros mensais; tem uma filha de um ano de idade a ser cargo; nasceu em 26/02/1981 e é engenheiro civil.
1.89.– O arguido Manuel aufere cerca de 1700 euros mensais; está casado; a sua esposa é comerciante e aufere cerca de 700 euros mensais; é proprietário de 3 prédios urbanos e de 1 prédio rústico; nasceu a 16/04/1957 e tem Bacharelato em Engenharia Civil.
1.90.– O arguido José está casado; aufere cerca de 1400 euros mensais; a espessa aufere 800 euros mensais; tem uma filha a seu cargo a estudar no ensino superior; nasceu a 22/07/1956 e é engenheiro civil.
1.91.− A arguida “X – Arquitetura e Engenharia, Lda.” é proprietária do veículo automóvel com a matrícula NA no valor aproximado de 13.000 euros.
1.92.– Os arguidos não têm averbados antecedentes criminais no registo criminal.».

Factos não provados:

«2.1.− Das peças em documento que acompanhavam o “pedido de comunicação prévia”, não faziam qualquer referência ao interior da obra.
2.2.− Sem que essa situação fosse comunicada ao respectivo processo.
2.3.− Os serviços técnicos de urbanismo da CM limitam-se a analisar o atestado pelos autores do projecto, não sendo possível aferir da discrepância entre o constante nos documentos apresentados e os que instruíam a “comunicação prévia” e a realidade fáctica ou física existente.
2.4.− O arguido José ao emitir o seu parecer de 06/09/2012, fê-lo na plena convicção de que não estava a violar quaisquer regras urbanísticas, designadamente as regras previstas no “Regulamento do Plano de Pormenor de Reabilitação Urbana de Ponte da Barca”.
2.5.− Se o mencionado processo n° CP-EDI - 19/2012, e o consequente “pedido de comunicação prévia”, não respeitasse os regulamentos em vigor, o arguido jamais teria emitido parecer favorável.
2.6.− O arguido José tem total consciência de que não beneficiou quem quer que seja.
2.7.− No exercício do seu cargo de chefe de divisão sempre respeitou os pareceres e informações técnicos que eram dados pelos seus subalternos, fundamentando sempre as suas propostas de decisão aos seus superiores hierárquicos nesses pareceres e informações.
2.8.− O projecto de arquitectura era da responsabilidade de outro funcionário da “X” de nome Tiago que elaborou todo o processo.
2.9.− O prédio foi adquirido pela requerente das obras em finais de 2010.
2.10.– Ainda durante a gerência de Manuela, V. C. deslocou-se ao escritório da “X” e deu ordens para suspender o processo.
2.11.− Até esta fase, nunca o ora arguido Alberto teve qualquer contacto com o dono da obra, com V. C. ou sequer com a obra.
2.12.− O arguido Alberto não mandou executar nem elaborar, nem deu instruções, nem entregou ou sequer acordou os termos ou as peças do projecto.
2.13.− O arguido Alberto desconhecia os levantamentos existentes e efetuados por Tiago.
2.14.− O arguido Alberto não conhecia a obra.
2.15.− O arguido Alberto não deu quaisquer ordens ao processo.
2.16.− O arguido Alberto não preencheu ou subscreveu qualquer peça.
2.17.− O arguido Alberto nunca contactou com o dono da obra nem com o seu representante
2.18.− O arguido Alberto não deu ordens para enviar o processo para a CM.
2.19.− Os arguidos José e Manuel sabiam que a “Memória descritiva e justificativa” de arquitetura, as plantas do projeto de arquitetura, o “Termo de responsabilidade do coordenador – Autor do projeto de arquitetura” e o “Termo de responsabilidade do autor do projeto de arquitetura”, elaborados nas circunstâncias acima descritas, continham elementos e declarações não conformes à realidade (falsos) e que as obras projetadas e realizadas violavam o Plano de Pormenor de Reabilitação Urbana de Ponte da Barca, incidindo em terreno (área) especialmente protegido nos termos da lei.
2.20.− Os arguidos José e Manuel agiram livre e conscientemente, com o propósito de beneficiarem os donos dos prédios inscritos na matriz predial de Ponte da Barca sob os nºs … e ….
2.21.− Os arguidos José e Manuel sabiam que as suas descritas condutas eram contrárias ao direito.».

3. Motivação da matéria de facto (sic):

« Nos termos do disposto no artigo 127.º do Código de Processo Penal, a prova é apreciada segundo as regras da experiência comum e a livre convicção do julgador.
A convicção do Tribunal fundou-se em todos os meios de prova produzidos e examinados em audiência de julgamento, nomeadamente, nas declarações dos arguidos Alberto (por si e na qualidade de representante legal da sociedade “X – Arquitetura e Engenharia, Lda.”), Manuel, José, e nos depoimentos das testemunhas Maria, Ana, C. L., Augusta, Pedro, Isabel, Paulo, Manuela, V. C., H. P., Tiago, A. F., A. G., Carlos A., António M., António I., A. A.,
Não foi feita prova bastante que afaste a genuinidade dos documentos juntos, pelo que relativamente aos documentos não autênticos (cfr. artigo 169.º do Código de Processo Penal, o qual refere que “consideram-se provados os factos materiais constantes de documento autêntico ou autenticado enquanto a autenticidade do documento ou a veracidade do seu conteúdo não forem fundadamente postas em causa”), o seu teor pode ser valorado livremente pelo Tribunal, conjugando os mesmos com a demais prova produzida e as regras de experiência. Assim sendo, o Tribunal teve em consideração os documentos juntos aos autos (designadamente, de fls. 8, 17, 19 a 26, 30, 31, 56 a 51/verso, 74 a 79, 92 a 103, 115 a 139, 202 a 222; documentos juntos com as contestações; documentos juntos a fls. 683-689: o teor do processo administrativo apenso; o teor das consultas na base de dados de registo de bens móveis, na Repartição de Finanças, na Segurança Social e na Conservatória do Registo Predial de fls. 547-550, 555-565, 566-588, 590-603, cujo teor se considera aqui integralmente reproduzido; o relatório do Órgão de Polícia Criminal quanto à situação económico-financeira dos arguidos e dos seus encargos pessoais de fls. 609-611; os certificados do registo criminal juntos aos autos a fls. 698-701; documentos juntos no decurso da audiência de julgamento; fotografias de fls. 796 e 800-814).
Teve-se em consideração o teor da jurisprudência plasmada no Ac. do STJ de 31/05/2006, proc. n.º 06P1412, in www.dgsi.pt, de acordo com a qual “Os documentos juntos aos autos não são de leitura obrigatória na audiência, considerando-se nesta produzidos e examinados, desde que se trate de caso em que a leitura não seja proibida.” e no Ac. do TRC de 06/01/2010, proc. n.º 20/05.9TAAGD.C1, in www.dgsi.pt, segundo a qual “É permitida, mas não obrigatória, a leitura em audiência de julgamento dos documentos existentes no processo, independentemente dessa leitura, podendo o meio de prova em causa ser objecto de livre apreciação pelo tribunal, sem que resulte ofendida a proibição legal prevista no art. 355.º do Código de Processo Penal”.
Note-se que a prova produzida deve ser analisada atenta a segurança oferecida por cada elemento probatório (considerado individualmente, nomeadamente, quanto à sua credibilidade, isenção e fundamentação da razão de ciência), e bem assim ponderada de acordo com o seu confronto com os demais elementos de prova existentes nos autos (v.g., prova documental e testemunhal), por forma a que o resultado final não produza uma decisão injusta, insuficientemente segura em termos de corroboração factual, ou incoerente com a realidade e o normal acontecer dos factos.
Assim sendo, compreende-se que uma testemunha contribua activamente para alicerçar o Tribunal na formação da convicção da realidade de um facto pela mesma relatado, atenta a sua isenção e fundamentação da razão de ciência quanto a esse mesmo facto, mas também pode acontecer que essa mesma testemunha transmita ao Tribunal outros factos que, quando confrontados com os demais elementos de prova produzida (e legalmente admissíveis), não sejam bastantes para fundamentar a resposta em determinado sentido dada pelo Tribunal à matéria factual em análise nos autos.
Cumpre salientar que tendo a prova sido gravada, de modo algum se deve aqui reproduzir o teor da mesma, por tal não corresponder à letra e ao espírito da lei e ser impraticável na prática, mas sim frisar os pontos essenciais (nomeadamente no que respeita à fundamentação da razão de ciência, isenção, coerência, segurança e emotividade que pautaram em concreto cada depoimento) que determinaram que a convicção do julgador (relativamente ao qual a prova se produziu presencialmente) se formasse no sentido em que consta do elenco dos factos provados.
De referir ainda que a lei não exige que em relação a cada facto se autonomize e substancie a razão de decidir, como também não exige que em relação a cada fonte de prova se descreva como a sua dinamização se desenvolveu em audiência, sob pena de se transformar o ato de decidir numa tarefa impossível (cfr. Ac. do Tribunal Constitucional n.º 258/2001: “não é inconstitucional a norma do n.º 2 do art. 374.º do CPP, quando interpretada em termos de não determinar a indicação individualizada dos meios de prova relativamente a cada elemento de facto dado por assente”).
Concretizando, quanto ao arguido Alberto (casado, engenheiro civil, residente no Lote …, Ponte da Barca; disse conhecer os demais arguidos) negou que teve qualquer intervenção na elaboração dos elementos que foram apresentados na CM (excepto os relativos aos projetos das especialidades); remeteu todas as responsabilidades para o funcionário Tiago da “X” que efetuou o levantamento topográfico (do existente), mas logo adiantou que se alguma coisa estava mal tal deveu-se a mero erro não intencional.
Repetidamente referiu que tem confiança nos funcionários da “X” pelo que não conferiu, nem acha que tem de conferir o trabalho deles.
Confirmou que como a obra era de dois edifícios na zona histórica de Ponte da Barca teve que pedir à arquiteta Isabel para assinar o projeto de arquitetura, previamente elaborado na “X”, pois sabia que legalmente só um arquiteto podia assinar o mesmo. Apesar desse conhecimento afirmou que desconhecia os desenhos anexos ao Plano de Pormenor que precisamente retratam os edifícios da zona histórica de Ponte da Barca.
Igualmente confirmou que arquitecta Isabel assinou o projeto de arquitetura “de cruz”, ou seja, a mencionada Sra. arquiteta assinou um projeto de arquitetura que não era da sua autoria e sem analisar o seu conteúdo. Mais uma vez referiu o arguido que tal sucedeu porque havia uma relação de confiança, tanto mais que isso era habitual por já ter acontecido antes.
O arguido alicerçou o cometimento de diversas condutas na dita confiança. Para esse arguido basta haver confiança que nada se poderá considerar impróprio ou ilícito.
Assegurou ao tribunal que, depois de confrontado pelos serviços da CM com a desconformidade do projeto e da obra com o Plano de Pormenor de Reabilitação Urbana de Ponte da Barca (doravante designado por Plano de Pormenor), atuou com diligência (junto do representante do dono da obra e junto dos serviços da CM) no sentido da situação ser corrigida.
Disse o arguido que “não elaborei nem mandei elabora”, mas que “apenas mandei dar seguimento”. O arguido claramente refugiou-se na escolha das palavras para não admitir os factos que constam na acusação pública, apesar de ser sócio gerente da “X” e de ter sido durante a sua gerência que o processo “teve andamento” após ter estado parado algum tempo na “X”.
Confirmou que o processo iniciou na “X” em 2010 e foi entregue na CM em 2012; que os documentos que foram apesentados na CM foram aqueles que estão mencionados na acusação.
Referiu que o levantamento topográfico não aumenta a área e que não foi alterada qualquer fachada, o que notoriamente não corresponde à verdade, considerando:

- a área de construção a mais em dois pisos e contemplada no projeto e que depois teve de ser demolida;
- considerando ainda o teor das fotografias tiradas no local por Tiago, quando foi contratado o serviço à “X”, e juntas em audiência de julgamento (cfr. em especial as fotografias de fls. 800, onde se pode constatar que as paredes originais do edifício a “reconstruir” ficam muito aquém do edifício confinante);
- considerando ainda as declarações enganatórias proferidas por Tiago em julgamento em que, segundo ele, o levantamento topográfico teve em conta a existência de um terraço no edifício confiante, pelo que no prédio a “reconstruir” se pode construir dois pisos considerando a área do terraço do prédio vizinho;
- considerando ainda as declarações enganatórias proferidas por Tiago em julgamento em que, segundo ele, alinhou a fachada do edifício a “reconstruir” com a fachada do edifício confinante, no entanto, a fachada confiante é a que consta a fls. 800, o que não foi tido em conta no projeto apresentado.
Disse que “o levantamento topográfico está errado e as peças foram elaboradas com base nesse levantamento”, “admito que não foi verificado se o projeto cumpria o plano da CM PB pois não foram ver os desenhos que não constavam on line”, “sabia que era um edifício histórico e as exigências são mais”, “a arquiteta contratada só subscreveu pois eu disse-lhe e ela assinou de cruz porque confiava em mim”, “no nosso gabinete na altura a sra. arquiteta assinava na base da confiança”, eu faço todas as especialidades para ela”, “no levantamento estava desenhado a mais do que existia”, “as peças desenhadas não prestam falsas declarações pois tomam por certo o levantamento topográfico”, “as peças que entraram na Câmara respeitavam o PDM”, “não sei porque atrasou o projeto, eu não tinha contacto com a gerente”, “eu sempre confiei, eu não posso verificar os processos todos”, “a fachada que foi demolida andou para trás cerca de 2 metros”.
Das declarações prestadas em julgamento resulta confessada a falsidade do declarado pela testemunha no termo de responsabilidade, na memória descritiva e justificativa, e peças desenhadas, quanto à autoria da elaboração do projeto de arquitetura (cfr. fls. 18-21 e segs.), circunstância que bem sabia o arguido Alberto, tanto mais que foi o próprio e a testemunha Tiago da “X” que produziram e instruíram para apresentação na Camara Municipal o projeto que deu início ao processo de Comunicação Prévia.
Das declarações prestadas em julgamento, não só do arguido Alberto mas também em especial por Isabel e Tiago resulta ser inverosímil a defesa do arguido Alberto de que desconhecia a existência dos desenhos anexos ao Plano de Pormenor, tanto mais que declarou que sabia que a obra em causa se situava na zona histórica, que por isso até era necessário que o projeto de arquitetura fosse elaborado e assinado por um arquiteto, que os prédios existentes tinham o “miolo” em ruínas e faltava uma fachada, logo para apresentar o projeto tinha de “reconstituir” os imóveis respeitando a sua anterior configuração (antes da ruína), pelo que que tinha de ativamente apurar a anterior configuração junto da CM.
Acresce ser inacreditável a defesa do arguido Alberto de que desconhecia a existência dos desenhos anexos ao Plano de Pormenor porque eles não estavam disponíveis na internet, ora é por demais sabido por todos os profissionais que até os desenhos e o texto relativos a um PDM e mesmo que estejam disponíveis na internet não dispensa a sua consulta integral e até junção de certidão ao requerimento apresentado na CM. Até a arquiteta Isabel declarou que é do senso comum a existência de um plano de pormenor quanto a um centro histórico, o que implica a sua consulta e análise plena, tanto mais que os edifícios em causa tinham o seu interior em ruínas e faltava uma fachada.
O arguido era o gerente da “X” desde Abril de 2011 e responsável pela apresentação do pedido de “reconstrução” e de toda a documentação na CM e como o próprio disse foi ele que pediu à arquiteta Isabel para assinar um projeto que sabia que ela não elaborara.
Se é certo que entendemos que o arguido eventualmente não interveio na reunião inicial, em 2010, em que V. C. solicitou a elaboração de um estudo à gerente da “X” na altura Manuela, na presença de Tiago. Também é certo que a mencionada gerente apenas referiu que se havia efetuado o levantamento topográfico (em bom rigor chama-se levantamento do existente) e o estudo sobre o que se podia fazer, sendo que o preço seria calculado com base na área de construção (como Manuela expressamente referiu). Tudo o mais foi feito durante a gerência do arguido Alberto com a sua participação enquanto gerente e enquanto engenheiro, pelo que o projeto só foi apresentado na CM em 05/06/2012.
É claro que foi o próprio arguido Luís que fez o projeto das especialidades e mandou instruir o processo com os necessários elementos para entregar na Câmara e pediu à arquiteta Isabel para assinar o projeto de arquitetura (sendo que as datas que constam nos documentos assinados por essa arquiteta são de Maio de 2012, ou seja, já há muito que o arguido Alberto exercia a gerência “X”, o qual se tornou gerente em Abril de 2011 e bastante depois do falecimento do marido da dona da obra, ocorrido em 30/09/2011, o que aliás indicia que só depois do falecimento deste que é que o “processo andou na X”).
É claro que se o projeto de arquitetura fosse feito na “X” antes do início da gerência do arguido Alberto e sem assim a sua intervenção já estaria assinado muito antes de Maio de 2012 pela arquiteta Isabel, tanto mais que ela referiu que já há muitos anos que conhecia a “X” e o Alberto e que assinava de cruz projetos de arquitetura para esse gabinete.
É claro que quanto maior for a área de construção maior é a satisfação do promotor da obra e o preço dos serviços prestados pela “X”.
É claro que não existia fundamento bastante e justificado para Tiago aumentar a área dos dois pisos superiores (como supra se referiu e se volta a analisar a questão mais abaixo na presente motivação da convicção do tribunal).
É claro que foi o arguido Alberto que pediu à arquiteta Isabel para assinar um projeto de arquitetura e demais elementos bem sabendo que ela não os elaborou.
É claro que a relação de confiança entre o arguido Alberto e o seu funcionário Tiago não isenta o mesmo da sua responsabilidade.
Manuel (casado, de 60 anos de idade, funcionário público a exercer funções na CM PB, residente no lugar do …, Arcos de Valdevez; disse conhecer os demais arguidos) referiu, no essencial, que correspondem à verdade os factos, mencionados na acusação, relativos às suas funções na CM PB. Explicou o procedimento normal de um processo do tipo dos presentes autos e disse que os funcionários têm de saber e aplicar os instrumentos em vigor de planeamento da CM; esclareceu a divisão orgânica dos serviços.

Centrou a sua defesa, essencialmente no seguinte:

- que houver um erro na apreciação do caso na CM porque o levantamento topográfico afinal estava mal;
- que confia nos seus inferiores hierárquicos pelo que não pode nem acha que tem de verificar o trabalho deles quando decide concordar com os seus pareceres. O arguido apresentou um entendimento verdadeiramente desconcertante/ligeiro das suas funções enquanto dirigente na CM PB, pois das suas declarações resulta claro que acha que pode simplesmente colocar a expressão de concordo e propor a superior aprovação, sem ver nem analisar o processo físico nem analisar corretamente o roteiro da tramitação eletrónica do processo na CM (note-se que no caso concreto nem sequer existia um parecer prévio de um arquiteto da CM, positivo ou negativo, sobre o projecto de arquitetura apresentado pelo particular), sem verificar em concreto se estão mesmo preenchidos os pressupostos para a sua decisão de propor a aprovação.
O arguido procurou confundir deliberadamente em julgamento o julgador misturando diversas temáticas dizendo que, sendo dirigente, não tem de proferir extensas decisões; que confiando nos seus funcionários não tem que repetir o trabalho deles; que a sra. arquiteta Ana referiu que o levantamento topográfico cumpria as regras urbanísticas logo isso e o demais referido pela mesma nesse momento é o parecer técnico sobre o projeto de arquitetura; que era óbvio que obra em causa era de ampliação pelo que o procedimento junto da Câmara não devia de ser de Comunicação Prévia logo o pedido devia ser liminarmente rejeitado no saneamento administrativo ou no saneamento técnico feito pela arquiteta Ana.

Sobre a defesa do arguido Manuel cumpre dizer:

- mas é claro que o arguido não tem de fazer o mesmo trabalho do seu inferior hierárquico! Isso não está em causa. O que o arguido Manuel tem de fazer é de analisar e controlar o trabalho dos inferiores hierárquicos, mormente no controlo dos trâmites procedimentais e legais e de análise do conteúdo. A confiança que um dirigente possa ter no seu inferior hierárquico não isenta aquele dos seus deveres, sob pena inutilidade das funções de um dirigente e de eventualmente incorrer em responsabilidade disciplinar e/ou criminal.
- mas é claro que o arguido Manuel não tem necessariamente de produzir extensas decisões, contudo a brevidade da decisão não pode afastar a análise do caso concreto nem o acerto da decisão (nas diversas vertentes sobre que se debruça).
- contrariamente ao referido pelo arguido Manuel é manifesto, da análise do roteiro da tramitação eletrónica do processo na CM, que o teor da informação prestada nesse roteiro pela Sra. arquiteta Ana, e qualificada expressamente pela mesma, como saneamento técnico (ou seja, apreciação sobre a existência ou não dos elementos necessários ao caso), não corresponde a um parecer técnico sobre o projeto de arquitetura, tanto mais que nesse momento alerta-se para a falta de elementos que devem ser juntos pelo interessado e que a correspondência do levantamento topográfico com o artigo 7.º do RMUE aí referido é, como é óbvio, a sua conformidade com as regras sobre como se deve elaborar o levantamento topográfico. O arguido Manuel enquanto dirigente sabia/tem de saber isso.
- o arguido Manuel disse que considerou a informação prestada pela arquiteta Ana como sendo um parecer positivo do projeto de arquitetura (apesar de ser evidente que tal não correspondia à verdade, pois no roteiro informático dos trabalhos na CM PB (cfr. fls. 130 e segs. do processo judicial) aparece a menção de “saneamento técnico” e de aí não se exara qualquer parecer positivo quanto ao projeto de arquitetura).
- se o arguido Manuel entendia/entende que era óbvio que obra em causa era de ampliação pelo que o procedimento junto da Câmara não devia de ser de Comunicação Prévia, logo o pedido devia ser liminarmente rejeitado no saneamento administrativo ou no saneamento técnico feito pela arquiteta Ana, então mais óbvia será a conclusão que muito mal esteve o arguido, enquanto dirigente, em decidir concordar com as informações dos seus subordinados e propor o superior deferimento.
O arguido Manuel atuou negligentemente no exercício das suas funções de dirigente na CM PB, ao não analisar e controlar devidamente o trabalho dos inferiores hierárquicos, mormente no controlo dos trâmites procedimentais e legais e de análise do conteúdo. Contudo, cumpre salientar, que da produção de prova em julgamento não se apurou qualquer intenção (dolo) desse arguido em atuar de modo consciente da desconformidade da sua conduta com as normas urbanísticas. O arguido Manuel é uma pessoa e um profissional sério e dedicado, com uma longa carreira consagrada ao serviço público.
José (casado, de 60 anos de idade, engenheiro civil, residente na Av.ª … Ponte de Lima; disse conhecer os demais arguidos) referiu, no essencial, que na altura dos factos era técnico superior na CM PB; que nunca teve qualquer interesse/ligação com a dona da obra, representante ou com a “X”; que quanto ao processo de Comunicação Prévia em causa interveio analisando o mesmo, exigindo do particular o cumprimento de alguns reparos que apontou, emitindo parecer quanto aos projetos de especialidade; que não fez análise do projeto de arquitetura porquanto a mesma pertencia à arquiteta Ana, pelo que nessa matéria baseou-se no parecer positivo da mesma; que neste procedimento como em qualquer outro, primeiro deve ser emitido parecer técnico sobre o projeto de arquitetura e só depois deve ser emitido parecer técnico sobre as especialidades.
Ora, também este arguido tentou se defender alegando a suposta existência de um parecer técnico sobre o projeto de arquitetura emitido pela arquiteta Ana. Tendo em conta o que já se exarou supra sobre essa matéria e considerando que do roteiro da tramitação eletrónica do processo na CM resulta manifesto que esse dito “parecer técnico emitido pela arquiteta Ana” não existiu, entendemos que carece de sentido/mérito a defesa do arguido José sobre esse assunto.
Também se defendeu o arguido José salientando as obrigações legais do apresentante do projeto na CM, mormente no que concerne ao cumprimento dos regulamentos camarários e às declarações que exara nesse sentido nos elementos que entrega na CM. Ora, se é verdade que efetivamente sobre o requerente da Comunicação Prévia recaem várias obrigações legais, entre as quais a de não prestar informações falsas, também é verdade que incumbe ao funcionário da CM com funções de análise do mencionado procedimento de Comunicação Prévia verificar/controlar as informações declaradas/apresentadas, nomeadamente com a realidade e com os instrumentos de gestão/planeamento do território em vigor na CM.
O arguido José atuou negligentemente no exercício das suas funções de técnico na CM PB, ao não analisar devidamente os elementos do processo de Comunicação Prévia, pois emitiu parecer técnico sobre as “especialidades” e propôs superiormente o deferimento da pretensão do particular, quando na verdade não existia qualquer parecer técnico sobre o projeto de arquitetura (o qual sempre devia preceder a análise das especialidades). Contudo, cumpre salientar, que da produção de prova em julgamento não se apurou qualquer intenção (dolo) desse arguido em atuar de modo consciente da desconformidade da sua conduta com as normas urbanísticas. O arguido José é uma pessoa e um profissional sério e dedicado, com uma longa carreira consagrada ao serviço público.
Maria (viúva, funcionária administrativa, domicílio: 213, Av. … França; disse não conhecer os arguidos) referiu, no essencial, que é dona da obra em questão e que “entreguei as questões da obra ao meu primo V. C.…como estou aqui em França entreguei a obra, no início de 2010 era o meu marido que se ocupava” ,”o meu marido faleceu em 30/09/2011”.
Quanto a Ana (Arquiteta, casada, domicílio: Rua Dr. … Ponte da Barca; disse conhecer os demais arguidos), a mesma depôs de modo credível, pormenorizado, baseado no conhecimento direto dos factos, e foi congruente com os documentos juntos aos autos e as regras de experiência e do normal acontecer dos factos.
Referiu, no essencial, que na altura era a pessoa que na CM PB apreciava os projetos de arquitetura e apreciava casos de obras ilegais; disse que no caso interveio na fase prévia (de saneamento administrativo e técnico); garante que não emitiu qualquer parecer técnico sobre o projeto de arquitetura no caso ora em análise, tanto mais que foi para férias; em resposta às perguntas feitas sobre a sua intervenção no caso plasmada no roteiro da tramitação eletrónica do processo na CM (cfr. fls. 130-131 do processo judicial), asseverou com segurança que o que está escrito por si é bastante esclarecedor, pois aí consta sob a epígrafe “saneamento técnico” um conjunto de informações precisamente de saneamento prévio (proferidas justamente dentro no prazo de 8 dias estipulados para o decurso da fase prévia de saneamento administrativo/técnico do processo); mencionando ainda perentoriamente que depois se seguiria a fase para apreciação técnica do processo, na qual se disporia de um prazo mais dilatado (de 20 dias) para a análise pormenorizada do teor dos elementos existentes (e no seu confronto com os instrumentos de planeamento em vigor na CM) e do mérito da pretensão do particular (competindo à ora testemunha então se pronunciar emitindo parecer expresso apenas quanto ao projeto de arquitetura).
Esclareceu que o que exarou no seu saneamento técnico sobre a correspondência do levantamento topográfico com o artigo 7.º do RMUE aí referido é, como é óbvio, a sua conformidade com as regras sobre como se deve elaborar o levantamento topográfico e o que o mesmo deve conter. Claramente o dito artigo 7.º do RMUE não exige que seja feito o confronto do levantamento topográfico com o plano de pormenor (contrariando frontalmente assim a defesa dos arguidos Manuel e José).
Falou a testemunha das repercussões que o caso teve na vila de Ponte da Barca com diversas queixas feitas não só pelas sras. Vereadoras junto da CM, mas também das queixas junto do Provedor de Justiça.
Asseverou que a área de ampliação em causa situa-se entre 7 a 10 metros de avanço (multiplicadas pela largura do edifício e por dois pisos).
Conhece o sr. V. C. de pelo menos duas empreitadas, sendo que uma delas estava ilegal.
Asseverou que a sra. Fernanda era a funcionária da CM que devia fazer o saneamento administrativo mas na altura dos factos não estava em funções; que a desconformidade do levantamento topográfico com o plano de pormenor era notória pois “havia um avanço substancial”; que depois foi reposta a situação com a demolição do dito avanço; que na altura Alberto mostrou abertura para regularizar a situação.
C. L. (casada, professora, domicílio: Rua … Braga; disse conhecer os demais arguidos) e Augusta (casada, professora, domicílio profissional: Agrupamento de Escolas …; disse conhecer apenas os arguidos António e Agostinho) referiram, no essencial, que na altura dos factos eram Vereadoras na CM PB e que foram confrontadas por cidadãos da Vila de Ponte da Barca sobre o exagero da volumetria da construção ora em análise, que foram ao local e constataram isso mesmo (sendo tal ainda percetível se se consultar as imagens existentes no Google Earth relativas à obra ainda antes da demolição, cfr. fls. 205); explicaram que confrontaram o Sr. Presidente da CM que prontamente diligenciou para se apurar a situação; “a desconformidade era notória para um leigo”, “aquilo chamava a atenção a volumetria”, “um bloco a sobressair para fora, desconformidade com o resto da construção”.
Pedro (casado, arquiteto, domicílio: Rua …, Braga; disse conhecer os arguidos) referiu, no essencial, que foi chamado pelo Sr. Presidente da CM para se pronunciar sobre o que se tinha passado com a aprovação da obra em causa; “depois fui à obra… ampliação notória… visível no espaço urbano”; que no processo de Comunicação Prévia estavam “elementos errados, levantamento topográfico errado…”, “o projeto tem de ser confrontado com o plano de pormenor”; esclareceu o procedimento/fases da Comunicação Prévia, corroborando o afirmado pela arquiteta Ana (frisando, aliás, que o prazo inicial de 8 dias não é para se fazer a apreciação técnica do projeto de arquitetura e emitir parecer sobre o mesmo, contrariando assim frontalmente a defesa dos arguidos Manuel e José); asseverou que a arquiteta Ana fez no processo um saneamento técnico e não uma apreciação técnica com emissão de parecer sobre o projeto de arquitetura e que “na fase de saneamento técnico não havia a necessidade de apreciar a conformidade com o plano de pormenor” (contrariando assim frontalmente a defesa dos arguidos Manuel e José).
Asseverou que ao caso são aplicáveis o PDM e o Plano de Pormenor, apesar deste ser anterior àquele (“o PDM é ulterior ao plano de pormenor mas de certa forma integra-o”); “na fase de saneamento faz-se a identificação das peças apresentadas de forma a não prejudicar a análise subsequente”, “nas peças do processo nada indiciava que era uma ampliação”. Explicou o que pessoalmente entende ser as relações hierárquicas e o trabalho de um dirigente. Contraria o afirmado pelo arguido Manuel, pois referiu a testemunha que na altura o processo estaria digitalizado, logo de consulta fácil pelo arguido. Referiu que teve 1 ou 2 reuniões com o ora arguido Alberto para regularizar a situação, mostrando-se o mesmo colaborante; foi criada uma comissão para definir a área a demolir, que teve alguma dificuldade pois a obra foi construída em cima do edifício pré-existente (“apagando” assim as anteriores delimitações); “o recuo foi seguramente superior a 2 metros, o que foi demolido, talvez uns 3 metros” (que deve ser multiplicado pela largura do edifício e por dois pisos, assim se encontrando a área total em m2). Quanto à área de ampliação referiu que “estamos a falar de uns metros valentes”, “há um erro manifesto no levantamento topográfico”.
Isabel (solteira, arquiteta, residente na Alameda …, Matosinhos; disse conhecer apenas o arguido Alberto) prestou um depoimento estranho e autodesresponsabilizante a um nível nunca presenciado pelo julgador.
Referiu, no essencial, que “assinei o projeto de arquitetura, só o assinei, não o elaborei… assinei porque o edifício era no centro histórico”; que fez isso sem nada elaborar ou analisar porque “foi o engenheiro Luís que me pediu, assinei por confiança no Luís, porque o conheço há dez anos… assinei tudo”; considera que é do senso comum a existência de um plano de pormenor quanto a um centro histórico; explicou o que é um termo de responsabilidade, mas que tudo assinou sem ver porque “eu confio na empresa X”, “sim, eu assinei mas não li e não há problema” e “dei uma vista de olhos geral, uma vista rápida, toca a andar, são mais paredes do que outra coisa”; referindo-se à realização do julgamento afirmou “não sei o porquê desta coisa toda” e “eu trabalho há 20 anos como arquiteta”. Das declarações prestadas em julgamento resulta confessada a falsidade do declarado pela testemunha no termo de responsabilidade, na memória descritiva e justificativa, e peças desenhadas, quanto à autoria da elaboração do projeto de arquitetura (cfr. fls. 18-21 e segs.), circunstância que bem sabia o arguido Alberto, tanto mais que foi o próprio e a testemunha Tiago da “X” que produziram e instruíram para apresentação na Camara Municipal o projeto que deu início ao processo de Comunicação Prévia.
Paulo (casado, inspetor da Inspeção Geral das Finanças, residente na Rua …, Vila Nova de Gaia; disse não conhecer os arguidos) referiu, no essencial, a análise que fez dos elementos que a Polícia Judiciária lhe remeteu e do parecer que exarou e que consta nos autos. No fundo corroborou o teor do seu relatório/parecer (cfr. fls. 74 e segs.). Calcula em cerca de 103 m2 a área total a mais.
De salientar o seu esclarecimento prestado quanto à divisão de competências entre a Direção Regional de Cultura do Norte e a CM PB, pois a emissão de parecer favorável pela DRCN sobre aquilo que lhe compete pronunciar e defender em nada afeta nem se sobrepõe às competências de gestão do território da CM (assim contrariando o entendimento dos arguidos Manuel e José que a dada altura se defenderam alegando que, como havia um parecer favorável da DRCN, tal indiciava que o projeto seria de aprovar na sua globalidade).
Manuela (divorciada, reformada, residente na Av.ª …, Ponte da Barca; disse conhecer os arguidos) referiu, no essencial, que foi sócia gerente da “X” até 2010 mas “datas não são comigo”, altura em que por doença (doença de Parkinson e anemia) teve de abandonar a gestão efetiva e passou a ser só gerente de direito; o ora arguido Alberto passou a exercer a gerência de facto; afirmou que foi contactada por V. C. para tratarem dos projetos para a obra em questão; “mandei o Tiago fazer o levantamento, é a primeira coisa a fazer”, “o preço é feito em função das áreas” e “o pagamento eu não recebi” (o que aponta para um ganho económico para o arguido Alberto e para a empresa X em que a construção tenha a maior área possível).
Falou que se fez o levantamento topográfico e um estudo. Sobre as demais peças que constam no processo entregue na CM não tem memória segura, pois o seu depoimento foi inconstante sobre isso, mas o que sabe com certeza é que foi feito um levantamento topográfico e um estudo.
Afirmou que o “Tiago fez a arquitetura e eu entretanto adoeci… o projeto de arquitetura não tenho a certeza… o Tiago fazia tudo… o engenheiro Luís não fazia nada disso, não teve intervenção… eu conheço o Luís há muitos anos, é pessoa correta, respeitadora, honesto, cumpridor da lei” (o que foi contrariado pelo próprio arguido Luís e pela arquiteta Isabel, pois ambos asseguraram que esta apenas assinou de cruz um projeto de arquitetura que não elaborou, fazendo isso a pedido do arguido Alberto, o que nos parece ser inadmissível).
De modo claramente parcial referiu aquilo que já vinha com a intenção de referir: “o Luís só teve intervenção quando a Câmara mandou a carta a retirar a licença”, ora, tal versão é contrariada pelo próprio arguido Luís que admitiu que fez o projeto das especialidades e mandou instruir o processo com os necessários elementos para entregar na Câmara e pediu à arquiteta Isabel para assinar o projeto de arquitetura (sendo que as datas que constam nos documentos assinados por essa arquiteta são de Maio de 2012, ou seja, já há muito que o arguido Alberto que exercia a gerência “X” e bastante depois do falecimento do marido da dona da obra).
Com clara preocupação em não ser responsabilizado por nada eventualmente menos próprio, voltou a referir que “eu pedi um estudo, não pedi para ampliar”
V. C. (casado, construtor civil, residente no lugar …, Ponte da Barca; disse conhecer os arguidos) referiu, no essencial, que contactou em 2010 a “X”, na pessoa de Manuela e com Tiago; que “pedi um estudo do que se poderia fazer” e novamente “eu pedi um estudo para saber o que se podia fazer”; declarou não saber porque demorou tanto tempo para entregar o processo na CM “talvez fosse por causa da morte do primo [marido da testemunha Maria, que faleceu em 30/09/2011]”; asseverou que a área demolida foi de 3,5 metros de comprido por 7 metros de largura por dois pisos (sabendo disso pois foi o empreiteiro da obra).
H. P. (casado, topógrafo, em …, Vila Verde; disse conhecer os arguidos) referiu, no essencial, que conhece o Tiago e que ele trabalha na “X” há cerca de 20 anos como desenhador projetista e que é um bom profissional, mas em concreto não sabe que intervenção teve ele no processo sub judice.
Tiago (casado, desenhador, residente no Bairro …, em Ponte da Barca; disse conhecer os arguidos) referiu, no essencial, que é funcionário da arguida “X” e que é desenhador desde 1998; sempre de modo parcial, pois mostrou sempre um depoimento interessado na defesa não só da sua intervenção nos autos mas também na defesa da sua entidade patronal constituída pelo arguido Alberto e “X”, lá foi relatando um conjunto de inverdades e incoerências. Por exemplo:

- disse que não sabia como era acordado/definido o preço pelo trabalho pedido à “X”, contudo, enquanto trabalhador da mesma empresa há vários anos e estando presente na reunião de V. C. e a sócia gerente Manuela na altura da “X” e considerando que por esta foi dito que o preço era ajustado de acordo com a área de construção, resulta evidente às regras da experiência que a testemunha sabia como foi acordado/definido o preço;
- disse que no local não conseguia perceber quais os limites do prédio, contudo, considerando o teor das fotografias tiradas no local pela testemunha, quando foi contratado o serviço à “X”, e juntas em audiência de julgamento (cfr. em especial as fotografias de fls. 800) pode-se constatar que as paredes originais do edifício a “reconstruir” ficam muito aquém do edifício confinante (o qual devia servir de “baliza” para os limites);
- disse que o levantamento topográfico teve em conta a existência de um terraço no edifício confiante, pelo que acha que no prédio a “reconstruir” se pode construir ampliando dois pisos na proporção da área do terraço do prédio vizinho sita dois pisos mais abaixo (ou seja, foi com clara intenção da testemunha que a mesma aumentou a área de construção da obra em questão não só em direção à praça dos Poetas mas também em altura de dois pisos, não com base no pré-existente nem nos limites da parede confinante do prédio do lado, mas sim com base num terraço do vizinho);
- disse que alinhou a fachada do edifício a “reconstruir” com a fachada do edifício confinante, no entanto, a fachada confiante é a que consta a fls. 800, o que não foi tido em conta no projeto apresentado.
Proferiu mais expressões desconcertantes e inadmissíveis para um profissional com os tais 20 anos de exercício: “o erro era pouco visível no projeto mas na obra notava-se que era excessivo”, mas apesar disso disse que “a intenção era só de reconstrução” (mas a verdadeira intenção de ampliação encapotada resulta dos factos provados em julgamento), sabia que o edifício estava na zona histórica mas desconhecia a existência de desenhos anexos ao plano de pormenor em vigor na CM, não tendo consultado nem um nem outro. Admitiu que no levantamento por si efetuado não identificou os edifícios confinantes a 15 metros, como devia ter feito (assim, certamente, ocultando a localização verdadeira das demais fachadas).
A. F. (casado, aposentado, residente na Rua de …, Amares; disse conhecer os arguidos Manuel e Agostinho) referiu, no essencial, a análise pessoal que faz dos elementos dos presentes autos. Falou da tramitação em abstrata do procedimento, do que considera serem os deveres dos funcionários e dos dirigentes, das relações hierárquicas; da organização dos serviços na CM; do que é um termo de responsabilidade; falou do caráter do arguido Manuel.
A. G. (aposentado, residente na Rua …, Ponte de Lima; disse conhecer os arguidos) nada sabe do que se passou no processo em causa; teceu considerações pessoais sobre o princípio da confiança entre funcionários e sobre o caráter pessoal do arguido Manuel e do arguido José.
As testemunhas Carlos A. (empregado bancário, residente em …, Ponte da Barca; disse conhecer os arguidos), António M. (aposentado, residente na Rua …, em Ponte da Barca; disse conhecer os arguidos), António I. (casado, funcionário público, residente em …, Ponte da Barca; disse conhecer os arguidos) e A. A. (casado, engenheiro, residente em …, Viana do Castelo; disse conhecer os arguidos Agostinho e António, depuseram essencialmente sobre a personalidade e o caráter dos arguidos Manuel e José (asseverando que em regra os arguidos são pessoas de bem, muito conceituadas no meio social, honestos, trabalhadores), nisso sendo credíveis, tanto mais que não se apuraram factos em sentido contrário. Uma vez que as referidas testemunhas não tinham conhecimento direto dos factos imputados pelo Ministério Público aos arguidos (nomeadamente quanto às circunstâncias de tempo, lugar e modo como os factos ocorreram), as mesmas não lograram auxiliar o Tribunal nessa matéria (cfr. artigo 128.º e 129.º, ambos do Código de Processo Penal).
A dúvida sobre a responsabilidade é a razão de ser do processo. Efetivamente o processo nasce porque uma dúvida está na sua base. No caso concreto, após a realização do julgamento nenhuma dúvida razoável persiste sobre os elementos essenciais dos crimes em análise. Com efeito, dos depoimentos conjugados resultou, no essencial, o apuramento seguro dos factos que constam no elenco dos factos provados (circunstâncias de modo de ocorrência, tempo e lugar), e a identidade do delinquente.
É certo que o arguido Alberto e a testemunha Tiago faltaram à verdade quado descreveram o modo de ocorrência dos factos, mas a mentira, a ocultação de factos ou o depoimento parcial são realidades que, infelizmente, o tribunal presencia quotidianamente em audiência de julgamento, pelo que a ocorrência das mesmas não obsta (nem pode obstar), só por si, a que o tribunal decida com justiça no caso concreto, desde que filtre a contradições e aproveite os factos que com segurança sejam transmitidos e se coadunem com a realidade e as regras de experiência, por forma que a matéria fáctica não fique inquinada com dúvida relevante ou falta de prova.
Dos depoimentos conjugados das supra mencionadas testemunhas e dos documentos juntos resultou, no essencial, a confirmação das circunstâncias espácio-temporais em que os crimes foram perpetrados pelos arguidos Alberto e “X – Arquitetura e Engenharia, Lda.”, a dinâmica dos mesmos e as consequências.
No que concerne ao elemento subjetivo, a comprovação do mesmo em qualquer ilícito faz-se, ou pela confissão do agente, ou pela existência de elementos fácticos objetivos dos quais aquele elemento se extrai por aplicação das regras da experiência e do normal acontecer dos factos.
O arguido Alberto sabia que a sua conduta lhe era proibida e punida por lei, dispondo, no momento da sua atuação, de vontade livre e de plena capacidade de avaliar o desvalor da sua conduta e de se autodeterminar de acordo com essa avaliação, mas mesmo assim quis atuar como supra está exarado nos factos provados.
No caso concreto em análise a comprovação do elemento subjetivo relativamente ao arguido Alberto resultou, sobretudo, da conjugação das declarações dos arguidos (em especial quanto ao modo inverosímil como descreveu a ocorrência dos factos e a respetiva participação, considerando as suas contradições com a demais prova testemunhal e as regras de experiência), dos depoimentos das testemunhas Maria, Ana, C. L., Augusta, Pedro, Isabel, Paulo, Manuela, V. C., H. P. e Tiago, dos demais elementos documentais constantes nos autos (em especial o teor do processo administrativo junto), e do funcionamento das regras de experiência e do normal acontecer dos factos, uma vez que se afigura sobejamente conhecido que a ação do arguido Alberto, do modo com está exarado nos factos provados, implica o preenchimento dos crimes em questão.
Quanto aos arguidos Manuel, José cumpre frisar que aos mesmos foi imputada a prática de um crime que no seu tipo de ilícito objetivo não se prevê a sua aplicação ao caso concreto, uma vez que no artigo 386.º-A do Código Penal, o legislador apenas prevê a sua aplicação ao “processo de licenciamento ou de autorização” e não a um processo de Comunicação Prévia, como é o caso concreto sub judice (conforme infra mais detalhadamente se explanará). Acresce salientar que também não se produziu prova segura relativamente à circunstância de terem agido ou não de modo livre e conscientemente, com o propósito de beneficiarem os donos dos prédios inscritos na matriz predial de Ponte da Barca sob os nºs 172 e 206, e “conscientes da desconformidade da sua conduta com as normas urbanísticas”.
A comprovação da situação pessoal, familiar e profissional dos arguidos decorreu das declarações destes; dos relatórios do Órgão de Polícia Criminal quanto à situação económico-financeira dos arguidos e dos seus encargos pessoais; e do teor das consultas na base de dados de registo de bens móveis, na Repartição de Finanças, na Segurança Social e na Conservatória do Registo Predial.
A respeito da inexistência de antecedentes criminais registados dos arguidos foi determinante o teor do certificado do registo criminal junto aos autos.
Na parte em que os factos não resultaram provados, tal circunstância deve-se quer à inexistência ou insuficiência de prova produzida, quer à circunstância de se terem provado factos contrários.».
*
A nulidade por omissão de pronúncia.

O arguido Alberto foi condenado pela prática de um crime de violação de regras urbanísticas, p. e p. pelo art. 278.º-A, n.º 1, do C. Penal.
Retira-se linearmente dos factos provados nos pontos 1.20, 1.67 e 1.87, que a obra edificada, na parte em que violava o Plano de Pormenor de Reabilitação Urbana da Localidade onde se encontrava inserida, foi demolida nos meses de Abril a Junho de 2014, ou seja, após a instauração do procedimento criminal, mas antes do encerramento da audiência de julgamento.
E o nº 2 do art. 278º-B do mesmo código estipula que, nos casos previstos naquele (anterior) artigo, «A pena é especialmente atenuada se o agente demolir a obra ou restituir o solo ao estado anterior à obra até ao encerramento da audiência de julgamento em primeira instância».
Ora, se nos debruçarmos sobre a fundamentação da decisão, mais concretamente, da parte respeitante à determinação da medida da pena, nela não é aflorada a questão da atenuação especial da pena, em frontal desacato ao citado comando do art. 278º-B.
O recorrente Alberto aponta à decisão proferida a inobservância do regime estipulado nesse normativo, sem no entanto qualificar o vício de que essa omissão acarretaria.
O Exmo. Sr. Procurador Geral-Adjunto, reconhecendo que se encontram reunidos os pressupostos para a aplicação daquele regime e que a decisão não se pronunciou sobre essa concreta questão, defende que a sentença recorrida é parcialmente nula e, por isso, propõe a devolução dos autos à primeira instância.

Vejamos, então, se, no que respeita ao crime de violação de regras urbanísticas por que foi condenado o arguido/recorrente, a decisão recorrida, por não conter qualquer pronúncia sobre a atenuação especial da pena, sofre da nulidade a que alude o preceito do art. 379.º, nº 1, c) do CPP, nos termos do qual tal omissão ocorre quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar, compreendidas no objecto do processo.
Na doutrina e na jurisprudência tem motivado largo debate a questão de saber se tal vício constitui nulidade insanável ou sanável, por não se encontrar incluída na previsão do art. 119º do CPP. No caso vertente, não parece que essa discussão se justifique na medida em que a nulidade foi arguida pelo recorrente.
De todo o modo, a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça veio a consolidar-se no sentido da tese por que pugna o Exmo. Sr. Procurador-Geral Adjunto no seu douto parecer, ou seja, o de essas nulidades deverem ser oficiosamente conhecidas, perante o que passou a dispor o nº 2 do citado artigo 379º, a partir da redacção conferida pela Lei nº 59/98, de 25/08: «As nulidades da sentença devem ser arguidas ou conhecidas em recurso …».
É o que também explica o Exmo. Conselheiro Oliveira Mendes (1): «quanto ao seu conhecimento pelo tribunal de recurso a lei, mediante a alteração introduzida em 1998, com o aditamento do nº 2, estabelece que “as nulidades devem ser arguidas ou conhecidas em recurso”, o que não pode deixar de significar que o Tribunal de recurso, independentemente de arguição, está obrigado a conhecê-las (…) aliás nem poderia ser de outra forma, sob pena de o tribunal de recurso, na ausência de arguição, ter de confirmar sentenças sem qualquer fundamentação, violadoras do princípio do acusatório e mesmo sem dispositivo».
Tal vício prende-se com o incumprimento do dever de resolver todas as «questões» submetidas à apreciação do tribunal, exceptuando aquelas cuja apreciação esteja prejudicada pela solução dada a outra, verificando-se, pois, quando tenha ocorrido ausência de decisão (2).
Dito de outro modo, a omissão de pronúncia constitui um vício da decisão que se consubstancia na violação por parte do julgador dos seus poderes/deveres de cognição, ocorrendo quando o tribunal deixe de se pronunciar sobre questões que a lei impõe que conheça e questões cuja apreciação é solicitada pelos sujeitos processuais e sobre as quais o tribunal não está impedido de se pronunciar.
Ora, na sentença recorrida não foi apresentada a necessária justificação de direito para a medida da pena (3): de harmonia com o exposto, impunha-se ao Sr. Juiz o dever de, na decisão, fazer intervir, fundamentadamente, aquela atenuação. Não o tendo feito, deixou de se pronunciar sobre questão de conhecimento obrigatório, que devia, pois, apreciar.
Por conseguinte, a sentença, sem a ponderação da atenuação especial da pena imposta ao arguido como autor do imputado crime de violação das regras urbanísticas, como preceitua aquele artigo 278º-B, nº 2, enferma da nulidade prevista no art. 379.º, n.º 1, alínea c), do CPP, o que ora se declara.

Na decorrência desse reconhecimento, importa agora aquilatar a que Tribunal compete a sanação da apurada nulidade.
O Supremo Tribunal de Justiça mantinha maioritariamente o entendimento de que, em casos de omissão de pronúncia, o tribunal superior não poderia substituir-se ao tribunal recorrido e suprir a nulidade, devendo, por isso, remeter o processo para reforma da decisão anulada, sob pena de se estar a cercear ao arguido um grau de recurso em violação da garantia constitucional do duplo grau de jurisdição (art. 32º da CRP).
Todavia, a partir da alteração à redacção do nº 2 do art. 379º, introduzida pela lei nº 20/2013, de 21/2, esse normativo passou a estipular que «as nulidades da sentença devem ser arguidas ou conhecidas em recurso, devendo o tribunal supri-las…», assim substituindo, neste último segmento, a anterior expressão «sendo lícito ao tribunal supri-las».
Daí que tenha passado a defender-se que, em princípio, constitui um dever do tribunal de recurso o suprimento das nulidades da sentença recorrida, a menos que, obviamente, a nulidade só seja susceptível de suprimento pelo tribunal recorrido (4).
Para ilustrar tal pensamento, trazemos à colação, uma vez mais, o que escreve o Exmo. Conselheiro Oliveira Mendes (5) «Por efeito da alteração introduzida ao texto do nº 2 pela lei nº 20/2013, de 21 de Fevereiro, passou a constituir um dever do tribunal de recurso o suprimento das nulidades da sentença recorrida (…), razão pela qual sobre o tribunal de recurso impende a obrigação de suprir as nulidades de que padeça a sentença recorrida, a menos, obviamente, que a nulidade só seja susceptível de suprimento pelo tribunal recorrido, situação que será a comum, visto que na grande maioria dos casos de suprimento pelo tribunal de recurso redundaria na supressão de um grau de jurisdição.»
Apesar de reconhecermos que, com a dita alteração, foi intenção do legislador impor ao tribunal superior o dever de suprir as nulidades, o certo é que, sufragando a averbada interpretação, o cumprimento de tal dever não poderá deixar também de salvaguardar a indisponibilidade pelo tribunal de recurso de elementos suficientes para o efeito, bem como a garantia de um duplo grau de jurisdição ou o princípio do contraditório, que, em determinadas situações, o suprimento da nulidade pelo tribunal superior poderia eliminar ou afrontar, respectivamente.
Em tais situações, o suprimento da nulidade deve caber ao tribunal da 1.ª instância que proferiu a decisão, pois que o seu suprimento pelo tribunal superior cercearia o direito do arguido ao recurso (6).
É o que sucederia no caso em análise, caso se optasse pelo suprimento da nulidade: o suprimento da nulidade interfere com outros segmentos da decisão, pois o arguido/recorrente foi condenado pela autoria material de dois crimes, sendo que apenas um deles beneficia da atenuação especial e o tribunal recorrido, em conformidade com os seus critérios, fixou uma pena única ao arguido, sem atender ao dever, a que estava vinculado, de atenuar uma dessas penas parcelares englobadas nessa mesma pena única. E, caso a nulidade fosse suprida neste tribunal, estar-se-ia a comprometer o direito de o arguido poder impugnar não só a medida da pena parcelar, mas também a da pena única que lhe viesse a ser fixada.

Assim, deverá ser proferida nova sentença para que seja suprida tal nulidade. E, fundamentando-se a nulidade num facto objectivo – demolição da obra –, devem ser retirados da procedência daquela os devidos efeitos em relação à arguida pessoa colectiva, “X Lda.”, condenada pelo mesmo ilícito, nos termos do art. 402º do CPP, não obstante a mesma não ter recorrido da decisão.
Procede, por isso, a 1.ª questão supra enunciada, procedência que prejudica o conhecimento das demais questões.


Decisão:

Pelo exposto, declara-se a nulidade da sentença recorrida, por omissão de pronúncia, e, consequentemente, determina-se que os autos baixem à 1ª instância para ser proferida nova decisão para suprir tal nulidade nos apontados termos.
Sem custas.
Guimarães, 20/02/2018

Ausenda Gonçalves
Fátima Furtado

1 In Código de Processo Penal Comentado, p. 1133.
2 A expressão «questões», de modo algum, se pode confundir com as razões (de facto ou de direito), os argumentos, os fundamentos, os motivos, os juízos de valor ou os pressupostos em que os sujeitos processuais fundam a sua posição na controvérsia, antes se prende, desde logo, com a pretensão punitiva do Estado ou com a de ressarcimento que os demandantes submetam à apreciação do tribunal e as respectivas causas de pedir invocadas.
3 Toda a decisão sobre a pena tem que revelar as suas razões e os seus motivos, reconduzindo-se a “um parâmetro valorativo que a justifique”, de modo a permitir a fiscalização da administração da justiça e o exercício do direito recurso, e a combater o secretismo e o subjectivismo da actividade jurisdicional (Ac. da RE de 20/5/2014, proc. nº 972/09.0PALGS.E1, relatado por Ana Brito).
4 Ver entre outros, acórdão do STJ de 20/10/2016, proc. 10/15.3GMLSB.E1.S1, relatado pela Conselheira Rosa Tching.
5 Idem (Código de Processo Penal Comentado), p. 1134.
6 Veja-se, nesse sentido, Paulo Pinto de Albuquerque, in “Comentário ao Código de Processo Penal”, 4.ª edição, em anotação ao art. 379º, pp. 985 e 986.