Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
269/07.0TBGMR-G.G1
Relator: ISABEL ROCHA
Descritores: INSOLVÊNCIA
CUSTAS
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 03/20/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: JULGADA IMPROCEDENTE
Sumário: I-O art.º 172.º n.ºs 1 e 2 do CIRE, traduz e concretiza a regra da precipuídade das custas do processo e despesas de liquidação.
II- Resulta também desta norma que se devem imputar prioritariamente às dívidas da massa, em que se incluem as custas do processo, os rendimentos que ela própria gera. Se os rendimentos da massa não chegarem para satisfazer as dívidas da massa, serão os próprios bens, móveis ou imóveis que têm de as suportar, mesmo que esses tenham sido objecto de garantias, consequentemente, ao produto da liquidação, sem qualquer limite, desde que isso seja indispensável á satisfação integral das mesmas, e na respectiva medida.
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes que constituem a 1.ª secção cível do Tribunal da Relação de Guimarães.
I – RELATÓRIO

Nos autos de insolvência a que respeita o presente recurso em separado, encerrada a respectiva liquidação, foi elaborado o rateio final que se rectificou.

Nos mesmos autos de insolvência foi reconhecido o crédito reclamado pelos credores M… e mulher, no valor de 547.945,20, garantido por hipoteca, sobre o imóvel constante da verba n.º 3, o qual foi adjudicado pelo mesmo credor pelo valor de € 440.000,00 tendo estes depositado €26 2768,80 para garantia de custas e despesas do processo.

Pelo valor do bem em causa pagou-se em primeiro lugar o crédito da fazenda nacional no valor de €131,61.

Em face do mapa de rateio final (rectificado) constante a fls 3 a 13 destes autos, atribuiu-se ao mesmo credor garantido o pagamento de €399.437,51, cabendo também ao mesmo o pagamento de €3.372,07.

Esclareceu então a Exm.ª AI que em face do resultado do rateio, o credor M… teria de restituir à massa insolvente a quantia de €10 421,62.

Após visto do Ministério Público foi então proferido o seguinte despacho:

Admito a atualização do mapa de rateio final.

Mais determino a notificação do credor M… para que proceda à restituição à massa insolvente de € 10.421,62, sob cominação de instauração de execução, nos termos do art. 825º do CPC ex vi o nº 4 do art. 815º do CPC.

…Efetuado o depósito ora ordenado nos termos antecedentes poderá a Exa proceder aos pagamentos, na mesma data, a todos os credores.”

Inconformado pelo despacho no que refere á devolução da quantia de €10 421,62, o credor M… e mulher vieram dele interpor recurso de apelação, apresentando alegações de onde se extraem as seguintes conclusões:

1. Vem o presente recurso interposto contra a decisão de restituição à massa insolvente da quantia de € 10.421,62.

2. Salvo melhor opinião, e com o devido respeito, não se conformam os recorrentes com a referida decisão, porquanto entenderem que nenhum valor deve ser restituído.

3. Em 19 de Fevereiro de 2004, foi outorgada escritura de Mútuo com Hipoteca, entre os recorrentes e os insolventes, pela quantia de 500.00€.

4. Como garantia da dívida, os insolventes hipotecaram, a favor dos Recorrentes, um prédio urbano, descrito na Conservatória do Registo Predial de Vizela sob o número 769 e inscrito na respectiva matriz urbana sob o artigo 545.

5. Em consequência, da declaração de insolvência, os recorrentes procederam à reclamação do seu crédito nos presentes autos, tendo o mesmo lhes sido reconhecido.

6. Os recorrentes requereram igualmente a adjudicação do supramencionado prédio urbano, apreendido pela massa insolvente, pelo preço de 425.000€.

7. Tendo-lhes o mesmo sido concedido pelo valor de 440.000€.

8. Desta feita, os recorrentes ficaram dispensados de pagar o supracitado preço.

9. A fim de determinar o mais concretamente possível o montante que os recorrentes deveriam depositar, de acordo com o disposto no artigo 1720 n.02 do CIRE, procedeu-se ao cálculo das custas do qual resultou a quantia de €26.768,80, a que os recorrentes fizeram o pagamento.

10. Entendem os recorrentes que o valor a restituir, resulta da imputação de uma percentagem a título de custas, custas estas não descriminadas e já pagas.

11. Assim como, que não devem proceder à devolução de tal quantia, pois que ainda são credores da quantia de 107.945,20 €, correspondente ao valor do crédito reclamado (547.945,20 €), subtraído do valor da adjudicação (440.000,00 €)

12. No mapa do rateio final, não estão descriminadas as custas do processo que justifiquem a devolução agora solicitada.

13. Do que se depreende do mapa, é que tal excedente resultou da distribuição a cada credor do valor equivalente a 90,81%.

14. De acordo com a informação constante no mapa do rateio final, o valor das custas e despesas do processo foi retirado do produto da liquidação de cada verba na proporção acima identificada.

15. Assim, o valor das custas a cargo dos recorrentes seriam €40.430,88 devendo em consequência somente receber €399.437,51.

16. Desta feita, "sobrando" €399.437,51, como o valor que se considera recebido, e consequentemente, o entendimento de que os recorrentes receberam a mais €13.793,69.

17. Ou seja, de custas calculadas no valor de €26.768,80 passa para €40.430,88.

18. Pois que, não obstante se mencionar que os recorrentes receberam a mais da liquidação da verba n03, tal diferença resulta da percentagem subtraída a título de custas no processo.

19. No mapa do rateio final nenhuma descriminação é feita as custas do processo.

20. Antes pelo contrário, consta como custas do processo a quantia de €27.182,76, sem saberem porquê.

21. Pelo que, ainda que a diferença acima calculada (€40.430,88) fosse devida, e dessa forma justificasse o alegado recebimento a mais, sempre estariam os recorrentes a pagar duas vezes o valor a título de custas: €26.768,80 + €13.793,69 (- €3.372,07 verbas 4 e 5 = €1 0.421,62, quantia ordenada a restituir).

22. Sem prejuízo, conforme acima exposto, os recorrentes ainda são credores da quantia de 107.945,20 €, como tal, não se entende que tenham recebido a mais alguma quantia que devessem restituir à massa insolvente.

23. Mais ainda, quando A MASSA INSOLVENTE TEM EM DEPÓSITO A QUANTIA DE €805.851,85.

24. Ou seja, ainda que se alegue que os recorrentes devem restituir os referidos €10.421,62, por recebimento a mais da liquidação da verba n.03, na verdade, mais não é do que a imputação da percentagem a titulo de custas conforme exposto, pelo que, devem ser pagas com o produto da massa insolvente à data existente.

25. Por todo o exposto, entendem os recorrentes não deverem proceder à restituição de qualquer quantia nos termos pretendidos.

FUNDAMENTAÇÃO

OBJECTO DO RECURSO

Considerando que o objecto do recurso está delimitado pelas conclusões das alegações, a questão a decidir é a de saber se os apelantes devem restituir á massa insolvente a quantia de €10.421,62.

O circunstancialismo fáctico-processual a ter em conta é o descrito no relatório.

DECIDINDO

No que concerne ao pagamento, em sede de insolvência, dos créditos garantidos, rege o art.º 172.º n.ºs 1 do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, doravante designado CIRE, que, “Antes de proceder ao pagamento dos créditos sobre a insolvência o administrador deduz da massa insolvente os bens ou direitos necessários á satisfação das dívidas desta, incluindo as que previsivelmente se constituirão até ao encerramento do processo.

Este preceito traduz e concretiza a regra da precipuídade das custas do processo e despesas de liquidação.

Por sua vez, o nº 2 do mesmo artigo consagra que, “ As dívidas da massa insolvente são imputadas, na devida proporção, ao produto de cada bem móvel ou imóvel; porém, a imputação não excederá 10% do produto e bens objecto de garantias reais, salvo na medida do indispensável á satisfação integral das dívidas da massa insolvente ou do que não prejudique a satisfação integral dos créditos garantidos”.

Resulta pois desta norma que se deve imputar prioritariamente às dívidas da massa, em que se incluem as custas do processo, os rendimentos que ela própria gera. Se os rendimentos da massa não chegarem para satisfazer as dívidas da massa, serão os próprios bens móveis ou imóveis que têm de as suportar, mesmo que esses tenham sido objecto de garantias, através do produto da liquidação, sem qualquer limite, desde que isso seja indispensável á satisfação integral das mesmas, e na respectiva medida (Cfr. Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas anotado, 2008, Luís A. de Carvalho e João Labareda, pags. 574 e 575).

Assim o art.º 174.º do CIRE, relativo ao pagamento aos credores garantidos, prescreve que, “Sem prejuízo do disposto no art.º 172.º n.ºs 1 e 2, liquidados os bens onerados com garantia real, e abatidas as correspondentes despesas, é imediatamente feito o pagamento aos credores garantidos com respeito com a prioridade que lhes caiba; quanto àqueles que não fiquem integralmente pagos e perante os quais o devedor responda com a generalidade do seu património, são os saldos respectivos incluídos entre os créditos comuns, em substituição dos saldos estimados, caso não se verifique coincidência entre eles.

Na insolvência a que respeita o presente recurso, foi reconhecido o crédito reclamado pelos ora apelantes, garantido por hipoteca sobre o bem imóvel que faz parte da massa insolvente, descrito como verba n.º 3, no valor de €547.945.20.

Sucede que, os apelantes adquiriram tal bem imóvel objecto da hipoteca por € 440.000,00. Acresce que, por conta dos demais bens imóveis que também fazem parte da massa e dos bens móveis e após rateio, apenas coube aos apelantes o pagamento de €3.372.07, na qualidade de crédito comum.

Fica pois claro que, nesta insolvência, não foi possível o pagamento da totalidade do crédito reconhecido, pelo que não colhe o que parece ser um dos argumentos dos insolventes, no sentido de que, a restituição da verba em causa não será devida porque ainda não receberam o crédito reconhecido na totalidade.

Assim sendo, foi necessário proceder ao rateio final em causa.

Como decorre do mapa de rateio final, o valor das custas e despesas do processo, foi retirado do produto da liquidação de cada verba, cabendo, a este título, no que respeita á verba 3, valor de €40.430.88. Cumpriu-se, desse modo, o disposto no art.º 172.º n.ºs 1 e 2 pois que as custas discriminadas a fls 5 do rateio são as que foram imputadas aos bens ali referidos, incluindo o bem imóvel objecto de hipoteca constituída a favor dos apelantes, na devida proporção entre os demais bens, seguramente porque os rendimentos da massa não permitiram o pagamento das custas.

Tendo prioridade no pagamento, no que respeita ao bem imóvel sob a verba n.º 3, o crédito da Fazenda Nacional com o valor de € 131,61, deve este montante ser pago em primeiro lugar por conta do valor da venda do dito bem imóvel.

Nestes termos, está correcto o valor resultante do rateio final a pagar aos apelantes pelo crédito garantido, fixado no valor de €399.437.51 (€440.000,00-€40.430,88-€131,61).

Porque os apelantes que adquiriram o bem imóvel em causa, depositaram previamente a quantia de €26.768,80 para garantia de custas e despesas prováveis do processo, conclui-se assim que já receberam, por conta do seu crédito, o valor de € 413 231,20 (440 000.00-€26 768.80).

Assim sendo, receberam a mais €13 793,51 (413 231,20- 399 437,51). Como também tem a receber a dita quantia de €3 372,07, na qualidade de credores comuns, deve pois restituir á massa a quantia indicada pela Exm.ª Administradora da insolvência no valor de €10 421,62.

Improcede assim a apelação, confirmando-se a decisão apelada.

Em conclusão:

I-O art.º 172.º n.ºs 1 e 2 do CIRE, traduz e concretiza a regra da precipuídade das custas do processo e despesas de liquidação.

II- Resulta também desta norma que se devem imputar prioritariamente às dívidas da massa, em que se incluem as custas do processo, os rendimentos que ela própria gera. Se os rendimentos da massa não chegarem para satisfazer as dívidas da massa, serão os próprios bens, móveis ou imóveis que têm de as suportar, mesmo que esses tenham sido objecto de garantias, consequentemente, ao produto da liquidação, sem qualquer limite, desde que isso seja indispensável á satisfação integral das mesmas, e na respectiva medida.

DECISÃO

Por tudo o exposto acordam os juízes desta secção cível em julgar a apelação improcedente, confirmando-se a decisão apelada.

Custas pelos apelantes.

Guimarães, 20 de março de 2014

Isabel Rocha

Moisés Silva

Jorge Teixeira