Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
620/12.OGAVNFVCT.G1
Relator: FERNANDO MONTERROSO
Descritores: CRIME
INJÚRIA
REITERAÇÃO DE COMPORTAMENTO DELITUOSO
REGIME PUNITIVO
ART.º 30.º
N.º 1 DO CÓDIGO PENAL
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 03/23/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário: I) Resultando da reapreciação da prova produzida em julgamento que não é possível determinar o número de vezes que a arguida reiterou o seu comportamento delituoso, nem por isso deixa de ser seguro concluir que, pelo menos, cometeu um crime, in casu, de injúria
    II) É que, comprovando-se um comportamento delituoso, o mesmo não deve ficar impune, sendo o agente punido pela alternativa que lhe for mais favorável.
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães
No ex 1º Juízo Criminal de Vila Nova de Famalicão, em processo comum com intervenção do tribunal singular (Proc.nº 620/12.0GAVNF), foi proferida sentença que decidiu (transcreve-se):
a) Quanto à parte criminal:
Absolvo o arguido Fernando M. dos três crimes de injúria, p. e p. pelo artº 181 º, nº 1, do Código Penal, de que vinha acusado.
Condeno a arguida Olívia M. como autora material de um crime de injúria, p. e p. pelo artº 181 º, nº 1, do Código Penal, na pena de 120 (cento e vinte) dias de multa, à taxa diária de €6,00 (seis euros), absolvendo-a das demais incriminações de que vinha acusada.
b) Quanto à parte cível:
Absolvo o demandado Fernando M. do pedido de indemnização civil deduzido por Joaquina C.;
Condeno a demandada Olívia M. a pagar à demandante Joaquina C., a título de indemnização por danos não patrimoniais, a quantia global de €750,00 (setecentos e cinquenta), acrescida de juros de mora calculados à taxa legal desde a data da prolação da presente sentença até efetivo e integral pagamento, absolvendo a demandada Olívia M. do demais peticionado.
*
A arguida Olívia M. interpôs recurso desta sentença.
Impugna a decisão sobre a matéria de facto, visando, alterada esta, a sua absolvição.

Respondendo, a magistrada do Ministério Público junto do tribunal recorrido e a assistente Joaquina C. defenderam a improcedência do recurso.
Nesta instância, a sr. procurador-geral adjunto emitiu parecer no mesmo sentido.
Cumpriu-se o disposto no art. 417 nº 2 do CPP.
Colhidos os vistos cumpre decidir.
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I – Na sentença recorrida foram considerados provados os seguintes factos (transcrição):
1 - A hora não concretamente apurada, em dois dias também não concretamente apurados, do mês de Maio 2012, quando a assistente se encontrava quer junto à sua porta, quer quando se encontrava a sair ou a chegar a sua casa, sita na Avenida …, n…., freguesia de …, concelho de Vila Nova de Famalicão, a arguida Olívia M., que é sua vizinha, e encontrando-se na sua residência, que é próxima à casa daquela, mal a avistou, dirigiu-se à assistente, e sem qualquer explicação, proferiu as seguintes expressões:
"ó puta da vaca do monte queres dinheiro, vai trabalhar", "sua puta e vaca, vai trabalhar", "sua puta e vaca".
2 - Também em data que não se recorda, mas situada no mês de Outubro de 2012, a hora não concretamente apurada, quando a assistente se encontrava junto ao portão de entrada da sua casa, a arguida Olívia M., que se encontrava em frente a entrada da sua casa, em voz alta e dirigindo-se à assistente proferiu as seguintes expressões:
" Vai ali a puta da vaca do monte", "vai a vaca louca".
3 - Igualmente em data que não se recorda, mas situada no mês de Novembro de 2012, a hora não concretamente apurada, a arguida Olívia M. voltou a proferir as referidas expressões à assistente, num momento em que a assistente se encontrava junto ao portão de sua casa, e a arguida se encontrava na varanda da sua casa a estender roupa.
4 - No ano de 2008, a aqui assistente deduziu acusação particular pelo crime de injúria contra a arguida Olívia, que correu termos sob o processo n. …, no 1º Juízo Criminal deste Tribunal, tendo a aqui arguida sido condenada pelo crime de injúria numa pena de multa de €630,00, e condenada a pagar à assistente a título de indemnização cível a quantia de €450,00.
5 - Ao produzir estas afirmações, a arguida Olívia M. quis atingir, como atingiu, a assistente na sua honra e consideração.
6 - As expressões usadas são ofensivas e lesivas da integridade moral, psíquica e da honra da assistente.
7 - A arguida agiu de forma deliberada, culposa, livre e consciente, sabendo que a lei proibia e punia os seus comportamentos;
8 - Ao agir da forma descrita pretendeu atingir a assistente na sua honra, consideração, bom-nome e imagem.
Mais se provou que:
9 - Ao agir da forma descrita a arguida Olívia M. violou de modo voluntário e ilícito o direito ao bom nome, imagem, honra e integridade moral da assistente.
10.As injúrias perpetradas causaram profunda vergonha, vexame, mal-estar, angústia e tristeza na assistente.
11 - Evitou a requerente sair de casa sozinha, bem como passou a andar angustiada com a ideia de novas injúrias.
Provou-se ainda que:
12.0s arguidos são casados um com o outro; a arguida Olívia M. é costureira e encontra-se desempregada; trabalha, no entanto, cerca de 2h por dia, como ajudante de cozinheira, das 12h às 15h (aí almoçando), auferindo por tal actividade €2,99/por hora, numa instituição em que anteriormente prestou trabalho a favor da comunidade em substituição de uma pena de multa em que foi condenada; o arguido Fernando M. encontra-se desempregado, dedicando-se a fazer alguns "biscates" na área da construção civil, auferindo proventos variáveis, podendo conseguir ganhar, em certos meses, €300,00 a €400,00; vivem ambos em casa própria, adquirida com recurso a empréstimo bancário, sendo que já não pagam as respectivas prestações bancárias mensais desde 2012; têm quatro filhos em comum, todos maiores e independentes; para além destes, o arguido Fernando M. tem uma outra filha, com 8 anos, a qual vive com ambos os arguidos, e está a cargo destes; tinham um veículo automóvel (uma carrinha) que venderam a fim de liquidar parte das dívidas que têm perante o "Banco"; utilizam habitualmente, sobretudo, o arguido Fernando M., dois veículos automóveis, ambos registados em nome de um dos seus filhos, já que, se alguma dessas viaturas estivesse em nome dos arguidos, teria o mesmo destino da aludida carrinha ­venda para abater à dívida que têm perante o "Banco"; como habilitações literárias, a arguida tem a 4. ª classe de escolaridade, e o arguido a 2. ª classe de escolaridade;
13.0s arguidos são bem considerados entre os seus amigos;
14.O arguido Fernando M. não tem antecedentes criminais.
15.A arguida Olívia M. já foi condenada:
i Pela prática, em 29/09/2006, de um crime de condução sem habilitação legal, na pena de 70 dias de multa à taxa diária de €3,00 (PS n… 1.° Juízo Criminal do Tribunal Judicial de V.N.F.);
ii. Pela prática, em 15/02/2008, de um crime de injúria, na pena de 65 dias de multa à taxa diária de €6,00 (PCS n…., do 2.º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de V.N.F.);
iii. Pela prática, em 01/08/2008, de um crime de injúria, na forma continuada, na pena de 90 dias de multa à taxa diária de €7,00 (PCS n.º …, do 1.º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de V.N.F.);

Considerou-se não provado:
a) Que em diversos dias do período compreendido entre 20/04/2012 e 31/05/2012, quando a assistente se encontrava, quer na varanda da sua casa, quer junto a sua porta, quer quando se encontrava a sair ou a chegar a sua casa, sita na A venida …, n…, freguesia de …, concelho de Vila Nova de Famalicão, a arguida Olívia, que é sua vizinha e encontrando-se na sua residência que é mesmo em frente à casa daquela, mal a avista dirige-se à assistente, sem qualquer explicação, proferindo as seguintes expressões injuriosas:
-o puta da vaca do monte queres dinheiro, vai trabalhar': "sua puta e vaca, tu vais pagar";
b) ... Nos dias 08/05/2012 e 24/05/2012, em horas que não se recorda, quando a assistente se encontrava junto ao portão de sua casa, os arguidos passaram de carro junto ao seu portão abriram a janela do mesmo e em voz alta dirigiram-lhe as seguintes expressões injuriosas:
-o puta da vaca do monte queres dinheiro, vai trabalhar': "sua puta e
vaca";
c) ... Também em data que não se recorda, mas situada no mês de Outubro de 2012, cerca das 18h, quando a assistente se encontrava junto ao portão de entrada da sua casa, os arguidos, que se encontravam em frente a entrada da casa deles, em voz bem alta e dirigindo-se a assistente proferiram as seguintes expressões:
" Vai alí a puta da vaca do monte", "vai a vaca louca";
d) ... Ainda no dia 09/11/2012, em horas que não sabe precisar, a arguida voltou a proferir as referidas expressões à assistente;
e) ... Na verdade, as expressões injuriosas referidas supra começaram a ser proferidas pelos arguidos à assistente, logo após o julgamento do processo…, que ocorreu no dia 12/09/2011;
f) ... Desde essa data que as referidas expressões são proferidas inúmeras vezes ao dia e durante dias e meses consecutivos, por ambos os arguidos;
g) ... Mas foi entre o período compreendido entre 24/04/2012 e 31/05/2012, várias vezes por semana, que as referidas expressões injuriosas acentuaram-se cada vez mais, período esse que coincidiu após a solicitação do pagamento da indemnização cível à arguida, que foi feita entre mandatários;
h) ... As citadas expressões foram proferidas em alta voz e de forma a se fazer claramente ouvir pelos presentes, aumentando consideravelmente a vergonha e vexame da assistente;
i) ... Ao produzirem estas afirmações, os arguidos quiseram atingir, como atingiram, a assistente na sua honra e consideração;
j) ... A assistente é uma pessoa de boa formação e sensibilidade cívica e moral elevada, de médio nível social, muito conhecida no meio em que vive, sendo por todos conhecida e respeitada;
k) ... O arguido Fernando M. agiu de forma deliberada, culposa, livre e consciente, sabendo que a lei proibia e punia os seus comportamentos;
l) ... Ao agir desta forma demonstraram frieza de ânimo e vontade determinada de atingir a assistente na sua honra, consideração, bom­nome e imagem;
m) ... Ao agir da forma descrita arguido Fernando M. violou de modo voluntário e ilícito o direito ao bom nome, imagem, honra e integridade moral da assistente;
n) ... Os factos relatados foram do conhecimento de familiares, amigos e conhecidos da assistente, causando a esta grande vexame, humilhação e tristeza, objectivo que os demandados se propuseram e conseguiram;
o) ... Evitou a requerente sair de casa sozinha, bem como passou a andar angustiada com a ideia de novas injúrias e até de agressões físicas, angústias essas que perduraram durante vários meses;
p) ... Além disso, o sucedido é comentado por muita gente que assistiu ou tiveram conhecimento dos factos, causando à requerente angustia, constrangimento e vergonha, renovando o seu sofrimento psíquico e moral.
q) ... A requerente é de boa educação, socialmente estimada, sendo uma pessoa sensível e com boa formação moral;
Tendo-se antes provado a respeito o vertido em 1 a 11.
Com interesse para a decisão da causa, não se provou também:
r) Que os arguidos são pessoas respeitadoras e bem conceituadas e respeitadas no meio social em que vivem;
s) ... A assistente, Joaquina C., era companheira de trabalho da arguida Olívia, numa fábrica de confeção, mas tiveram uma zanga, pela qual a assistente parece ter jurado vingança eterna, pois a partir dessa altura fez instaurar o processo crime n° …, que correu pelo 1 o Juízo Criminal do Tribunal Judicial de V. N. Famalicão, no âmbito do qual, foi a arguida Olívia condenada;
t) ... Ambos os arguidos, desde então, passaram a ignorar completamente a assistente;
u) ... E de tal modo que decidiram mudar de residência, não suportando pois a assistente como sua vizinha, e colocaram a sua casa à venda;
v) ... A assistente, face à atitude dos arguidos - de a ignorarem completamente - optou então por provocar e injuriar a arguida Olívia;
w) ... Motivo pelo qual a arguida Olívia instaurou contra a assistente o processo n.º … que correu pelo 10 Juízo Criminal deste Tribunal Judicial de V.N.F.;
x) ... Quando teve conhecimento da apresentação da queixa neste processo n. º …., a assistente decidiu então apresentar a queixa que conduziu e acusação particular dos presentes autos;
y) ... Mas fê-lo com a consciência da falsidade dos factos imputados a ambos os arguidos, e com o propósito inconfessado de fazer instaurar contra os arguidos o presente procedimento criminal.
z)... A arguida Olívia trabalhou praticamente durante todo o dia entre os dias 28-03-2012 e 31-07-2012, no Agrupamento de Escolas de …, estabelecimento de Ensino Público, com sede em A venida …, - …, concelho de Vila Nova de Famalicão;
aa)... E chegava a casa ao fim do dia para preparar o jantar para o seu marido (o arguido Fernando), que saía de manhã para o trabalho e só chegava a casa à noite;
bb) ... E nem nestes dias, nem nos demais dias referidos na acusação particular, qualquer dos arguidos proferiu as expressões de que são acusados;
cc) Pois há muito que ignoram a assistente, e nem para ela olham sequer;
dd) E nem sequer passam ou transitam com qualquer viatura à porta da
casa da assistente, pois sempre estacionam a sua viatura num largo que não confronta sequer com a casa e entrada da assistente.

Transcreve-se igualmente a motivação da decisão sobre a matéria de facto
Na formação da sua convicção o Tribunal analisou de forma livre crítica e conjugada a prova produzida em audiência de discussão e julgamento de acordo com o preceituado no artº 127º C.P.P. e em função das considerações que passam a expender.
Assim:
Os arguidos optaram por prestar declarações sobre os factos acusados, negando a sua prática, e arrogando-se, ao invés, vítimas da perseguição e dos sentimentos de vingança e retaliação da ofendida, decorrentes de um outro processo de natureza criminal, em que a aqui assistente, ali tinha a qualidade de arguida, e foi condenada.
Por seu lado, ouvida a assistente, Joaquina C., a mesma, evidenciou um notório estado de nervosismo e dificuldade em circunstanciar temporalmente os factos imputados aos arguidos, justificando tal circunstância com o facto de serem inúmeras as vezes que é verbalmente atacada pelos mesmos, sobretudo, pela arguida Olívia M., com as seguintes expressões:
- "Ó puta da vaca do monte queres dinheiro, vai trabalhar", "sua puta e
vaca";
- "Vai ali a puta da vaca do monte", "vai a vaca louca".
Conseguiu, no entanto, circunstanciar devidamente dois episódios em que a arguida Olívia M. assim se lhe dirigiu, em dias que não recorda em concreto do mês Maio de 2012, um outro episódio ocorrido em Outubro de 2012 e outro em Novembro de 2012.
Os dois episódios ocorridos em Maio de 2012, explicitou que ocorreram quando se dirigia a casa da sua mãe e passou, na rua, pela casa dos arguidos, acompanhada da sua filha, ao que a arguida Olívia M. se lhe dirigiu os referidos insultos (esclarecendo que são sempre os mesmos - "á puta da vaca do monte queres dinheiro, vai trabalhar", "sua puta e vaca"; " Vai ali a puta da vaca do monte", "vai a vaca louca").
O mesmo se passou em dia de que não se recorda, mas situada no mês de Outubro de 2012, cerca das 18h, quando a assistente se encontrava junto ao portão de entrada da sua casa, e a arguida Olívia M., que se encontrava em frente a entrada da sua casa, em voz bem alta e dirigindo-se à assistente proferiu mais uma vez as seguintes expressões: "Vai ali a puta da vaca do monte", "vai a vaca louca".
Também em dia que não se recorda do mês de Novembro de 2012, em horas que não sabe precisar, a arguida voltou a proferir as referidas expressões à assistente, num momento em que a assistente se encontrava junto ao portão de sua casa, e a arguida Olívia se encontrava na varanda da sua casa a estender roupa.
Referiu que o arguido também assim se lhe dirigiu já, nesses termos puta da vaca do monte, vai trabalhar, puta"), não logrando, contudo, circunstanciar devidamente qualquer concreto episódio. Com efeito, e quanto à actuação do arguido Fernando M., referiu ainda que o mesmo chegou a passar por ela de carro, apitou e disse-lhe "Queres dinheiro, vai trabalhar, puta", não logrando, no entanto, e mais uma vez, contextualizar devidamente, em termos de tempo e lugar, esta conduta, resvalando no relato genérico.
Certo é que, ouvidas as testemunhas Albino C., marido da assistente, e Andreia F., filha destes, ambos de forma reciprocamente concordante, sustentaram a versão apresentada pela assistente quanto aos nomes com que é frequentemente insultada pela arguida Olívia M. ("Ó puta da vaca do monte queres dinheiro, vai trabalhar", "sua puta e vaca"; " Vai ali a puta da vaca do monte", "vai a vaca louca"), tendo a última das indicadas testemunhas confirmado os episódios ocorridos em dias que não se recorda ao certo, de Maio de 2012, Outubro e Novembro de 2012.
Donde, relativamente a esta concreta materialidade, alcançamos convicção segura da respectiva verificação, em face das declarações e depoimentos concordantes e circunstanciados a respeito, prestados em audiência pela assistente e pelas duas indicadas testemunhas.
Note-se que, se por uma lado, os desacertos das declarações da assistente e das testemunhas Albino C., marido da assistente, e Andreia F., filha de ambos, no que respeita à concreta actuação do arguido Fernando M., o que transmite a ideia de que, podendo fazê-lo (em razão da relação de família que os une), não alinharam as versões que viriam apresentar em julgamento sobre o objecto do processo (seja a respeito da actuação de um ou de outro dos arguidos), não tendo assim sido produzida prova bastante da materialidade imputada ao arguido Fernando M.; por outro lado, a concordância das declarações da assistente e dos depoimentos das mencionadas testemunhas, no que respeita aos específicos insultos dirigidos àquela (por não habituais neste tipo de processos, de injúria) pela arguida Olívia M., e o facto de, os impropérios estarem sempre acompanhados da questão de a assistente "querer dinheiro", além de que, quanto à actuação desta arguida, todos foram coincidentes, para além das expressões proferidas, do local onde as mesmas o foram, e ainda no número mínimo de vezes em que ocorreram e respectivo lapso temporal; todas estas circunstâncias, ponderadas de forma crítica e conjugada, lograram convencer o Tribunal da factualidade apurada.
Com efeito, em razão desta recíproca concordância, o Tribunal alcançou a convicção da verificação da versão apresentada pela assistente, porque sustentada e credibilizada nos aludidos termos, no modo e alcance como a final resultou vertida nos factos provados.
Interessou ainda, para o apuramento do acervo fáctico provado, a prova documental oferecida pela denunciante de fls. 66 a 80, que encontra apoio no CRC de fls. 241 a 248.
Cumpre referir que, ouvido José L., testemunha indicada pela defesa dos arguidos, o mesmo não revelou qualquer conhecimento sobre os factos dos autos, limitando-se a abonar sobre a personalidade dos arguidos, com os quais se dá bem.
No que tange ao elemento subjetivo, citando as palavras de Malatesta, quando refere que "o homem, ser racional, não obra sem dirigir as suas ações a um fim. Ora quando um meio só corresponde a um dado fim criminoso, o agente não pode tê-lo empregado senão para alcançar aquele fim." [A Lógica das provas em matéria Criminal, p. 172 ss; (cfr. acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 23 de Fevereiro de 2993, in BMJ nº 324, pág. 620] há, ainda, que sublinhar o recurso às regras de presunção natural, uma vez que os factos objetivos dados como provados permitem concluir pela sua efetiva verificação.
Dito por outras palavras: relativamente aos elementos volitivos, os mesmos foram extraídos dessa verificação factual em conjugação e por apelo às regras da experiência comum e da habitualidade.
Quanto aos danos decorrentes da conduta da arguida Olívia M. na pessoa da assistente - a tristeza, o abalo e o desgosto sentidos por esta -, resultou das declarações da própria, as quais, nesta parte, foram sustentadas/corroboradas mais uma vez pelo depoimento do seu marido e da sua filha, e ainda por apelo às regras da experiência comum, bom senso e normalidade, quando consideradas as concretas expressões que lhe foram dirigidas pela arguida.
Relativamente ao modo de vida e condições económicas dos arguidos foram valoradas as suas próprias declarações complementares a respeito, as quais, nesta parte, se afiguraram credíveis, inexistindo nos autos quaisquer elementos que as contradigam. Cumpre precisar que foi de acordo com a própria explicação do arguido Fernando M., em audiência, que o Tribunal apurou, nesta matéria, que os arguidos tinham um veículo automóvel (uma carrinha) que venderam a fim de liquidar parte das dívidas que têm ao "Banco", e que utilizam habitualmente, sobretudo, o arguido Fernando M., dois veículos automóveis, ambos registados em nome de um dos seus filhos, já que, se alguma dessas viaturas estivesse em nome dos arguidos, teria o mesmo destino da aludida carrinha - venda para abater à dívida que têm perante o "Banco".
Interessou ainda, e, pelo tanto, foi igualmente valorado os respectivos certificados de registo criminal junto aos autos.
Quanto aos factos não provados, o tribunal reflectiu a falta de prova positiva da sua verificação.
Assim, quanto ao demais acervo fáctico constante da acusação particular e contestação, face aos desacertos, contradições e até mesmo ausência de produção de qualquer meio de prova idóneo a comprovar a respectiva factualidade alegada, tornou-se impossível ao Tribunal alcançar, com a certeza de que uma decisão penal necessita, prova bastante e segura da sua verificação, pelo que outro remédio não restou ao Tribunal senão dar todos esses factos como não provados.

FUNDAMENTAÇÃO
Comecemos pela delimitação legal do âmbito da impugnação sobre a matéria de facto
A relação nunca faz um novo julgamento da matéria de facto, decidindo, através da consulta do registo da prova e dos elementos dos autos, quais os factos que considera «provados» e «não provados». Como escreveu o Prof. Germano Marques da Silva, talvez o principal responsável pelas alterações introduzidas no CPP pela Lei 59/98 de 25-8, “o recurso em matéria de facto não se destina a um novo julgamento, constituindo apenas um remédio para os vícios do julgamento em primeira instância” – Forum Justitiae, Maio/99. É que “o julgamento a efetuar em 2ª instância está condicionado pela natureza própria do meio de impugnação em causa, isto é, o recurso… Na verdade, seria manifestamente improcedente sustentar que o recurso para o tribunal da Relação da parte da decisão relativa à matéria de facto devia implicar necessariamente a realização de um novo julgamento, que ignorasse o julgamento realizado em 1ª instância. Essa solução traduzir-se-ia num sistema de “duplo julgamento”. A Constituição em nenhum dos seus preceitos impõe tal solução…” – ac. TC de 18-1-06, DR, iiª série de 13-4-06.
Por isso é que as als. a) e b) do nº 3 do art. 412 do CPP dispõem que a impugnação da matéria de facto implica a especificação dos «concretos» pontos de facto que o recorrente considera incorretamente julgados e das «concretas» provas que impõem decisão diversa. Este ónus tem de ser observado para cada um dos factos impugnados. Em relação a cada um têm de ser indicadas as provas concretas que impõem decisão diversa (é mesmo este o verbo - «impor» - utilizado pelo legislador) e em que sentido devia ter sido a decisão. É que há casos em que, face à prova produzida, as regras da experiência permitem ou não colidem com mais do que uma solução.
Não concretiza aquele Professor a que “vícios” se refere, mas alguns poderão ser sumariamente indicados.
Por exemplo, se o tribunal a quo tiver dado como provado que A bateu em B com base no depoimento da testemunha Z, mas se da transcrição do depoimento de tal testemunha não constar que ela afirmou esse facto, então estaremos perante um erro manifesto no julgamento. Aproveitando ainda o mesmo exemplo, também haverá um erro no julgamento da matéria de facto se, apesar da testemunha Z afirmar que A bateu em B, souber de tal facto apenas por o ter ouvido a terceiro e este não tiver sido chamado a depor. Aqui poderemos estar perante uma indevida valoração de meio de prova proibido (arts. 129 e 130 do CPP), que pode ser sindicada pela relação. Poderá ainda afirmar-se a existência de um “vício” no julgamento da matéria de facto, quando a decisão estiver apoiada num depoimento cujo conteúdo, objetivamente considerado à luz das regras da experiência, deva ser considerado fruto de pura fantasia de quem o prestou.
O recurso da matéria de facto não se destina a postergar o princípio da livre apreciação da prova, que tem consagração expressa no art. 127 do CPP. A decisão do tribunal há-de ser sempre uma “convicção pessoal – até porque nela desempenham um papel de relevo não só a atividade puramente cognitiva mas também elementos racionalmente não explicáveis (v.g. a credibilidade que se concede a um certo meio de prova) e mesmo puramente emocionais” – Prof. Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, vol. I, ed.1974, pag. 204.
Por outro lado, a livre apreciação da prova é indissociável da oralidade com que decorre o julgamento em primeira instância. Como ensinava o Prof. Alberto do Reis “a oralidade, entendida como imediação de relações (contacto direto) entre o juiz que há-de julgar e os elementos de que tem de extrair a sua convicção (pessoas, coisas, lugares), é condição indispensável para a atuação do princípio da livre convicção do juiz, em oposição ao sistema de prova legal”. E concluía aquele Professor, citando Chiovenda, que “ao juiz que haja de julgar segundo o princípio da livre convicção é tão indispensável a oralidade, como o ar é necessário para respirar” – Anotado, vol. IV, pags. 566 e ss.
*
Pois bem, a recorrente impugna os factos provados sob os nºs 1, 2 e 3, alegando que “a assistente não concretizou os factos em concreto ocorridos em Maio, Outubro e Novembro de 2012”.
Nesta parte, assiste-lhe razão, mas já não quanto à pretendida absolvição.
Vejamos:
A julgadora conferiu credibilidade ao que declarou a assistente Joaquina C., na parte relativa às expressões que lhe foram dirigidas pela arguida Olívia M..
Os desembargadores ouviram o depoimento da assistente Joaquina e nenhuma censura merece a credibilidade que lhe foi conferida.
Como se refere na motivação, a assistente Joaquina C. “evidenciou um notório estado de nervosismo e dificuldade em circunstanciar temporalmente os factos imputados aos arguidos, justificando tal circunstância com o facto de serem inúmeras as vezes que é verbalmente atacada pelos mesmos, sobretudo, pela arguida Olívia M.…”.
A assistente, ao balizar temporalmente os episódios, disse “isto começou em 2011 (..) e em 2012 para a frente piorou” (minuto 4,05). Afirmou que o comportamento da arguida se mantém até ao presente: “eles pegam sempre comigo, ainda foi a semana passada…” (minuto 6,90)
Estando em causa, nos factos impugnados, o período de tempo que vai de Maio a Novembro de 2012, é o mesmo que se manterá.
Porém, ao concretizar os episódios, a assistente não conseguiu especificar o seu número nem as palavras que, em concreto, foram proferidas em cada um.
Por exemplo, no facto provado nº 1 refere-se que em maio de 2012 as expressões foram proferidas duas vezes.
Mas a assistente, referindo-se ao mês em causa, disse: “acho que foi uma ou duas vezes, não me lembro senhora doutora juíza, não me lembro” (minuto 9,20). Mais à frente, tentando concretizar: “Para aí duas vezes (…) ou assim” (minuto 20,30).
São afirmações que, objetivamente, não permitem formar no julgador certezas que não existem no espírito de quem as profere.
O mesmo se passa quanto às expressões proferidas pela arguida em cada episódio. O evidente estado de perturbação emocional da assistente não lhe permitiu fazer a discriminação, com um mínimo de coerência, das concretas palavras que ouviu cada uma das vezes. Embora, como se referiu, mereça credibilidade o facto de as ter ouvido.
Assim, os factos provados sob os nºs 1, 2 e 3 serão substituídos por um único facto, com a seguinte redação:
“Por diversas vezes, entre os meses de Maio e Novembro de 2012, sempre nas imediações da casa da assistente Joaquina Clara Couto, sita na Avenida Aldeia Nova, n. 0141, freguesia de Ribeirão, concelho de Vila Nova de Famalicão, ma presença da assistente e dirigindo-se a ela, a arguida Olívia M., que é sua vizinha, proferiu expressões como: "ó puta da vaca do monte queres dinheiro, vai trabalhar", "sua puta e vaca, vai trabalhar", "sua puta e vaca", " Vai ali a puta da vaca do monte", "vai a vaca louca".
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Face à redação agora fixada não é possível determinar o número de vezes que a arguida reiterou o seu comportamento (cfr. art. 30 nº 1 do Cod. Penal), mas é seguro concluir que, pelo menos, cometeu um crime de injúria.
Ensina o Prof. Figueiredo Dias que “nos casos em que o juiz não logra esclarecer, em todas as suas particularidades juridicamente relevantes, um dado substrato de facto, mas em todo o caso esclarece suficientemente para adquirir a convicção de que o arguido cometeu uma infração, seja ela em definitivo qual for (…) é admissível uma condenação com base numa comprovação alternativa dos factos” – Direito Processual Penal, Cimbra Editora, 1974, vol. I, pag. 218. No mesmo sentido Eduardo Correia, Direito Criminal, vol. I, pag. 151 – “entendemos que deve considerar-se preenchido o preceito que estabelece a sanção concretamente menos grave. E isto por força do princípio de que na aplicação da lei criminal deve, na dúvida, preferir-se a solução que traga uma menor limitação da liberdade”.
É certo que os trechos transcritos se referem aos casos em que as dúvidas sobre os elementos de facto podem levar à aplicação alternativa de normas. No caso destes autos, as dúvidas sobre a matéria de facto respeitam ao número de vezes que a mesma norma deve ser aplicada (sendo certo que há lugar à aplicação da norma). Mas, em ambos os casos, deve prevalecer a ideia de que, comprovando-se um comportamento delituoso, o mesmo não deve ficar impune, sendo o agente punido pela alternativa que lhe for mais favorável.
Não podia, pois, a arguida recorrente deixar de ser condenada por um crime de injúria, como foi na sentença recorrida, embora por razões distintas – na sentença fundamentou-se: “entendemos, no entanto, que à conduta perpetrada pela arguida presidiu uma resolução criminosa, pelo que, nessa sequência (…) a arguida Olívia M. cometeu um crime de injúria, p. e p. pelo artigo 181 º, n.º 1 do Código Penal” – fls. 270 (sublinhado do relator).
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Não vem questionada a pena concreta, para o caso de se manter a condenação pelo crime de injúria.
O recurso improcede, apesar da alteração da matéria de facto.

DECISÃO
Os juízes do Tribunal da Relação de Guimarães negam provimento ao recurso.
A recorrente pagará 3 UCs de taxa de justiça