Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
525/20.1T8VRL.G1
Relator: MARIA LEONOR CHAVES DOS SANTOS BARROSO
Descritores: TRANSMISSÃO DE UNIDADE ECONÓMICA
EMPRESA DE SEGURANÇA
VALOR DA CAUSA
TEMPESTIVIDADE DE RECURSO
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 02/17/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO SOCIAL
Sumário:
Se o valor da causa apenas for fixado no despacho que admite o recurso da sentença, a parte que dele discorde tem de o impugnar – 306º, 3, 644º, 5, CPC.
A prova produzida não impõe alteração da decisão de facto.
Na prestação de serviços de vigilância e segurança, fundamentalmente assente no factor humano, os indícios para aferir, quantitativa e qualitativamente, da existência de “transmissão de unidade económica” centram-se na passagem entre empresas sucessoras de “efectivos relevantes”, de know-how, de conhecimentos especiais, de competências, de técnicas de organização, ou de métodos diferenciados e valiosos de trabalho.
Deve ser fixada em valor igual a indemnização por danos não patrimoniais sofridos por dois trabalhadores no mesmo contexto de “despedimento de facto” e com pressupostos e/ou consequências que se equivalem.

Maria Leonor Chaves dos Santos Barroso
Decisão Texto Integral:
I – RELATÓRIO

V. J. e M. C. intentaram acções declarativas separadas com processo comum contra as rés X, SEGURANÇA S.A. e Y – Empresa de Segurança S.A.
Após solicitação da 1ª ré, foi determinada a apensação da acção proposta pela ora 2ª autora.

PEDIDOS:
O 1º autor pede que as RR sejam condenadas a reconhecer que o A mantém vínculo laboral com a “Y – Empresa de Segurança S.A.”; reconhecer que tal vínculo teve início em 2008; reconhecer que ocorreu despedimento pela entidade patronal do A em janeiro de 2020; reconhecer que o despedimento do A foi ilícito; pagar ao A o montante global de €12.207,54, correspondente a danos não patrimoniais (€2.000), salários não pagos e indemnização em substituição da reintegração; pagar ao A as retribuições não recebidas desde a data do despedimento até trânsito em julgado da sentença.
O 2º autor pede que seja declarado ilícito o despedimento promovido pelas rés; que estas sejam condenadas a pagar compensação referente às retribuições intercalares, €22.188,68 a título de indemnização em substituição da reintegração na eventualidade de vir a optar por esta; indemnização por danos não patrimoniais a fixar pelo tribunal, €8,30 a título de danos patrimoniais e créditos vencidos e não pagos, correspondentes a prémios de chefia, no valor atual €543,84.
Para o efeito invocaram os demandantes que iniciaram funções na qualidade de vigilantes na empresa X, aqui 1ª R. e que estiveram ao serviço desta empresa até Janeiro de 2020. A partir dessa data a 2ª RR ganhou a prestação de serviços de vigilância no local de trabalho dos AA. Nenhuma da RR manteve ou aceitou os AA ao seu serviço, pelo que foram alvo de um despedimento ilícito.
A primeira ré (empregadora) contestou negando que tenha despedido o autor. Ao invés, ocorreu uma situação de transmissão de empresa ou estabelecimento e o contrato de trabalho passou para a segunda ré, com a manutenção de todos os direitos contratuais adquiridos.
A segunda ré (“adquirente”) contestou. Alega que não ocorreu transmissão de empresa ou estabelecimento tratando-se de uma mera sucessão de prestação de serviços em local propriedade da cliente, desacompanhada de quaisquer outros elementos. Ademais, é filiada na AESIRF, aplicando-o CCT celebrado entre a Associação Nacional das Empresas de Segurança - AESIRF e a ASSP - Associação Sindical da Segurança Privada, publicado no Boletim do Trabalho e Emprego nº 26 de 15 de Julho de 2019, em vigor desde 1 de Julho de 2019, que refere na clausula 14ª “2 - não se enquadra no conceito de transmissão de empresa ou estabelecimento a perda de cliente por fracção de um operador com a adjudicação de serviço a outro operador. 3 - Para os efeitos da presente clausula aplicar-se-á o regime jurídico constante na Lei n.º 14/2018, de 19 de março, publicada no Diário da Republica, 1.ª série, n.º 55, e demais alterações produzidas nos artigos 285.º, 286.º, 395.º, 396.º e 498.º do Código de Trabalho.”
Procedeu-se a julgamento e proferiu-se sentença.

DECISÃO RECORRIDA (DISPOSITIVO): decidiu-se do seguinte modo:

“Tudo visto e nos termos expostos julga-se a presente acção parcialmente procedente por provada e em consequência condena-se a R. X a reconhecer a ilicitude dos despedimentos que moveu aos aqui AA. em 01/01/2020 e em consequência condena-se a mesma a reintegrar o A. M. C. no seu posto de trabalho sem perda de antiguidade e categoria profissional e a pagar-lhe a quantia de € 8,30 (oito euros e trinta cêntimos) a título de indemnização pelos danos patrimoniais decorrentes da mesma ilicitude e no montante de € 4.000,00 (quatro mil euros) a titulo de indemnização pelos danos morais acima determinados, sendo que sobre estes montantes acrescem ainda os respectivos juros de mora, à taxa legal, vencidos desde a data da citação e os vincendos até integral pagamento. Mais se condena a mesma demandada a pagar ao A. V. J. a quantia de € 8.020,21 (oito mil e vinte euros e vinte e um cêntimo), e a quantia de € 2.000,00 (dois mil euros) a título de indemnização pelos danos não patrimoniais decorrentes da ilicitude do seu despedimento, sendo que sobre estes montantes acrescem ainda os respectivos juros de mora, à taxa legal, vencidos desde a data da citação e os vincendos até integral pagamento. Absolvem-se as RR. X, S.A. e Y – Empresa de Segurança, S.A. do demais peticionado pelo A. M. C..
Custas pelo A. M. C. quanto ao pedido no valor de € 543,84 e pela 1ª R. quanto ao restante valor dos pedidos formulados por ambos os demandantes.”

A PRIMEIRA RÉ RECORREU. CONCLUSÕES: (segmentos relevantes dado o repisar de argumentos):
“O presente recurso tem como objeto parte da matéria de facto dada como assente [provada e não provada] e a solução de direito, plasmada na douta sentença proferida nos presentes autos, mais precisamente a incorreta aplicação das normas jurídicas que consagram e regulam o instituto da transmissão da unidade económica/estabelecimento presentes nos artigos 285º e seguintes do Código do Trabalho;
…..
Ora, salvo o devido respeito, entende a Recorrente que o Tribunal ad quo cometeu um erro de julgamento na valoração e interpretação da matéria de facto dada como assente como no respetivo e consequente enquadramento jurídico, traduzida na manifesta violação de lei substantiva laboral – art.º 285.º, n.ºs 1, 3 e 5 do Código do Trabalho;
Pelo que cometeu um erro de julgamento quanto à interpretação do quadro jurídico-legal que baliza o instituto da transmissão da unidade económica, presente no artigo 285.º, n.º 1, 3 e 5 do Código do Trabalho e Diretiva 2001/23/CE;
Como questão prévia, requer a Recorrente que, ao abrigo do disposto no artigo 652.º, n.º 1, al. f) do CPC, o valor da causa, não fixado pelo Tribunal ad quo, seja fixado no montante de € 63.938,02 [€ 30.000,01 + € 33.938,68], uma vez que estamos perante pedidos líquidos de índole pecuniária e pedidos de interesses imateriais [conhecimento da transmissão da unidade económica e indemnização na sequência do pedido de declaração da ilicitude do despedimento];
Nestes termos, e ao abrigo do disposto no artigo 652.º, n.º 1, al. f) do CPC, deverá o valor da causa ser alterado e em consequência fixado na quantia de € 63.938,02 [€ 30.000,01 + € 33.938,68];

O Tribunal ad quo considerou como matéria factual assente que:
Provados
Para além do Vigilante a prestar funções no C. de Chaves, a partir do dia 1 de Janeiro de 2020 prestam ainda funções o Supervisor H. F. – o qual já vinha exercendo cumulativamente as mesmas funções noutros postos de outros diversos clientes na região (cerca de 30 postos, num total de cerca de 80 vigilantes), o Gestor Operacional N. C. que já vinha exercendo as mesmas funções junto de outros diversos clientes da região e o Director de Operações, dando apoio e supervisionando todos os postos de diversos clientes a nível nacional, bem como os Vigilantes/Operadores de Central.

São também este conjunto de trabalhadores do quadro permanente da R., globalmente considerado que passou, a partir de 1 de Janeiro de 2020, a prestar a sua actividade neste posto, mas também, em simultâneo a outros postos de clientes, desde que entraram ao serviço da R., sendo o Supervisor a nível local, neste e noutros postos, o Gestor Operacional a nível regional e o Director de Operações e os Vigilantes/Operadores de Central a nível nacional.
Realces nossos.
O que não se pode aceitar;
Ora, de acordo com o depoimento da testemunha H. F., gravado no ficheiro áudio H. C., Ficheiro áudio: Ficheiro áudio: 20210624113117_1392758_2871883.wma, resulta uma realidade inversa daquela que foi fixada pelo Tribunal ad quo, na medida em que se constata que o supervisor não tem como posto de trabalho as instalações do “C.” Chaves, nem sequer lá presta funções, mas antes supervisionando cerca de 30 postos e 80 homens;
Razão pela qual se mostra como inequívoco o erro de julgamento cometido pelo Tribunal ad quo quanto aos referidos factos dados como provados, pois os superiores hierárquicos não tinham como local de trabalho nem tampouco desempenha funções nas instalações do C. Chaves;
Deste modo, os dois factos dados como provados não poderão subsistir, por não corresponderem à verdade, por falta de suporte probatório requerendo-se a sua alteração para dado como não provado;
…considerou o Tribunal ad quo que o serviço de vigilância e segurança privada nas instalações do C. Chaves não constitui uma unidade económica (conjunto de meios organizados e autónomos) porquanto não se verificou o elemento transmissivo – falta de transmissão de equipamento e know hor;
Ora, salvo o devido respeito, entende a Recorrente que o Tribunal ad quo cometeu, não só um erro de julgamento na interpretação da matéria de facto dada como assente como no respetivo e consequente enquadramento jurídico, como também violou a norma jurídica de índole constitucional;
A interpretação realizada pelo Tribunal ad quo não tem em conta a posição da nossa doutrina e jurisprudência, quer nacional quer comunitária, quanto à determinação do elemento transmissivo da unidade económica, sempre numa perspetiva e abordagem global;
Violando em consequência o princípio pelo direito comunitário, cfr. artigo 8.º, n.º 4 da CRP;
A interpretação realizada pelo Tribunal ad quo padece de uma inconstitucionalidade material, por violação do disposto no art.º 8.º, n.º 4 da CRP;
O Estado-juiz encontra-se subordinado às orientações comunitárias e delas não poderá escudar-se, sob pena de violação do primado do direito comunitário;
O que não foi cumprido pelo Tribunal ad quo quando não considerou a mais recente jurisprudência comunitária sobre esta temática, presente no acórdão do TJUE de 17.10.2017, processo C200/16, este que declarou que a norma comunitária deve ser interpretada com vista a estar abrangida pelo conceito de transferência da unidade económica mesmo a empresa cessionária se recusa integrar os trabalhadores da primeira, desde que transferidos os bens corpóreos indispensáveis;….
Uma interpretação diversa, como a que foi configurada na decisão judicial em escrutínio, viola não só o princípio da segurança no trabalho [art.º 53.º da Constituição da República Portuguesa] como se mostra contrária ao princípio da interpretação conforme ou compatível com o Direito da União relativamente à norma jurídica presente no artigo 285.º, n.º 1, 3 e 5 do Código do Trabalho, violando manifestamente a disposição constitucional presente no artigo 8.º, n.º 4 da CRP;
Por essa ordem de razões não podemos acolher a posição sufragada pelo Tribunal ad quo, uma vez que se traduz no afastamento liminar da figura da transmissão da unidade económica à atividade da segurança privada, que, igualmente, não observa os critérios enunciados quanto a esta temática pelo TJEU – quando circunstancia os indícios que caraterizam tal operação;
…Entende a Recorrente, com o devido respeito, que o Tribunal ad quo não andou corretamente quanto à subsunção normativa da matéria de facto, quando, indevidamente, concluiu pela não verificação da unidade económica simplesmente por ausência dos elementos corpóreos, ora “bens materiais” e incorpóreos, ora “know how”;
….Com efeito, dos referidos factos extrai-se na subsunção da premissa menor à premissa maior a ocorrência de uma transmissão de bens e equipamentos indispensáveis e necessários à prossecução e prestação dos serviços de segurança e vigilância privada nas instalações da “C.” Chaves;
Tanto a transmissão de bens e equipamentos, como a transmissão do conjunto de conhecimentos práticos do serviço de segurança e vigilância privada do “C.” Chaves ocorreram de forma indireta; a primeira traduzida na retoma dos equipamentos pela 2.ª Ré ora Recorrida quando iniciou o serviço e a segunda através do reconhecimento prévio efetuado às instalações pela 2.ª Ré ora Recorrida, antes do início da prestação do serviço e quando ainda a empresa cedente ora 1.ª Ré Recorrente assegurava os serviços de segurança, unicamente com vista a instruir os seus vigilantes e consequentemente a dar cabal cumprimento às obrigações contratualizadas com o beneficiário;

Como matéria de facto pertinente importa transcrever os seguintes factos:
I – Não interrupção na prestação da atividade: (início da prestação de serviços de vigilância privada, no mesmo local, e com o mesmo objeto de prestação de serviços contratual, no dia 1 de janeiro de 2020);
V)
A “X” prestou serviço naquela loja até às 24h00 do dia 31 de dezembro de 2019, tendo a Ré Y Empresa de Segurança S.A., iniciado funções às 00h00 do dia 1 de janeiro de 2020.

II – Grau de semelhança entre a atividade prosseguida antes e depois da “transferência” e do número igual de vigilantes afetos;
III – Continuação da cliente (C. Chaves);
IV – O local da prestação da atividade da 2.ª Ré ora Recorrida é o mesmo onde prestava a atividade a 1.ª Ré Recorrente X e o Autor;

V – Utilização, com retoma, dos bens e equipamentos e da informação/procedimentos indispensáveis à prestação de serviços;
VI – Transmissão de Bens Corpóreos e Incorpóreos
Para o exercício destas funções os AA. V. J. e M. C. dispunham na referida instalação da S./ C.— ... Chaves uma secretária, uma cadeira, um armário, computador com monitor, teclado, bastidor informático, sistema de CCTV interno com a monitorização de câmaras de vídeo instaladas na central, chaveiro, papel e todos estes bens que eram propriedade da S./ C.— ... Chaves.

A 2.ª Ré no dia 01 de Janeiro de 2020 quando iniciou o serviço de segurança e vigilância humana nas instalações da S./ C.— ... Chaves retomou a utilização dos bens e equipamentos afectos ao referido serviço, cuja propriedade pertence à entidade S./ C.— ... Chaves.

Na sequência da adjudicação da prestação de serviços de segurança e vigilância, o Supervisor, o Gestor Operacional e o Director de Operações da ora R. receberam instruções da sede, para se deslocarem aos postos de trabalho em causa, tendo em vista proceder ao levantamento das necessidades e se inteirar das particularidades do serviço com o cliente, de forma a que no dia 1 de Janeiro de 2020 se iniciasse a prestação de serviços contratados.
Pese embora o Tribunal ad quo tenha considerado como provado os aludidos factos agora transcritos que demonstram, para além da verificação dos outros indícios caraterizadores da manutenção da identidade, a (i) transmissão entre cedente e cessionária de diversos bens corpóreos, indispensáveis, por retoma indireta já que os mesmos pertenciam ao cliente/beneficiário “C.” Chaves; (ii) a transmissão, igualmente indireta, do conjunto de conhecimentos práticos (know how); (iii) continuação da mesma atividade com semelhança dos serviços prestados; (iv) não interrupção da prestação do serviço de segurança acontece que na sua douta motivação não concluiu nesse sentido, na medida em que determinou não ter ocorrido a transferência, direta ou indireta de bens materiais nem conclui pela transferência/transmissão do conjunto de conhecimentos práticos (know-how);….
Alcandorar, no elenco dos indícios da existência de unidade económica, a assunção de efetivos, desvalorizando ou desconsiderando todos os outros, colocar-nos-ia dependentes do critério arbitrário e discricionário do cessionário, quando da aplicação da figura da transmissão da unidade económica, que, simplesmente e no limite, poderia afastar essa transmissão não assumindo quaisquer dos trabalhadores, meios e informação;
Neste contexto, mostra-se como pertinente e, até, imprescindível, para uma melhor aplicação do direito uniformizado que seja levado ao conhecimento do Tribunal de Justiça da União a presente posição judicial perpetuada pelo Tribunal ad quo com vista a que aquele se pronuncie, a título de reenvio prejudicial, quanto à compatibilidade da regra atual presente no n.º 5 do art. 285.º do CT na interpretação perfilhada pelo Tribunal ad quo com a orientação jurisprudencial;
Em função da transmissão dessa unidade económica o contrato individual de trabalho dos AA. celebrados com a aqui Recorrente, transmitiram-se, em 1 de janeiro de 2020, para a 2.ª Ré ora Recorrida, que passou a ser, a partir dessa data, a entidade empregadora dos AA.;
Deverá se alterado o montantes dos danos morais fixados pelo Tribunal ad quo, por se mostrarem como excessivos e fora da previsão da norma presente no art.º 496.º do CC;….

Nestes termos, e nos melhores de Direito, deverão V. Exas., Venerandos Juízes Desembargadores, assegurar o cumprimento das normas do nosso ordenamento jurídico e, nessa medida, deve ao presente recurso ser dado provimento total, revogando-se assim a decisão judicial, tanto na vertente factual como normativa, de condenação da Apelante, por, contrariamente ao doutamente decidido na sentença em crise, verificação do preenchimento da previsão da norma jurídica respeitante à transmissão da unidade económica.
…..
CONTRA-ALEGAÇÕES DA SEGUNDA RÉ E AMPLIAÇÃO DO ÂMBITO DO RECURSO:

A ré defende a manutenção da decisão recorrida por entender que não ocorreu “transmissão de estabelecimento ou unidade económica”. Socorrendo-se do disposto no artigo 636º, 2, CPC, a título subsidiário, impugna a matéria de facto em pontos diversos prevenindo a hipótese de procedência. Termina pedindo que “Não merecendo a sentença recorrida qualquer reparo ou censura, no que diz respeito ao alegado pela Recorrente, deverá ser negado provimento ao Recurso e confirmada a douta Sentença. Deverá ainda ser conhecida a requerida Ampliação do Recurso de Apelação quanto a parte da matéria factual, assente como provada, alterando-a em consequência, mais revogando a douta Sentença na parte em que condena em Danos Morais no caso de o Recurso ser julgado procedente.”
A 1º ré respondeu à ampliação do recurso propugnando pela sua improcedência.

CONTRA-ALEGAÇÕES DOS AUTORES- Inexistentes.

No despacho que admitiu o recurso foi fixado o valor da causa:
Decide-se, assim, fixar o valor das causas desencadeadas por V. J. e M. C. nos valores respectivos de 12.207,54 (doze mil, duzentos e sete euros e cinquenta e quatro cêntimos) e 5.000,01 (cinco mil e um euros)”.
Este despacho não foi alvo de impugnação.
PARECER DO MINISTÉRIO PÚBLICO- é no sentido da improcedência do recurso.
A primeira ré, em resposta, manteve a mesma posição.
O recurso foi apreciado em conferência – art.659º, CPC.

QUESTÕES A DECIDIR (o âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões do recurso(1)): valor da causa; impugnação da matéria de facto; saber se ocorreu “transmissão de unidade económica”; fixação dos danos não patrimoniais.

I.I. FUNDAMENTAÇÃO

A- FACTOS
FACTOS PROVADOS (por facilidade numeramos a matéria):

1) No ano de 2019, a primeira R outorgou contrato de prestação de serviços com a “S.”, pessoa coletiva proprietária do estabelecimento comercial “C.” em Chaves, estabelecimento onde o A. V. J. passou a exercer as suas funções de vigilante.
2) Em Dezembro de 2019 a primeira R remeteu ao A. V. J. ofício com informação de “transmissão de estabelecimento correspondente ao S. – ... – C. Chaves e nova Entidade Empregadora.
3) Neste ofício, a primeira R informa o A. V. J. que os serviços de segurança prestados à S., no estabelecimento “C.” em Chaves seriam adjudicados à sociedade “Y – Empresa de segurança S.A.”, com efeitos a partir de Janeiro de 2020.
4) Mais informou que passaria a segunda R a assumir a qualidade de entidade empregadora do A. V. J., conforme conteúdo do ofício referido, que se dá por integralmente reproduzido.
5) Em 10 de Dezembro de 2019, o A. V. J. remeteu ofício à primeira R, informando que aceitava a transferência para a nova entidade patronal – cfr. doc. de fls. 37vº, cujo teor se dá aqui integralmente por reproduzido.
6) Em 27 de Dezembro de 2019, o A. V. J. remeteu ofício à segunda R, solicitando instruções sobre horário de trabalho a prestar e contacto de superior hierárquico com quem deveria contactar.
7) No dia 3 de Janeiro de 2020, o A. V. J. remeteu ofício à primeira R, dando nota destes factos – cfr. doc. de fls. 40vº, cujo teor se dá aqui integralmente por reproduzido.
8) Em 28 de Janeiro, a primeira R respondeu, por carta registada, ao A. V. J., informando, sumariamente, que este deixou de ser seu trabalhador, não tendo qualquer responsabilidade no não cumprimento das obrigações por parte da segunda R. - cfr. doc. de fls. 41, cujo teor se dá aqui integralmente por reproduzido.
9) Em 31 de Janeiro de 2020, o A. V. J. notificou a segunda R por carta registada, solicitando informação sobre o local a prestar trabalho – cfr. doc. de fls. 42vº, cujo teor se dá aqui integralmente por reproduzido.
10) Em resposta, esta oficiou o mesmo A. informando-o que o A “não integrou os quadros desta empresa – cfr. doc. de fls. 43, cujo teor se dá aqui integralmente por reproduzido.
11) Nenhuma das RR emitiu e remeteu ao A. V. J. a competente declaração da situação de desemprego.
12) A 1.ª Ré, através de carta datada de 03 de Dezembro de 2019 informou a Y Empresa de Segurança S.A. que a partir de 1 de Janeiro de 2019, o A. V. J. e os funcionários que prestavam serviço de segurança e vigilância nas instalações da S., passavam a ser seus trabalhadores - cfr. doc. de fls. 206 a 208, cujo teor se dá aqui integralmente por reproduzido.
13) Igualmente e na mesma data, a 1.ª Ré, através de carta, informou o A. V. J. que a partir de 1 de Janeiro de 2020 passaria a ser trabalhador da 2.ª Ré Y Empresa de Segurança S.A. - cfr. doc. de fls. 216, cujo teor se dá aqui integralmente por reproduzido.
14) Em Junho 2018, a X – Prestação de Serviços de Segurança e Vigilância, SA foi alvo de fusão na X – SEGURANÇA, SA, ora ré, transmitindo-se na integralidade a posição do trabalhador, ora autor, com todos os seus direitos, obrigações e garantias.
15) No passado dia 03.12.2019, a R. X – SEGURANÇA, SA remeteu uma missiva ao A. M. C. informando-o que os serviços de vigilância prestados pela X, SEGURANÇA, SA nas instalações do cliente S. – ... – C. Chaves, foram adjudicados à Empresa de Segurança Y – Empresa de Segurança SA, com efeito a partir de 1 de Janeiro de 2020 - cfr. doc. de fls. 25 do apenso A, cujo teor se dá aqui integralmente por reproduzido.
16) No seguimento de tal missiva, e porque começaram a correr boatos no seu local de trabalho, de que a alegada transmissão não iria ocorrer, o A. M. C. remeteu duas missivas às rés, informando que nada teria a opor à mencionada transmissão, contanto se mantivessem os seus direitos laborais, nomeadamente em termos de antiguidade, retribuição e categoria profissional.
17) Atendendo ao silêncio das rés, a 08.01.2020, a mandatária do mesmo autor reiterou o pedido de esclarecimentos acerca da situação laboral do autor, solicitando expressamente que tomassem posição acerca das mesmas.
18) A 20.01.2020, a segunda ré, “Y – Empresas de Segurança SA”, remeteu à mandatária do A. M. C. um email - cfr. doc. de fls. 34 do apenso A, cujo teor se dá aqui integralmente por reproduzido.
19) O autor M. C. desconhece os reais contornos do acordo celebrado entre as rés.
20) O A. V. J., por via de contrato de trabalho sem termo, prestou trabalho sob as ordens e instruções da primeira R. X, como vigilante, na superfície comercial “C.”, em Chaves, até Janeiro de 2020.
21) Esta relação laboral nunca foi formalizada por contrato escrito.
22) Em Fevereiro de 2008 o A. V. J. celebrou contrato de trabalho a termo, como vigilante, por um ano, com a sociedade “P. – SERVIÇOS DE SEGURANÇA, ELECTRÓNICA E VIGILÂNCIA, S.A.”.
23) Na sequência de fusão desta pessoa colectiva com a “X – PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS DE SEGURANÇA E VIGILÂNCIA, S.A.”, em Outubro de 2008, o A. V. J. passou a exercer as suas funções às ordens desta.
24) Mais tarde, em Junho de 2018, fruto da fusão das sociedades “X – PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS DE SEGURANÇA E VIGILÂNCIA, S.A.”, “W – SERVIÇOS DE OPERAÇÃO E VIGILÂNCIA S.A.” e “X SEGURANÇA S.A.”, o A. V. J. passou a prestar trabalho para a primeira R.
25) O contrato de trabalho inicial, celebrado com a “P. – SERVIÇOS DE SEGURANÇA, ELECTRÓNICA E VIGILÂNCIA, S.A.”, após renovações, nunca chegou a ser denunciado por qualquer das partes.
26) No âmbito desse contrato de trabalho, o A. V. J. exerceu funções de vigilante desde o ano de 2008 até 2020, em Chaves, ao serviço da “P. – SERVIÇOS DE SEGURANÇA, ELECTRÓNICA E VIGILÂNCIA, S.A.”, depois ao serviço da “X – PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS DE SEGURANÇA E VIGILÂNCIA, S.A.” e, por fim, ao serviço da “X, SEGURANÇA, S.A”.
27) Em Janeiro de 2020 o A. V. J. apresentou-se nas instalações do “C.” por forma a iniciar a sua prestação de trabalho.
28) Nessa data, foi informado pelo gerente deste estabelecimento que a segunda R. havia enviado já um vigilante para exercer as suas funções, pelo que não autorizava o mesmo A. a iniciar a sua jornada de trabalho.
29) O A. V. J. não recebeu os salários de Dezembro de 2019, de Janeiro e de Fevereiro de 2020, no valor de € 2.187.33 (dois mil, cento e oitenta e sete euros e trinta e três cêntimos).
30) O A. V. J. vive em união de facto com S. L., com quem tem uma filha de 6 anos e que compõem o seu agregado familiar.
31) Neste momento, era o A. V. J. que provia ao sustento de todo o seu agregado uma vez que S. L. se encontra em situação de desemprego.
32) Porque deixou de receber qualquer rendimento provindo do trabalho ao serviço da R, o A. V. J. viu-se na necessidade de se socorrer da ajuda de familiares, que lhe disponibilizaram alimentação, dinheiro para pagamento de despesas domésticas e habitação e, o mais importante, proverem às necessidades da sua filha menor.
33) Por esta situação ocorrer da forma descrita, o mesmo A. passa por um estado de ansiedade profundo, temendo pelo sustento da sua filha menor.
34) A 1.ª Ré X é uma empresa de segurança privada cujo objecto societário exclusivo é a prestação de serviços de segurança privada, nomeadamente a vigilância humana e electrónica.
35) No âmbito dessa actividade, a 1.ª Ré garante a vigilância e segurança de pessoas e bens em locais de acesso ao público; de acesso vedado ou condicionado ao público; vigiando a entrada, a presença e a saída de pessoas e bens nesse local de trabalho.
36) Serviços que assegura aos seus clientes, quer entidades/sociedades privadas quer entes públicos, em vários locais do território nacional, garantindo a segurança de instalações.
37) A 1.ª Ré assegurou à S./C. serviços de segurança e vigilância humana que assentaram na disponibilização de um serviço de vigilância, nos exactos termos acordados no contrato de prestação de serviços.
38) A 1.ª Ré prestou serviços de vigilância e segurança, ininterruptamente, nas instalações da S./C. indicadas no art. 13º da contestação, cujo teor se dá aqui integralmente por reproduzido.
39) As instalações do cliente S./ C.— ... Chaves assumiam-se também como local de trabalho do A. V. J. assim como do seu colega M. C., na medida em que aí prestava as suas funções, ao serviço da 1.ª Ré, desde Julho de 2019.
40) No referido local de trabalho os serviços de vigilância e de segurança humana contratados pela S./ C.— ... Chaves, eram assegurados pelo A. V. J. ao serviço da 1.ª Ré e por outro colega de trabalho do seguinte modo:
a) Controlo de entrada e saída de pessoas;
b) Monotorização através de sistema CCTV interno das imagens recolhidas a partir das câmaras distribuídas pelas instalações;
c) Proceder ao encerramento das instalações, acompanhado de responsável do cliente (permanência);
d) Proceder à colocação de selos de segurança em todas as portas de emergência das instalações no fecho das instalações;
e) Executar giros periódicos às instalações, sempre que solicitado pelo responsável de loja, nomeadamente no fecho das instalações;
f) Proceder ao controlo do chaveiro;
g) Elaborar os relatórios de ocorrências diárias no sistema informático do cliente.
41) Para assegurar os serviços referidos no artigo anterior, os AA. V. J. e M. C. eram titulares e portadores dos respectivos cartões de vigilante, pessoais e intransmissíveis e possuíam habilitações profissionais para o cabal desempenho das funções que lhes estavam atribuídas, uma vez que frequentaram, com aproveitamento, as acções de formação legalmente exigidas.
42) Tarefas que sempre executaram de acordo com as especificidades características da instalação da S./ C.— ... Chaves, por conta da 1.ª Ré até ao dia 31 de Dezembro de 2019.
43) Os serviços de vigilância e segurança prestados pela 1.ª Ré à S./ C.— ... Chaves, ao longo dos sucessivos meses e até ao termo da sua vigência, em 31 de Dezembro de 2020, mantiveram, na sua essência, as mesmas características.
44) Os AA. V. J. e M. C. prestaram consecutivamente serviço nas instalações da 1.ª Ré à S./ C.— ... Chaves, ao serviço da 1.ª Ré desde Julho de 2019 até 31/12/2019.
45) A 1.ª Ré sempre prestou o serviço de segurança e vigilância nas instalações da 1.ª Ré à S./ C.— ... Chaves recorrendo a uma equipa de dois trabalhadores na prestação de tais serviços.
46) A 2.ª Ré assumiu no dia 01 de Janeiro de 2020 a posição de entidade prestadora de serviços de segurança e vigilância humana nas instalações pertencentes à S./ C.— ... Chaves., onde manteve a prestação dos seguintes serviços:
a) Controlo de entrada e saída de pessoas;
b) Monotorização através de sistema CCTV interno das imagens recolhidas a partir das câmaras distribuídas pelas instalações;
c) Proceder ao encerramento das instalações, acompanhado de responsável do cliente (permanência);
d) Proceder à colocação de selos de segurança em todas as portas de emergência das instalações no fecho das instalações e activação do alarme de intrusão;
e) Executar giros periódicos às instalações, sempre que solicitado pelo responsável de loja, nomeadamente no fecho das instalações;
f) Proceder ao controlo do chaveiro;
g) Elaborar os relatórios de ocorrências diárias no sistema informático do cliente.
47) Para o exercício destas funções os AA. V. J. e M. C. dispunham na referida instalação da S./ C.— ... Chaves uma secretária, uma cadeira, um armário, computador com monitor, teclado, bastidor informático, sistema de CCTV interno com a monitorização de câmaras de vídeo instaladas na central, chaveiro, papel e todos estes bens que eram propriedade da S./ C.— ... Chaves.
48) A 2.ª Ré no dia 01 de Janeiro de 2020 quando iniciou o serviço de segurança e vigilância humana nas instalações da S./ C.— ... Chaves retomou a utilização dos bens e equipamentos afectos ao referido serviço, cuja propriedade pertence à entidade S./ C.— ... Chaves.
49) A 1.ª Ré prestou serviço até às 24h00 do dia 31 de Dezembro de 2019, tendo a Y Empresa de Segurança S.A., iniciado funções às 00h00 do dia 1 de Janeiro de 2020, inexistindo qualquer momento de ausência de prestação de serviço de segurança.
50) Para além do Vigilante a prestar funções no C. de Chaves, a partir do dia 1 de Janeiro de 2020 prestam ainda funções o Supervisor H. F. – o qual já vinha exercendo cumulativamente as mesmas funções noutros postos de outros diversos clientes na região (cerca de 30 postos, num total de cerca de 80 vigilantes), o Gestor Operacional N. C. que já vinha exercendo as mesmas funções junto de outros diversos clientes da região e o Director de Operações, dando apoio e supervisionando todos os postos de diversos clientes a nível nacional, bem como os Vigilantes/Operadores de Central.
51) Tanto o Supervisor, o Gestor Operacional, como também o Director de Operações, são trabalhadores do quadro permanente da R. que nunca estiveram ao serviço da empresa X nas instalações do cliente C., sendo trabalhadores da R. respectivamente desde 02/01/2011, 12/01/2005 e 01/01/2011, e também os Vigilantes/Operadores de Central que asseguram o serviço de segurança (remotamente desde a sede na Malveira) aos postos em causa e a muitos outros de outros diversos clientes, nunca antes laboraram por conta da X.
52) Estes trabalhadores da 2ª R. nunca antes orientaram, coordenaram ou fiscalizaram qualquer actividade dos vigilantes que a X tinha colocado no posto do cliente C., que fosse do âmbito da prestação de serviços a efectuar pela X.
53) São também este conjunto de trabalhadores do quadro permanente da R., globalmente considerado que passou, a partir de 1 de Janeiro de 2020, a prestar a sua actividade neste posto, mas também, em simultâneo a outros postos de clientes, desde que entraram ao serviço da R., sendo o Supervisor a nível local, neste e noutros postos, o Gestor Operacional a nível regional e o Director de Operações e os Vigilantes/Operadores de Central a nível nacional.
54) A equipa de vigilantes, que no âmbito da rotatividade dos postos de trabalho, característica da actividade que prosseguem as empresas de segurança e que labora em cada posto, não é autónoma em si, não funcionando em autogestão.
55) É tão só uma equipa parcelar, sustentada e inteiramente dependente de uma muito mais vasta organização de meios humanos e materiais, sem a qual não pode funcionar.
56) Por esse motivo, os clientes da R. avaliam regular e periodicamente a qualidade dos serviços prestados, considerando de forma autónoma não só o desempenho dos vigilantes, mas também do desempenho dos Vigilantes/Operadores de Central, Chefe de Grupo, do Supervisor, do Gestor Operacional, do Director de Operações e da empresa, em geral.
57) No âmbito desse contrato de prestação de serviços, a R. obrigou-se, com efeitos a partir de 1 de Janeiro de 2020 à prestação de serviços de segurança e vigilância, nas instalações da C., designadamente, entre muitos outros, no C. de Chaves.
58) No posto do C. de Chaves foi colocado 1 Vigilante – S. S. - que já pertencia aos quadros da R. Y desde 3 de Março de 2006 e que anteriormente trabalhava no posto do cliente VC..
59) Para assegurar a totalidade da carga horária contratada pelo cliente foi aferido que a mesma ficava completa com apenas 1 Vigilante, sendo as respectivas folgas e impedimentos assegurados por outro Vigilante que estivesse disponível localmente.
60) Na sequência da adjudicação da prestação de serviços de segurança e vigilância, o Supervisor, o Gestor Operacional e o Director de Operações da ora R. receberam instruções da sede, para se deslocarem aos postos de trabalho em causa, tendo em vista proceder ao levantamento das necessidades e se inteirar das particularidades do serviço com o cliente, de forma a que no dia 1 de Janeiro de 2020 se iniciasse a prestação de serviços contratados.
61) O que fizeram, além do mais, para proceder à colocação de vigilantes já ao serviço da R. e caso fosse necessário (e não foi), proceder ao recrutamento e admissão de vigilantes em número suficiente e com o perfil adequado ao serviço em causa.
62) Em 06.11.2000, o M. C. celebrou contrato de trabalho com a X – Prestação de Serviços de Segurança e Vigilância, SA, NIPC ………, integrando a categoria profissional de vigilante.
63) O mesmo A. gozou o seu período de férias, que já se encontrava agendado, e a 02.01.2020 regressou ao serviço.
64) Quando chegou ao seu local de trabalho – C., em Chaves –, pelas 10h00, foi-lhe referido pelo responsável de loja, Sr. P. R., que não seria esse o seu horário, devendo voltar a apresentar-se pelas 13h00 horas, mas quando regressou, pelas 13h00, não lhe foi permitido trabalhar, tendo-lhe sido referido que não pertencia à “Y – Empresa de Segurança SA”, ora 2ª R.
65) Desde Janeiro de 2020 não é pago ao A. M. C. o seu vencimento.
66) O dito A. auferia, actualmente, a remuneração mensal ilíquida de € 729,11 (setecentos e vinte e nove euros e onze cêntimos).
67) Desde 2013, o A. M. C. vinha recebendo um prémio de “Chefe de grupo”, no valor mensal de € 49,44 (quarenta e nove euros e quarenta e quatro cêntimos).
68) Desde o passado mês de Abril de 2019, a primeira R. deixou de efectuar o pagamento de tal valor.
69) Ao longo de cerca de vinte anos, o A. M. C. sempre foi um trabalhador dedicado, cumpridor das suas obrigações, empenhado e zeloso, não tendo sido alvo de qualquer repreensão, oral ou escrita, ou processo disciplinar, tendo cumprido sempre as suas obrigações de forma responsável e cautelosa.
70) A desconsideração manifestada principalmente pela primeira ré, na pessoa dos seus representantes, abalou profundamente o A. M. C., sentindo-se humilhado, desestimado, desprezado e desconsiderado, nada fazendo prever que viriam a tomar tais comportamentos.
71) A não colaboração das rés levaram, ainda, a que o A. M. C. tivesse de se deslocar várias vezes ao escritório da sua Mandatária e à segurança social, de forma a resolver as dificuldades enfrentadas.
72) O A. M. C. teve de suportar as despesas de correio, relativo a todas as comunicações escritas supra expostas, no valor total de € 8,30 (oito euros e trinta cêntimos).

FACTOS NÃO PROVADOS

a) O A. V. J. tem, desesperadamente, procurado trabalho, sem, contudo, o lograr o que lhe aprofunda o seu estado de ansiedade e despontando já momentos de irritabilidade para com quem está junto de si.
b) No mencionado local de trabalho os referidos serviços de vigilância e de segurança humana contratados pela S./C., quer antes quer depois do dia 01 de Janeiro de 2020, foram assegurados pelo A. V. J. e por outro colega de trabalho.
c) Em virtude da adjudicação, pela S./ C.— ... Chaves, dos serviços de vigilância e de segurança humana, a partir do dia 1 de Janeiro de 2019, a Y Empresa de Segurança S.A. celebrou novo contrato individual de trabalho com A. V. J., à semelhança do que fez com outros trabalhadores da 1.ª Ré afectos a instalações do referido cliente.
d) A única alteração que se pode identificar em relação ao serviço anteriormente prestado pela 1.ª Ré e o prestado pela 2.ª Ré reside, unicamente, na substituição do fardamento utilizado pelos vigilantes que aí exercem funções e que prestam exactamente o mesmo serviço de segurança e vigilância nas mesmas instalações do cliente.
e) Em virtude de lhe ter sido adjudicado o contrato de prestação de serviços de segurança privada, a 2.ª Ré colocou dois vigilantes no local de trabalho a exercerem exactamente as mesmas funções que os aqui AA. executavam.

B – VALOR DA CAUSA

A 1ª ré quando interpôs recurso requereu o seguinte:
“… ao abrigo do disposto no artigo 652.º, n.º 1, al. f) do CPC, o valor da causa, não fixado pelo Tribunal ad quo, seja fixado no montante de € 63.938,02 [€ 30.000,01 + € 33.938,68], uma vez que estamos perante pedidos líquidos de índole pecuniária e pedidos de interesses imateriais [conhecimento da transmissão da unidade económica e indemnização na sequência do pedido de declaração da ilicitude do despedimento];”
Até então, o valor da causa não havia sido ainda fixado (designadamente no despacho saneador, ou na sentença).
Após interposição do recurso pela 1ª ré, o juiz a quo fixou o valor da causa no despacho que admitiu o recurso, situando-o em €12.207,54 para o pedido do autor V. J. e em €5.000,01 para o pedido do autor M. C.. A decisão foi precedida de explicação das razões de facto e de direito que subjaziam a tal fixação, remetendo-se para o despacho - 306º, 3, CPC.
A 1ª ré, notificada deste despacho que fixou o valor da causa, não manifestou qualquer impugnação junto do tribunal da Relação, nos termos do artigo 641º, 5, parte final, CPC.
Não o tendo feito, o despacho transitou em julgado, formando-se caso julgado formal, pelo que está vedado ao tribunal da Relação o conhecimento da questão de fundo- 620º CPC.

C - IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO

A decisão de facto deve ser modificada pelo tribunal da Relação quando os factos considerados como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diferente – art. 662º do CPC. O verbo impor é indicativo de um grau de exigência superior. Significa que só há lugar à alteração da matéria quando houver prova inequívoca de que a materialidade deve ser outra.

A recorrente pretende que fiquem não provados os seguintes factos considerados provados pelo tribunal a quo:
50) “Para além do Vigilante a prestar funções no C. de Chaves, a partir do dia 1 de Janeiro de 2020 prestam ainda funções o Supervisor H. F. – o qual já vinha exercendo cumulativamente as mesmas funções noutros postos de outros diversos clientes na região (cerca de 30 postos, num total de cerca de 80 vigilantes), o Gestor Operacional N. C. que já vinha exercendo as mesmas funções junto de outros diversos clientes da região e o Director de Operações, dando apoio e supervisionando todos os postos de diversos clientes a nível nacional, bem como os Vigilantes/Operadores de Central.
53) São também este conjunto de trabalhadores do quadro permanente da R., globalmente considerado que passou, a partir de 1 de Janeiro de 2020, a prestar a sua actividade neste posto, mas também, em simultâneo a outros postos de clientes, desde que entraram ao serviço da R., sendo o Supervisor a nível local, neste e noutros postos, o Gestor Operacional a nível regional e o Director de Operações e os Vigilantes/Operadores de Central a nível nacional.”

O essencial da contestação da recorrente prende-se com “… o Tribunal ad quo considere que o Supervisor, o Gestor Operacional e o Diretor de Operações tivessem como local de trabalho, isto é, prestassem funções nas instalações do “C.” Chaves.”
Alicerça a impugnação no depoimento de H. F. (a referência a H. C. afigura-se devida a lapso, dado que nenhuma testemunha tem este nome).
Contudo, o depoimento da testemunha em causa não vai contra a matéria provado e, muito menos, impõe que esta seja alterada. O que está em causa não é que estes trabalhadores estivessem física e diariamente na loja, mas sim que prestassem a sua actividade e funções neste posto, para além de o poderem fazer noutros, como aliás consta na matéria provada dos pontos questionados.
Na verdade, H. F., supervisor na 2ª ré desde 2011, confirmou globalmente esta matéria. Mormente que tinha a supervisão do posto de trabalho/loja do cliente que está em causa, para além de outros. Que se deslocava à loja várias vezes por mês. Que fez reuniões com vigilantes e directores de loja, que reporta ao gestor operacional N. C. e este reporta a R. A., Diretor de Operações da 2ª R. Que acompanha vários postos e dezenas de vigilantes.
Ademais, como refere a ré, também outras testemunhas confirmam esta matéria, mormente S. M. (Vigilante), N. C. (Gestor Operacional) e R. A. (Diretor de Operações da R. Y), donde resulta que o Supervisor se desloca ao posto em causa diversas vezes ao mês, fazendo sempre uma reunião mensal com o cliente, para além de se manter em contacto permanente com os vigilantes. O Gestor Operacional e o Diretor de Operações podem também deslocar-se a este posto sempre que seja necessário, para além das reuniões mensais e trimestrais que são feitas nas instalações da S. com a presença do Supervisor, Gestor Operacional e Diretor de Operações.
Improcede, pois, a impugnação.

D- ENQUADRAMENTO JURÍDICO

Está em causa saber se ocorreu uma “transmissão de exploração de unidade económica” da primeira ré X para a segunda ré Y e, consequentemente, se os autores deverão ser considerados trabalhadores da antecessora ou, ao invés, da empresa adquirente dos serviços de vigilância, para os efeitos do artigo 285º CT/09.
A primeira instância respondeu negativamente à transmissão de unidade económica. A X “empresa transmitente” insiste em que existiu uma transmissão e que os trabalhadores passaram para a empresa que assumiu a vigilância no local do cliente.
Foram por nós recentemente relatados arestos nesta Relação que versaram precisamente sobre a questão da transmissão de unidade económica no universo específico das empresas de vigilância, os quais seguiremos de perto, por a questão central ser similar – ac.s da RG de 13-07-2021, proc. 682-20.7T8BRG.G1 e de 3-02-2022, proc. 299-20.6T8VRL.G1, www.dgsi.pt

Enquadramento da questão:
A transmissão de empresa, estabelecimento ou de exploração económica é questão há muito tratada no domínio comercial e laboral, pese embora sob diferentes prismas. O primeiro ocupa-se, sobretudo, da transmissão de créditos e dívidas e protecção de credores, o segundo com a protecção dos trabalhadores e estabilidade no emprego.
No que à temática laboral respeita, o direito comunitário europeu desempenhou papel primordial e muito influenciador dos direitos nacionais dos Estados-Membros da União Europeia. Motivo pelo qual, a respectiva legislação e os contributos jurisprudenciais do Tribunal de Justiça europeu (doravante, TJ), terão de ser convocados em primeira linha na apreciação do caso, face ao principio da interpretação conforme e ao primado do direito europeu – 8º, CRP.

Quadro normativo
A legislação europeia remonta à Diretiva 77/187/CEE, de 14 de fevereiro de 1977, que visava a aproximação das legislações nacionais dos Estados-Membros respeitantes à manutenção dos direitos dos trabalhadores nas transferências de empresas/estabelecimentos, a qual foi posteriormente alterada, até se chegar à actual Diretiva 2001/23/CE do Conselho, de 12-03 (doravante, a Directiva).
Esta Directiva acolheu a linha interpretativa jurisprudencial do TJ que vinha densificando a controvertida noção de “transferência de unidade económica”, em resultado de frequentes reenvios prejudicais por parte dos Estados-Membros.
Dos “Considerandos” da Directiva resulta que o seu objectivo foi a codificação e a clarificação de conceitos, sem alteração do âmbito da anterior Directiva. No que se refere a este último escopo, face à vulgaridade de vicissitudes modificativas das estruturas das empresas, almejava-se esbater as diferenças de interpretação subsistentes entre os Estados-Membros. Sublinhando-se serem necessários normas com o objectivo de proteger os trabalhadores e assegurar a manutenção dos seus direitos em caso de mudança de empresário (vd. Considerandos 1 a 4 da Directiva).

Interessa-nos, particularmente, o artigo 1º da Directiva onde se define o âmbito de aplicação nos seguintes termos:

a) A presente directiva é aplicável à transferência para outra entidade patronal de uma empresa, estabelecimento ou parte de empresa ou estabelecimento, quer essa transferência resulte de uma cessão convencional quer de uma fusão.
b) Sob reserva do disposto na alínea a) e das disposições seguintes do presente artigo, é considerada transferência, na acepção da presente directiva, a transferência de uma entidade económica que mantém a sua identidade, entendida como um conjunto de meios organizados, com o objectivo de prosseguir uma actividade económica, seja ela essencial ou acessória.
c) A presente directiva é aplicável a todas as empresas, públicas ou privadas, que exercem uma actividade económica, com ou sem fins lucrativas….”

No artigo 3º, nº 1, parágrafo 1, estabelece-se, ainda, o princípio da manutenção dos direitos dos trabalhadores (1. Os direitos e obrigações do cedente emergentes de um contrato de trabalho ou de uma relação de trabalho existentes à data da transferência são, por esse facto, transferidos para o cessionário.”).
A legislação portuguesa adaptou-se à legislação comunitária, logo com o CT/03. Regulando em termos diferentes e mais conformes ao entendimento do TJ o conceito “da transmissão de empresa ou estabelecimento”, transpondo o sentido da Diretiva para o ordenamento interno (2).

Aos autos aplica-se o CT/09 (3) (artigos 285º a 287º). Os segmentos que nos interessem referem (art. 285º):
(Efeitos de transmissão de empresa ou estabelecimento)
1 - Em caso de transmissão, por qualquer título, da titularidade de empresa, ou estabelecimento ou ainda de parte de empresa ou estabelecimento que constitua uma unidade económica, transmitem-se para o adquirente a posição do empregador nos contratos de trabalho dos respectivos trabalhadores, bem como a responsabilidade pelo pagamento de coima aplicada pela prática de contra-ordenação laboral.
2 - O disposto no número anterior é igualmente aplicável à transmissão, cessão ou reversão da exploração de empresa, estabelecimento ou unidade económica, sendo solidariamente responsável, em caso de cessão ou reversão, quem imediatamente antes tenha exercido a exploração.
3 - Com a transmissão constante dos n.os 1 ou 2, os trabalhadores transmitidos ao adquirente mantêm todos os direitos contratuais e adquiridos, nomeadamente retribuição, antiguidade, categoria profissional e conteúdo funcional e benefícios sociais adquiridos.
4 - …
5 - Considera-se unidade económica o conjunto de meios organizados que constitua uma unidade produtiva dotada de autonomia técnico-organizativa e que mantenha identidade própria, com o objetivo de exercer uma atividade económica, principal ou acessória.”

Interpretação do quadro normativo
Nos termos acima referidos os conceitos de transmissão de estabelecimento ou de exploração de unidade económica, serão interpretados em conformidade com o artigo 1º, b, da Directiva, densificado pela jurisprudência do TJ.
Tirando os casos mais evidentes de transferência de propriedade do estabelecimento ou empresa através de título, a “unidade económica” é a categoria fundamental para aferir da transmissão. Se for transmitida a unidade económica, opera o regime de protecção da transmissão – 1º, b, Directiva e nº 5 do artigo 285º, 1, 2 e 5, CT/09.
Para existir unidade económica basta “…que seja possível identificar um conjunto de meios - corpóreos ou incorpóreos, humanos ou não- aptos ao exercício de uma actividade económica” -Milena Silva Rouxinol, “Transmissão da unidade económica”, in Direito do Trabalho, João Leal Amado e outros, Almedina, 2019, p. 852.
Interessa-nos particularmente os casos mais complexos de cessão de exploração de unidades económicas, sem negócio translativo directo entre cedente e cessionário, que resultam de adjudicação ou “outsourcing” de serviços por parte da empresa intermediária pública ou privada (o “cliente”) que contrata os serviços sucessivamente a empresas diversas (cessionários).
Dentro deste complexo, são ainda mais problemáticos os casos em que o “negócio” é esmagadoramente constituído apenas por capital humano (trabalhadores), sendo diminuto o peso dos bens corpóreos (instalações, equipamento, instrumentos de trabalho).
Por excelência isso acontece nas actividades de vigilância, de limpeza, refeitórios e cantinas, que, uma rápida leitura da jurisprudência, logo evidencia como sendo as áreas mais litigiosas.
Num quadro perfeito da transmissão de empresa ou de exploração um empresário receberia de outro um conjunto de bens materiais (edifícios, mobiliário, máquinas, utensílios, outros equipamentos) e imateriais (clientela, know-how, etc).
Ora, nas “explorações desmaterializadas”, como na vigilância que ora nos ocupa, muitos destes auxiliares não funcionam.
Em face da variabilidade de situações, o TJ tem utilizado o chamado método indiciário para aferir da manutenção da identidade económica. Recorre a diversos elementos capazes de identificar uma hipotética transferência de unidade económica.
São indícios sistematicamente referidos para caracterizar a operação em causa: o tipo de empresa de que se trata; a similitude entre a actividade antes e depois exercida; a transferência ou não do activo corpóreo (edifícios, móveis, equipamentos) e não corpóreo (em especial know-how, métodos de exploração ou organização), ou de, pelo menos, parte dele e o respectivo valor; a manutenção ou não da clientela; a readmissão pelo novo empresário dos trabalhadores; a operação subjacente à transmissão, que pode decorrer de negócio directo entre cedente e cessionário em que é mais evidente a transmissão, ou se apresenta com intermediação de terceiro, vg por adjudicação; a transmissão imediata ou com interrupção de actividade por tempo relevante (veja-se na jurisprudência do TJ, o distante caso “Suzen”, proc. C-13/95, ac. de 11-03-1997, em que estes indicadores já eram utilizados, até ao mais recente caso “SC.”, proc. C-200/16, ac. de 19-10-2017 (4) e outros tantos por estes referidos, designadamente o caso ..., proc. C-509/14, ac. de 26-11-15; ver ainda resumo de Milena Silva Rouxinol, ob. cit., p. 855 a 858).
É também consensual que os elementos são avaliados no conjunto do caso concreto. O peso de cada indicador não é fixo e varia conforme o valor que se atribuiu aos demais, em função do tipo de actividade em causa. Tendencialmente, no caso da transmissão de uma fábrica o peso dos elementos corpóreos assumirá um peso maior. Já numa actividade de mera prestação de serviços o elemento pessoal será crucial.
No caso particular das empresas cujo capital é sobretudo humano, como é o caso de serviços de vigilância e limpezas, o TJ tem declarado que, nestes sectores que assentam essencialmente na mão-de-obra, a identidade de uma unidade económica não pode ser mantida se, pelo menos, o essencial dos seus efectivos não for integrado pelo cessionário.
Considera-se que a identidade não se resume à própria actividade, sendo indissociável do elemento pessoal que a compõe, dos seus métodos de exploração e, eventualmente, se for caso disso, dos meios de exploração à sua disposição (caso “CLECE”, proc. C-463/09, ac. TJ de 20-01-2011, em que um município espanhol pôs termo à prestação externa de serviços de limpeza pela empresa CLESE, serviços que ela própria passa a assumir, recrutando novo pessoal, sem retomar o antigo. Considerou-se não estar revelada a existência de transferência).
A circunstância de a simples perda de um contrato de prestação de serviços a favor de uma empresa concorrente, só por si, não revelar uma transferência na acepção da Directiva, tem sido também enfatizado pelo TJ em vários arestos. A empresa perdedora não deixa de existir mesma que perca um cliente, não se considerando, sem mais, que a “parte que perdeu” foi cedida a outrem (caso “Suzen”, considerando n. 16).
Ao invés, haverá transferência quando “…o novo empresário não se limita a prosseguir a actividade em causa, mas também retoma uma parte essencial, em termos de número e de competências, dos efectivos que o seu predecessor afectava parcialmente a essa missão…nessa hipótese…a nova entidade patronal adquire, com efeito, um conjunto organizado de elementos que (lhe) permitem a prossecução, de modo estável, das actividades ou de parte das actividades da empresa cedente” (caso “Suzen”, proc. C-13/95, ac. de 11-03-1997, em que foram contratadas sucessivamente duas empresas (a Zehnacker que perdeu os serviços e a “Lefarth” que os ganhou) para a prestação de limpeza de um estabelecimento escolar, sem que a segunda readmitisse as antigas trabalhadoras entre elas a “Suzen”).
No caso particular de serviços de vigilância, o TJ vem reiterando que a mera sucessão de empresas concorrentes decorrentes de adjudicação do serviço à empresa vencedora do concurso não exclui, nem inclui automaticamente o caso no âmbito da transmissão de empresa para efeitos da Directiva. Não é necessário que existem relações contratuais directas entre cedente e cessionário. Mas a aplicabilidade da figura, tal como nos outros casos, está sujeita à condição de que a transferência tenha por objecto uma entidade económica que mantenha a sua identidade, enquanto conjunto organizados de meios capazes de prosseguir autonomamente a actividade em causa. A aferir pelos indicadores concretos. Voltando-se a frisar, num caso específico de serviços de vigilância, que “…num sector em que a actividade assente essencialmente na mão-de-obra, a identidade de uma entidade económica não pode ser mantida se o essencial dos seus efectivos não for integrado pelo presumido cessionário” (caso “SC.”/…, típica sucessão de empresas na prestação de serviços de vigilância e segurança decorrente de adjudicação pela cliente “Porto …”. Fez-se depender o sentido da decisão final da ponderação que o órgão jurisdicional de reenvio faça dos indicadores. O resultado está expresso no ac. STJ de 6-12-2107, que foi no sentido de inexistência de transmissão, o que infra retomaremos).
O peso do indicador “elemento corpóreo” nas actividades de prestação de serviços “desmaterializados”
O TJ tem também abordado o peso do indicador ligado aos elementos corpóreos em particular nas explorações de serviços mais fundadas no factor humano, com enfoque na circunstância de os elementos corpóreos indispensáveis ao exercício da actividade retomados pelo novo empresário não pertencerem ao antecessor, sendo antes propriedade ou disponibilizados pela entidade contratante (cliente). Respondendo-se que tal não exclui automaticamente a existência de transferência, devendo, contudo, apenas serem valorados os equipamentos efectivamente utilizados no serviço, com exclusão das instalações (caso “SC.”).
A este propósito descobre-se uma subdistinção dentro do universo das ditas “empresas desmaterializadas”, entre aquelas que verdadeiramente assentam essencialmente na mão-de-obra e as demais actividades que não podem ser consideradas enquanto tal, na medida em que exigem equipamentos importantes. Nestes casos, considera-se que a actividade se baseia essencialmente em equipamentos, não sendo decisivo o indicador da falta de integração pelo novo empresário dos efectivos empregues pelo seu antecessor (caso ... versus Pascual, proc. C-509/14, ac. de 26-11-2105, que versou sobre um serviço de manutenção de unidades de transporte intermodal no terminal de Bilbao, que havia sido externalizado à “AG.” e que a empresa pública “...” denunciou, assumindo o serviço com pessoal próprio, continuando a utilizar material, designadamente gruas, por ela anteriormente fornecido ao antigo prestador).
Igual abordagem tem sido utilizada em actividades de restauração colectiva (cozinheiros, ajudante e outros), em que o “cliente” disponibiliza, além de instalações, elementos importantes de activos corpóreo utilizados pelas várias empresas prestadoras que se sucedem na actividade.
A pedra de toque reside na consideração de que o tipo de actividade não se pode considerar essencialmente dependente da mão-de-obra, porquanto requer equipamentos importantes, como material de cozinha, tal como fogões, máquinas de lavar, utensílios, etc… (caso ”Abler versus ...”, proc. C-340/01, ac. TJ de 20-11-2003, em que a instituição gestora de um hospital na Áustria rescindiu o contrato de serviços de restauração preparada nas instalações do hospital e fornecido aos doentes e pessoal, adjudicando-a a outra empresa (...), que não reintegrou o pessoal, mas utilizava o dito equipamento essencial disponibilizado pelo hospital às prestadoras).
O peso de outros interesses no quadro da UE- liberdade de empresa e de concorrência:
Finalmente importa referir que o regime não deve descurar outros valores e interesses essenciais à economia de mercado e concorrencial, em que assenta o mercado interno – 3º, 2 e 3 do TUE. Em concreto, os princípios da liberdade de iniciativa privada, liberdade de empresa e liberdade de concorrência, indispensáveis ao bom funcionamento do mercado – artigos 49º a 55, 56º a 62º, 101º a 109º do TFUE.
A liberdade de empresa não deve ser comprimida de tal modo que prejudique a própria substância desse direito (ver acórdão desta Relação onde se faz abordagem sublinhando a importância da liberdade de empresa e de concorrência, ac. da RG 20-01-2022, proc. 678/20.9T8BRG.G1, www.dgsi.pt. No mesmo cita-se, ainda, o TJ, Ac. de 18-07-2013, caso Alemo-Herron, processo C-426/11, ECLI:EU:C:2013:521, nº 35, conclusões do advogado-geral Cruz Villalón de 19-02- 2013, processo C-426/11, ECLI:EU:C:2013:82, nºs 46 ss. O TJ ali referiu, a propósito do artigo 3º da diretiva, nº 25: “sendo assim, a Diretiva 77/187 não tem unicamente por objetivo salvaguardar os interesses dos trabalhadores, aquando de uma transferência de empresa, mas pretende assegurar um justo equilíbrio entre os interesses destes últimos, por um lado, e os do cessionário, por outro”. Mais em particular, especifica que o cessionário deve poder proceder aos ajustamentos e às adaptações necessárias à continuação da sua atividade ” …No Considerando 30 refere-se: Em segundo lugar, há que salientar que, segundo jurisprudência assente, há que interpretar as disposições da Diretiva 2001/23 com observância dos direitos fundamentais consagrados na Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia …Considerando 31 A este respeito, o órgão jurisdicional de reenvio indica, de facto, que o direito de não se associar não está em causa no processo principal. Todavia, a interpretação do artigo 3.º da Diretiva 2001/23 deve, de qualquer modo, estar em conformidade com o artigo 16.º da Carta, que consagra a liberdade da empresa. “- negritos nosso.
Assim, a mera sucessão de prestadores numa mesma actividade não deve levar à presunção de transmissão de unidade económica, sem o prévio rastreamento dos reais indícios de que assim é, sob pena de preterição de outros princípios do mercado europeu, como a liberdade de concorrência e a liberdade de empresa.
O serviço de vigilância em causa nos autos
A actividade em causa assenta fundamentalmente na mão-de-obra.
O indicador de similitude de actividade (vigilância/segurança) aparentemente funciona a favor da transmissão. A prestação contratada pelo cliente é semelhante, pese embora algumas diferenças, incluindo o facto de o trabalho passar a ser assegurado por um único vigilante, sendo as folgas do mesmo assegurado por outro trabalhador da 2ª ré. Contudo, o indicador não é determinante porque os termos do serviço (quais e como) são ditados por uma entidade externa, o cliente, portanto, não são modos de expressão de um serviço próprio e individualizado que seja uma “unidade económica” apropriável e transacionável pelos prestadores de serviços.
O mesmo se passa com o indicador ligado à prossecução imediata da actividade, que resulta mais da necessidade do cliente em ver de imediato assegurado o serviço, não representando propriamente um indício de que o trabalho de vigilância dos dois trabalhadores seja uma “unidade” que continua a “pulsar economicamente”, independentemente do seu “detentor/explorador”.
O indicador ligado à transmissão de meios corpóreos não releva. Desde logo, a actividade assenta essencialmente no pessoal. Depois, a primeira ré não transmitiu para a segunda ré quaisquer bens móveis, equipamentos ou instrumentos de trabalho da sua pertença.
Não é relevante que as instalações fornecidas pelo cliente sejam as mesmas, nem que o cliente tenha fornecido alguns bens corpóreos (secretária, computador, monitor de visionamento das imagens captadas…) sucessivamente utilizados pelos prestadores. Os referidos meios não pertencem ao prestador do serviço e não atingem o valor de “equipamento importante”, não têm peso acrescido, como acontece nos casos supracitados (vg os ligados à restauração).
O indicador para aferir de transmissão ligado à “readmissão do essencial de pessoal” por parte da nova prestadora não funciona, nem sequer em termos quantitativos, pois não foram admitidos nenhum dos dois efectivos que ali prestavam serviço. A 2ª ré alocou um novo vigilante que já pertencia aos seus quadros e este passou a inserir-se numa nova equipa mais vasta da organização desta ré, respondendo perante um novo supervisor.
Não se diga que se confunde a consequência (não absorção de “efectivos”) com a premissa.
É que não se vislumbram quais os elementos para defender a existência de uma “unidade económica autónoma”, quer do ponto de vista quantitativo, quer qualitativo.
Quantitativamente não há transmissão de trabalhadores, nem de bens corpóreos.
Qualitativamente nada se deduz da materialidade provada. Não resultaram provados factos concretos demonstrativos de transmissão de elementos incorpóreos, tais como know how, modelos próprios de organização do trabalho ou métodos específicos e diferenciados que fossem apropriados e aproveitados pela 2ª ré na actividade desenvolvida.
A 2ª ré estava igualmente apta a desenvolver serviços de vigilância, detinha alvará e tinha à sua disposição trabalhadores vigilantes, alocou um dos seus trabalhadores no posto de trabalho e aquele foi inserido num conjunto hierárquico de meios humanos que a si lhe pertencia. Portanto, nem sequer se pode falar em apropriação do core business da empresa, nem em reconhecimento implícito da aptidão dos antigos trabalhares para o desenvolvimento do negócio, nem se pode extrair a ilação da presumível satisfação do cliente com os antigos efectivos. Nestes casos, há que atender também aos valores de iniciativa privada, da livre e sadia concorrência, sob pena de defendermos perversões em que, porventura, o contrato de prestação de serviços haja sido rescindido por insatisfação com o pessoal, que depois vem a transitar obrigatoriamente para a empresa subsequente - Milena da Silva Rouxinol, citando comentário de Júlio Gomes, ob. cit. P. 861.
Constata-se, portanto, uma mera sucessão de prestadores de serviços que não encapota prática de mercado ilícita ou desleal, pelo que, face à inexistência de elementos sérios de “unidade económica”, devem prevalecer outros princípios essenciais ao funcionamento do mercado único, como a liberdade de concorrência entre as empresas, que inclui a selecção do seu próprio pessoal e os termos da sua contratação.
De tudo o exposto, a interpretação do tribunal a quo não padece de qualquer inconstitucionalidade sendo conforme ao primado do direito europeu (8º, 4, CRP) e aos princípios norteadores desta matéria nos termos acima explicitados. Também não se suscitam dúvidas interpretativas. Pelo que não se vê pertinência no reenvio prejudicial da questão para o TJ.
Tão pouco é violado o princípio constitucional da segurança no emprego, porquanto os dois autores continuam protegidos, sendo considerados trabalhadores da 1ª ré com as legais consequências, não havendo notícia de esta não seja capaz de cumprir com as suas obrigações, de que esteja insolvente ou de que não possa assegurar os direitos dos trabalhadores.

Na jurisprudência nacional enfatizando estes aspectos essenciais, veja-se, ainda, os seguintes acórdãos:
Ac. STJ de 6-12-2017, proc. 357/13.3TTPDL.L1.S1, precedido de pedido de reenvio prejudicial ao TJUC (caso “SC.” supra referido), em cujo sumário consta:
“I – Para se verificar a transmissão de uma empresa ou estabelecimento e, consequentemente, ter aplicação o regime jurídico previsto no art. 285.º, do Código do Trabalho de 2009, quanto aos seus efeitos, importa verificar se a transmissão operada tem por objecto uma unidade económica, organizada de modo estável, que mantenha a sua identidade e seja dotada de autonomia, com vista à prossecução de uma actividade económica, ou individualizada, na empresa transmissária.
II – Não ocorre uma situação de transmissão de estabelecimento quando uma empresa deixa de prestar serviços de vigilância e segurança junto de determinado cliente, na sequência de adjudicação, por este, de tais serviços de vigilância a outra empresa, sem que se tivesse verificado a assunção de qualquer trabalhador da anterior empresa e tão pouco qualquer transferência de bens ou equipamentos de prossecução da actividade susceptível de consubstanciar uma “unidade económica” do estabelecimento.”

Ac. STJ de 5-11-08, proc. 08S1332, em cujo sumário consta:
II – Tratando-se de uma actividade que assenta essencialmente na mão-de-obra – como é o caso da actividade de prestação de serviços de limpeza –, o factor determinante para se considerar a existência da mesma unidade económica é saber se houve manutenção do pessoal ou do essencial deste, na medida em que é esse complexo humano organizado que confere individualidade à empresa, e não tanto se se transmitiram, ou não, activos corpóreos.”

Ac. RG de 20-01-2022, proc. 678/20.9T8BRG.G1 (acima já citado), em cujo sumário consta:
A aplicação do regime previsto no art. 285.º do Código do Trabalho de 2009 deve fazer-se tendo em conta o entendimento do Tribunal de Justiça.
O alargamento do conceito de “transmissão”, operado pelo TJ, não pretendeu alterar o arquétipo do regime, proteção do trabalhador no caso de transmissão de estabelecimento (enquanto entidade económica).
A aplicação do regime depende da verificação da existência em concreto de uma “unidade económica” e da manutenção da identidade desta na esfera do novo explorador da atividade, mediante a utilização de um método indiciário.
A mudança de um prestador de serviços de vigilância, sem hiato temporal, na sequência de concurso para o efeito, ainda que o serviço a prestar seja exatamente o mesmo, nos mesmos locais e horários, e pelo mesmo número de trabalhadores, não implica por si uma transferência de “unidade económica”.
Considerar a existência de uma transmissão de estabelecimento em tal quadro de circunstâncias implica uma “presunção” de transferência, com prejuízo para os princípios da liberdade de empresa e da livre concorrência. (5)

A repercussão da última alteração legislativa do artigo 285º do CT/09, se entendida como lei interpretativa:
Embora não aplicável ao caso porque a adjudicação em análise é anterior a 2021, sempre faremos breve referência à já aludida alteração ao artigo 285 CPC (6), que, no que ao caso releva, aditou matéria com o seguinte teor:
10 - O disposto no presente artigo é aplicável a todas as situações de transmissão de empresa ou estabelecimento por adjudicação de contratação de serviços que se concretize por concurso público ou por outro meio de seleção, no setor público e privado, nomeadamente à adjudicação de fornecimento de serviços de vigilância, alimentação, limpeza ou transportes, produzindo efeitos no momento da adjudicação.
Este segmento parcial integra-se no todo do instituto que se mantém incólume, mormente a noção da identidade de unidade económica, a que se referem os nºs 1, 2 e 5, do art. 285º, CT.
Não se dispensa, portanto, a prévia tarefa de verificação da aplicabilidade da figura de transferência de “unidade económica” que mantenha a sua identidade, entendida como conjunto organizado de meios capazes de prosseguir por si uma actividade económica. Sempre assim foi entendido ao nível do TJ (caso SC. e caso Suzen).
Tal decorre da noção do instituto, da ratio, da inserção sistemática e do todo do sistema jurídico (9º CC). De resto, não faria sentido um “funcionamento automático” só para os casos que são precisamente os mais duvidosos.
A igual conclusão se chega pelos trabalhos preparatórios. A alteração resultou da fusão de projectos individuais apresentados por três partidos políticos (o BE, PS e PSD) (7) que redundaram num texto conjunto, aprovado na reunião plenária de 25-09-2021. Da leitura das propostas e da discussão que precedeu a votação na AR ocorrida em 25-09-2020 (8) não resulta qualquer intenção de inovar
Nos projectos de lei é uma constante a alusão à Directiva e, portanto, às suas premissas.
Dos referimos elementos ressalta que apenas se pretendeu clarificar o sentido da lei e a possibilidade da sua aplicação a todas as potenciais situações (9), pese embora anteriormente já se contemplasse a subsunção virtual da figura a todos os casos (10). Face às controvérsias jurisprudenciais – acima elencadas- teve-se em mira clarificar que a figura se aplica, não só em casos de contratação privada externa (outsourcing), mas também aos casos de adjudicação por concurso público e, bem assim, que estão potencialmente incluídos todos os sectores, designadamente os que mais litígios originam nos tribunais, a saber os mencionados exemplificativamente na norma aditada - vigilância, alimentação, limpeza ou transportes.
Em suma, continua a exigir-se a prévia interpretação dos indicadores para saber se ocorreu a transferência de um estabelecimento ou unidade económica. Donde, ainda que a referida norma fosse aplicável ao caso, o sentido da decisão não sairia alterado.

Finalizando:
Não tendo havido transmissão de unidade económica, a primeira ré continuou a deter a posição de empregadora. A recusa em manter os autores ao seu serviço equivale a despedimento, sendo responsável pelas quantias em que foi condenada na primeira instância.

Danos morais
A ré contesta a fixação de danos morais- 496º CC.
Para além do contexto de despedimento acima descrito, os factos a ter em conta são os seguintes:

Quanto a V. J. que tem antiguidade reportada a 2008: 30-O A. V. J. vive em união de facto com S. L., com quem tem uma filha de 6 anos e que compõem o seu agregado familiar ; 31-Neste momento, era o A. V. J. que provia ao sustento de todo o seu agregado uma vez que S. L. se encontra em situação de desemprego; 32-Porque deixou de receber qualquer rendimento provindo do trabalho ao serviço da R, o A. V. J. viu-se na necessidade de se socorrer da ajuda de familiares, que lhe disponibilizaram alimentação, dinheiro para pagamento de despesas domésticas e habitação e, o mais importante, proverem às necessidades da sua filha menor ; 33-Por esta situação ocorrer da forma descrita, o mesmo A. passa por um estado de ansiedade profundo, temendo pelo sustento da sua filha menor.
Quanto a M. C. que tem antiguidade reportada a 2000: Ao longo de cerca de vinte anos, o A. M. C. sempre foi um trabalhador dedicado, cumpridor das suas obrigações, empenhado e zeloso, não tendo sido alvo de qualquer repreensão, oral ou escrita, ou processo disciplinar, tendo cumprido sempre as suas obrigações de forma responsável e cautelosa; A desconsideração manifestada principalmente pela primeira ré, na pessoa dos seus representantes, abalou profundamente o A. M. C., sentindo-se humilhado, desestimado, desprezado e desconsiderado, nada fazendo prever que viriam a tomar tais comportamentos; A não colaboração das rés levaram, ainda, a que o A. M. C. tivesse de se deslocar várias vezes ao escritório da sua Mandatária e à segurança social, de forma a resolver as dificuldades enfrentadas.
A título de indemnização o tribunal a quo atribuiu 4.000€ ao autor M. C. e 2.000€ ao autor V. J. (valor por este referido).

A justificação jurídica que consta na sentença é a seguinte:
“Em primeiro lugar e tal como acima se deixou já aflorado, considera-se que a ilicitude que ressalta da actuação da aqui 1ª demandada é deveras elevada já que desconsiderando toda a situação pessoal de cada um dos seus colaboradores e dos respectivos agregados familiares, lhes comunica a “transmissão” do seu vínculo laboral para uma terceira empresa, sem cuidar de se assegurar de que esta aceitaria esta transmissão, impondo-lhes uma solução jurídica que apenas à própria empresa era favorável, dado que via os seus trabalhadores transferidos para outra empresa, sem qualquer encargo da sua parte e sem qualquer preocupação quanto a encontrar novos postos de trabalho onde os integrar. Mas pior ainda do que esta posição inicial é a persistência na mesma posição quando tendo tido conhecimento (como à saciedade demonstram os documentos juntos aos autos) de que a aqui 2ª R. não aceitava a transmissão dos vínculos laborais permitiu que os seus trabalhadores, alguns como o aqui demandante M. C. com cerca de 20 anos de antiguidade, permanecessem sem retribuição e sem a possibilidade de aceder a prestação social, dado que não lhes foi formalmente comunicado qualquer despedimento.
Qualquer entidade empregadora tem uma responsabilidade social relevante para com os seus trabalhadores que são muito mais do que números ou estatística e que são o veículo que permite àquela exercer a sua actividade lucrativa, estamos aqui perante o respeito pelo princípio constitucionalmente protegido da dignidade da pessoa humana – cfr. art. 1º da CRP – inerente a um Estado de Direito que aqui se mostra claramente abalado.
Considerando-se a matéria factual acima dada como provada e, dentre a mesma, a antiguidade de cada um dos aqui demandantes e as dificuldades económicas decorrentes da cessação intempestiva dos seus vínculos laborais, entende-se ser de fixar a indemnização decorrente dos danos morais causados pela 1ª R. X na quantia de € 2.000,00 (dois mil euros) para o A. V. J. e na quantia de € 4.000,00 (quatro mil euros) para o A. M. C. que apresenta sensivelmente o dobro da antiguidade do primeiro.”
Na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito. O montante da indemnização é fixado de acordo com a equidade tendo em atenção os danos causados, o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso o justifiquem - 496º, 1 e 4, e 494º, CC
A materialidade referente aos danos não foi alvo de impugnação. Assim, sentimentos qualificados de “ansiedade profunda”, “abalo profundo”, humilhação e desprezo são sentimentos que atingem já uma gravidade digna de compensação, tanto mais que ambos os vigilantes trabalhavam há tempo significativo para a ré, tinham situações aparentemente estáveis, que faziam confiar no futuro. Ademais, no caso de um dos AA o emprego constituía o único suporte familiar, com uma filha menor a cargo, tendo de recorrer a familiares para subsistir economicamente. Este quadro afasta a entendimento de que se tratam de simples incómodos inerentes a qualquer situação de despedimento, os quais, pelo seu carácter corrente ou banal, não merecem a tutela do direito.
Contudo, não nos parece adequado a diferenciação de indemnizações atribuídas, assente, ao que parece, apenas na diferente antiguidade entre os autores.
Efectivamente, os danos são causados no mesmo contexto. As demais circunstâncias são equivalentes, mormente o “grau de culpabilidade do agente”, os montantes auferidos pelos AA e a situação económica da 1ª R. A maior antiguidade de um dos trabalhadores (A. M. C.) é “compensada” por um impacto maior surtido na esfera do outro ofendido (A. V. J.). Não vemos razões pertinentes para diferenciação. A indemnização será igualada em €2.000 para cada autor.

Impugnação pela recorrida (2ª ré) da decisão da matéria de facto, a título subsidiário, nos termos do artigo 636º, 2, CPC:
Em virtude da improcedência das questões suscitadas pela recorrente 1ªré, fica prejudicado o conhecimento da ampliação do recurso feito a título subsidiário pela 2ª ré – 636º, 2, in fine, CPC.

I.I.I. DECISÃO

Pelo exposto, acorda-se em julgar parcialmente procedente o recurso da 1ª ré X, SEGURANÇA S.A., condenando-se esta ré a pagar ao autor M. C. a quantia de 2.000€ (dois mil euros) a título de danos não patrimoniais, mantendo-se em tudo o mais a decisão recorrida - 87º, CPT e 663º, CPC.
Custas a cargo da recorrente.
Notifique.
17-02-2022

Maria Leonor Chaves dos Santos Barroso (relatora)
Antero Dinis Ramos Veiga
Alda Martins


1. Segundo os artigos 635º/4, e 639º e 640º do CPC.
2. No artigo 318º do CT de 2003, que sucedeu ao art 37º da LCT, acolhendo aquela norma já uma concepção mais lata de “transmissão” que incluía a reversão da exploração e as cessões de exploração sucessivas sem negócio translativo directo.
3. CT, aprovado pela Lei 7-2009, de 12-02, com as subsequentes alterações, até à redacção dada pela Lei 14/2018, de 19-03. A posterior redacção da Lei 18/2021, de 8-04, entrou em vigor em 9-04-2021 e os factos dos autos são anteriores. Ademais, apenas se aplica a adjudicação a partir de 2021 (art. 3º, do diploma, disposição transitória: “3 As alterações introduzidas pela presente lei aplicam-se, igualmente, aos concursos públicos ou outros meios de seleção, no setor público e privado, em curso durante o ano de 2021, incluindo aqueles cujo ato de adjudicação se encontre concretizado”. Mais à frente faremos especial referência a esta alteração.
4. Todos consultáveis em https://euro-lex.europa.eu/legal-contente/PT/TXT, site ao qual se recorreu no caso de todos os acórdãos do TJUE doravante citados.
5. No mesmo sentido ac.s do STJ, de 27-05-2009, proc. 08S3256 (área de limpeza) e de 24-03-2011, proc. 1493/07-0TTLSB.L1. S1 (área da envelopagem); da RG ac. de 8-04-2012, proc. 1028/19.2T8VRL.G1 (área de vigilância); da RL ac. de 24-05-2006, proc. 867/2006-4 (área de vigilância) e 7-06-2006, proc. 4181/2006-4 (área de vigilância); da RP ac. da 21-10-2020, proc. 4094/19.78PRT.P1 (área de vigilância).
6. Redacção da Lei 18/2021, de 8-04.
7. Projetos Lei 414/XIV/1, 448/XIV e Projeto de Lei n.º 503/XIV/1, todos aprovados em sessão plenária de 25-09-2020, consultável em www.parlamento.pt.
8. Audível em www.parlamento,pt, 25-09-2020, minuto 15.40 ao minuto 23.43.
9. Em especial atentar no projecto do BE e nas intervenções orais dos deputados do BE e PCP na discussão e votação na especialidade.
10. Decorria já da redacção do artigo 285º, nºs 1 e 2, CT/09, que a transmissão podia ocorrer “a qualquer título”.