Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1505/02-1
Relator: ESTEVES MARQUES
Descritores: CONTRAFACÇÃO DE MARCA
FRAUDE SOBRE MERCADORIA
PROTECÇÃO DO CONSUMIDOR
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 03/17/2003
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário: O Artº 264º, nº 1, do Código da Propriedade Industrial, protege directamente o titular do registo da marca, visando prevenir e punir a feitura, a imitação e o uso do produto contrafeito, haja ou não comercialização.
No crime de fraude sobre mercadorias, p. e p. pelo Artº 23º, nº 1 do Dec. Lei 28/84, protege-se a defesa da confiança do consumidor e o seu interesse patrimonial.
Sendo diferentes os tipos e diferentes os bens jurídicos, a sua violação envolve um concurso efectivo de crimes
Decisão Texto Integral: Rec. nº 1505/02-01 – 1ª Secção
Acordam, em audiência, no Tribunal da Relação de Guimarães:
RELATÓRIO

No Processo Comum Singular nº 81/01 do 3º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de Fafe, por sentença de 02.07.03, foi julgada a acusação procedente por provada e, consequentemente, para além do mais, foram:
A) Condenados os arguidos "A", como co-autores de um crime de contrafacção, p. e p. pelo Artº 264º, nº 1, al. a) do Código da Propriedade Industrial, aprovado pelo DL 15/95, de 24/01, cada um, na pena de 12 (doze) meses de prisão;
B) Condenados os arguidos "A", como co-autores de um crime de fraude sobre mercadorias, p. e p. pelo Artº 23º, nº 1 do DL 28/84, de 20/01, na redacção introduzida pelo Artº 6º do DL 20/99, de 28/01, cada um, na pena de seis meses de prisão e na pena de e 60 dias de pena de multa, à taxa diária de 6 € (seis euros), perfazendo a multa de 360 € (trezentos e sessenta) euros.
C) Em cúmulo jurídico foi cada um dos arguidos condenado na pena única de 14 (catorze) meses de prisão, e 60 dias de multa, à taxa diária de 6 € (seis euros), o que perfaz a quantia de 360 € (trezentos e sessenta) euros, cuja execução das penas de prisão lhe foram suspensas pelo período de três anos.
E) Condenada a arguida "B", Lda, pelos ilícitos praticados pelos seus representantes, supra referidos, na pena de 200 (duzentos) dias de multa, à taxa diária de 10 (dez) euros.
G) Nos termos do Artº 109º do Cód. Penal, conjugado com o Artº 23º, nº 3 do DL 28/84, de 20/01, foram declarados perdidos a favor do Estado os bens apreendidos nos autos.
Inconformados, os arguidos "A" interpuseram recurso da sentença, em cuja motivação produziram as seguintes conclusões:
“ I- Ao não levar em conta, na decisão da matéria de facto, outros factos provados, e constantes dos autos por documento, a sentença está ferida de vício, constante da aI. c), nº 2, art. 410° do CP;
II- Ao tomar em consideração para a motivação da matéria de facto, razões que não foram atendidas para provar factos que se opunham aos primeiros, a sentença está ferida de vício, nos termos da al. b), nº 2, art. 410°C.P.P.;
III- Ao decidir pela existência de consciência da ilicitude e culpa dos arguidos o Tribunal violou o princípio da apreciação da prova, de acordo com as regras da experiência previsto no art. 127°, C.P, e o princípio "in dúbio pró reo";
IV- Deve por isso o Tribunal de Recurso substituir a decisão recorrida por outra que absolva os arguidos;
V- Quando assim se não entender, só podem os arguidos ser condenados por um e único crime e em pena inferior a metade da prevista, de acordo com as circunstâncias constantes dos autos, atendíveis para a medida da pena.”.
O MP e a assistente Calvin Klein responderam à motivação, concluindo ambos que os recursos devem ser julgados improcedentes.
Nesta instância o Exmº Procurador Geral Adjunto, no seu douto parecer entende que o recurso deve ser julgado improcedente.
Colhidos os vistos, cumpre decidir, após a realização da audiência.

FUNDAMENTAÇÃO

A matéria fáctica considerada provada na sentença recorrida foi a seguinte:
“ 1- A sociedade comercial "B", Lda” teve o seu início de actividade em 03/01/2000 e foi constituída por escritura pública de 29/12/1999, do Cartório Notarial do Centro de Formalidades das Empresas de Braga.
2 - Os dois primeiros arguidos são sócia e gerente da referida sociedade e os responsáveis pela sua gestão e por todas as encomendas, compras e vendas, produção de mercadoria e provimento de matérias primas.
3- No dia 2 de Março de 2000, cerca das 12H00M, na sede da firma arguida sita no Lugar de ..., Fafe, na sequência de mandados de busca domiciliária, foram apreendidos:
a)- No interior daquelas instalações, cem (100) boxers “Calvin Klein”, cinquenta e seis (56) caixas em cartão com referência “Calvin Klein”, bem como cerca de três (3) kilos de etiquetas também “Calvin Klein”;
b)- No terreno anexo àquelas instalações, novecentos e noventa e quatro (994) boxers “Calvin Klein”, cinco (5) sweat´s “Adidas”, duas calças F+ “Adidas”, uma sweat’s e duas Calças FT “Nike”;
c)- Num veículo automóvel, modelo “Mercedes”, duzentos e dez (210) boxers “Calvin Klein”, três (3) pólos Nike, um polo “Burberrys”, três (3) pólos “Lacoste” e diversas etiquetas das marcas “Adidas” e “Nike”.
d)- No escritório da firma arguida foram apreendidos cinco (5) pólos “Lacoste”, um pólo “Adidas”, um pólo “Nike”, um pólo “Diesel”, quatro (4) boxers “Calvin Klein”, dois (2) boxers “Tommy Hilfiger”, um top “Calvin Klein”, um rolo de etiquetas “Calvin Klein”, uma caixa de cartão e diversas etiquetas “Nike”, “Kappa” e “Lacoste”.
e)- Numa viatura marca Hyundai, trezentos e oitenta e três (383) pólos “Lacoste” e duzentos e um pólos “Burberrys”.
4- A mercadoria apreendida tinha o valor global de 18.704,92 € (dezoito mil setecentos e quatro euros e noventa e dois cêntimos) - 3.750.000$00 (três milhões setecentos e cinquenta mil escudos).
5- As supra referidas peças de vestuário não foram produzidas ou comercializadas pelos titulares das marcas supra aludidas, nem com a sua autorização.
6- As etiquetas não foram fabricadas com autorização dos titulares das respectivas marcas e destinavam-se a ser colocadas em diversos artigos de vestuário, de modo a fazê-los passar por produtos originais das marcas correspondentes, o mesmo acontecendo com as caixas destinadas a acondicionar as peças de vestuário descritas e outros produtos.
7- A marca “Adidas” encontra-se registada no Instituto Nacional de Propriedade Industrial sob os nºs 134080, 174346, 216489, para artigos da classe 25.
8- A marca “Nike” encontra-se registada no INPI sob os nºs 201295, 203119, 232430, 248685 e 248686, para artigos da classe 25.
9- A marca “Burberrys” encontra-se registada no INPI sob os nºs 143837, 145838, 197467, 197459, 208500, 217596, 228941, 234494, 234495, 263962 e 319817.
10- A marca “Lacoste” encontra-se registada no INPI sob os nºs 166 139, para artigos da categoria 25.
11- A marca “Diesel” encontra-se registada no INPI sob os nºs 608499 “Diesel”, 608500 “Diesel” , figura para artigos da classe 25.
12- A marca “Tommy Hilfiger” encontra-se registada no INPI sob os nºs 3237882, 301832, 301833, 301834, 301835, 319623 e 321221, para artigos da categoria 25.
13- A marca “Kappa” encontra-se registada no INPI sob os nºs 221690 e 265952, para artigos da categoria 25.
14- As peças de vestuário apreendidas nos autos, com excepção de um pólo marca “Lotto”, apresentam diferenças relativamente às peças congéneres originais, nomeadamente, quanto à confecção e fabrico, textura e consistência do tecido, processo de costura da peça, etiqueta de marca não conforme aos originais, revelando, nalguns casos, falta de etiquetas de lavagem e composição, bem como, relativamente às caixas e etiquetas em tecido ou em cartão, que não correspondiam às originais em termos de dimensão, forma, grafia, cores e qualidade.
15- As peças, etiquetas para aposição e caixas para acondicionamento eram destinadas pelos arguidos para venda a terceiros revendedores e ao público consumidor, fazendo-as passar por produtos originais das marcas referenciadas, o que sabiam ser falso e não corresponder à realidade, sendo certo que as marcas referenciadas se encontram registadas em Portugal e como tal protegidas, factos do conhecimento dos arguidos, que sabiam que não podiam confeccioná-las sem autorização e consentimento dos titulares das marcas ou dos seus representantes legais.
16- Os arguidos quiseram beneficiar do prestígio, internacional e nacional, que tais marcas gozam junto do público consumidor, obtendo lucros a que sabiam não ter direito, enganando-o e fazendo crer que tais peças correspondiam aos originais das marcas que ostentavam.
17- Os arguidos agiram de forma livre, deliberada e consciente, sabendo que as suas condutas eram proibidas por lei.
18- Os produtos Calvin Klein apreendidos faziam parte de uma encomenda de 60 000 peças e destinavam-se ao mercado externo.
19- Os arguidos procediam ao acabamento das peças, cosendo-as e colocavam as etiquetas.
20- Na área desta comarca, grande parte das empresas do ramo têxtil dedica-se à produção e comercialização de produtos contrafeitos, nomeadamente das marcas constantes dos autos.
21- A assistente Calvin Klein é titular em Portugal das seguintes marcas registadas: nºs 2139166 “Calvin Klein”, 295319 “Calvin Klein”, 311895 “Calvin Klein”, 311896 “Calvin Klein”, 315 895 “CK”, destinadas a produtos classe 25 (artigos de vestuário - roupa interior -, calçado e acessórios).
22- No início do ano de 2000 verificou-se no mercado europeu um elevadíssimo número de vendas de roupa interior contrafeita com a marca da assistente.
23- Chegando alguns dos artigos contrafeitos a atingir os locais autorizados pela assistente e nas lojas de grande consumo.
24- As peças contrafeitas Calvin Klein apreendidas nos autos apresentam cores, design, composição de marca, dizeres e grafia em tudo semelhantes às da assistente, ou por esta licenciadas.
25- Os arguidos equiparam a fábrica com máquinas de manufacturação modernas.
26- Tendo cerca de dez funcionários ao seu serviço
27- A assistente é uma sociedade multinacional sediada nos E.U.A. com forte implementação na Europa.
28- A “Calvin Klein” é uma marca mundialmente conhecida, nomeadamente nas áreas de vestuário de moda, perfumaria e acessórios, para homem, mulher e criança.
29- Para tanto, a assistente realiza avultados investimentos em campanhas de publicidade e marketing na construção da sua imagem.
30- O facto referido em 22 supra determinou uma diminuição do número de vendas da assistente, em montante não concretamente apurado.
31- O mercado português de boxers Calvin Klein originais é de cerca de 25000 peças por ano.
32- A distribuição de produtos contrafeitos provoca a banalização e desgaste da imagem de marca.
33- A arguida é casada, sendo ela e seu marido, Manuel ..., os únicos sócios da sociedade arguida.
34- Têm ambos a seu cargo três filhos menores.
35- O marido da arguida é titular de uma firma que se dedica à construção civil.
36- A Quinta da Vinha, onde se encontram as instalações da sociedade arguida, pertence à arguida e seu marido, constituindo ainda o local da sua residência.
37- Por decisão proferida em 23/02/2001, nos autos de Processo Comum Singular, deste Juízo e Tribunal, foi a arguida "A" (Maria) condenada, por factos relativos a 30/04/1998, como co-autora e em concurso real, pelo crime de contrafacção e fraude de mercadorias, p. e p.p. artº 264º, nº 1, al. a) do CPI e artº 23º, nº 1 do Decreto-Lei nº 28/84, de 20/01
38- O arguido "A" (Carlos) explora actualmente uma firma de confecção de têxteis, tendo seis funcionários ao seus serviço.
39- É solteiro e vive com os pais.
40- Por decisão proferida nos autos de Processo Comum Singular nº 10/00.8 FAVNG, do 1º Juízo, deste Tribunal, foi o arguido condenado, por decisão transitada em julgado, por factos ocorridos na data da apreensão constante dos autos e por ocasião desta, pela prática do crime de resistência e coacção sobre elemento das forças militarizadas, p. e p.p. artº 347º do Código Penal, na pena de seis meses de prisão, substituída por igual tempo de multa.
41- Os arguidos são bem considerados no seu meio social e tidos como pessoas trabalhadoras.”
Factos não provados:
“ 1- Nos meses de Maio, Junho e Julho de 1999, alguns indivíduos suecos se deslocaram a Portugal, tendo organizado e implementado em conjunto com os contactos locais, entre eles os ora arguidos, a manufacturação e distribuição de produtos contrafeitos com as marcas da assistente, cujo objectivo era produzir em larga escala vestuário contrafeito destinado ao mercado consumidor europeu.
2- A capacidade de produção da fábrica dos arguidos cifrava-se em cerca de 20 mil peças de vestuário contrafeito por mês, que colocavam no mercado.”
Motivação de facto:
“ O Tribunal baseou a sua convicção no conjunto da prova produzida, designadamente:
a)- Na análise dos documentos juntos aos autos;
b)- Nos depoimentos dos agentes que procederam à apreensão constante dos autos (Paulo..., António ..., Jorge ..., nomeadamente), quanto à concreta identificação dos locais onde foram encontradas peças de vestuário contrafeito, referindo-se que, na sequência da abordagem inicial ao arguido "A" (Carlos), ainda fora das instalações da empresa, este terá conseguido avisar para o interior da empresa, da iminência da busca, já que foi visto pelos agentes a falar ao telemóvel, mesmo antes de ele próprio ser alvo da apreensão efectuada.
c)- Todo este circunstancialismo, quer pela conduta do arguido, tentando impedir a fiscalização (o que até deu origem a processo crime autónomo), quer os estranhos locais por onde, entretanto, o material foi distribuído, no sentido de iludir a acção fiscalizadora (designadamente num “buraco” ou fossa, tapado com desperdícios e dentro de um Mercedes, que se encontrava estacionado na garagem), demonstra o inequívoco e o pleno conhecimento dos arguidos da ilicitude da sua actividade, registando-se palavras do arguido, em jeito de desabafo, “a gente queria era trabalhar”.
d)- Na verdade, não colheu a alegação por estes dada de que pensavam estar legais por terem sido contactados por um indivíduo sueco, que eles alegadamente pensaram ser representante da firma Calvin Klein, meramente com base num simples fax de encomenda, entretanto recebido e que consta ser o documento de fls. 34.
Ora, como facilmente se depreende, pessoas com os conhecimentos no ramo e com a experiência que os arguidos tinham daquela actividade industrial, não podiam ficar convictas que um simples pedido de encomenda, como é o de fls. 34, os legitimasse pelo titular da marca em causa para aquela actividade, o que de todo o modo não constitui justificação para os restantes produtos apreendidos, com outras marcas.
e)- No depoimento dos arguidos, nomeadamente da arguida "A" (Maria), quanto ao conhecimento da necessidade das licenças das marcas para este tipo de produção;
f)- No depoimento da testemunha Paulo ..., representante da marca da assistente, em Portugal, deste 1995, quanto à matéria apurada nos artºs 19 a 29;
g)- No depoimento da testemunha Paulo ..., que referiu a existência de boa maquinaria nas instalações e que “o negócio não ia mal”.
h)- No depoimento de Álvaro ..., que referiu que “80% das empresas trabalham na contrafacção” e que demonstrou conhecer de perto as condições sócio económicas dos arguidos, bem como a testemunha José ..., ex-sócio da arguida "A" (Maria) e Maria ..., ex-funcionária da empresa.
i)- Tiveram-se ainda em conta as certidões de fls. 451 e 503 dos autos, quanto aos antecedentes criminais dos arguidos.”
*
Como é sabido, o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da motivação ( Artºs. 403º, 412º nº 1 e 2 e 428º nºs 1 CPP).
Daí que no caso em análise, haja que apurar se existe:
a) Vício de erro notório na apreciação da prova
b) Vício de contradição insanável da fundamentação e entre a fundamentação e a decisão.
c) Violação dos princípios da livre apreciação da prova e do “ in dubio pro reo”.
d) Enquadramento jurídico penal e medida da pena.
Cumpre pois apreciar e decidir as questões suscitadas.
1ª.- Dos vícios do erro notório na apreciação da prova, de contradição insanável da fundamentação e entre a fundamentação e a decisão (Artº 410º nº 2 b) e c) CPP)
Entendem os recorrentes que os referidos vícios resultam da contradição existente entre os pontos 23 e 24, por um lado e 14 dos factos provados, por outro e ainda porque não foram levados em conta factos provados por documento.
Vejamos.
Nos referidos pontos ficaram provados os seguintes factos:
“ 14- As peças de vestuário apreendidas nos autos, com excepção de um pólo marca “Lotto”, apresentam diferenças relativamente às peças congéneres originais, nomeadamente, quanto à confecção e fabrico, textura e consistência do tecido, processo de costura da peça, etiqueta de marca não conforme aos originais, revelando, nalguns casos, falta de etiquetas de lavagem e composição, bem como, relativamente às caixas e etiquetas em tecido ou em cartão, que não correspondiam às originais em termos de dimensão, forma, grafia, cores e qualidade.”
“ 23- Chegando alguns dos artigos contrafeitos a atingir os locais autorizados pela assistente e nas lojas de grande consumo.
24- As peças contrafeitas Calvin Klein apreendidas nos autos apresentam cores, design, composição de marca, dizeres e grafia em tudo semelhantes às da assistente, ou por esta licenciadas.”
Como escrevem Simas Santos e Leal Henriques Código de Processo Penal Anotado, Vol. II, pág. 739. “ Por contradição, entende-se o facto de afirmar e de negar ao mesmo tempo uma coisa ou a emissão de duas proposições contraditórias que não podem ser simultaneamente verdadeiras e falsas, entendendo-se como proposições contraditórias as que tendo o mesmo sujeito e o mesmo atributo diferem na quantidade ou na qualidade.
Para os fins do preceito ( al. b) do nº 2) constitui contradição apenas e tão só aquela que, como expressamente se postula, se apresente como insanável, irredutível, que não possa ser ultrapassada com recurso à decisão recorrida no seu todo, por si só ou com o auxílio das regras da experiência”
E acrescentam os referidos autores que “ As contradições insanáveis que a lei considera para efeitos de ser decretada a renovação da prova são somente as contradições internas, rectius intrínsecas da própria decisão considerada como peça autónoma.”
E compreende-se que assim seja, porquanto nos termos do Artº 410º nº 2 CPP o vício tem de resultar do texto do acórdão recorrido, por si só ou conjugado com as regras da experiência comum.
Por outro lado o erro notório na apreciação da prova consiste, no erro ostensivo, patente e de tal modo crasso que salta aos olhos do leitor médio, sem necessidade de qualquer exercício mental.
Como refere o AcSTJ 98.04.16 (BMJ 476, 253) “ só existe erro notório na apreciação da prova quando da factualidade provada se extraiu uma conclusão ilógica, irracional e arbitrária ou notoriamente violando as regras da experiência comum”.
Ora entre os referidos pontos não só não existe qualquer contradição, como muito menos erro notório.
Desde logo o facto dado como provado no ponto 14 traduz-se na real apreciação feita por quem procedeu à apreensão dos produtos e, portanto tecnicamente mais apetrechado a poder apreciar a contrafacção das peças, o que não está ao alcance de qualquer um, já que essas diferenças assentam em pormenores.
Tudo isto para dizer que tal nada tem de contraditório e muito menos de erro notório com o facto contido no ponto 24, quando se dá como provado que as peças contrafeitas Calvin Klein apreendidas nos autos eram semelhantes às da assistente.
É que eram exactamente as referidas diferenças de pormenor que as distinguiam das originais e, como tal, grosso modo, não deixavam de ser semelhantes.
E o mesmo se diga relativamente ao ponto 23 da matéria de facto dada como provada o qual tem de ser conjugado com a matéria dada como provada no ponto 22, segundo os quais a contrafacção é de tal maneira bem feita que chegou a atingir no início do ano 2000, as lojas da marca e de grande consumo.
Por isso se conclui não estarem aqui presentes os referidos vícios.
Acrescentam no entanto os recorrentes que não foram levados em conta factos provados pelo documento junto a fls. 34, o que levaria também a dar como não provada a matéria constante do ponto 5.
Ora quanto a esta matéria, desde já se dirá que não assiste qualquer razão aos recorrentes.
A tónica que pretendem colocar no documento em causa é afastada, pela motivação da decisão de facto quando refere:
“ Na verdade, não colheu a alegação por estes dada de que pensavam estar legais por terem sido contactados por um indivíduo sueco, que eles alegadamente pensaram ser representante da firma Calvin Klein, meramente com base num simples fax de encomenda, entretanto recebido e que consta ser o documento de fls. 34.
Ora, como facilmente se depreende, pessoas com os conhecimentos no ramo e com a experiência que os arguidos tinham daquela actividade industrial, não podiam ficar convictas que um simples pedido de encomenda, como é o de fls. 34, os legitimasse pelo titular da marca em causa para aquela actividade, o que de todo o modo não constitui justificação para os restantes produtos apreendidos, com outras marcas.”
Todavia sempre se dirá que a argumentação dos recorrentes assenta não no texto da decisão recorrida, mas sim e apenas no facto do tribunal não ter dado ao documento em causa a relevância que aqueles entendiam dever merecer o que não consubstancia qualquer vício, mas apenas divergência quanto á forma como o tribunal apreciou a prova.
Em conclusão, face à clara e proficiente fundamentação, não se lobrigam no texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, nenhum dos vícios constantes do nº 2 do Artº 410º CPP, e muito especialmente os que foram invocados pelos arguidos.
2ª.- Violação dos princípios da livre apreciação da prova e do “ in dubio pro reo”.
Alegam os recorrentes que ao decidir pela existência de consciência da ilicitude e culpa dos arguidos, o Tribunal violou os referidos princípios.
Pois bem, como é sabido o Artº 127º CPP estabelece que, salvo quando a lei dispuser diferentemente, a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente.
Tal princípio não é, logicamente uma apreciação imotivável e arbitrária da prova que foi produzida nos autos, já que é com a referida prova que se terá de decidir. É que quod non est in actis non es in mundo.
Como refere Figueiredo Dias Direito Processual Penal, da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, pág. 140., essa convicção existirá quando “ o tribunal tenha logrado convencer-se da verdade dos factos para além de toda a dúvida razoável. Não se tratará pois, na “ convicção”, de uma mera opção “voluntarista” pela certeza de um facto e quanto à dúvida, ou operada em virtude da alta verosimilhança ou probabilidade do facto, mas sim de um processo que só se completará quando o tribunal por uma via racionalizável ao menos a posteriori, tenha logrado afastar qualquer dúvida para a qual pudessem ser dadas razões, por pouco verosímil ou provável que ela se apresentasse”.
Daí que haja necessidade de tais comprovações serem sempre motiváveis.
Na verdade, nos termos do disposto no Artº 374º nº 2 CPP “ Ao relatório segue-se a fundamentação, que consta da enumeração dos factos provados e não provados, bem como de uma exposição, tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal.”.
Significa isto que, para além da indicação das provas que serviram para formar a convicção do tribunal, este tenha ainda que expressar o respectivo exame crítico das mesmas, isto é o processo lógico e racional que foi seguido na apreciação das provas.
O objectivo dessa fundamentação é, no dizer do Prof. Germano Marques da Silva Curso de Processo Penal, 2ª ed., III, pág. 294., a de permitir “ a sindicância da legalidade do acto, por uma parte, e serve para convencer os interessados e os cidadãos em geral acerca da sua correcção e justiça, por outra parte, mas é ainda um importante meio para obrigar a autoridade decidente a ponderar os motivos de facto e de direito da sua decisão, actuando, por isso como meio de autodisciplina”.
Como escreve Marques Ferreira Jornadas de Direito Processual Penal, pág. 229. “ Estes motivos de facto que fundamentam a decisão não são nem os factos provados (thema decidendum) nem os meios de prova (thema probandum) mas os elementos que em razão das regras de experiência ou de critérios lógicos constituem o substracto racional que conduziu a que a convicção do tribunal se formasse em determinado sentido ou valorasse de determinada forma os diversos meios de prova apresentados em audiência”.
Também a propósito da fundamentação das sentenças refere Eduardo Correia "só assim racionalizada, motivada, a decisão judicial realiza aquela altíssima função de procurar, ao menos, “convencer” as partes e a sociedade da sua justiça, função que em matéria penal a própria designação do condenado por “convencido” sugere" Parecer da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra sobre o artigo 653º do Projecto, em 1ª Revisão Ministerial, de alteração do Código de Processo Civil, Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, vol. XXXVII (1961), pág. 184..
Ora analisando agora a sentença recorrida e especialmente a sua fundamentação, da qual consta a indicação das provas que serviram para formar a convicção do tribunal e o respectivo processo lógico e racional que foi seguido na apreciação dessas provas, nenhuma razão existe para não se aceitar as conclusões a que chegou, já que não existe qualquer arbitrariedade nessa apreciação.
Por outro lado referem ainda os recorrentes que ao dar-se como provada tal matéria teria sido violado o princípio in dubio pro reo.
Pois bem o referido princípio estabelece que a dúvida sobre os factos favorece o arguido.
Tem o seu campo de aplicação no âmbito da matéria de facto.
Como já se disse anteriormente não há qualquer motivo para censurar a matéria de facto que foi dada como provada quanto a este ponto, e por outro lado não se consegue vislumbrar que ao tribunal a quo se tivesse colocado qualquer dúvida séria e, ainda assim, decidisse contra o arguido.
O processo lógico do julgamento de facto levado a cabo pelo tribunal com base no princípio da livre apreciação da prova e tendo em conta a fundamentação invocada para o mesmo, não deixa qualquer margem para dúvidas e não se mostrando violado nenhum princípio de prova e, como tal, improcede o recurso também quanto a este ponto.
3ª.- Do enquadramento jurídico penal e medida da pena.
Alegam os recorrentes que só podem ser condenados por um único crime, dado que é o mesmo o bem jurídico protegido “ inexistência de fraude no comércio” e ainda assim em pena inferior a metade da prevista.
Vejamos então se nos encontramos perante um concurso real de infracções, como o entendeu o tribunal a quo, ou se, pelo contrário este é um caso de concurso aparente, como defendem os recorrentes.
Recorde-se que os arguidos foram condenados, como co-autores de um crime de contrafacção, p. e p. pelo Artº 264º, nº 1, al. a) do Código da Propriedade Industrial, aprovado pelo DL 15/95, de 24/01 e de um crime de fraude sobre mercadorias, p. e p. pelo Artº 23º, nº 1 do DL 28/84, de 20/01, na redacção introduzida pelo Artº 6º do DL 20/99, de 28/0.
Nos termos do Artº 30º nº 1 CP o número de crimes determina-se pelo número de tipos de crime efectivamente cometidos, ou pelo número de vezes que o mesmo tipo de crime for preenchido pela conduta do agente.
Atende-se assim ao número de tipos legais de crime que são efectivamente preenchidos pela conduta do agente ou ao número de vezes que essa conduta preenche o mesmo tipo legal de crime, assim se adoptando a unidade e pluralidade de tipos violados como critério básico de distinção entre a unidade e pluralidade de crimes.
Perfilha-se assim o critério teleológico para distinguir a unidade e pluralidade de infracções.
Há que atender não aos fins procurados pelo agente que praticou as infracções, mas sim aos fins visados pela incriminação das normas violadas.
Contudo esse comando sofre duas ordens de restrições: os casos de concurso aparente de infracções e de crime continuado:
E no que concerne aos primeiros refere Maia Gonçalves Código Penal Português, 13ª ed., pág. 154.:
“ Nos casos de concurso aparente, são formalmente violados vários preceitos incriminadores, ou é várias vezes violado o mesmo preceito. Mas esta plúrima violação é tão só aparente; não é efectiva, porque resulta da interpretação da lei que só uma das normas tem cabimento, ou que a mesma norma deve funcionar uma só vez. Apontam-se diversas regras, das quais as mais indiscutidas são as da especialidade e da consunção, para delimitar estes casos.”
Assim quanto à regra da especialidade, um dos tipos aplicáveis (lex specialis) incorpora os elementos essenciais de um outro tipo aplicável ( lex generalis), acrescendo elementos suplementares ou especiais referentes ao facto ou ao próprio agente. Assim e dentro do princípio que a lei especial derroga a lei geral, só deve aplicar-se o tipo especial.
Relativamente à regra da consunção, o preenchimento de um tipo legal ( mais grave) inclui o preenchimento de um outro tipo legal ( menos grave), devendo a maior ou menor gravidade ser encontrada na especificidade do caso concreto.
Como escreve Eduardo Correia Direito Criminal, Vol. II, pág. 205. “ uns contêm-se já nos outros, de tal maneira, que uma norma consome já a protecção que a outra visa. Daí que, ainda com fundamento na regra “ ne bis in idem”, se tenha de concluir que “ lex consumens derogat legi consumtae”. O que, porém, ao contrário do que sucede com a especialidade, só em concreto se poderá afirmar, através da comparação dos bens jurídicos violados”. Pode no entanto acontecer o caso inverso da consunção impura, em que, como refere Eduardo Correia ( obra citada, pág. 207), a lei descreve um tipo de crime que só se distingue doutro por uma circunstância tal que apenas se pode admitir tê-la querido o legislador como circunstância qualificativa agravante – verificando-se todavia que a pena para ela cominada é inferior à do tipo fundamental.
Ora, em hipóteses tais, se não pode falar-se de especialidade, também não pode dizer-se verificada uma relação de consunção pura.

Ora no caso em apreço, é evidente não existir qualquer relação de especialidade entre as referidas normas, nem a mais grave inclui a realização da menos grave
Por outro lado os bens protegidos pelas mesmas são substancialmente diferentes.
Assim no Artº 264º, nº 1, do Código da Propriedade Industrial, protege-se directamente o titular do registo da marca, visando-se prevenir e punir a feitura, a imitação e o uso do produto contrafeito, haja ou não comercialização.
Por seu lado no crime de fraude sobre mercadorias, p. e p. pelo Artº 23º, nº 1 do DL 28/84, protege-se a defesa da confiança do consumidor e o seu interesse patrimonial.
Deste modo, sendo diferentes os tipos e diferentes os bens jurídicos, a sua violação envolve um concurso efectivo de crimes, pelo que nada há a censurar ao enquadramento jurídico dos facto feito no tribunal a quo.
Improcede assim o recurso quanto a este ponto.
Argumentam ainda os arguidos que a pena aplicada deve ser inferior a metade da prevista.
Pois bem, considerando que face à matéria de facto provada se encontram preenchidos todos os elementos objectivos e subjectivos dos crimes por que foram condenados os arguidos, vejamos então se as penas aplicadas se encontram correctas.
A moldura penal abstracta correspondente ao crime de contrafacção é a de prisão até dois anos ou multa até 240 dias, e a do crime de fraude de mercadorias é de prisão até 1 ano e multa até 100 dias.
Por seu lado a graduação da medida concreta da pena determina-se em função da culpa do arguido e das exigências da prevenção geral e especial das penas, atendendo-se a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele (Artº 71º nºs 1 e 2 CP) e ainda às circunstâncias previstas no Artº 6º do Dec. Lei 28/84.
E em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa (Artº 40º nº 2 CP), princípio esse que norteia o nosso ordenamento jurídico-criminal.
Culpa esta entendida como elemento do conceito de crime, isto é o juízo de censura ético-jurídica que é possível dirigir ao agente por não se ter comportado, como podia, de acordo com a norma, e olhada em concreto, como culpa pelo concreto ilícito praticado.
A culpa, enquanto pressuposto da pena, definirá pois o seu limite máximo, dentro da qual as exigências de prevenção lhe fixarão a medida.
Como escreve Figueiredo Dias Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, pág. 229., a propósito da medida da culpa “ A verdadeira função desta última, na doutrina da medida da pena, reside, efectivamente, numa incondicional proibição de excesso; a culpa constitui um limite inultrapassável de todas e quaisquer considerações preventivas – sejam de prevenção geral positiva ou antes negativa, de integração ou antes de intimidação, sejam de prevenção especial positiva ou negativa, de socialização, de segurança ou de neutralização. Com o que se torna indiferente saber se a medida da culpa é dada num ponto fixo da escala penal ou antes como uma moldura de culpa: de uma ou de outra forma, é o limite máximo da pena adequado à culpa que não pode ser ultrapassado. Uma tal ultrapassagem, mesmo em nome das mais instantes exigências preventivas, poria em causa a dignitas humana do delinquente e seria assim, logo por razões jurídico-constitucionais, inadmissível”.
No que concerne à fixação do quantitativo correspondente a cada dia de multa obedece, ao disposto no Artº 47º nº 2 CP – cada dia de multa corresponde a uma quantia entre € 1 e €498,80 e em que releva exclusivamente a situação económico-financeira e os encargos pessoais do condenado.
Ora analisando o recurso interposto constata-se que os recorrentes não indicam em concreto em que assenta a pretensão em ver reduzida a pena para metade.
Tudo parece levar a crer que essa pretensão seria apenas de considerar no caso deste Tribunal ter entendido haver concurso aparente, pois de outro modo carece de fundamento.
É que motivar o recurso não é só dizer que se discorda da decisão, há que indicar expressamente as razões em concreto em que assenta essa discordância, já que a determinação em concreto medida da pena, obedece, exclusivamente, aos critérios estabelecidos no nº 1 do Artº 71º CP ( concretizados no nº 2 do mesmo artigo) sem esquecer que, de acordo com o Artº 40º nº 2 CP, em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa.
Ora não se apontando os motivos da divergência quanto à forma como foi encontrada a medida da pena, sejam por inadequados à medida da culpa ou às exigências de prevenção, ou à situação económica e financeira dos condenados, é evidente que este tribunal não pode entrar na sua apreciação
Como escrevem Simas Santos e Leal Henriques Código de Processo Penal Anotado, Vol. II, pág. 735. “ os recursos são configurados como remédios jurídicos e não como meios de perfeccionismo jurisprudencial, o que significa que têm de ser indicados expressamente os vícios da decisão recorrida, que se traduzem em error in procedendo ( violação de normas do direito processual) ou em error in judicando ( violação de normas de direito substantivo)”.
De todo o modo sempre se dirá que, apreciando a fundamentação respectiva, a medida da pena encontrada se encontra de harmonia com os citados preceitos legais, bem como nos termos do Artº 77º CP.
Assim sendo e sem outras considerações, nesta parte tem o recurso de considerar-se manifestamente improcedente.

DECISÃO

Nestes termos, acorda-se em negar provimento ao recurso interposto, confirmando-se inteiramente a douta decisão recorrida.
Fixa-se a taxa de justiça devida por cada um dos recorrentes em cinco Ucs (Artº 87º nº 1 b) CCJ).
Honorários ao ilustre defensor oficioso nomeado em audiência, de harmonia com o nº 6 da tabela de honorários publicada com a Portaria 150/2002 de 19 de Fevereiro, com observância do disposto no Artº 4º nº 1 da aludida Portaria.
Processado por computador e revisto pelo primeiro signatário (Artº 94º nº 2 CPP)
Guimarães, 17 de Março de 2003