Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
455/13.3TTBRG.P1.G1
Relator: MANUELA FIALHO
Descritores: ACIDENTE DE TRABALHO
DESPORTISTA PROFISSIONAL
INCAPACIDADE PERMANENTE PARCIAL
PENSÃO POR INCAPACIDADE
REMIÇÃO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 01/29/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: JULGADA PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2.ª SECÇÃO
Sumário: 1 – No âmbito da Lei 27/2011 de 16/06, que estabelece o regime jurídico relativo à reparação de danos emergentes de acidente de trabalho sofridos por praticantes desportivos profissionais, as incapacidades inferiores a 6% não são objeto de qualquer comutação, que só existe para as de valor superior.
2 – No âmbito da Lei 98/2009 de 4/09 consagram-se dois requisitos cumulativos para a remição obrigatória de pensões devidas por IPP:
1º - que a incapacidade seja inferior a 30%;
2º - que o valor da pensão anual não seja superior a seis vezes a remuneração mínima mensal garantida à data da alta.
Decisão Texto Integral: Acordam na secção social do Tribunal da Relação de Guimarães:

COMPANHIA DE SEGUROS…, S.A., Entidade responsável nos autos à margem referenciados, em que é Sinistrado P…, notificada da sentença proferida nos presentes autos, não se conformando com a mesma, dela interpôs recurso.
Formula as seguintes conclusões:
I. A sentença do Tribunal a quo, apesar de reconhecer que o sinistrado ficou a padecer de uma IPP de 3,72%, por força da aplicação do Anexo previsto na Lei n.º 27/2011, entendeu que o mesmo valor deveria ser arredondado por excesso para 4%.
II. Apesar de o legislador não prever expressamente uma perfeita correspondência entre os graus de incapacidade previstos na Tabela de Comutação Específica para a Atividade de Praticante Desportivo Profissional e a Tabela Nacional de Incapacidades por Acidente de Trabalho, na medida em que não prevê incapacidades em décimas, um mero arredondamento por excesso ou por defeito é ilegal e atentatório de Princípios Constitucionais como o Princípio da Igualdade ou da Justa Reparação.
III. Por esse motivo, a Jurisprudência dos tribunais superiores desenvolveu uma fórmula matemática que permite encontrar, de forma abstrata, o valor justo para cada caso concreto, atendendo às unidades e às décimas das IPP fixadas.
IV. Apesar da utilidade da fórmula visada, a comutação entre os valores de IPP das duas tabelas é facilitado de antemão quando a IPP se fixa entre os valores que vão de 1% a 5%, uma vez que existe uma total correspondência entre os graus da coluna x e da coluna y, sendo, por esse motivo, equiparados de forma exatamente igual os valores contendo casas decimais. Deste modo, o valor de IPP fixado em 3,72% (em termos de TNI) é exatamente igual ao valor de IPP fixado na Tabela de Comutação Específica para a Atividade de Praticante Desportivo Profissional – 3,72%.
V. Estabelece o artigo 75.º, n.º 1 da Lei n.º 98/2009, de 4 de Setembro, que são dois os requisitos exigidos para fixar a remição obrigatória de uma pensão anual e vitalícia: a) A exigência de uma IPP inferior a 30%; e b) que o valor da pensão anual não seja superior a seis vezes o valor da retribuição mínima mensal garantida, em vigor no dia seguinte à data da alta ou da morte.
VI. Confrontando o valor da pensão anual e vitalícia fixada – € 4.200,00 – com o teor do segundo requisito legal – “o valor da pensão anual não pode ultrapassar seis vezes o verifica-se que a sentença do Tribunal a quo viola de forma clara e evidente o segundo requisito exigido pelo preceito legal.
VII. Atendendo ao valor da IPP fixada em exame pericial por Junta Médica (3,72%), a pensão anual e vitalícia a fixar nos presentes autos é de € 3.906,00 (e não €4.200,00) e, sendo a referida pensão superior a seis vezes a retribuição mínima mensal garantida, a mesma não é remível

Não foram proferidas contra-alegações.
O MINISTÉRIO PÚBLICO emitiu parecer de acordo com o qual a sentença recorrida padece de errada aplicação do direito, pelo que deve ser concedido provimento ao recurso.

Eis, para cabal compreensão, um breve resumo dos autos.
Nos presentes autos de processo especial emergente de acidente de trabalho, em que é sinistrado P… entidade responsável Companhia de Seguros…, SA”, todos identificados nos autos, teve lugar a tentativa de conciliação, a que alude o artigo 108º do Código de Processo de Trabalho.
No decurso de tal diligência, a seguradora não concordou com o grau de IPP que foi atribuído ao sinistrado pelo perito do IML de Braga, pelo que requereu a realização de exame por junta médica, tendo o mesmo sido realizado com observância do legal formalismo.
Foi, de seguida, proferida decisão que condenou a entidade responsável pagar ao sinistrado, a partir de 1.07.2012, a pensão anual e vitalícia de 4.200,00 € (150.000,00 € x 4 % x 0,70), uma vez que não ultrapassa o limite previsto na al. a) do apontado artigo 4º (485,00 € x 14 x 8 = 54.320,00 €) pensão esta obrigatoriamente remível nos termos do preceituado pelo artigo 75º, n.º 1 do diploma em apreço. Mais condenou a companhia de seguros a pagar ao sinistrado a quantia de 12,00 € a título de despesas com deslocações.

Sem prejuízo das questões que sejam de conhecimento oficioso, as conclusões delimitam o objeto do recurso, o que decorre do que vem disposto nos Art.º 608º/2 e 635º/4 do CPC. Nestes termos, considerando a natureza jurídica da matéria visada, são as seguintes as questões a decidir, extraídas das conclusões:
1ª – Não pode proceder-se ao arredondamento, por excesso, do grau de incapacidade?
2ª – A pensão não é remível?

FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO:
Por acordo das partes alcançado na fase conciliatória e face ao teor do documento cuja cópia consta de fls. 73, consideram-se assentes os seguintes factos:
i) O sinistrado nasceu no dia 12.08.1984
ii) No dia 05.12.2011, pelas 09:30 horas, quando treinava, sentiu uma dor súbita e intensa no joelho direito, ao realizar um movimento;
iii) Como consequência direta e necessária de tal acidente, o sinistrado sofreu traumatismo do joelho direito que lhe causou rotura parcial do ligamento cruzado anterior, de que resultou mobilidade dolorosa passiva e ativa no movimento de rotação externa, dor à palpação da superfície lateral da articulação do joelho, cicatriz linear rosada de tipo cirúrgico com 9 cm de disposição vertical e localizada na região anterior articular do joelho até à face anterior do terço superior da perna e duas cicatrizes com 1cm de diâmetro cada, localizadas nos bordos ântero-lateral e ântero-medial da articulação do joelho (por a sentença se revelar deficiente na descrição das lesões e respetivas sequelas, descrevemo-las em consonância com o auto de exame para o qual remete aquela).
iv) O sinistrado teve alta clínica no dia 30.06.2012.
v) Á data do acidente descrito em ii), o sinistrado trabalhava sob as ordens, direção e fiscalização de “S…”, exercendo as funções correspondentes à categoria profissional de jogador profissional de futebol, auferindo a remuneração anual de 150.000,00 €.
vi) Com deslocações obrigatórias no âmbito dos presentes autos, despendeu o sinistrado a quantia de 12,00 €;
vii) A responsabilidade infortunística laboral decorrente de acidentes de trabalho sofridos pelo sinistrado foi transferido para a aqui entidade responsável Companhia de Seguros, através da apólice n.º …, pela remuneração referida em v).
viii) As sequelas determinaram IPP de 3,72%.

O DIREITO:
A 1ª questão que elencámos prende-se com o arredondamento, por excesso, do grau de IPP atribuído ao sinistrado.
A sentença recorrida, tendo, embora, e em sintonia com o exame por junta médica, fixado a IPP em 3,72%, vem a arredondar este valor “por força da aplicação do quadro anexo ao nº 3 do Artº 2º da Lei 27/2011 de 16/06”.
A Lei 27/2011 de 16/06 estabelece o regime jurídico relativo à reparação de danos emergentes de acidente de trabalho sofridos por praticantes desportivos profissionais, tendo entrado em vigor em 17/06/2011.
É, pois, por força do que dispõe no seu Artº 12º, e considerando a data do acidente reportado nos autos – 5/12/2011-, aplicável ao caso.
Do Artº 2º/3 da mesma lei, referido na sentença, não resulta qualquer disposição relativa a esta matéria, pelo que se tratará de um lapso de escrita a referência ao mesmo pela sentença.
Dispõe-se no Artº 5º que ao grau de incapacidade resultante da aplicação da tabela nacional de incapacidades por acidente de trabalho e doenças profissionais corresponde o grau de incapacidade previsto na tabela de comutação específica para a atividade de praticante desportivo profissional, anexa à presente lei…
Compulsado tal anexo, constatamos que as incapacidades inferiores a 6% não são objeto de qualquer comutação, que só existe para as de valor superior.
Logo, não é legítimo o arredondamento constante da sentença, devendo a IPP manter-se nos 3,72%.
Por força desta decisão, a pensão ascende a 3.906,00€ (Artº 48º/3-c) da Lei 98/2009 de 4/09).
*
A 2ª questão que enunciámos reporta-se à remição da pensão.
A esta matéria é aplicável a Lei 98/2009 de 4/09, que entrou em vigor em 1/01/2010.
O direito à reparação pelos danos emergentes de acidente de trabalho compreende também pensões em dinheiro (Artº 23º/b), tendo em vista compensar o sinistrado pela perda ou redução da capacidade de trabalho ou ganho resultante do acidente.
Se do acidente resultar redução na capacidade de trabalho ou ganho derivada de incapacidade permanente parcial, o sinistrado tem direito a uma pensão anual vitalícia correspondente a 70% da redução sofrida na capacidade geral de ganho ou capital de remição da pensão nos termos previstos no Artº 75º (Artº 48º/3-c) da Lei).
De acordo com o disposto no Artº 75º/1 é obrigatoriamente remida a pensão anual vitalícia devida ao sinistrado com incapacidade permanente parcial inferior a 30%... desde que… o valor da pensão anual não seja superior a seis vezes o valor da retribuição mínima mensal garantida, em vigor no dia seguinte à data da alta…
Do ponto de vista legal, optou-se, pois, pela remição de pensões de reduzido montante, devidas por incapacidades também elas diminutas.
A lei consagra, porém, dois requisitos cumulativos para a remição obrigatória de pensões devidas por IPP:
1º - que a incapacidade seja inferior a 30%
2º - que o valor da pensão anual não seja superior a seis vezes a remuneração mínima mensal garantida à data da alta.
No caso que nos ocupa, o primeiro requisito mostra-se preenchido. Porém, já não o segundo, porquanto, tendo o sinistrado obtido alta em 30/06/2012, altura em que o salário mínimo se fixava em 485,00€ por mês, a pensão anual se revela superior àquele montante.
Procede, assim, a apelação.
***
Em conformidade com o exposto, acorda-se em julgar a apelação procedente e, em consequência, revogar a sentença, declarando que a IPP se fixa em 3,72% e condenando a Recrte. no pagamento da pensão anual vitalícia de três mil novecentos e seis euros (3.906,00€), desde 1/07/2012, tudo o mais se mantendo.
Custas pelo Recrdº.
Notifique.
Guimarães, 29/01/2015
Manuela Fialho
Moisés Silva
Antero Ramos Veiga