Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
47/13.7TAGMR-B.G1
Relator: PAULA ROBERTO
Descritores: JUNÇÃO DE PARECER
REGIME LEGAL
PRAZO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 05/22/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: JULGADO PROCEDENTE
Sumário: I) A junção aos autos de pareceres de advogados, de jurisconsultos ou de técnicos, pode ser feito até ao encerramento da audiência de julgamento em 1ª instância ou em recurso, sem necessidade de alegação e prova da impossibilidade de junção em momento anterior. A razão de ser deste regime diverso reside no facto de os pareceres não serem meios de prova, embora também se destinem a esclarecer o espírito de quem julga.
II) No caso dos autos a condenação do arguido em taxa de justiça por haver requerido a junção aos autos no decurso do debate instrutório de um parecer consultivo da Procuradoria-Geral da República, não tem fundamento legal, visto que era tempestivo e, por isso, impõe-se a revogação da decisão recorrida.
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, na Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães

I – Relatório
O arguido V. H., requereu a abertura de instrução.
No decurso do debate instrutório, o arguido requereu a junção aos autos do parecer consultivo da Procuradoria-Geral da República “em abono do referido nos artigos 64.º a 78.º do requerimento de abertura de instrução, que determina o necessário arquivamento dos autos”.
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E, de seguida, foi proferido o seguinte despacho:
“Conforme se alcança desde logo da data do referido parecer e da referência do mesmo no requerimento de abertura de instrução do arguido ora requerente, o mesmo poderia ter sido já apresentado aquando da apresentação do requerimento de abertura de instrução.
No que concerne à sua pertinência ou utilidade para os fins da instrução, desde já se diga que, atenta a extensão e conteúdo do referido parecer, não é possível ao Tribunal, neste momento, apreciar a sua utilidade, razão pela qual se relega a sua apreciação para momento ulterior, apreciação que não é impeditiva da realização de debate instrutório.
No entanto, pela sua junção tardia, condena-se o arguido requerente em taxa de justiça que se fixa em 2 UC.”
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O arguido, notificado deste despacho, veio interpor o presente recurso que concluiu da forma seguinte:
1ª Vem o presente recurso interposto do despacho de fls. 1091, que sancionou o recorrente em multa correspondente a 2 UC’s, pela junção tardia de parecer do Conselho Consultivo do Ministério Público.
2ª Em primeiro lugar, dir-se-á que o parecer junto aos autos no debate instrutório não está citado (nem dele o arguido tinha conhecimento) no requerimento de abertura da instrução, ao contrário do que se diz no despacho recorrido.
3ª A norma do art° 165° do Código de Processo Penal é clara ao afirmar que os documentos e pareceres devem ser juntos em inquérito ou em instrução, não fazendo qualquer distinção entre juntar pareceres no requerimento de abertura da instrução ou no debate instrutório, desde que juntos na fase da instrução e sejam importantes para o debate quanto a questões concretas controversas, nos termos do disposto no art° 302° n°2 do Código de Processo Penal.
4ª No requerimento de abertura da instrução o arguido havia suscitado a questão da impossibilidade de o inquérito ser reaberto, após o decurso do prazo previsto no art° 278° do Código de Processo Penal nos art°s 64° a 78°, para a intervenção hierárquica oficiosa, independentemente de ter existido notificação do despacho de arquivamento ao superior hierárquico do Ministério Público.
5ª O documento em causa era um parecer do Conselho Consultivo do Ministério Público que se debruçava sobre o prazo da intervenção hierárquica oficiosa do Procurador da República, pelo que se tratava de documento que versava sobre questões concretas controversas suscitadas no requerimento de abertura da instrução.
6ª Os pareceres podem ser juntos na fase de inquérito, de instrução ou de julgamento, até ao encerramento da audiência, não sendo necessário - em contraste com o documento junto em audiência - alegar e provar a impossibilidade de junção anterior (cfr. José da Costa Pimenta, Vinício Ribeiro, Maia Gonçalves, os Magistrados do Ministério Público e Santos Cabral, todos citados na motivação).
7ª Os documentos e pareceres devem ser juntos durante o inquérito ou durante a instrução, pelo que a junção de quaisquer documentos ou pareceres em fase de instrução nunca pode ser julgada extemporânea ou juntos tardiamente.
8ª Por outro lado, a junção do referido parecer não se pode considerar ou ser tributado como um incidente anómalo, desde logo porque se fosse anómalo, o Tribunal recorrido indeferi-lo-ia e, por outro, o momento próprio para o juntar era o debate instrutório, durante o qual os outros intervenientes processuais tiveram a oportunidade de se pronunciar.
9ª De facto, nem o argumento da celeridade processual seria, neste caso, procedente, tendo em conta que o debate instrutório não foi adiado ou interrompido, por força da junção do parecer.
10ª Um incidente anómalo é urna ocorrência estranha ao desenvolvimento da lide, a qual se considera o requerimento ou a arguição que se afaste da normalidade de uma tramitação, constituindo, assim, uma violação dos princípios gerais da boa-fé e da lealdade processual que impendem sobre os sujeitos processuais (cfr. Joel Timóteo Ramos Pereira in “Regulamento das Custas Processuais e Legislação Complementar, com nótulas explicativas”, Quid Juris, 2012, pág. 45), pelo que não estando preenchidos quaisquer requisitos da definição, a junção do parecer não pode configurar um incidente anómalo.
11ª Ainda que não se entenda merecer o presente recurso provimento nos termos até aqui expostos - o que só por mera cautela de patrocínio se conjectura —, certo é que não se compreende em que circunstâncias se baseou o Tribunal a quo para aferir da medida da sanção a aplicar.
12ª Efectivamente, são os incidentes anómalos sancionáveis com as custas constantes da tabela ii do R.C.P., nos termos do artigo 7° n.° 8 do mesmo diploma, que se cifram entre 1 a 3 UC’s, sendo que no caso sub judice, foi o ora recorrente condenado em 2 UC’s.
13ª A escolha da medida da sanção aplicada pelo Tribunal a quo não terá sido, evidentemente, aleatória, mas a verdade é que não se afigura ao recorrente qual a razão pela qual a sanção aplicada corresponde a 2 UC’s, e não ao mínimo legal.
14ª Ora, no caso, a entender-se ser o requerimento apresentado pelo ora recorrente efectivamente sancionável com multa, nos termos do artigo 7° n.° 8 do R.C.P., não se verifica qualquer circunstância agravante ao incidente supostamente anómalo, pelo que jamais poderia a multa consubstanciar-se em valor superior ao mínimo legal.
15ª Ainda que exista alguma justificação razoável para a determinação da multa em 2 UC’s, a verdade é que recaía sobre o Tribunal a quo a obrigação de fundamentar a sua decisão, nos termos do disposto nos art°s 97º n°5 do Código de Processo Penal o que, todavia, não fez, ocasionando a irregularidade de tal despacho, nos termos do art° 123° do Código de Processo Penal.
16ª Face ao exposto, constata-se que o despacho recorrido carece de cabal e adequada fundamentação, devendo, em consequência, ser revogado, ou quando assim não se entenda, a sanção reduzida ao mínimo legal.
17ª O despacho recorrido violou ou fez errada aplicação do disposto nos art°s 165° n°3 e 302° n°2 do Código de Processo Penal, não podendo, pois, manter-se.
Termos em que com o douto suprimento de V. Exas. no que o patrocínio se revelar insuficiente, deve ser revogado o despacho recorrido na parte em que sanciona o arguido com multa correspondente a 2 UC’s, ou, caso assim não se entenda, reduzir a sanção aplicada ao mínimo legal, ou seja, a 1 (uma) UC, só assim se fazendo JUSTIÇA!”
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O Ministério Público apresentou resposta a este recurso alegando que:
“Sobre a oportunidade da junção de prova documental regula o artigo 165.º, do Código de Processo Penal [CPP], estipulando que “o documento deve ser junto no decurso do inquérito ou da instrução e, não sendo isso possível, deve sê-lo até ao encerramento da audiência” [n.º 1].
Nos termos do artº 296º, do mesmo diploma, são juntos ao processo os requerimentos apresentados pela acusação e defesa na fase de instrução, bem como quaisquer documentos relevantes para a apreciação da causa.
O Ministério Público, o advogado do assistente e o defensor podem requerer a produção de provas indiciárias suplementares durante o debate instrutório, sobre questões concretas controversas – artº 302º, nº 2, do CPP.
Acontece que o ilustre defensor do arguido recorrente formulou um requerimento no debate instrutório tendente à junção aos autos de um Parecer do Conselho Consultivo da Procuradoria–Geral da República, para demonstrar a justeza da sua posição quanto à evidência da imposição do arquivamento dos autos.
Não, se trata, pois, de um documento ou de um parecer de advogado, de jurisconsulto ou de técnico a que alude o referido artº 165º, nºs 1 e 3, mas sim um Parecer de um órgão do Estado, naturalmente homologado e publicado no Diário da República.
Visto a data de publicação, bastava ao arguido que, para ser considerado e apreciado tal Parecer pelo Tribunal, o invocasse, referenciando o seu número e data de publicação no Diário da República, tal como acontece com qualquer diploma legal.
Ao requerer a sua junção aos autos, praticou um ato que contraria a orientação legal de apresentação de documentos durante a instrução, bem como os princípios gerais reguladores de produção de prova indiciária na fase de instrução.
Com efeito, o Parecer, a ser relevante, apenas o será para efeitos de matéria de direito, que não ao nível dos factos (matéria indiciária), pelo que a alegação terá que ser jurídica, o que não se compadece com a sua junção aos autos, tal como acontece com qualquer diploma legal.
Assim sendo, não poderá deixar de se considerar o requerimento do recorrente em apreço um incidente anómalo (artº 7º, nº 8, do RCP), pois que se afasta da normalidade de uma tramitação, enquadrando-se numa dinâmica anormal do processo (cfr. RCP, Quid Juris, 2012, pág. 44 e 45).
Quanto ao valor da sanção, a mesma foi fixada em 2 UC, próximo do mínimo legal (é aplicável 1 a 3 UC), pelo que, face a que a pretensão é inócua para a decisão da causa, a multa mostra-se adequada.
Termos em que, o recurso não merece provimento.
Vªs Exªs, todavia, decidirão conforme for de Justiça.”
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O Exm.º Procurador-Geral Adjunto emitiu o douto parecer de fls. 31 a 32, no sentido de que “o recurso pelo arguido interposto deve ser julgado parcialmente procedente”.
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O arguido veio responder a este parecer mantendo integralmente o alegado em sede de motivação de recurso.
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Foi cumprido o disposto no artigo 417.º, n.º 2, do C.P.P..
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Efetuado o exame preliminar e colhidos os vistos, foram os autos à conferência, cumprindo, agora, apreciar e decidir.
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II – Fundamentação
a) Matéria de facto
A constante do relatório que antecede.
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b) - Discussão
De acordo com a jurisprudência fixada pelo acórdão do plenário das secções do STJ de 19/10/1995 (DR série I-A de 28/1271995) e conforme resulta do n.º 1, do artigo 412.º, do CPP, bem como, entre outros, do acórdão do STJ de 27/05/2010, disponível em www.dgsi.pt, o âmbito do recurso é delimitado pelas suas conclusões, com exceção das questões de conhecimento oficioso (artigo 410.º, do CPP).
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Cumpre, então, apreciar a questão suscitada pelo arguido recorrente, qual seja:
Se o arguido não devia ter sido condenado em multa pela junção tardia de um parecer durante o debate instrutório ou, em caso de condenação, se a mesma não deve ultrapassar 1 UC.
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Conforme resulta do nº 1 do artigo 165.º, do CPP, sob a epígrafe: quando podem juntar-se documentos, <<o documento deve ser junto no decurso do inquérito ou da instrução e, não sendo isso possível, deve sê-lo até ao encerramento da audiência>>, sendo o mesmo correspondentemente aplicável a pareceres de jurisconsultos que podem sempre ser juntos até ao encerramento da audiência – n.º3, do mesmo normativo.
Significa isto que, em regra, os documentos devem ser juntos no decurso do inquérito ou da instrução mas, se tal não for possível, então poderão ser juntos até ao encerramento da audiência em 1ª instância, junção esta, em audiência, que terá de ser justificada e poderá ser sancionada Cfr. a este propósito Vinício Ribeiro, CPP, notas e comentários, 2ª edição, Coimbra Editora, pág. 445., no entanto, os pareceres podem sempre ser juntos até ao encerramento da audiência.
Como refere Vinício Ribeiro Obra citada, pág. 446., “relativamente aos pareceres, o regime é menos restritivo, o que se compreende, dado a diferença entre estas peças, de índole teórica e intelectual, e os documentos como meios de prova. Devendo porém, respeitar-se, igualmente, o contraditório”.
Na verdade, não estamos perante documentos como meios de prova, mas “meras opiniões técnicas a serem valoradas em sede própria” Conselheiro Santos Cabral, CPP comentado, 2016, 2ª edição revista, pág. 645..
<<No que respeita à junção de pareceres de advogados, de jurisconsultos ou de técnicos deve observar-se que podem ser juntos até ao encerramento da audiência – em 1.ª instância ou em recurso –, sem necessidade de alegar e provar a impossibilidade de junção em momento anterior. A razão de ser do diverso regime reside no facto de os pareceres não serem meios de prova, embora também se destinem a esclarecer o espírito de quem julga.
Também relativamente aos pareceres se aplica o princípio do contraditório, podendo haver necessidade de adiamento do debate instrutório ou da audiência para a sua garantia (art. 165.º, n.º 3)>> Prof. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, II, 2.ª edição, Verbo, 1999, pág. 186..
Acresce que não estamos perante qualquer incidente anómalo nem o mesmo foi considerado no despacho recorrido onde se sancionou a junção tardia.
Salvo o devido respeito, não assiste razão ao Ministério Público quando alega que não se trata de um parecer a que alude o artigo 165.º, n.º 3 e, por isso, não pode deixar de considerar-se o requerimento do recorrente um incidente anómalo, nos termos previstos no n.º 8, do artigo 7.º, do RCP.
Na verdade, pese embora se trate de um parecer do Conselho Consultivo da Procuradoria Geral da República, o mesmo não deixa de ser da autoria de “jurisconsultos”, ou seja, de juristas a quem compete, como membros daquele conselho, emitir, além do mais, os respetivos pareceres por força das funções consultivas do mesmo.
Posto isto, entendemos que não existe qualquer fundamento legal para condenar o arguido em taxa de justiça pela junção tardia do parecer, visto que estava em tempo para o fazer, o que poderia ocorrer até ao encerramento da audiência de julgamento.
Assiste, por isso, razão ao recorrente.
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Procedem, assim, as conclusões do recorrente, impondo-se a revogação do despacho recorrido em conformidade.
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III – DECISÃO
Nestes termos, sem outras considerações, acorda-se, em conferência, na procedência do recurso, em revogar o despacho recorrido que condenou o recorrente em 2 UC de taxa de justiça pela junção tardia do parecer.
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Sem custas.
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* Guimarães, 2017/05/22
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(Paula Maria Roberto)
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(Fernando Pina)