Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
2603/14.7T8BRG.G1
Relator: FRANCISCA MICAELA VIEIRA
Descritores: CONTRATO DE SEGURO
DEVER DE INFORMAR
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 06/09/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário: 1-No tipo de contrato de seguro de grupo contributivo, na modalidade de seguro de vida de crédito à habitação, nos termos do art. 4.º do DL n.º 176/95, de 27-07, recai sobre o tomador de seguro, o banco mutuante, o ónus de informar e esclarecer os segurados aderentes sobre as cláusulas de cobertura e de exclusão do risco assim garantido e, desse modo, o incumprimento desse dever leal de informação e esclarecimento não se comunica à seguradora, salvo convenção em contrário, porquanto, no referido tipo de contrato de seguro de adesão, não se configura que o tomador do seguro intervenha como intermediário, auxiliar ou comissário da seguradora, não se encontrando, por isso, fundamento normativo para imputar a esta, as consequências de eventual atuação irregular do tomador na comercialização do produto financeiro em causa.
2-De acordo com a correcta interpretação dos artigos 5º e 6º do Decreto-Lei 446/85 de 25/10, numa acção que visa efectivar a responsabilidade civil contratual da seguradora num seguro de grupo contributivo, estando provado que o banco tomador de seguro cumpriu o dever de comunicação e informação, se o segurado não alega nem prova ter pedido esclarecimentos, é inócuo para a sorte da acção considerar provado que nem o banco tomador/ beneficiário do seguro nem a seguradora prestaram esclarecimentos.
3-—Os segurados/aderentes num contrato de seguro de grupo contributivo associado a contrato de mútuo concedido para aquisição de habitação própria, frequentemente imposto pela instituição bancária mutuante, pretendem acautelar a hipótese de perder, por invalidez, a sua capacidade de ganho e consequentemente, a sua habitação, por incumprimento das obrigações emergentes do contrato de mútuo.
4- Num contrato de seguro, que cobre os riscos de morte e de invalidez permanente do segurado que contraiu empréstimos bancários - efectuando tal seguro por imposição do mutuante – é desproporcional à caracterização do estado de invalidez permanente que o mesmo seguro visa prevenir, a exigência cumulativa de um grau de incapacidade permanente igual ou superior a 75% com a impossibilidade de subsistência funcional sem o apoio permanente de terceira pessoa. Sendo este último segmento abusivo e, em consequência, nulo.
5- E fazendo operar os critérios estabelecidos nos artigos 9º, 10º, 12º e 13º da LCCG, porque a amputação daquele segmento abusivo da clausula que definia a Invalidez Absoluta e Definitiva, não afecta o núcleo essencial das prestações do contrato de seguro em causa, impõe-se reduzir essa cláusula ao verdadeiro âmbito de um seguro de Vida, que cobre a Morte e a Invalidez Absoluta e Definitiva
6 - Estando provado que o segurado não declarou à seguradora que era portadora de uma incapacidade de 69% à data em que preencheu o boletim de adesão ao seguro de grupo Vida em que se garante o risco da Morte ou Incapacidade Absoluta e Definitiva, o agravamento em 8% dessa incapacidade não releva para accionar a cobertura do seguro que está delimitada negativamente no seu âmbito do seguro pela exclusão de incapacidades preexistentes e não declaradas à data da celebração do seguro, mesmo que nas contestações o banco-tomador e a seguradora não tenha retirado dessa omissão na declaração inicial de risco as consequências previstas na lei.
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes da 2.ª Secção do Tribunal da Relação de Guimarães:
I – RELATÓRIO
I. ULISSES G e HELENA C, residentes na Rua F, n° 26, Bico, Amares, vieram intentar a presente acção de processo comum contra COMPANHIA DE SEGUROS A, SA, com sede na Rua A, n° 32, Lisboa e BANCO B, SA, com sede na Rua T, n° 284, Porto.
Para tanto alegam em síntese:
Que contraíram empréstimo para aquisição de habitação própria e permanente em 2003 junto da Caixa G e que à data o Autor marido era portador de uma incapacidade de 69%; que na mesma data contraíram ainda empréstimo pessoal junto da Caixa G no valor de €34.700,00 e que em 2007 transferiram a globalidade do seu crédito para o B celebrando em 11 de Setembro de 2007 dois contratos: um contrato intitulado de "abertura de crédito com hipoteca" e um de "contrato de mútuo com hipoteca", ascendendo o valor do contrato de mútuo a €76. 818,16 e o de abertura de crédito a €78.423,00.
Mais alegam que o B exigiu que os Autores subscrevessem um seguro que cobrisse os riscos morte e invalidez, e que para usufruir de um spread reduzido de 0,35%, exigiu que esse seguro fosse emitido pela Ré A.
Que ao balcão do Banco B foi-lhes comunicado que o seguro a que iriam aderir cobria o pagamento do capital em dívida em caso de morte ou invalidez superior a 75% de algum dos cônjuges, sendo que a apólice de seguro a que aderiram não foi objecto de qualquer negociação nem tão pouco os Autores tiveram alguma influência na elaboração das suas cláusulas.
Que todos os documentos foram assinados ao balcão do B sem que tenha sido dada informação mínima sobre as cláusulas constantes da apólice, tendo sido apenas fornecidos os formulários a assinar e sido informado que este produto cobriria a hipótese de morte ou invalidez permanente superior a 75% dos Autores.
Que em 07-02-2013 ao Autor Ulisses foi-lhe atribuída uma incapacidade absoluta e definitiva de 77% mas a Ré A não aceitou o accionamento do seguro invocando que "a maior percentagem de incapacidade constante do Atestado Multiuso se deve a situação pré-existente" e como tal estaria excluído da cobertura do seguro.
Os Autores invocam a nulidade das Cláusulas 3.2 das Condições Gerais uma vez que em nenhum momento, seja da parte do Banco B, seja da parte da A, foi prestado qualquer esclarecimento relativo a qualquer das cláusulas incitas na apólice aqui em causa e ainda a nulidade da Cláusula 2.2 pois no momento em que os Autores forneceram todas as informações relativas ao estado clínico do Autor Ulisses e após a recepção da documentação comprovativa do grau de invalidez, nunca o B ou a A comunicaram aos Autores o que quer que fosse relativamente ao conteúdo da cláusula 2.2 das Condições Gerais, excepção feita à percentagem de invalidez aí referida.
Concluem os Autores pedindo a condenação dos Réus:
a) Na exclusão, por nulas, das cláusulas 2.2 e 3.2 das condições gerais da apólice de seguro n." 800500;
b) Na manutenção do restante clausulado referente à mesma apólice;
c) No pagamento ao B do montante em dívida e no valor de €96.617,67 (noventa e seis mil, seiscentos e dezassete euros e sessenta e sete cêntimos), referente aos contratos intitulados de "Abertura de Crédito com Hipoteca" e de "Mútuo com Hipoteca" outorgados entre Autores e o B em 2007, valor considerado desde o mês de Maio do ano de 2013 em diante, acrescido dos juros devidos e imposto de selo;
d) No pagamento aos Autores dos montantes mensais por estes pagos na amortização do montante em dívida referente aos contratos intitulados de "Abertura de Crédito com Hipoteca" e de "Mútuo com Hipoteca" outorgados entre Autores e o B em 2007, desde Maio de 2013 até trânsito em julgado da sentença, acrescido dos juros, imposto de selo e a liquidar em execução de sentença;
e) No pagamento de juros de mora do montante pedido em d), contabilizado à taxa legal e até efectivo e integral cumprimento;
f) Na devolução do montante pago pelos Autores a título de prémio mensal de seguro desde Maio de 2013 até trânsito em julgado da sentença, acrescido de juros de mora à taxa legal, a liquidar em execução de sentença;
g) No pagamento da quantia de €2.500,00, a título de danos não patrimoniais. Juntaram documentos e procuração.
A Ré COMPANHIA DE SEGUROS A SA regularmente citada veio contestar confirmando a celebração do contrato de seguro titulado pela apólice 100615998 e excecionou que a situação concreta se encontra excluída do âmbito de cobertura do contrato de seguro, que a causa de Invalidez do Autor é Doença Ostearticular Degenerativa e que à data da adesão ao seguro de grupo o Autor era portador de uma Incapacidade Definitiva de de 69%.
Mas alega que o contrato dos autos não se rege pelo regime das cláusulas contratuais gerais previsto no DL 446/85 de 25/10 mas pelo regime previsto no DL 176/95 de 26 de Julho nos termos do qual resulta que o ónus da prova de ter fornecido as informações compete ao tomador do seguro pelo que não recai, em seu entender, sobre a seguradora a obrigação de informação. Juntou documentos e procuração.
O Réu BANCO B SA regularmente citado veio contestar dizendo desconhecer em concreto qualquer grau de deficiência ou incapacidade do Autor apenas sabendo que o mesmo havia contratado com a C crédito à habitação no regime do ACTV e que o crédito contratado com o B foi no regime geral e não em qualquer regime especial.
Mais alega que os Autores escolheram a Ré A e forma livre, esclarecida e espontânea e que os Autores no momento do preenchimento do questionário clinico declararam e tomaram conhecimento das condições dos respectivos seguros.
Que a Ré A previamente à aceitação do seguro realizou vários exames médicos na pessoa do autor marido e que em 21/08/2007 comunicou ao Banco Réu a aceitação do seguro mas com exclusão de invalidez por sequelas de prótese da anca esquerda. Juntou documentos e procuração.
Foi dispensada a realização da audiência prévia tendo sido proferido despacho saneador a fls. 134, identificado o objecto do litígio e enunciados os temas da prova.
Oportunamente, foi realizada a audiência de discussão e julgamento e foi proferida sentença que decidiu julgar parcialmente procedente a acção e consequentemente:
a) Declarar excluída, por nula, a cláusula 3.2 das condições gerais da apólice de seguro;
b) Declarar excluído, por nulo, o segmento da cláusula 2.2 das condições gerais da apólice de seguro que prevê que "Considera-se existir invalidez Absoluta e Definitiva quando se verifiquem cumulativamente os seguintes factos: - Possuir o Segurado uma incapacidade funcional irrecuperável igualou superior a 75% com impossibilidade de subsistência sem o apoio permanente de terceira pessoa; - Possuir o Segurado comprovada incapacidade irrecuperável para exercer qualquer para exercer qualquer actividade remuneratoria".
c) Manter o restante clausulado referente à mesma apólice;
d) Condenar a Ré A, SA no pagamento ao Réu Banco B, SA do valor que esteja ainda em divida na data que efectuar o pagamento referente aos contratos intitulados de "Abertura de Crédito com Hipoteca" e de "Mútuo com Hipoteca" outorgados entre Autores e o Banco B, SA em 2007;
e) Condenar a Ré A, SA a pagar aos Autores o valor das prestações que estes pagaram ao Réu Banco B SA desde Maio de 2013 e até efectivo e integral pagamento por parte da Ré A, SA ao Réu Banco B, SA, a que acrescem juros de mora desde a data em que os Autores pagaram as prestações e desde a data em que as pagarão à taxa de 4% e até integral pagamento;
j) Condenar a Ré A, SA a pagar aos Autores o montante por estes pago a título de prémio mensal de seguro desde Maio de 2013 até trânsito em julgado da sentença, a que acrescem juros de mora acrescido de juros de mora desde as datas em que os Autores pagaram e pagarão tais quantias até integral pagamento, à taxa de 4%.
Inconformada a Ré Companhia de Seguros A, SA interpôs recurso de apelação formulando as seguintes Conclusões:
1.A douta sentença recorrida entende que as cláusulas 2.2 e 3.2 da Condições Gerais não foram comunicadas aos Apelados, pois, apesar de terem sido entregues, faltaram os esclarecimentos, e mesmo que o tivessem sido feitos esclarecimentos, a cláusula 2.2 é abusiva.
2. Em sede de impugnação da matéria de facto, a Apelante pretende a eliminação do ponto 11, por contraditório com o ponto 43.
3. De acordo com o depoimento da testemunha da Apelante, funcionária do B, com intervenção directa na celebração do seguro dos autos, Rosa M, ouvida na sessão de julgamento de 18-09-2015, e cujo depoimento está gravado entre as 16.34 e 17.15 - sistema Habilus ¬00.00.01-00.14.48, percebe-se que a factualidade do ponto 43 foi bem julgada e o ponto 11 eliminado.
4. Sem prejuízo de outras partes do depoimento, cf supra, a Mmª Juiz às 13.47 pergunta E Condições Contratuais do Seguro?
5. A testemunha Rosa M responde: Entrega-se ao cliente portanto as condições do seguro. Nessa fase ao imprimir uma coisa sai logo tudo e é entregue ao cliente essa parte e depois cabe ao cliente ler. Nós não estamos a perguntar se ele leu. É assim a conversa que tivemos nessa altura já não me recordo ....
6 .0 seguro que o cliente faz tem cobertura morte e invalidez absoluta e definitiva. Normalmente isso é explicado ao cliente. Eu não conhecia a invalidez do cliente ...
7. Testemunha Rosa M - 19.28 - Aquilo que eu costumo dizer é: Por favor assinale com precisão a resposta a cada uma das questões e se alguma é declarada afirmativa neste espaço tem que dizer o que aconteceu, quando aconteceu e se tem sequelas. Testemunha Rosa M - O boletim de adesão sai numa impressão só – vida multiriscos e condições gerais das duas apólices. Juiz - Na impressão saem as folhas com tudo? Testemunha Rosa M 26.10 - Sim.
8. Advogado dos AA: Certifica-se que as condições foram lidas? Testemunha Rosa M - Da conversa que se tem com o cliente eu por regra digo leio as condições.
9. No ponto 39 da Sentença, o Tribunal devia ter considerado que o Banco entregou as condições gerais da apólice vida, cf. depoimento da testemunha Rosa M, supra indicado em excertos e no corpo da alegação supra.
10. Assim, o ponto 39 deve ser alterado em conformidade com a prova da entrega das condições gerais da apólice do seguro no acto do preenchimento do boletim de adesão.
11. Os factos 10 e 4 devem ser alterados para provados, tendo em conta que o A. Ulisses ao declarar no boletim uma pequena parte do seu passado médico, tinha de estar ciente do teor do boletim e, se não tivessem aceite a exclusão, não tinha sido celebrada a escritura - facto 43 o Banco conhecia a exclusão.
12. A troca de correspondência para a morada dos AA. após pedido de elementos clinicos ao A. Ulisses, docs juntos em audiência de julgamento, fls foi bem recebida, tal como o certificado de adesão, sendo que, a falta nunca foi invocada pelo A. em toda a correspondência trocada, mesmo após o sinistro.
13. Tenha-se também em conta o depoimento da testemunha Margarida A, cujo depoimento consta na Gravação áudio: Início às 15:03:00 horas e termo às 15:26:00 horas - a mesma disse que foi enviado para a morada da apólice o certificado de adesão.
14. O Facto 7 deve ser dado provado, ou seja, deve ser dado como provado que os Autores tomaram conhecimento esclarecido e integral do Boletim de adesão. Isto atendendo ao ponto 24 da sentença e depoimento de Rosa M, cf depoimento supra identificado- Vide depoimentos supra - Se declarou a operação então compreendeu o que lhe era pedido em sede de boletim de adesão.
15. Relativamente ao conhecimento esclarecido e integral das condições gerais da apólice de seguro vida, deve conjugar-se a entrega das mesmas em suporte papel, - facto 39 alterado, a profissão do A. Ulisses - facto 36 e a falta de pedido de esclarecimentos - facto 48, deve considerar-se também essa parte como provada.
16. Em sede de direito, a Juiz 3 não aplicou, como devia, o Decreto-Lei 176/95 de 26 de Julho pois, fez prevalecer o diploma das cláusulas contratuais gerais, afastando esse regime.
17. Resulta do art° 40 deste diploma, que recai sobre o tomador do seguro o dever de informar os aderentes quanto a coberturas e exclusões contratadas, que compete à seguradora facultar, a pedido dos aderentes, as informações necessárias para a efectiva compreensão do contrato e que a consequência do incumprimento do dever de informar não é a eliminação das cláusulas - cf. Acórdão do STJ de 15 de Abril de 2015 Processo 385/12.6TBBRG.Gl.Sl. In jurisprudencia.no.sapo.pt
18. No mesmo sentido, veja-se o Douto Acórdão do Venerando Supremo Tribunal de Justiça de 22-01-2009, in http://jurisprudência.no.sapo.pt/.
19. O Tribunal voltou a errar, desta vez na interpretação dos arts 5º e 6º do DL 446/85 de 25/10 tendo em conta que considera as cláusulas 2.2 e 3.2 excluídas da Apólice porque, apesar de comunicadas, "não foi prestado qualquer esclarecimento ou informação quanto às condições do seguro, designadamente quanto à cobertura de invalidez e quanto à exclusão em causa."
20. No entanto, de acordo com a correcta interpretação dos arts 5º e 6º do Decreto-Lei 446/85 de 25/10, a Apelante cumpriu, através do Banco Tomador, o dever de comunicação prévia das cláusulas da Apólice. Tanto mais que a funcionária alertou os AA. para a leitura das cláusulas após entrega em papel e foi como provado que não foram solicitados esclarecimentos - ponto 48.
21. Tenha-se em conta também que o A. Ulisses é delegado de propaganda médica - Ponto 36, recebeu em suporte papel as condições gerais da apólice - facto 39 após a alteração pedida, o preenchimento, leitura e assinatura do boletim de adesão, facto 43, as respostas colocadas pelos AA. de forma manuscrita no boletim de adesão, facto 44.
22. Pelo exposto, as cláusulas da Apólice 2.2. e 3.2 são válidas e devem ser aplicadas, pelo que a Sentença violou os art°s 425° e seguintes do Cod Comercial, as cláusulas 2.2 e 3.2, art 405° do C.C., e os arts 5°, 6° e 8° do Regime das Cláusulas Contratuais Gerais, entre outros.
23. Por aplicação da cláusula particular de exclusão por sequelas da PTA- doc. 3 junto com a Contestação - após dar-se como provado o ponto 10 dos factos não provados, como pedido, ou por aplicação da cláusula 3.2, deve declarar-se que a invalidez do autor não se encontra coberta pela apólice tendo em conta que já tinha 69% antes da apólice entrar em vigor - ponto 10 após alteração, ponto 2 e 35 da sentença.
24. Em termos de declaração do risco, ocorreu declaração inexacta, que o Tribunal deve considerar - tendo em conta os pontos 2, 24,35 e 44 da sentença - O A. Ulisses apenas declarou que tinha feito a cirurgia à prótese mas omitiu que era portador de uma incapacidade de 69% desde 2002.
25. Independentemente da aplicação da cláusula de exclusão por sequelas da prótese, e que consta na apólice, a invalidez prévia de 69% de que o A. Ulisses é portador desde 2002, desconhecida da Apelante por não estar declarada no boletim, não pode estar coberta pela Apólice dos autos, pois, a Apólice entrou em vigor em data muito posterior e não tem efeitos retroactivos.
26. De resto, o A. Ulisses não necessita do apoio permanente de terceira pessoa nem tal cláusula é abusiva pois, os valores do prémio deste seguro são os aplicados no mercado para este nível de cobertura. Para maior cobertura, teria de ter pago um prémio mais elevado.
Nestes termos atrás expostos e nos doutamente supridos por V. Ex.as, deve ser concedido provimento ao presente recurso de Apelação, revogando-se a decisão da 1ªinstância, absolvendo-se a R. dos pedidos, para se fazer a costumada JUSTIÇA.
Não foram apresentadas contra-alegações pelos recorridos.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
II -DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO.
As conclusões acima transcritas definem e delimitam o objecto do presente recurso – cfr. artigos 608º., nº. 2, ex vi do artº. 663º., nº. 2; 635º., nº. 4; 639º., nºs. 1 a 3; 641º., nº. 2, b), todos do Código de Processo Civil (C.P.C.).
Porque assim, atendendo às conclusões das alegações apresentada pela apelante, urge apreciar as seguintes questões:
1. Saber se se verifica erro de julgamento da matéria de facto, na parte em que o tribunal recorrido declarou provados os factos constantes dos pontos 11, 43 e 39 dos factos provados e nos pontos 10, 4 e 7 dos factos não provados.
2. Apreciar e decidir da subsunção jurídica dos factos considerados provados em resultado do reapreciação da matéria de facto por este Tribunal da Relação.
III – FUNDAMENTAÇÃO
3.1- Da Impugnação da Matéria de Facto.
Considerando que a apelante deu cumprimento aos requisitos adjectivos para admissão do recurso sobre a matéria de facto, vertidos no artigo 640º do CPC, importa apreciar e decidir sobre a impugnação da matéria de facto.
Todavia, nesta parte urge desde já referir que as partes não discutem que no caso concreto estamos perante um seguro de grupo, na modalidade seguro de vida associado a crédito à habitação, figurando os Autores como segurados, figurando o Réu B como tomador de seguro e beneficiário, conforme decorre aliás de forma linear das Condições Gerais constantes de fls 72 a 78 dos autos.
Por isso, não obstante, existir significativa controvérsia jurisprudencial, e, não obstante ser discutível a opção legislativa feita no artigo 4º do Decreto – lei nº 176/95, de 27-07, primeiro, e no artigo 78º do DL nº 72/2008, de 16 de Abril, aplicável aos seguros de grupo contributivos por força do art 87º desse diploma, mais tarde, entendemos que, não havendo convenção em contrário, só ao tomador do seguro de grupo compete, prestar informações sobre as coberturas e exclusões contratadas, sendo certo que a adesão do Autor-recorrido ao seguro de grupo ocorreu a 22-06-2007, aplicando-se o novo regime do contrato de seguro ao conteúdo de contratos celebrados anteriormente que subsistam à data da entrada em vigor da LSC, isto é, a 1-01-2009.- artigo 2º do Preâmbulo.
Perante esta realidade jurídica importa pois no caso dos autos apurar se o B informou o autor sobre as coberturas e exclusões contratadas.
1-A apelante alega que existe contradição entre o facto vertido no ponto 11 e o facto vertido no ponto 43 dos factos julgados como provados.
Vejamos.
Estabelece o ponto 11 dos factos provados: “Os Autores apenas preencheram e assinaram formulários, onde preencheram os campos relativos à informação médica"
E estabelece o ponto 43 da Sentença: “Em 22-06-2007 foram recolhidos, após leitura, preenchimento e assinatura pelos autores os impressos de adesão aos referidos seguros de vida e multi riscos”.
No que concerne à alegada contradição assiste razão à apelante, porquanto, verifico que o facto vertido no ponto 43 acrescenta alguma coisa ao facto contido no ponto 11 e, por isso, não é rigoroso, a ser verdade o que consta do ponto 43, fazer a afirmação contida no ponto 11.
Acresce que, nesta parte o tribunal procedeu à audição do registo fonográfico do depoimento da testemunha Rosa M, ouvida na sessão de julgamento de 18-09-2015 e, diversamente, do que fez o tribunal recorrido o tribunal da Relação convenceu-se que “Em 22-06-2007 foram recolhidos, após leitura, preenchimento e assinatura pelos autores os impressos de adesão aos referidos seguros de vida e multi riscos”.
Consequentemente, nesta parte, merece provimento a impugnação da matéria de facto, ordenando a eliminação do ponto 11 dos factos julgados provados pelo tribunal de 1ª instância.
2 - Relativamente ao facto contido no ponto 39 dos factos provados e aos factos contidos nos pontos 10, 4 , 7 dos factos julgados como não provados, este Tribunal da Relação procedeu à audição dos registos fonográficos das testemunhas indicadas pela recorrente, Rosa M, funcionária do B há cerca de 20 anos que preparou o processo de concessão de crédito e que preencheu parte do boletim de adesão, Margarida A, funcionária da Ré seguradora na área de sinistros, procedeu à audição das declarações de parte do autor e ainda, oficiosamente, procedeu à audição dos depoimentos das testemunhas João M, Joaquim F e Sónia V, estes três últimos, médicos de profissão.
Assim, a testemunha Rosa M, depondo de forma espontânea, descreveu o procedimento normal utilizado pelo B relativamente à concessão de créditos análogos aos dos autos, designadamente, o procedimento que usa no tocante ao preenchimento pelo cliente do seguro de vida associado àqueles créditos, tendo convencido o tribunal que efectivamente ao autor foi entregue para preenchimento o boletim de adesão de fls 107 juntamente com as Condições Gerais da Apólice relativa ao Seguro de Grupo celebrado entre as Rés, que o Autor, era delegado de informação médica e pessoa esclarecida que tinha transferido para o B o crédito que tinha celebrado com a Caixa G. Mais convenceu o tribunal, pela isenção e consistência do seu depoimento, que o Autor teve oportunidade de ler e pedir esclarecimentos sobre as Condições Gerais dessa Apólice, nas quais se incluem as referidas cláusulas 2.2 e 3.2 que o Autor agora alega não ter tomado conhecimento, bem como, sobre o conteúdo do Boletim de adesão, sendo certo que foi a testemunha que preencheu a parte superior desse boletim e que o Autor preencheu o questionário de saúde tendo tido.
Acresce que esta testemunha relatou que sabia que o Autor era irmão de um funcionário do B e colega da Testemunha, que por isso, o Autor, se tivesse necessidade de pedir esclarecimentos, o faria com toda a liberdade, que o Autor sabia perfeitamente que o empréstimo que solicitaram ao B, em substituição do empréstimo contraído junto da Caixa G, SA, (ao abrigo de um regime especial de crédito) foi concedido ao abrigo do Regime Geral, (factos comprovados pelos documentos nºs 1, 2, 3, 4, 5) que o Autor e a esposa sabiam que junto do B não beneficiavam de um regime especial.
Mais. Da análise dos documentos nºs 3 e 6 da petição inicial, fls 43 e fls 64, respectivamente, resulta que o Autor era portador de uma incapacidade permanente geral de 69%, anterior a 2001 e que em 07-02-2013 era portador de uma incapacidade permanente geral de 77%, não tendo declarado esse facto ao Banco Tomador do Seguro nem à Ré seguradora.
Efectivamente, resulta do boletim de adesão preenchido pelo Autor, constante de fls 107, que à questão 4ª do Questionário de Saúde, na qual, se perguntava se o proponente tinha alguma deficiência física ou funcional, o Autor respondeu não e que apenas às questões 1ª, 3ª e 5ª, (onde se perguntava, se tinha sofrido alguma intervenção cirúrgica, se tinha estado internado em algum hospital e se esteve de baixa mais de 15 dias consecutivos, nos últimos 45 anos, respectivamente) respondeu afirmativamente, tendo especificado, relativamente a essas respostas afirmativas, que tinha sido submetido a operação cirúrgica para colocar prótese da anca esquerda em Setembro de 2005 no Hospital Misericórdia de Lousada realizada pelo Sr Dr Cruz M tendo estado de baixa durante 3 meses.
De resto, foi convincente esta testemunha quando a dada altura refere que não tem dúvidas que o Autor queria fazer aquele seguro com aquelas exclusões e referiu ainda que anos mais tarde o Autor pediu um crédito pessoal e que para fazer seguro fez exames médicos tendo a testemunha então tomado conhecimento que o Autor tinha uma incapacidade.
A testemunha Margarida A, funcionária da Ré na área de sinistros vida, revelou conhecer o processo do Autor e depondo de forma espontânea, referindo-se ao documento junto a fls 109, frente e verso, junto com a contestação da Ré seguradora e não impugnado pelo Autor, convenceu este Tribunal da Relação, que além de estar contratualmente excluída a Incapacidade Absoluta Definitiva pré-existente (conforme cláusulas das Condições Gerais), ao Autor foi enviado o certificado de adesão, de fls 109, verso, no qual, está expressamente referido que está excluída da cobertura do seguro as sequelas da PTA.
Oficiosamente, procedeu este Tribunal à audição do depoimento da testemunha João M, médico que tem uma avença com a Ré A e que teve oportunidade de analisar a documentação relativa ao autor, tendo este mencionado que o autor teve necessidade, após ter recebido a carta enviada pela seguradora, constante de fls 257 (na qual, a Seguradora, por carta de 10-07-2007, após ter recebido o boletim de adesão do autor e porque este referiu ter sido operado, pediu relatório médico sobre a cirurgia referida (prótese à anca esquerda) de enviar à Recorrente o atestado de saúde de fls 258, no qual o médico Francisco F, atesta que o autor tem antecedentes de cirurgia PTA de anca esquerda por acidente de viação, com óptima evolução, possui na presente data a robustez física e psíquica indispensável ao exercício da função, .., não possuindo quaisquer lesões ou enfermidades que impossibilitem o exercício da profissão, ou sejam susceptíveis de serem agravadas pelo seu desempenho.
E da audição desta testemunha conjugada com a análise da documentação clinica relativa ao Autor constante de fls 219 a a 222, da correspondência trocada entre o Autor e o B, SA, após o accionamento do seguro, constante de fls 127 verso a 133, bem como , da análise dos atestados multiusos de fls 43 e 64, resulta que no dia 17-10-2002 foi passado ao autor um atestado comprovativo de incapacidade de 69% relativo a incapacidade anterior ao ano de 2001 , que no dia 7-03-2013 foi passado ao autor novo atestado médico de incapacidade multiuso, no qual está atestado que o autor nesta data era portador de deficiência que lhe confere uma incapacidade permanente geral de 77% ( setenta e sete por cento) sendo aí atestado que o autor em 17-10-2002 já era portador de uma incapacidade de 69%.
Resulta também dos autos, designadamente do boletim de adesão ao seguro de grupo, constante de fls 107 e junto pela ora recorrente com a contestação, que o autor omitiu às Rés quando preencheu o referido boletim de adesão, em 22-06-2007, que nessa data já era portadora de uma incapacidade de 69%!
Deste depoimento resulta que a Apelante aceitou a adesão dos Autores ao Seguro de grupo com exclusão das sequelas de PTA com base no atestado de fls 258 e que declinou qualquer responsabilidade após o accionamento do seguro com fundamento na invalidez de que o Autor já era portador à data em que subscreveu o boletim de adesão, onde não declarou esse facto.
Acresce que ainda oficiosamente o Tribunal Procedeu à análise dos depoimentos das testemunhas Joaquim F e Sónia V, ambos médicos cirurgiões que tiveram intervenção em pelos menos duas cirurgias a que o Autor foi sujeito nos anos de 2013 e 2014, factos comprovados pela informação clínica do autor de fls 218 a 220. Mais se atentou, que estes dois médicos referiram que sabiam que o autor tinha tido acidente há uns anos atrás, tendo a testemunha Sónia V referido que terá sido o acidente que terá provocado a incapacidade.
Por outro lado, ouvidas com toda atenção e rigor as declarações de Parte do Autor e conjugadas estas com o teor do boletim de adesão preenchido pelo autor, este Tribunal não ficou convencido que o Autor desconhecesse o conteúdo das Condições Gerais do Contrato de Seguro, concretamente aquelas cujo conteúdo o Autor alega não ter sido informado.
De resto, a própria argumentação do Autor vertida na petição inicial e nas declarações de parte prestadas, é deveras estranha, porquanto, apesar de ser uma pessoa Diferenciada, nascido no ano de 1962, delegado de informação médica, não explicou a razão de não ter declarado ao tomador de seguro, nem à Apelante Seguradora que com 45 anos era portador de uma incapacidade permanente de 69% à data em que preencheu o boletim de adesão, sendo certo que o autor já tinha anteriormente celebrado com a Caixa G dois empréstimos, nos quais beneficiou de regime especial de crédito junto daquela instituição, atenta a incapacidade de era portadora.
Assim, concluímos que o Autor não poderia deixar de saber que era essencial declarar que padecia daquela enfermidade, que não poderia querer que a Seguradora aceitasse segurar um risco já ocorrido. Isso seria contrário à própria essência do contrato de seguro, pelo qual, a seguradora, mediante retribuição, se obriga, a favor do segurado ou de terceiro, à indemnização de prejuízos resultantes, ou ao pagamento de valor pré-definido, no caso de se realizar um determinado evento futuro e incerto” (José Vasques, “Contrato de Seguro”, ed. 99, pág. 94).
Acresce que não resulta dos autos que o Autor tenha pedido esclarecimentos sobre o conteúdo das Cláusulas 2.2 e 3.2 das Condições Gerais da Apólice.
Pelo contrário. Após ter tomado conhecimento da recusa da Ré seguradora em assumir qualquer responsabilidade, por carta de 9-09-2013, o Autor comunicou à Ré seguradora que a invalidez de 77% não tinha a ver com as razões que foram invocadas na carta que a Seguradora enviou ao banco – tomador em 30-08-2013 (fls 68), sendo certo que naquela carta de 09-09-2013 o autor não invocou a falta de informação e/ou esclarecimento que invoca nesta acção relativamente às Cláusulas 2.2 e 3.2 das Condições Gerais.
E, conforme foi referido, resulta do documento de fls 257 que a Ré Seguradora a 10 de Julho de 2007, após ter recebido o boletim de adesão já preenchido pelo Autor, enviou ao Autor para a morada constante da apólice de fls 71 e ss junta com a petição inicial, uma carta pela qual interpelou o autor para enviar exames médicos (concretamente, relatório médico sobre cirurgia referida no questionário de saúde, com referência à causa, evolução e estado actual), tendo o Autor recebido essa carta e nessa sequência enviado à Ré seguradora um atestado de saúde subscrito a 25-07-2007, junto a fls 258, no qual, o médico subscritor declara que o Autor tem antecedentes de cirurgia PTA de anca esquerda por acidente de viação, com óptima evolução, possui na presente data, a robustez física e psíquica indispensável ao exercício da função, não possuindo quaisquer lesões ou enfermidades que impossibilitem o exercício da sua profissão ou sejam susceptíveis de ser agravadas pelo seu desempenho!
Logo, resulta manifesto dos autos que o Autor, ao enviar naquela data um relatório médico que não relatava a realidade clinica do autor, quis omitir que à data do preenchimento do boletim de adesão, já era portador de uma incapacidade permanente de 69% anterior ao ano de 2001, conforme resulta dos Atestados médicos de incapacidade multiuso de fls 43 e 64, juntos pelo Autor.
Assim, da prova dos autos, resulta que o Autor sentiu necessidade de enviar à Seguradora, de modo a obter a aceitação do seguro, um atestado médico que atestasse que o autor não estava abrangido pela cláusula de exclusão vertida no artigo 3.2 das Condições Gerais, sendo que, resulta dos autos que esse atestado de saúde constante de fls 258 não retrata a realidade clinica do segurado-autor. Pelo contrário, atesta coisa diferente da realidade.
E, se sentiu essa necessidade é porque ficou bem ciente que existia essa cláusula de exclusão e do conteúdo da mesma.
Acresce que, sendo o autor uma pessoa esclarecida, não colhe a sua alegação implícita no sentido de que a ré-seguradora, que naturalmente procura gerir riscos de forma lucrativa, sabia da sua incapacidade anterior ao seguro correspondente a 69%, e que, mesmo assim, quis cobrir o risco de verificação do agravamento dessa incapacidade até aos 75%!
Da análise dos meios de prova atrás referidos, resulta que o Autor pretendeu, por um lado, beneficiar das vantagens de um contrato de seguro submetido ao Regime Geral e, por outra banda, quer agora que irreleve a cláusula de exclusão, a qual, seria desde logo aplicável se o autor tivesse declarado expressamente a deficiência de que era portador quando preencheu o boletim de adesão.
Ademais, resulta do documento de fls 107-verso a seguinte declaração do Autor: “Declaramos: (…) (d) que as omissões, .., são da nossa inteira responsabilidade e (e) que podemos ter acesso à informação que nos diga respeito, solicitando a sua correcção, aditamento ou eliminação, mediante contacto directo ou por escrito, junto da A, através do B…”.
Ora, a aposição da assinatura do autor, a seguir a essas frases, faz presumir que o Autor sabia que tinha direito de pedir qualquer esclarecimento sobre as Claúsulas constantes das Condições Gerais do Seguro que lhe foram entregues.
Acresce que não ficou provado que o autor tenha pedido pedido qualquer esclarecimento ao Réu B ou à Ré A, sendo inócuo, para a apreciação da causa o facto vertido no ponto 23 dos factos provados. (“Em todo o processo de transferência de crédito nem o Réu B nem a Ré A prestaram esclarecimentos relativo ao conteúdo das cláusulas 2.2 e 3.2 das Condições Gerais da apólice de seguro, para além do referido em 16)”.
Mais. Releva ainda o argumento nuclear na decisão: é que nada se provou quanto à complexidade, técnica, obscuridade redactorial, ou outra, que impedisse o autor de tomar conhecimento do conteúdo das Cláusulas em causa, pressupondo que agiu com a diligência devida, requerendo, se necessário, as informações e explicações que tivesse por pertinentes.
Consequentemente, e relativamente ao facto 7 dos Factos Não provados, tendo em conta o depoimento da testemunha Rosa M, atendendo ao ponto 24 dos factos provados (onde se refere que “Os Autores assinaram e preencheram na parte respeitante ao questionário de saúde o Boletim de adesão de fls. 107 cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido onde consta o Autor Ulisses ter já sofrido intervenção cirúrgica, ter estado internado em estabelecimento hospitalar e que a intervenção cirúrgica foi para colocar prótese da anca esquerda em Setembro de 2005, tendo estado de baixa três meses, bem como indicou o Hospital e o médico que realizou a cirurgia), atendendo à alteração decidida quanto ao ponto 39 dos factos provados e atendendo ao facto vertido no ponto 48 dos factos provados (Os Autores até à data referida em 17. não manifestaram junto do Réu B qualquer dúvida e nem solicitaram a este qualquer informação adicional acerca de qualquer cláusula) impõe-se considerar provado o facto contido no ponto 7 dos Factos Não Provados.
Assim, ao abrigo do artigo 662º nº1, do CPC, feitas estas considerações e feita a reapreciação autónoma dos meios de prova acima referidos impõe-se a este Tribunal da Relação proceder à alteração da matéria de facto considerada provada pela primeira instância, nos seguintes termos:
1- Eliminação do ponto 11 dos factos provados;
2- Alteração do ponto 39 dos factos provados, o qual, passa a ter a seguinte redacção:
“Os serviços do Réu B entregaram aos Autores a "informação à pessoa segura" disponibilizada com a subscrição do boletim de adesão, sendo que naquela se resumem as coberturas, exclusões, falsas declarações, pagamentos de prémios e de indemnizações e entregaram as Condições Gerais da Apólice no ato de preenchimento do boletim de adesão”.
3- Consideram-se provados os seguintes Factos que constavam dos factos 4, 7 e 10 dos factos não provados da sentença recorrida:
(4)- A Ré A remeteu aos Autores o certificado de adesão com expressa menção da exclusão do Risco de Invalidez das sequelas da Prótese da anca esquerda constante do documento de fls. 109 vº.
(7)-Os Autores tomaram conhecimento do Boletim de Adesão e de todas as Cláusulas da apólice de seguro Vida, designadamente, das Condições Gerais da Apólice do Seguro e ficaram cientes da aceitação do seguro com exclusão de invalidez proveniente de situações físicas anormais, emergentes de acidente ou doença já existente na Pessoa Segura à data do preenchimento do Boletim de Adesão, bem como, ficaram cientes da aceitação do seguro com exclusão de invalidez por sequelas de prótese da anca esquerda.
(10) Os Autores ficaram cientes da aceitação do seguro com exclusão de invalidez por sequelas de prótese da anca esquerda.
Considerando ainda provado, ao abrigo dos artigos 607º, nº4 e 663º, nº2, do CPC, com base nos documentos juntos pelas partes, designadamente o atestado médico de incapacidade multiuso junto como doc. nº 6 da petição inicial, que o autor nasceu a 26-07-1962.
III- Subsunção Jurídica dos Factos
Em face do provimento do recurso que versou sobre a matéria de facto, importa prosseguir com a subsunção jurídica dos factos apurados.
No caso, como resulta das alegações e conclusões do recurso, a parte recorrente não discorda da decisão recorrida na parte em que nesta se acolheu o entendimento de que estamos perante um seguro de grupo, na modalidade seguro de vida associado a crédito à habitação e a uma abertura de crédito.
Assim, está fora de discussão que se trata de um seguro de grupo contributivo, ao qual os autores aderiram, para garantia do reembolso do capital que for devido na data do evento e que se regula pelas Condições Gerais de fls 72 a 78 dos autos.
Também não se discute que, nesse seguro, o Banco B, ocupou a posição de tomador, negociando com a ré Seguradora o conteúdo do contrato, que os autores celebraram contrato de adesão ao seguro de grupo, estando portanto este contrato de adesão abrangido pelo regime das cláusulas contratuais gerais, definido pelo Decreto-Lei nº 446/85, de 25 de Outubro.
Sabe-se igualmente que, datando de 12 de Setembro de 2007, a emissão do certificado de adesão, é aplicável ao contrato concretamente celebrado pelo autor, quanto ao que agora está em causa, o regime definido pelo Decreto-Lei nº 176/95, de 26 de Julho (Estabelece regras de transparência para a actividade seguradora e disposições relativas ao regime jurídico do contrato de seguro, na redacção então em vigor), e não o que veio a constar do Regime Jurídico do Contrato de Seguro, aprovado pelo Decreto-Lei nº 72/2008, de 16 de Abril.
Conforme está assente, dispõe a Clausula 2.1. das Condições Gerais (Objecto do Contrato) "Pelo presente contrato, nos termos condições Gerais e Particulares, a Seguradora garante o pagamento do capital seguro verificando-se o evento a que respeita o risco coberto, se abrangido pela cobertura ou coberturas contratadas desde que não ocorra nenhuma causa de exclusão.
E a Clausula 2.2. (Coberturas) ( ... ) "b) Invalidez Absoluta e Definitiva: No caso de Invalidez Absoluta e Definitiva da Pessoa Segura, antes desta perfazer os 70 anos de idade, a A, nos termos previstos nas Condições da Apólice garante o pagamento do capital seguro ao Beneficiário. Considera-se existir invalidez Absoluta e Definitiva quando se verifiquem cumulativamente os seguintes factos: - Possuir o Segurado uma incapacidade funcional irrecuperável igualou superior a 75% com impossibilidade de subsistência sem o apoio permanente de terceira pessoa; - Possuir o Segurado comprovada incapacidade irrecuperável para exercer qualquer para exercer qualquer actividade remuneratória.
Dispõe a Clausula 3.2. das Condições Gerais que: "Fica excluída deste contrato a invalidez proveniente de situações físicas anormais, emergentes de acidente ou doença já existentes na Pessoa Segura à data do preenchimento do Boletim de Adesão, bem como as consequências de qualquer lesão causada por tratamento não relacionado com doença ou acidente coberto por esta apólice."
Ora, sobre as questões de saber sobre quem recai a obrigação de informação das cláusulas de exclusão de riscos ao segurado que adere a um contrato de seguro de grupo contributivo e sobre como se articulam os deveres de informação, de origem legal, que o segurado tem direito a receber no âmbito dos contratos de seguro de grupo, existe controvérsia na jurisprudência.
Assim, enquanto uns defendem que “[o]s deveres de comunicação e esclarecimento, na íntegra, do conteúdo negocial estão previstos nos arts. 5.º e 6.º do DL 446/85 e resultam directamente do princípio da boa fé contratual consagrado no art. 227.º do Código Civil, estendendo-se a todas as partes dos contratos que tenham poder de impor cláusulas negociais ao consumidor” e, assim, “[o] facto de o legislador ter fixado, no art. 4.º, n.º 1 do DL n.º 176/95, de 26 de Julho, deveres de informação a cargo do tomador de seguro, não significa que tenha querido onerar exclusivamente o banco com estes deveres e exonerar a seguradora, perante o aderente, dos deveres que já decorriam dos arts 5.º e 6.º do DL n.º 446/85, de 25 de Outubro”, já outros sustentam, ao invés, que “[n]o tipo de contrato de seguro de grupo contributivo, na modalidade de seguro de vida de crédito à habitação, nos termos do art. 4.º do DL n.º 176/95, de 27-07, recai sobre o tomador de seguro, o banco mutuante, o ónus de informar e esclarecer os segurados aderentes sobre as cláusulas de cobertura e de exclusão do risco assim garantido” e, desse modo, “[o] incumprimento desse dever leal de informação e esclarecimento não se comunica à seguradora, salvo convenção em contrário, porquanto, no referido tipo de contrato de seguro de adesão, não se configura que o tomador do seguro intervenha como intermediário, auxiliar ou comissário da seguradora, não se encontrando, por isso, fundamento normativo para imputar a esta, as consequências da atuação irregular do tomador na comercialização do produto financeiro em causa. Nessa conformidade, não está vedado à seguradora invocar a seu favor contra os segurados aderentes as cláusulas gerais e particulares sobre o âmbito e exclusões do risco assumido no contrato de seguro, sem que a estes seja lícito contrapor o incumprimento do dever de informação e esclarecimento por parte do tomador do seguro.
Todavia, conforme foi assinalado no douto Acórdão do STJ de 25 de Junho de 2013, (www.dgsi.pt, proc. nº 24/10.0TBVNG.P1.S1), o Supremo Tribunal de Justiça já teve a ocasião de se pronunciar diversas vezes sobre a questão de saber sobre quem recai a obrigação de informação das cláusulas de exclusão de riscos ao segurado que adere a um contrato de seguro de grupo contributivo, também no domínio de aplicação, nesta matéria, do regime definido pelo artigo 4º do Decreto-Lei nº 176/95 (por vezes, referindo que o regime se manteve no artigo 78º do Decreto-Lei nº 72/2008). Assim, e para além do já citado acórdão de 25 de Junho de 2013, ver os acórdãos de 22 de Janeiro de 2009, proc. nº 08B40491, de 20 de Janeiro de 2010, proc. nº 294/06.8TBOAZ.P1, de 7 de Outubro de 2010, proc. 651/04.4TBETR.P1.S1, de 12 de Outubro de 2010, proc. nº 646/05.0TBAMR.G1.S1, de 1 de Janeiro de 2011, proc. nº 1443/04.6TBGDM.P1.S1, de 29 de Maio de 2012, proc. nº 7615/06.1TBVNG.P1.S1, de 21 de Fevereiro de 2013, proc. nº 267710.6TBBCL.G1.S1, de 27 de Março de 2014, proc. nº 2971/12.5TBBRG.G1.S1, de 9 de Julho de 2014, proc. nº 841/10.0TVPRT.L1.S1 ou de 18 de Setembro de 2014, proc. nº 2334/10.7TBCDM.P1.S1, e Ac. STJ de 15-04-2015, P.385/12.6TBBRG.G1.S1, Relator: Maria dos Prazeres Beleza, disponíveis em www.dgsi.pt.
Em todos esses acórdãos se decidiu no sentido de que resultava expressamente do nº 1 do citado artigo 4º que era ao tomador que incumbia o dever de informação dos segurados, quanto às “coberturas e exclusões contratadas”, cabendo-lhe igualmente o ónus da prova “de ter fornecido estas informações” (nº 2); e que à seguradora competia elaborar “um espécimen” de acordo com o qual o tomador do seguro deveria cumprir a obrigação de informar, bem como “facultar, a pedido dos segurados, todas as informações necessárias para a efectiva compreensão do contrato” (nº 1 e nº 5).
Esse entendimento foi acolhido no Acórdão da Relação de Guimarães de 31-03-2016, proferido no Procº 4267/12.3TBBRG.G1, relator João Diogo Rodrigues, em que a aqui relatora foi adjunta.
Nos mesmos acórdãos citados recorda-se, nomeadamente, que a imposição do dever de informação ao tomador do seguro, por um lado, está de acordo com a configuração do contrato de seguro de grupo e, por outro, impede o tratamento do Banco-tomador do seguro como um representante ou intermediário da seguradora; e que, não criando a lei nenhuma responsabilidade objectiva da seguradora, pelo incumprimento do Banco tomador do seguro, tal incumprimento não lhe é oponível, não implicando portanto a eliminação das cláusulas de exclusão de riscos (cfr., em especial, o acórdão de 25 de Junho de 2013).
Prosseguindo.
-Feita esta observação, resulta destes autos que ficou provado que:
“(4)A Ré A remeteu aos Autores o certificado de adesão com expressa menção da exclusão do Risco de Invalidez das sequelas da Prótese da anca esquerda constante do documento de fls. 109 vº.
(7)-Os Autores tomaram conhecimento do Boletim de Adesão e de todas as Cláusulas da apólice de seguro Vida, designadamente, das Condições Gerais da Apólice do Seguro e ficaram cientes da aceitação do seguro com exclusão de invalidez proveniente de situações físicas anormais, emergentes de acidente ou doença já existente na Pessoa Segura à data do preenchimento do Boletim de Adesão, bem como, ficaram cientes da aceitação do seguro com exclusão de invalidez por sequelas de prótese da anca esquerda.
(10)Os Autores ficaram cientes da aceitação do seguro com exclusão de invalidez por sequelas de prótese da anca esquerda.
(39) “Os serviços do Réu B entregaram aos Autores a "informação à pessoa segura" disponibilizada com a subscrição do boletim de adesão, sendo que naquela se resumem as coberturas, exclusões, falsas declarações, pagamentos de prémios e de indemnizações e entregaram as Condições Gerais da Apólice no ato de preenchimento do boletim de adesão”.
Por outro lado, está provado que até 07-02-2013, data em que ao Autor foi atribuída a incapacidade de 77%, os autores não manifestaram junto do B qualquer duvida, nem pediram qualquer informação adicional e esclarecimento adicional sobre qualquer cláusula.
Logo, no contexto do pedido efectuado nesta acção, não releva a afirmação na petição feita pelos recorridos no sentido de que nem o Reu B nem a Ré A prestaram esclarecimentos.
Resulta assim dos factos apurados que o Réu B, SA logrou provar ter comunicado e informado os autores sobre o conteúdo das Condições Gerais da Apólice do Seguro, que os Autores ficaram cientes da aceitação do seguro com exclusão de invalidez proveniente de situações físicas anormais, emergentes de acidente ou doença já existente na Pessoa Segura à data do preenchimento do Boletim de Adesão, bem como , ficaram cientes da aceitação do seguro com exclusão de invalidez por sequelas de prótese da anca esquerda e que os Autores tomaram conhecimento esclarecido e integral do Boletim de Adesão e de todas as cláusulas da apólice de seguro VIDA.
Consequentemente, não está provada factualidade da qual resulta que o B, SA, violou o dever de informação que lhe é imposto, quer à luz do art. 4º do citado Decreto – lei 176/95, de 27 de Julho, quer à luz do artigo 78º, nºs 1 e 3 do Regime Jurídico do Contrato de Seguro (RJCS).
E porque na petição inicial os Autores invocaram a nulidade das Cláusulas 2.2 e 3.2 das Condições Gerais com fundamento na alegada violação da obrigação de comunicação e de informação- vide artigos 31 a 58 e 59 a 66 da petição inicial - impõe-se, concluir que improcede a alegação dos autores na parte em que pretendem a exclusão, por nulidade provocada por falta de comunicação/informação/ esclarecimento das Cláusulas 2.2 e 3.2 das Condições Gerais.
Acresce que desde 2002 que o Autor era portador de uma Incapacidade de 69%, facto não declarado ao B, SA, nem à Seguradora, a qual, entretanto foi agravada até à percentagem de 77%, valor em que foi fixada a Incapacidade que lhe foi atribuída a 07-02-2013, (ponto 17 dos factos provados).
Para tanto, basta atentar que no Atestado Médico de Incapacidade Multiuso datado de 07-02-2013, constante de fls 64, junto pelo Autor, está declarado que o utente é portador de deficiência de 69%, grau de incapacidade que já lhe havia sido atribuído a 17-10-2002.
Logo, por aplicação da cláusula particular de exclusão por sequelas da PTA (prótese da anca) ou por aplicação da cláusula 3.2 das Condições Gerais, concluímos assim que a invalidez do autor não se encontra coberta pela apólice tendo em conta que já tinha 69% antes da apólice entrar em vigor, conforme alteração dos factos provados.
Por último, urge aqui apreciar e decidir sobre a natureza abusiva do Segmento da Cláusula 2.2 das Condições Gerais à luz dos artigos 15º, nºs 1 a 3 e 16º do Decreto – lei nº 446/ 85 conjugado com o artigo 3º, nº1, da Directiva 93/13/CEE, de 5 de Abril, sendo certo que o tribunal a quo, oficiosamente, questionou o carácter abusivo da cláusula 2.2 das Condições Gerais, à luz dos artigos 15º, nºs 1 a 3 e 16º do Decreto – lei nº 446/ 85 conjugado com o artigo 3º, nº1, da Directiva 93/13/CEE, de 5 de Abril concluindo:
“De salientar ainda que sempre poderíamos questionar o carácter abusivo das cláusulas gerais expressas neste tipo de contrato, para o que estabelece o artigo 15°, nºs 1 a 3 do citado DL 446/85 que "São proibidas as cláusulas contratuais gerais contrárias à boa-fé".
E o artigo 16° do mesmo diploma dispõe ainda que "Na aplicação da norma anterior devem ponderar-se os valores fundamentais do direito, relevantes em face da situação considerada, e, respectivamente: a) A confiança suscitada, nas partes, pelo sentido global das cláusulas contratuais em causa, pelo processo de formação do contrato singular celebrado, pelo teor deste e ainda por quaisquer outros elementos atendíveis; b) O objectivo que as partes visam atingir negocialmente, procurando-se a sua efectivação à luz do tipo de contrato utilizado".
Resulta ainda do artigo 3°, n° 1 da Directiva 93/13/CEE, de 5 de Abril, que "Uma cláusula contratual que não tenha sido objecto de negociação individual é considerada abusiva quando, a despeito da exigência da boa-fé, der origem a um desequilíbrio significativo em detrimento do consumidor, entre os direitos e obrigações das partes decorrentes do contrato".
Daqui decorre que "o critério a seguir radica no princípio da boa-fé, do qual flui a necessidade de averiguar se existe um desequilíbrio das prestações gravemente atentatório da boa-fé" (Acórdão da Relação de Guimarães de 31/05/2011 in www.dgsi.pt).
Assim, quando em resultado de cláusulas, de exclusão ou limitativas, a cobertura fique aquém daquilo que o tomador ou o segurado pudessem de boa-fé contar, tais cláusulas devem ser consideradas nulas.
A celebração do contrato de seguro em causa foi condição para os Autores obterem do tomador (o Banco Réu) a concessão de crédito, pelo que para os mesmos a finalidade deste contrato do ramo vida era a de prevenir o risco de ocorrência da morte ou de invalidez absoluta e definitiva que não lhe permitisse ou dificultasse o pagamento das prestações devidas pela concessão do crédito.
Daí ser de concluir que a exigência de um estado que incapacite completa e definitivamente de exercer qualquer actividade remunerada e implique o recurso permanente à assistência de uma terceira pessoa, não é justificada, sendo desproporcionada à caracterização do estado de invalidez permanente que o seguro visou prevenir. Conforme se escreveu no Acórdão do STJ de 27.05.2010 (in http://www.dgsi.pt) "haveria um desequilíbrio significativo da situação jurídica dos contraentes em detrimento do autor se, apesar dessa incapacidade, para se preencher aquele pressuposto, ainda fosse necessário que o segurado estivesse num estado de "praticamente defunto", ou seja, num estado em que já não podia lavar-se, alimentar-se, vestir-se, deslocar-se na sua residência e depender de terceira pessoa para a realização desses actos", caso em que a cobertura do contrato de seguro "ficaria manifestamente aquém daquilo que o autor podia de boa-fé contar, tendo em consideração o objecto e a finalidade do contrato".
Assim, e por tudo o exposto entendemos ser pois de concluir que a Ré A deverá proceder ao pagamento ao Réu B da quantia que se encontrar em divida à data do efectivo pagamento”.
Apreciando.
Nesta parte, urge referir que os autores aderiram a um contrato de seguro de grupo de Vida, cobrindo a morte e a invalidez, pelo valor do capital que lhes foi mutuado, limitando-se a aceitar ou não as cláusulas antecipadamente elaboradas pela Recorrente-seguradora.
Assim, os autores aderiram àquele seguro de grupo, enquanto contrato de seguro celebrado entre o banco tomador e a seguradora relativamente a um conjunto de pessoas ligadas entre si ao tomador por um vínculo ou interesse comum, o qual, no caso, seria a obtenção de crédito no tomador.
E tendo esse seguro de grupo sido celebrado com recurso a cláusulas padronizadas, previamente elaboradas pela seguradora, os segurados, como os autores limitaram-se a aceitar essas cláusulas, ou seja, as cláusulas contratuais gerais cujo regime é aquele do DL 446/85 de 25-10, com as alterações introduzidas pelo DL 220/99, de 7-07 e é aplicável aos contratos de seguro.
Logo, o contrato em apreço, que é um seguro facultativo, constitui um contrato de adesão, genericamente, sujeito ao regime das Cláusulas Contratuais Gerais, sendo certo que o controlo prévio do clausulado por banda do Instituto de Seguros (actualmente Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundos de Pensões, adoptando a sigla ASF) não subtrai o contrato ao referido regime das Cláusulas Contratuais Gerais, nem aos princípios legais.
O critério de apreciação da natureza abusiva de uma cláusula está estabelecido no art. 3º, nº 1 da Directiva 93/13/CEE de 5 de Abril de 1993 (relativa às cláusulas abusivas nos contratos celebrados com os consumidores), o qual , dispõe: ”Uma cláusula contratual que não tenha sido objecto de negociação individual é considerada abusiva quando, a despeito da exigência da boa fé, der origem a um desequilíbrio significativo em detrimento do consumidor, entre os direitos e obrigações das partes decorrentes do contrato”.
Acresce que o disposto na segunda hipótese do artigo 4º, nº 2, da Directiva 93/13/CEE , (do qual decorre que, a avaliação do carácter abusivo das cláusulas não incide nem sobre a definição do objecto principal do contrato nem sobre a adequação entre o preço e a remuneração, por um lado, e os bens ou serviços a fornecer em contrapartida, por outro, desde que essas cláusulas se encontrem redigidas de maneira clara e compreensível) não constitui obstáculo à avaliação do carácter abusivo da cláusula 2.2, porquanto, as prestações essenciais que caracterizam o contrato de seguro consistem, do lado da seguradora, no pagamento ao banco beneficiário do capital mutuado no caso de ocorrência de um risco (morte ou incapacidade absoluta/total em resultado de doença ou acidente do segurado) e a prestação, por parte dos segurados, de um prémio com carácter periódico.
O art. 15.º do referido DL 446/85 preceitua que “São proibidas as cláusulas contratuais gerais contrárias à boa fé”.
Acrescentando o art. 16.º seguinte, na concretização este princípio geral, que:
“Na aplicação da norma anterior devem ponderar-se os valores fundamentais do direito, relevantes em face da situação considerada, e, respectivamente:
a) a confiança suscitada, nas partes, pelo sentido global das cláusulas contratuais em causa, pelo processo de formação do contrato singular celebrado, pelo teor deste e ainda por quaisquer outros elementos atendíveis;
b) o objectivo que as partes visam atingir negocialmente, procurando-se a sua efectivação à luz do tipo de contrato utilizado”.
E a Lei nº 24/96, de 31 de Julho (Lei de Defesa do Consumidor), para evitar os abusos dos contratos pré-elaborados, dispõe que o fornecedor de bens e o prestador de serviços estão obrigados “à não inclusão de cláusulas em contratos singulares que originem significativo desequilíbrio em detrimento do consumidor” (art. 9.º, nº 2, al. b), ficando a inobservância desta disposição sujeita ao regime das cláusulas contratuais gerais (nº 3 do mesmo preceito).
Escrevendo, a propósito, Almeno de Sá:
“A consecução de um adequado equilíbrio contratual de interesses aparece como o objectivo último desse controlo, objectivo que seguramente não será atingido se o utilizador procurar garantir, de antemão, os seus exclusivos propósitos negociais, sem atender, de forma minimamente adequada, aos interesse da parte contrária. O imperativo do respeito pelo interesse do outro flui directamente da própria intencionalidade que atravessa o princípio da boa fé, pelo que somos assim levados á necessidade de uma ponderação de interesses.
(…) Nesta ponderação, haverá de concluir-se por uma violação do escopo da norma singular de proibição, se a composição de direitos e deveres resultantes da conformação do contrato, considerado no seu todo, e tendo em conta o quadro negocial padronizado, não corresponder “à medida” do equilíbrio, pressuposto pela ordem jurídica, verificando-se, ao invés, uma desrazoável perturbação desse equilíbrio, em detrimento da contraparte do utilizador.
(…)
Torna-se manifesto que, nesta contraposição de interesses igualmente legítimos, está naturalmente reservado um lugar de destaque para o princípio da proporcionalidade, numa incessante sopesagem e comparação de vantagens, custos, compensações e riscos.”
Acresce ainda que na apreciação do desequilíbrio das prestações gravemente atentório da boa fé, (como parâmetro objectivo de conduta na relação contratual) o controlo da natureza abusiva de uma cláusula deve ser feito em concreto, considerando-se quaisquer elementos atendíveis, que incluem as circunstâncias que rodearam a celebração do contrato, na perspectiva de um observador razoável e com referência, não ao momento da celebração do contrato, mas daquele em que é feita valer a nulidade da cláusula, bem como, deve ser ponderada na apreciação da natureza abusiva de um cláusula, a finalidade do contrato.
Consequentemente, seguindo de perto, Moitinho de Almeida, Contratos de Seguro (Estudos) páginas 91, 97, 99, entendemos que quando em resultado de tais cláusulas, de exclusão ou limitativas, a cobertura fique aquém daquilo que o tomador ou o segurado pudessem de boa-fé contar, tais cláusulas devem considerar-se nulas.
Aqui chegados, podemos concluir que no caso o tribunal de 1ª instância podia e devia proceder à avaliação dessa condição, submetendo-a aos filtros legais que resultam da aplicação do Dec.-Lei n.º 446/85 de 25.10 sobre cláusulas contratuais gerais, interpretado à luz da Directiva n.º 93/13/CEE de 05.04.1993 e da jurisprudência do TJUE.
Como atrás se disse, no contrato de seguro em análise foi estipulada uma cláusula segundo a qual para a atribuição da indemnização contratada em caso de invalidez absoluta e definitiva antes do segurado perfazer os 70 anos de idade , é exigido que a pessoa segura/ aderente possua uma incapacidade funcional irrecuperável igual ou superior a 75% (Tabela Nacional de Incapacidades- TNI, em vigor à data do sinistro) e cumulativamente fique com impossibilidade de subsistência funcional sem o apoio permanente de uma terceira pessoa.
Ora, o contrato de seguro em apreço, condição da obtenção de crédito por banda dos segurados, a conceder pelo tomador, tinha por finalidade a prevenção de um risco de ocorrência, na pessoa daqueles, de um acontecimento – morte ou invalidez permanente – que não lhe permitisse ou dificultasse o pagamento das prestações em dívida.
Logo, na esteira do a respeito decidido na sentença recorrida, entendemos que a exigência concomitante do grau de incapacidade permanente igual ou superior a 75% com a impossibilidade de subsistência funcional sem o apoio permanente de terceira pessoa não é justificada, sendo desproporcionado à caracterização do estado de invalidez permanente que o seguro firmado visou prevenir.
Assim, acolhemos o entendimento da 1ª instância, (que nesta parte, segue o entendimento maioritário da jurisprudência dos tribunais superiores, de que é exemplo, o Ac do Supremo Tribunal de Justiça, proferido a 7-10-2010, no processo nº., relator: Conselheiro Serra Batista) no sentido de que a exigência num contrato de seguro que cobre o risco de morte e invalidez absoluta e definitiva, da impossibilidade, para além da incapacidade funcional, da subsistência funcional sem o apoio permanente de terceira pessoa, não é justificada, tratando-se de um requisito desnecessário à caracterização do estado de invalidez em causa, não respeitando, assim, a proporcionalidade, adequação e necessidade, devendo, pois, considerar-se, já que afronta a boa-fé, como abusiva- (art. 15º do DL 446/85).
Com efeito, como se refere no Ac. da Relação do Porto, de 12-10-2010, proferido no Proc nº 762/05.9TBSJM.P1, disponível em www.dgsi.pt “afigura-se-nos indiscutível que um declaratário normal , colocado na posição dos autores, não interpretaria aquele conceito de “invalidez absoluta e definitiva” no sentido de o mesmo exigir uma situação de absoluta necessidade de recorrer à assistência permanente de uma terceira pessoa para efectuar os actos ordinários da vida corrente, sendo certo que um tal conceito é habitualmente utilizado para definir as situações de impossibilidade de exercício de qualquer actividade profissional que possibilite a angariação de rendimentos, independentemente de esta situação ser ou não acompanhada da impossibilidade de praticar os demais actos da vida corrente”
Assinale-se ainda, que a intenção subjacente à celebração de um contrato de seguro em função da verificação de uma situação de invalidez absoluta e definitiva será, pelo menos em regra, a de fazer face a uma situação de carência de rendimentos que poderá decorrer da verificação do sinistro e essa carência de rendimentos está associada à impossibilidade de angariar esses rendimentos pelo seu trabalho e não à impossibilidade de praticar os actos ordinários da vida corrente (comer, vestir-se, despir-se, deslocar-se, etc.).
E a obrigação de recorrer à assistência permanente de terceira pessoa para efectuar os actos ordinários da vida corrente não constitui, em face das definições apontadas, uma característica essencial do contrato de seguro mas apenas uma condição específica e meramente acessória a que ficou sujeito o pagamento do capital mutuado.
Pelo que, o segmento da cláusula em apreço que impõe o tal apoio permanente por terceira pessoa para que o seguro possa ser accionado, é abusivo, por desproporcionalmente violador dos interesses visados, sendo, consequentemente, nulo.
Assim, afirmada que está a natureza abusiva, não justificada, do segmento da claúsula 2.2 da exigência num contrato de seguro que cobre o risco de morte e invalidez absoluta e definitiva, de impossibilidade, para além da incapacidade funcional, da subsistência funcional sem o apoio permanente de terceira pessoa, impõe-se estirpar da Cláusula 2.2 o referido segmento que é abusivo.
E, fazendo operar os critérios estabelecidos nos artigos 9º, 10º, 12º e 13º da LCCG , porque a amputação daquele segmento abusivo da cláusula 2.2 não afecta o núcleo essencial das prestações do contrato de seguro em causa, impõe-se reduzir essa cláusula ao verdadeiro âmbito de um seguro de Vida, que cobre a Morte e a Invalidez Absoluta e Definitiva, enquanto, incapacidade funcional e irrecuperável igual ou superior a 75% (Tabela Nacional de Incapacidades- TNI) em vigor à data do sinistro.
Consequentemente, na sequência da operação de redução / integração da cláusula que continha o referido segmento abusivo, temos que o seguro dos autos cobre a Morte e a Invalidez Absoluta e Definitiva, enquanto, incapacidade funcional e irrecuperável igual ou superior a 75%.
Todavia, no caso concreto, por aplicação da cláusula 3.2 das Condições Gerais da Apólice, que é válida, a invalidez do recorrido- autor não se encontra coberta pela apólice,
Efectivamente, no caso concreto, atendendo à clausula 3.2 que delimita negativamente o âmbito de cobertura do contrato de seguro, impõe-se descontar à Incapacidade permanente e definitiva de 77%, de que actualmente o autor é portador, o grau de incapacidade permanente e definitiva de 69% de que ele era já portador à data em que preencheu o boletim de adesão, afirmando-se, por esta via, que para efeito de accionar o seguro em apreço no caso apenas releva apenas a incapacidade de 8%, correspondente à diferença entre a incapacidade de 77% e aquela incapacidade de que o autor era já portador à data em que aderiu ao contrato de seguro de grupo (69%).
Consequentemente, por aplicação da cláusula 3.2 das Condições Gerais da Apólice, a invalidez do recorrido- autor não se encontra coberta pela apólice, pelo que, impõe-se concluir que o sinistro em concreto, correspondente ao agravamento em 8% da incapacidade permanente anterior à adesão ao seguro de grupo, não é susceptível de accionar a cobertura do seguro em apreço na parte em que cobria a Invalidez Absoluta e Permanente do segurado, impondo-se a revogação da sentença recorrida.
Em face das considerações expostas, concluímos pela revogação da sentença recorrida, absolvendo a co – Ré Recorrente dos pedidos contra esta formulados, sendo certo que a presente demanda e os pedidos formulados foram direccionados contra a Apelante e que a intervenção do Banco B, SA foi meramente reflexa.
Síntese Conclusiva.
1-No tipo de contrato de seguro de grupo contributivo, na modalidade de seguro de vida de crédito à habitação, nos termos do art. 4.º do DL n.º 176/95, de 27-07, recai sobre o tomador de seguro, o banco mutuante, o ónus de informar e esclarecer os segurados aderentes sobre as cláusulas de cobertura e de exclusão do risco assim garantido e, desse modo, o incumprimento desse dever leal de informação e esclarecimento não se comunica à seguradora, salvo convenção em contrário, porquanto, no referido tipo de contrato de seguro de adesão, não se configura que o tomador do seguro intervenha como intermediário, auxiliar ou comissário da seguradora, não se encontrando, por isso, fundamento normativo para imputar a esta, as consequências de eventual atuação irregular do tomador na comercialização do produto financeiro em causa.
2-De acordo com a correcta interpretação dos artigos 5º e 6º do Decreto-Lei 446/85 de 25/10, numa acção que visa efectivar a responsabilidade civil contratual da seguradora num seguro de grupo contributivo, estando provado que o banco tomador de seguro cumpriu o dever de comunicação e informação, se o segurado não alega nem prova ter pedido esclarecimentos, é inócuo para a sorte da acção considerar provado que nem o banco tomador/ beneficiário do seguro nem a seguradora prestaram esclarecimentos.
3-—Os segurados/aderentes num contrato de seguro de grupo contributivo associado a contrato de mútuo concedido para aquisição de habitação própria, frequentemente imposto pela instituição bancária mutuante, pretendem acautelar a hipótese de perder, por invalidez, a sua capacidade de ganho e consequentemente, a sua habitação, por incumprimento das obrigações emergentes do contrato de mútuo.
4- Num contrato de seguro, que cobre os riscos de morte e de invalidez permanente do segurado que contraiu empréstimos bancários - efectuando tal seguro por imposição do mutuante – é desproporcional à caracterização do estado de invalidez permanente que o mesmo seguro visa prevenir, a exigência cumulativa de um grau de incapacidade permanente igual ou superior a 75% com a impossibilidade de subsistência funcional sem o apoio permanente de terceira pessoa. Sendo este último segmento abusivo e, em consequência, nulo.
5- E fazendo operar os critérios estabelecidos nos artigos 9º, 10º, 12º e 13º da LCCG, porque a amputação daquele segmento abusivo da clausula que definia a Invalidez Absoluta e Definitiva, não afecta o núcleo essencial das prestações do contrato de seguro em causa, impõe-se reduzir essa cláusula ao verdadeiro âmbito de um seguro de Vida, que cobre a Morte e a Invalidez Absoluta e Definitiva
6 - Estando provado que o segurado não declarou à seguradora que era portadora de uma incapacidade de 69% à data em que preencheu o boletim de adesão ao seguro de grupo Vida em que se garante o risco da Morte ou Incapacidade Absoluta e Definitiva, o agravamento em 8% dessa incapacidade não releva para accionar a cobertura do seguro que está delimitada negativamente no seu âmbito do seguro pela exclusão de incapacidades preexistentes e não declaradas à data da celebração do seguro, mesmo que nas contestações o banco-tomador e a seguradora não tenha retirado dessa omissão na declaração inicial de risco as consequências previstas na lei.
IV- DECISÃO
Pelos fundamentos acima expostos, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar a apelação procedente, e, revogando a sentença recorrida decidem absolver as Rés dos pedidos formulados.
Custas do recurso a cargo dos autores–recorridos.
Notifique.
Guimarães, 9-06-2016
(Processado e revisto com recurso a meios informáticos)
(Francisca Micaela Fonseca da Mota Vieira)
(Fernando Fernandes Freitas)
(António M. A. Figueiredo de Almeida)
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1 Estabelece o artigo 4º da citada Directiva:
1. Sem prejuízo do artigo 7º, o carácter abusivo de uma cláusula poderá ser avaliado em função da natureza dos bens ou serviços que sejam objecto do contrato e mediante consideração de todas as circunstâncias que, no momento em que aquele foi celebrado, rodearam a sua celebração, bem como de todas as outras cláusulas do contrato, ou de outro contrato de que este dependa.
2. A avaliação do carácter abusivo das cláusulas não incide nem sobre a definição do objecto principal do contrato nem sobre a adequação entre o preço e a remuneração, por um lado, e os bens ou serviços a fornecer em contrapartida, por outro, desde que essas cláusulas se encontrem redigidas de maneira clara e compreensível.