Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
6816/18.4T8GMR.G1
Relator: ANTÓNIO BEÇA PEREIRA
Descritores: PRIVAÇÃO DE USO
DANO INDEMNIZÁVEL
CAUSA DE PEDIR ATENDÍVEL
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 12/17/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO PRINCIPAL E APELAÇÃO SUBORDINADA
Decisão: APELAÇÃO PRINCIPAL IMPROCEDENTE E APELAÇÃO SUBORDINADA PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I- Ao privar-se o proprietário do uso de uma coisa sua viola-se o disposto no artigo 1305.º do Código Civil, na medida em que aquele fica impedido do respetivo uso e fruição.
II- E a mera impossibilidade do uso e fruição do bem constitui em si mesma um dano indemnizável.
III- Assentando a causa de pedir apresentada pelos autores somente na responsabilidade civil extracontratual do réu, não podem eles depois querer prevalecer-se do instituto do enriquecimento sem causa, porquanto isso implica o recurso a uma outra causa de pedir que não foi invocada nos articulados.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

I
M. J., C. B., J. M. e O. M. instauraram a presente ação declarativa, que corre termos no Juízo Central Cível de Guimarães, contra R. B., formulando os pedidos de:

"a) Declarar-se serem os Autores donos, na proporção de um quarto para cada um deles, senhores e legítimos proprietários do prédio supra identificado nos supra itens 1º e 4º.
b) Condenar-se o Réu a reconhecer aos Autores aquele direito de compropriedade e a restituir-lhes o referido prédio, completamente livre e devoluto de pessoas e bens;
c) Condenar-se o Réu como possuidor de má-fé, no pagamento aos Autores da quantia de 5.200,00 €uros pela ocupação respeitante aos meses de novembro e dezembro de 2017 e janeiro, fevereiro, março, abril, maio, junho, julho, agosto, setembro, outubro e novembro de 2018, assim como na quantia de 400,00 €uros mensais enquanto durar a ocupação abusiva e de má-fé".

Alegaram, em síntese, que são comproprietários do prédio urbano constituído por casa de habitação de rés-do-chão com 5 divisões, sito na Rua ..., n.º ..., …, concelho de Vila Nova de Famalicão, que têm registado tal direito a seu favor na Conservatória do Registo Predial de Vila Nova de Famalicão e que essa aquisição se deu por sucessão testamentária, em que foi testadora M. A..
Mais alegam que há mais de 20 anos que, quer por eles, quer por antepossuidores, sem interrupção, estão em posse desse imóvel, exercendo sobre ele todos os atos do direito de propriedade, sem oposição de ninguém, à vista de toda a gente e na convicção de dele serem donos.
Porém, o réu habita, sem título e contra a vontade deles (dos autores), nesse prédio, tendo já sido interpelado para desocupá-lo.
O réu contestou afirmando, em suma, que aquele imóvel nunca foi propriedade da testadora M. A., pelo que esta não podia transmiti-lo por legado testamentário ou por qualquer outro modo.
A 31 de Agosto de 1977 J. O. vendeu a L. M., por "declaração de compra e venda", esse prédio pelo preço de 145 000$00.
L. M. faleceu a - de julho de 1995 e era casado com M. V., que veio a falecer a 2 de novembro de 2017. L. M. e M. V. não deixaram testamento ou qualquer outra disposição de última vontade e eram os seus pais.
Assim, o prédio identificado na petição inicial pertence ao acervo hereditário por óbito dos seus pais e transmitiu-se por sucessão hereditária aos filhos do casal o réu e seu irmão C. C..
De qualquer modo, quer por si, conjuntamente com seu irmão C. C., quer por antepossuidores estão na posse do imóvel, à vista de toda a gente, sem oposição de quem quer que seja, na convicção de exercer um direito próprio e em tudo se comportando como donos e, por todos, como tal sendo considerados.
Mais alegou que o contrato de compra e venda firmado entre J. O. e M. A. é relativamente simulado, porquanto existia um acordo entre esta e L. M. no sentido de ser aquela a constar da escritura como compradora, pois era emigrante e isso permitia ter a vantagem de não pagar a sisa devida pela transmissão. M. A. e o L. M. acordaram então em dividir a parcela comprada em dois talhões de 735 m2, ficando o talhão poente para a primeira e o nascente para o segundo.
Alegou ainda, a título subsidiário, a aquisição da propriedade do prédio por acessão industrial imobiliária, em virtudes das obras que aí foram realizadas pelo seu pai.

O réu deduziu reconvenção onde formula os seguintes pedidos:

"a) devem ser julgadas procedentes por provadas as exceções deduzidas e, em consequência, o R. absolvido do pedido;
b) se assim não for, devem as exceções deduzidas serem julgadas procedentes por provadas e, em consequência, ser o R. absolvido da instância;
c) de qualquer modo, deve a presente ação ser julgada improcedente por não provada e, em consequência ser o R. absolvido do pedido;
d) e cumulativamente, deve ser declarado que os únicos herdeiros de L. M. e esposa M. V. são seus filhos: C. C. e R. B. (aqui R.), não havendo quem com eles possa concorrer;
e) cumulativamente deve o pedido reconvencional ser julgado procedente por provado e, em consequência,
i) ser declarado que o R. (conjuntamente com seu irmão, co-herdeiro C. C.) são donos, senhores, legítimos possuidores e proprietários do prédio identificado e descrito nos n.ºs 1 e 4 da petição inicial e nos documentos n.º 2 e 3 com a mesma juntos e identificados, ainda, na Parte III (n.º 37 a 42 - inclusive) e documentos n.º 6, 7, 47, 48, 49, 50, 51, 52, 53, 54, 55, 56 e 57 juntos com esta contestação-reconvenção;
ii) Serem os AA. reconvindos condenados a reconhecer que o R. R. B. (e seu irmão C. C.) são os únicos donos, senhores, legítimos possuidores e proprietários do prédio referido e identificado na anterior al. i), por virtude de o haverem adquirido por prescrição aquisitiva ou usucapião nos termos narrados nesta contestação-reconvenção;
f) serem os AA. condenados a reconhecerem que teriam de devolver ao R.-reconvinte (e a seu irmão C. C.) o prédio identificado livre de pessoas, animais e bens (se alguma vez tivesse estado por si ou antecessores ou antepassados, na posse do mesmo);
g) cumulativamente, ser o contrato de compra e venda de 29/12/1977 (conf. doc. n.º 7) ser declarado simulado (simulação relativa) já que o verdadeiro comprador foi o L. M. (conf. doc. n.º 6) e, em consequência ser considerado que o contrato de compra e venda dissimulado (escondido) é o verdadeiro contrato que vem a consubstanciar a "declaração" que corresponde ao doc. n.º 6 junto com esta contestação-reconvenção;
h) de qualquer modo e em qualquer circunstância deve ser declarado nulo o legado da testadora M. A., constante do seu testamento de 16/04/1998, pois que lega (o prédio em causa) bem esse que lhe não pertence e por conseguinte não faz parte do seu acervo hereditário;
i) subsidiariamente aos anteriores pedidos ser declarado que o pai do R., L. M. adquiriu a propriedade do prédio em causa por virtude de acessão industrial imobiliária, devendo pagar aos AA. a quantia de € 15.000,00 (quinze mil euros) valor atribuído ao terreno onde estão implantadas as construções (casa de habitação, garagem e anexos-com os respetivos apetrechamentos) já que o valor trazido pelas obras do L. M. no montante superior a € 150.000,00 foi maior do que o valor que o prédio (parcela de terreno com 745 m2 de superfície) tinha à data da incorporação (de 1978 a 1985 data das várias incorporações) narradas nesta contestação-reconvenção;
j) em consequência dos pedidos elaborados nas alíneas anteriores requer-se a V.Ex.ª que se digne a ordenar o cancelamento de todos os registos ocorridos a partir do registo de propriedade em nome dos seus proprietários J. O. e mulher G. S. e, em consequência, todos e quaisquer registos que porventura hajam sido feitos a partir de 29/12/1977 (inclusive)":
Os autores replicaram impugnado a versão apresentada pelo réu e sustentando, no essencial, a posição já assumida na petição inicial, dando conta de que M. A., comprou, a 29 de dezembro de 1977, o dito terreno, através de escritura pública de compra e venda, celebrada no 1.º Cartório Notarial de …, e que a 6 de fevereiro de 1978 procedeu ao registo do prédio na Conservatória do Registo Comercial de Vila Nova de Famalicão.
Foi admitida a intervenção principal provocada dos cônjuges dos autores, V. G., M. M., A. S. e I. B., que não apresentaram articulado próprio.
Admitiu-se também a intervenção principal provocada do irmão do réu, C. C. e da sua mulher M. R., os quais não apresentaram articulado próprio.
Proferiu-se despacho saneador.

Procedeu-se a julgamento e foi proferida sentença em que se decidiu:
"Pelo exposto, decido:
a). julgar a ação parcialmente procedente e, em consequência, declaro que os Autores são proprietários, na proporção de um quarto para cada um deles, do prédio supra identificado em I.3 e I.5, e condeno o Réu R. B. a reconhecer tal direito e a restituir aos Autores o referido prédio, completamente livre e devoluto de pessoas e bens, absolvendo-o do mais que vinha peticionado;
b). declarar que os únicos os herdeiros de L. M. e esposa M. V. são seus filhos C. C. e o Réu R. B., absolvendo os Autores de tudo o que vinha pedido em sede reconvencional."

Inconformado com esta decisão, o réu dela interpôs recurso, que foi recebido como de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e efeito devolutivo, findando a respetiva motivação, com as seguintes conclusões:

1- Impugna, o A.- apelante a, aliás douta, decisão sobre a meteria de facto e para isso especificou:
a) a os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) os concretos meios probatórios constantes do processo e da gravação nele realizada, e que impõe diversa decisão da recorrida;
c) as decisões que, no seu entender, devem ser proferidas sobre as questões de facto impugnadas.
2- Agora de forma sintética (como é próprio das conclusões) vai resumir tais desenvolvimentos acrescentando, porque também impugna a decisão sobre a meteria de direito:
a) as normas jurídicas violadas;
c) o sentido em que as normas constituem fundamento da decisão deviam ter sido interpretadas e aplicadas;
c) e as normas que deviam ter sido aplicadas.
3- Assim se dando cumprimento ao disposto nos art.ºs 639.º e 640.º ambos do Cód. Proc. Civil.
4- Havendo factos dados como "Provados" que não colhem, de modo algum, sustentáculo, quer na documentação junta aos autos, quer nos depoimentos (os credíveis e aceitáveis) das testemunhas chamadas a depor quer ainda na perícia realizada, devem ser alterados na sua redação ou eliminados, a saber:
a) Facto 9 deve passar a ter a seguinte redação:
"9- O R. habitou o prédio em causa em períodos intermitentes;
i) desde o seu casamento em -/08/1982, até pouco tempo após ter nascido o seu filho em -/02/1983;
ii) e a partir da data do falecimento do pai, em 03/07/1995, altura em que o R. regressou a casa e acompanhou a mãe até ao seu falecimento em -/11/2017, após o que continuou a habitar no prédio até aos dias de hoje.
(…)
b) Facto 10 deve passar a ter a seguinte redação:
"10- Tendo a única interpelação para a desocupação ocorrido em dia não definido de novembro de 2017"
c) O facto 23 porque como já se explicitou é absolutamente irrelevante para o caso em apreço, deve ser eliminado.
d) O facto 24 deve passar a ter a seguinte redação:
"Facto 24- O casal L. M./ M. V. (pais do R.) passou a habitar no prédio em causa nos presentes autos por volta dos anos 1984/1985 e aí viveram até ao óbito de cada um deles (respetivamente em 03/07/1995 e 12/11/2017 enquanto o R, aí habitando após o falecimento do pai, em companhia da mãe (a quem amparava na doença) (aí continuou a habitar após o falecimento desta, sendo que ainda hoje o faz."
e) Facto 25 deve passar a ter a seguinte redação:
"Facto 25 – Nem a M. A. (legadora) nem os AA., nem os pais do R., nem o R. fizeram prova de que alguma vez pagaram IMI correspondente ao prédio em causa, sendo certo que tiverem isenção de contribuição predial por período de, pelo menos dez anos após 09/12/1983.
f) O Facto 27 deve passar a ter a seguinte redação:
27- As obras narradas que se consubstanciarem na construção da casa de habitação, garagem, anexos, jardim, horta e pomar, tudo realizado nos anos de 1979 a 1985, trouxeram à parcela de 735 m2 o valor de € 13.653,36.
5- Há factos que não foram considerados no complexo de factos "provados", sendo, no entanto, uns essenciais e alegados, outros instrumentais e (alegados ou não) resultaram das ocorrências das audiências de julgamento e que devem ser considerados provados e como tal devem fazer parte do complexo "factos provados" cujo teor se celebrou de 30 a 53 (inclusive) a saber:
30- "o prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial de Vila Nova de Famalicão com o n.º .../20120312 – Freguesia de ..., inscrito na respetiva matriz urbana sob o art.º ....º (antigo) e atual ....º urbano da União das Freguesias de … e ..., foi construído de novo e declarado ocupado e habitável em 09/12/1983.
31- L. M. e M. V. casaram em -/03/1956
32- O R. B. (filho de L. M. e M. V. nasceu em -/04/1962, casou em -/08/1982 e divorciou-se em -/07/1998.
33- M. V. (mãe do R.) faleceu em -/11/2017, tendo como última residência o prédio em causa, à Rua ..., n.º ..., União das Freguesias de … e ..., concelho de Vila Nova de Famalicão
34- J. O. declarou em 31/08/1977 que tinha vendido a L. M. uma parcela de terreno sito no lugar da …, ..., Vila Nova de Famalicão, com a área de 1340 metros quadrados pelo preço de 145.000$00 (cento e quarenta e cinco mil escudos) dos quais em tal data recebeu 80.000$00 (oitenta mil escudos) sendo que o demais preço seria pago no ato da respetiva escritura pública de compra e venda.
35- Por escritura de compra e venda datada de 29/12/1977 em que outorgou como vendedor J. O. e outorgou como compradora M. A. aquele declarou que vendeu e esta declarou que aceitou a venda (comprou àquele) uma parcela de terreno para construção urbana, que entretanto haviam demarcado e concluíram que a área era a de 1470 metros quadrados (um quadrilátero irregular cujos lados mediam 72m x 75m x 20m x 20m respetivamente nas confrontações Norte, Sul, Nascente e Poente). A compradora M. A. beneficiou do regime de isenção de sisa na sua qualidade e emigrante e de transferidora de poupanças realizadas em França para Portugal (ao abrigo do DL-540/76, de 09/07 e Lei n.º 21-B/77, de 09/04). Os outorgantes declararam que o preço foi o de 28.400$00 (vinte e oito mil e quatrocentos escudos).
36- L. M. negociou a compra dos materiais de construção e contratou a prestação de serviços de construção civil em seu nome e para si, a que correspondem as faturas e recibos identificados com os números 12 a 57 (inclusive), as quais pagou ao empreiteiro M. S. (a mão de obra) e aos vários fornecedores identificados nos respetivos documentos (os materiais de construção) para que fosse construída a casa de habitação em causa nestes autos. No que despendeu a quantia de 420.837$00 (quatrocentos e vinte mil oitocentos e trinta e sete escudos).
37-" Em 3/07/1985 deu entrada na Câmara Municipal .... um requerimento subscrito por L. M., que o preencheu em nome próprio, a solicitar ao Presidente da Câmara Municipal ...., a concessão de licença por 90 dias, para proceder, no lugar ..., freguesia de ..., obras de construção destinada a garagem, sita no lugar ..., freguesia do ..., concelho de Vila Nova de Famalicão.
Juntando:
a) Declaração de responsabilidade em que a técnica responsável, engenheira civil A. P., com data de 3/07/1985 "declara nos termos do artigo 6.º do decreto-lei n.º 166/70, que assume inteira responsabilidade técnica das obras de construção civil, bem como as normas técnicas gerais e específicas de construção, com as disposições regulamentares responsáveis na elaboração de um projeto de r/chão, destinado a garagem que o Exm.º Sr. L. M., pretende levar a efeito no lugar ..., freguesia de ..., concelho de Vila Nova de Famalicão (que assina);
b) A "memória descritiva e justificativa – Requerente – Nome – L. M.; - Local-...-...-Vila Nova de Famalicão-I-Obras a efetuar-construção de um r/chão, destinado a garagem" (que assina);
c) A "estimativa orçamental-Nome-L. M.-Requerente-Local-Lugar ..., -...-Vila Nova de Famalicão-A presente estimativa orçamental do custo total da obra foi elaborada de harmonia com o n.º 1 do artigo 12.º do Decreto-Lei n.º 582/70 e importa no total a seguir descrito:
d) As obras constam da construção de: r/chão, destinado a garagem: 1- R/C a) área 24,00 m2; b) Preço por m2: 6.000$00; custo: 144.000$00.
2- Custo total das obras são cento e quarenta e quatro mil escudos (que assina)".
38 – A Câmara Municipal .... concedeu licença a L. M. licença para construção de um anexo destinado a garagem sito no lugar ..., ..., Vila Nova de Famalicão, reconhecendo-o como proprietário do imóvel em 06/08/1985 e emitindo o respetivo alvará de licença para obras n.º 1387, pelo qual o referido L. M. pagou 1.949$00 (mil novecentos e quarenta e nove escudos)."
39- "No quintal do prédio em causa (parte Poente do mesmo) observa-se:
a) o L. M. (pai do R.) em momento de repouso junto ao pombal em fase de acabamento;
b) uma horta em fase de desenvolvimento (folhagem); c) caminhos de acesso calcados em saibro;
d) canteiro com flores;
e) arbustos, árvores de fruto;
f) uma bandeira vermelha para espantar passarada da horta;
g) bomba e canalização para rega voltada para o talhão das alfaces; h) tudo sinais de construção, manutenção e cultivo do prédio."
40- "No jardim do prédio em causa (parte Nascente do mesmo) observa-se:
a) a M. V. (mãe do R.) em momento de lazer, a regar o jardim fronteiriço à casa de habitação;
b) no jardim nota-se o cultivo de alguns arbustos e várias espécies de flores; c) os caminhos entre canteiros apetrechados de placas de cimento;
d) indícios de água canalizada e evidência de mangueira de rega" (conf. fls. 70V e 89 dos autos)"
41- "O L. M. (pai do R.) (isolado e pé no canto inferior esquerdo do documento de fls. 90) era muito orgulhoso da sua casa, para a qual em dias festivos, gostava de convidar os seus familiares" (conf. fls. 90)
42- "Já viúva em data anterior a 15/11/1999 a M. V. (mãe do R.) requereu à Câmara Municipal ...., o Ramal Domiciliário de Esgotos (saneamento) n.º …, que a Câmara instalou, a M. V. pagou e passou a usufruir na sua morada à Rua ..., ..., ..., Vila Nova de Famalicão, no que despendeu 72.288$00"
43- "L. M. (pai do R.) porque proprietário e construtor da obra em administração direta foi desempenhando tarefas de várias artes para as quais tinha aptidões, sendo uma delas a de pintor de metais, assim após o horário laboral e aos fins de semana aplicava-se no desempenho como, neste caso, o de pintar os portais da sua casa de habitação no lugar ..."
44- "A casa legada pela M. A. à sua irmã AD. já foi posta à venda"
45- "A casa de habitação construída em primeiro lugar (a casa de habitação dos autos) é uma casa de habitação térrea (de rés-do-chão), composta por sala de visitas, sala de jantar, três quartos, cozinha e quarto de banho:
a) o projeto foi aprovado pela Câmara Municipal .... em reunião de 18/05/1978;
b) a estimativa orçamental para a obra em causa foi o de 573.480$00 (quinhentos e setenta e três mil quatrocentos e oitenta escudos);
c) na memória descritiva e justificativa correspondente a este prédio junta aos autos pelos AA. (por fazer parte do acervo hereditário da testadora/legadora M. A.) encontra-se no canto superior esquerdo o nome "L. M." designação esta naturalmente escrita pela detentora da memória descritiva e justificativa M. A., aparentemente a esferográfica;
d) o engenheiro técnico civil autor deste projeto de casa de habitação foi H. C..
46- "O projeto de uma moradia datado de 9/04/1980 e aprovado em reunião da Câmara Municipal .... de 20/06/1983 não se refere à casa de habitação em causa nestes autos, mas sim à casa de habitação construída em segundo lugar e propriedade da M. A.";
47- "A M. A., em 14/08/1978, mandatou L. M. com poderes para a representar em qualquer Repartição Pública ou Particular em que a sua presença se torne necessária, podendo assinar todos e quaisquer documentos que sejam indicados para os indicados fins".
48- Em 27/12/1983, L. M. invocando a qualidade de procurador apresentou na 2.ª Repartição de Finanças do concelho de Vila Nova de Famalicão, a declaração para inscrição de prédio urbano a matriz em nome de M. A. de uma casa de habitação, ..., com um fogo, sito no lugar ..., freguesia de ..., Vila Nova de Famalicão, ocupado desde 9/12/1983"
49- A casa de habitação construída em segundo lugar (a casa de habitação da M. A. e que esta legou à irmã AD.) é uma casa de habitação de R/C (rés-do-chão) e andar, composta por rés-do-chão com garagem e arrumos e no andar sala de jantar, sala de visitas, três quartos, cozinha e quarto de banho:
a) o projeto foi aprovado pela Câmara Municipal .... em reunião de 20/06/1983;
b) a estimativa orçamental para a obra em causa foi a de 795.000$00 (setecentos e noventa e cinco mil escudos);
c) na memória descritiva e justificativa correspondente a este prédio, junta aos autos pelos AA. (por fazer parte do acervo hereditário da testadora/legadora M. A.) encontra-se no canto superior esquerdo o nome "M. A.", designação esta naturalmente escrita pela detentora da memória descritiva e justificativa, M. A., aparentemente a esferográfica;
d) o engenheiro técnico civil antes deste projeto da casa de habitação foi, J. F..
50- Em 18 de Abril de 1985, L. M., invocando a qualidade de procurador, apresentou na 2.ª Repartição de Finanças do concelho de Vila Nova de Famalicão, a declaração para inscrição de prédio urbano na matriz, em nome de M. A. de uma casa de habitação de cave e rés-do-chão com 3 divisões na cave e 6 divisões no rés-do-chão, sita no lugar ..., freguesia do ..., concelho de Vila Nova de Famalicão, ocupada desde 21/03/1985.
51- "M. A. faleceu em hora e dia ignorados do mês de janeiro de 2012, sendo a sua última residência habitual na Rua …, n.º …, ..., Vila Nova de Famalicão (a referida como 2.ª casa)".
52- "M. V.:
e) nasceu em -/08/1931, na freguesia de …, concelho de Vila Nova de Famalicão;
f) casou em -/03/1956, com L. M.; g) ficou viúva em -/07/1995;
h) faleceu em -/11/2017, sendo última residência na Rua ..., n.º ..., lugar ..., União das freguesias de … e ..., concelho de Vila Nova de Famalicão (referida como 1.ª casa)
53- "L. M.:
c) casou em -/03/1956, com M. V.;
d) faleceu em -/07/1995, sendo última residência no lugar ..., freguesia do ..., concelho de Vil Nova de Famalicão (referida como 1ª Casa)
6- Dos depoimentos de parte prestados pelos AA. resultaram confissões de factos que são contrários às posições que os mesmos AA. tomaram nos seus articulados e que, por isso mesmo, como confissões deveriam ter constado da ata respetiva; de qualquer modo constam da respetiva gravação áudio e são elementos de prova, pelo que correspondem ao conteúdo dos factos n.º 54 a 63 (inclusive), e devem incluir o complexo dos "factos provados" a saber:
54- A família da AD. (mãe da M. J.) vivia numa casa de habitação sita na ... (Rua …) Vila Nova de Famalicão, arrendada (uma casinha pobre com uma sanita ao fundo do quintal). A tia M. A. quando vinha de França habitava nesta casa com a família da irmã AD. e tal acontecia mesmo quando o prédio em causa se encontrava construído (pelas razões narradas na Parte XIV, A)-1).
55- A M. J. casou em 1980 e como não tinha onde morar ficou em casa de seus pais (AD. e marido) e só ia dormir à casa nova (o prédio em causa) que ficava a três quilómetros da casa de seus pais na ... para onde se deslocava a pé para ir dormir, regressando depois, a pé, à casa de seus pais (Pelas razões narradas na Parte XIV, A-2);
56- Em agosto de 1982 o R. B. (aqui R.) casou a foi viver para o prédio em causa, de modo que ficaram os dois casais (M. J. e marido) (R. B. e esposa) este a viver normalmente, aquele apenas a dormir (pelas razões narradas na Parte XIV-A)- 3);
57- Quando a M. J. começou a vir dormir ao prédio em causa conjuntamente com seu marido teve de levar mobília de quarto de dormir, mas a cozinha já estava apetrechada com "umas coisinhas pobrezinhas" a sala "tinha para aí uma mesinha e um aparadorsinho" utensílios e móveis que pertenciam à tia O. M. (mãe do R.) (pelas razões narradas na Parte XIV, A-4);
58- Em 1982/1983 (a M. J. não consegue bem memorizar) foi dormir (a M. J. e o marido) para a segunda casa acompanhando a mãe AD.) e a sua tia O. M. foi viver para o prédio em causa (pelas razões narradas na Parte XIV, A-5);
59- Após a segunda casa estar construída a tia M. A. ainda continuava a trabalhar em França e continuava a vir a Portugal, mas vinha sempre para a casa onde habitava a irmã AD. (mãe da M. J.), "nunca ia para a casa da tia O. M., quando vinha morar vinha para a casa da minha mãe" (pelas razões narradas na Parte XIV, A-6).
60- A M. J. e marido iam ia a pé dormir a essa tal casa, porque não tinham condições para habitar na casa da mãe da M. J., onde se encontravam (pelas razões narradas na parte XIV, B-1);
61- Depois da M. J. sair do prédio em causa continuou lá o R. B. (que já lá estava quando ela saiu), posteriormente saiu o R. B. (porque havia casado e foi para o Louro) e foram para lá os pais do R. B. (L. M./M. V.), que viveram no prédio em causa toda a vida deles. De facto foram para lá viver por volta de 1984, 1985 e aí viveram até ao óbito de cada um deles, continuando o prédio a ser habitado pelo filho R. B. que estava a viver com a mãe após o seu (do R. B.) divórcio (pelas razões narradas na parte XIV, B-2).
62- Os pais do R. B. (L. M./M. V.) foram viver para o prédio em causa mais ou menos em 1983/1984. E a partir dessa altura sempre lá estiveram (pelas razões narradas na Parte XIV, C-1;
63- A tia M. A. trabalhava em França como empregada de limpeza, trabalhava a fazer limpezas por vários sítios (pelas razões narradas na parte XIV-D-1).
7- Há factos narrados durante a audiência de julgamento que não tendo sido englobados no complexo "factos Provados" devem sê-lo, na medida em que contribuem para um melhor esclarecimento da verdade, se numeraram de 64 a 83 (inclusive) a saber:
64- O terreno em que assenta a casa de habitação em causa situa-se numa zona considerada e preço barato, era comprada por pessoas de poucas posses (pobres) e a casa construída para o L. M. é uma casa de rés-do-chão modesta.
65- O R. B. vive na casa de habitação em causa a partir dos anos 90, que se lembre a testemunha F. O.
66- Em 1990/1991 os pais do R. B. (L. M. e M. V.) já viviam na casa e habitação em causa e continuaram a viver lá com o C. C. (irmão do R. B.) até ao falecimento do pai (L. M.), após este falecimento o R. B. veio viver com a mãe, o C. C. saiu e o R. B. veio viver com a mãe até à data do seu falecimento, aí se mantendo até aos dias de hoje sempre, todos (pais e filhos) se consideraram donos, senhores, legítimos possuidores e proprietários da casa de habitação (o prédio em causa) e por todos eram considerados como tal.
67- Enquanto os pais do R. B. eram vivos eram eles que tratavam do jardim, depois continuou a tratar o R. B. que é o único que mora lá.
68- O L. M. e a esposa, o irmão do R. B. e a mulher e os filhos já viviam na casa de habitação em causa desde pelo menos 1986.
69- O L. M. era trabalhador na Fábrica de Relógios "X", onde trabalhava há muitos anos, tinha já o escalão máximo e para esses os salários eram maiores.
Também limpava, afinava e reparava relógios normais e comprovadores (relógios de marcação utilizados nos concursos columbófilos) cobrando-se por isso, para o efeito dispunha de uma banca na sua residência
70- O L. M. venerava a casa, tratava o jardim, ajeitava o telhado, limpava e substituía caleiros, tratava do jardim, e a mulher M. V. cultivava couves, tomates e demais novidades no quintal, e tudo continuou a fazer o filho R. B. até aos dias de hoje.
71- Sabia-se que o L. M. (os pais do R. B.) estavam a construir uma casa, que depois de construir a casa foram para lá viver, o que aconteceu há cerca de 40 anos (perto de 40 anos) e que os familiares e vizinhos ajudaram na construção.
72- As faturas e recibos constantes dos autos emitidas por vários fornecedores (M. O. Ld.ª, Marmoraria …, A. Q. Ld.ª, M. A. S. Ld.ª, Centro Comercial de Ferragens, …-Fábrica de Pré-esforçados, AP. e outros) correspondem ao fornecimento de materiais de construção civil e prestação de serviços de mão-de-obra de construção civil, contratados pelo L. M. que, os recebeu e pagou, para a construção da casa de habitação em causa.
73- A M. V. (mulher do L. M. e mãe do R. B.) trabalhava na V. C. Ld.ª, depois deixou de trabalhar (com a mudança de instalações fabris), recebeu uma indemnização (ainda vivia no lugar da ...) e passou a trabalhar prestando trabalho à hora para várias senhoras, nesse tempo (enquanto solteiro) o filho mais velho, C. C., já trabalhava com o pai nX.
74- Os irmãos R. B. e C. C. cortaram relações quando o C. C. saiu de casa dos pais no lugar ..., ..., Vila Nova de Famalicão, enquanto a testemunha J. O., prestou serviço na casa da M. V. (nos últimos 5 a 6 anos antes da morte desta) o C. C. nunca foi visitar a mãe.
75- O L. M. contactou o M. S. para saber da disponibilidade deste para construir a sua (do L. M.) casa. O M. S. aceitou e fizeram um contrato verbal para que fosse à hora que o pessoal trabalhasse. O L. M. responsabilizou-se por pôr lá todos os materiais e tirou a licença da obra. E o M. S. começou e acabou a obra sempre considerando que era para o L. M..
76- Ao empreiteiro M. S. o L. M. pagava toda a mão de obra que foi necessária para a construção da casa de habitação construída no prédio em causa, o empreiteiro passava-lhe a fatura, entregava-a ao dono da obra (L. M.) e no dia seguinte era-lhe pago.
77- O empreiteiro M. S. construiu tanto a primeira casa (para o L. M.) como a segunda casa (para a M. A.) e:
a) na primeira casa, o objeto declarado da empreitada foi uma casa de habitação do L. M. (e sempre durante a feitura da obra, foi declarado e comportado como tal pelos contratantes M. S. e L. M.);
b) já na segunda casa, o objeto declarado da empreitada foi uma casa de habitação da M. A., que o L. M. contratou de modo verbal também (e sempre, durante a feitura da obra, foi declarado e considerado como tal pelos contratantes M. S. e L. M.).
78- Quando tinha 17 anos (porque a testemunha E. A., nasceu em 1966, portanto, pelo ano de 1983) acompanhou os pais por duas vezes em visitas à casa nova do casal L. M./M. foram ao domingo à tarde.
A D.ª O. M. mostrou a casa e o pai da testemunha recordava o tempo que lá ajudou o L. M.. A família L. M./M. V., já vivia na casa nova no lugar ..., ..., Vila Nova de Famalicão
79- No que respeita à compra dos terrenos em que foram construídas as duas casas constava na freguesia que o L. M. tinha comprado um terreno e que a M. A. tinha comprado outro, que faziam costa com costa um com o outro.
80- A M. A. que estava emigrada vinha só de férias, até que veio de vez para Portugal; mas quer quando vinha de férias, quer quando veio de vez vinha e veio sempre viver para a casa da AD. (quando ela estava na casa da ...) e para a casa dela (M. A.) a 2.ª casa construída, na companhia da irmã AD..
81- A primeira casa (a do L. M.) foi construída aos bocados e nos pagamentos tudo foi correto.
82- O L. M. e a M. V. eram pessoas sensatas, poupadas, pessoas de trabalho organizadas, tinham uma vida estável, o filho C. C. já trabalhava na fábrica com o pai, tinham mais posses do que as outras duas famílias do bairro (das três famílias era o L. M. o único que tinha transporte próprio-uma motorizada).
83- Para continuar a ser columbófilo (como foi) na casa nova o L. M. teve de um fim de campanha de concursos (a partir de fins de Junho de cada ano) tirar borrachos dos seus casais de pombos-voadores e pombos-reprodutores (no caso no pombal do lugar da …-casa antiga)-Instalá-los e criá-los no pombal novo-casa nova-a casa em causa) para a partir de janeiro do ano seguinte iniciar, agora na casa nova no lugar ..., iniciar a campanha desportiva (concursos) referente ao ano que se iniciava (no caso em janeiro de 1984).
8- Há ainda mais alguns factos que foram integrados no complexo factual designados por "factos não provados, mas que tendo em conta os meios de prova produzidos deverão ser considerados "provados" como são os aqui assinalados de 84 a 92 (inclusive) a saber:
"Facto 84- Quer por si, quer por antecessores, antepossuidores e anteriores proprietários o R. (conjuntamente com seu irmão C. C., ambos únicos herdeiros de seus pais L. M./M. V.) estão na posse do identificado prédio desde 1977 (a parcela de terreno) e desde 1983 (a casa de habitação já construída e pronta a habitar) (portanto há mais de 5, 10, 15, 20, 30 e 35 anos) cultivando-o, conservando-o, podendo arrendá-lo e receber as respetivas rendas, desenvolvendo construções (construíram a casa de habitação da família) estruturas (muros, garagem, anexos e canalizações) venerando construções, espaços cobertos, jardim e culturas, desmoitando terreno a mato e arbustos, derrubando arvoredo como entendia, cuidando das águas, abrindo um poço, sempre á vista de toda a gente, nomeadamente vizinhos, sem oposição ou embaraço de quem quer que seja e na convicção de exercer um direito próprio, sem prejudicar ninguém e em tudo se comportando como donos e, por todos, como tal sendo considerados, sendo que a sua posse sempre foi pública, pacífica, contínua e de boa fé, pelo que sempre haveriam adquirido o referido e identificado prédio por prescrição aquisitiva ou usucapião
Facto 85- Em data anterior a 31/08/1977, L. M. na qualidade de promitente-comprador e J. O., na qualidade de promitente-vendedor celebraram um contrato-promessa de compra e venda de uma parcela de terreno que verificaram medir 1349 m2, pelo preço de 145.000$00 do qual o L. M. como sinal pagou 80.000$00; entretanto a M. A., associou-se ao negócio pelo lado do L. M. para ficar com metade do terreno Poente oferecendo a vantagem ao L. M. de poupar dinheiro não pagando sisa e isentando temporariamente do pagamento de contribuição predial fazendo a escritura em seu nome, sendo assim e com a concordância do J. O. foi realizada a escritura de compra e venda em nome da M. A. como compradora.
Facto 86- Em fins de 1978 foram então contratados pelo L. M. trabalhadores encabeçados pelo empreiteiro M. S., tendo o L. M. começado a comprar os mais variados materiais de construção, placas, blocos, ferrarias, tintas, areia, cimento, cal, tudo quanto é necessário para a construção de uma casa de habitação.
Facto 87- O L. M., os filhos e amigos prestaram trabalho, quer no levantamento de paredes, cobertura do telhado, pintura e colocação de portões, encher a placa, abrir rasgos nas paredes, descarregar materiais e em todos os trabalhos em que podiam ajudar, na construção da casa".
Facto 88- Depois de tudo, no ano de 1983 (depois da casa de habitação estar pronta) os pais do R. com todo o agregado familiar que era também composto pelos seus filhos C. C. e R. B. (aqui R.) foram os primeiros a ocupar a habitação, continuando os filhos de acordo com as circunstâncias a ocupar o imóvel com os pais e o R. (após o falecimento do pai) com a mãe";
Facto 89- O L. M. construiu a garagem, toda a família passou a usufruir da mesma quer para abrigar o automóvel, quer para armazenar vários objetos múltiplos objetos domésticos (caixas, acessórios, ferramentas, artigos em desuso) que normalmente se guardam nas garagens.
"Facto 90- Sempre a generalidade das pessoas, incluindo a M. A., a AD. (mãe dos AA.) e os próprios AA. reconheciam e reconheceram que o casal L. M./M. V. e posteriormente os seus filhos C. C. e R. B., eram os donos, senhores e legítimos possuidores e proprietários do prédio em causa (apenas em novembro de 2017-e após o falecimento da M. V.-apareceram alguns dos AA. a por em causa esse reconhecimento geral)".
"Facto 91- Depois do falecimento de L. M., a viúva M. V. e depois seu filho R. B. (regressado a casa após o divórcio - -/07/1998) continuaram a viver no prédio em causa, na posse do mesmo, conservando-o, desenvolvendo construções e reparações, venerando-o (aos seus espaços, jardim, horta, quintal, muros, paredes e mais construções) tratando de arvoredo, cuidando das águas e poço;
Facto 92- O prédio em causa beneficiou de isenção de contribuição predial (pelo menos durante dez anos) e os pais do R. (L. M./M. V.) e o próprio R. sempre tiveram o prédio como seu sempre à vista de toda a gente, nomeadamente vizinhos sem oposição ou embaraço de quem quer que seja e na convicção de exercerem um direito próprio, sem prejudicar ninguém e continuadamente e em tudo se comportando como donos e por todos como tal sendo considerados.
O L. M. levou a cabo a construção da casa de habitação.
Contratou trabalhadores de construção civil a quem pagou salários (embora de modo intermitente) durante cerca de 3 anos.
Adquiriu materiais de construção (pedra, cal, cimento, areia, juntas, madeiras, ferragens).
Adquiriu acessórios que aplicados na construção passaram a ser dela integrantes (portas, janelas, placas, blocos, louças sanitárias, canalizações, vigas, azulejos, soleiras, cabos elétricos, etc.) e as mais variadas minudências necessárias para a aplicação de componentes de construção.
Posteriormente construiu uma garagem".
9- Assim, nestes moldes, fica impugnada a decisão sobre a matéria de facto, tendo-se apresentado o texto pela qual a mesma deve ser substituída, ou seja, sendo a mesma alterada pela parte que a ela respeita nestas alegações (sendo reformulada na Parte XXV)
10- Também se impugna a decisão sobre a matéria de direito, porque (sendo convicção do R. reconvinte que se não pode manter incólume a decisão sobre a matéria de facto) serão considerados provados que levarão à conclusão que operou a usucapião ou prescrição aquisitiva a favor dos pais do R. e por conseguinte em favor dos seus herdeiros com efeitos partir de 31/08/1977.
11- A posse do direito de propriedade ou de outros direitos reais de gozo, mantidos por certo lapso de tempo, faculta ao possuidor, salvo disposição em contrário a aquisição do direito a cujo exercício corresponde a sua atuação (conf. art.º 287.º do Cód. Civil); invocada a usucapião, os seus efeitos retrotraem-se à data do inicio da posse (art.º 1288.º do Cód. Civil); não havendo registo de titulo nem de mera posse a usucapião só pode dar-se no termo de quinze anos se for de boa fé; e de vinte anos, se for de má fé (art.º 1296.º do Cód. Civil).
12- No computo da factualidade que, no entender do R.-reconvinte deve ser dada como provada estão contidos e estruturados todos os factos que levam a ser considerado que o R., conjuntamente com o seu irmão C. C. (por sucederem a seus pais o casal L. M./M. V.) adquiriram por usucapião ou prescrição aquisitiva a propriedade do prédio em causa nesta ação judicial, onde está inserida a casa n.º 1 já identificada.
13- Assim não fora (mas no entanto é) sempre os paus do R. – reconvinte teriam adquirido o mesmo prédio considerando, por mera hipótese de raciocínio, que não eram donos da parcela de terreno, porque estando convencidos disso, nele construíram a sua casa de habitação e através do instituído da acessão imobiliária industrial; porque a parcela de terreno tinha o valor de € 3.537,70 e a construção acrescentou a esse valor o de € 13.653,36. Sendo que se alguém de boa fé construir obra em terreno alheio e o valor que as obras tiveram trazido à totalidade do prédio for maior do que o valor que este tinha antes da incorporação, adquire a propriedade dele pagando o valor que o prédio tinha antes das obras (conf. n.º 1 do art.º 1340.º do Cód. Civil). O que o R. pagaria já que adquire a propriedade do prédio pois se encontram preenchidos (também por esta via) os requisitos e a aquisição é automática. O R. pagará o valor em causa logo que, par o efeito seja interpelado.
14- Mas há a ter em conta que "É preciso não esquecer que a base de toda a nossa ordem imobiliária não está no registo, mas na usucapião. Esta é prejudicada pelas vicissitudes registrais vale por si. Por isso o que se ficou no registo passa à frente dos títulos substantivos existentes mas nada pode contra a usucapião- Oliveira Ascensão – Direitos Reais – 5.ª Edição, pág. 382."
15- Assim deve a, aliás douta, sentença sobre a matéria de direito ser revogada e substituída por, aliás douto acórdão que contemple o pedido na contestação por um lado e o pedido reconvencional por outro ou seja:
16- c) de qualquer modo, deve a presente ação ser julgada improcedente por não provada e, em consequência ser o R. absolvido do pedido;
d) e cumulativamente, deve ser declarado que os únicos herdeiros de L. M. e esposa M. V. são seus filhos: C. C. e R. B. (aqui R.), não havendo quem com eles possa concorrer;
e) cumulativamente deve o pedido reconvencional ser julgado procedente por provado e, em consequência,
i) ser declarado que o R. (conjuntamente com seu irmão, co-herdeiro C. C.) são donos, senhores, legítimos possuidores e proprietários do prédio identificado e descrito nos n.ºs 1 e 4 da petição inicial e nos documentos n.º 2 e 3 com a mesma juntos e identificados, ainda, na Parte III (n.º 37 a 42 - inclusive) e documentos n.º 6, 7, 47, 48, 49, 50, 51, 52, 53, 54, 55, 56 e 57 juntos com esta contestação-reconvenção;
ii) Serem os AA. reconvindos condenados a reconhecer que o R. R. B. (e seu irmão C. C.) são os únicos donos, senhores, legítimos possuidores e proprietários do prédio referido e identificado na anterior al. i), por virtude de o haverem adquirido por prescrição aquisitiva ou usucapião nos termos narrados nesta contestação/reconvenção;
f) serem os AA. condenados a reconhecerem que teriam de devolver ao R.- reconvinte (e a seu irmão C. C.) o prédio identificado livre de pessoas, animais e bens (se alguma vez tivesse estado por si ou antecessores ou antepassados, na posse do mesmo); g) cumulativamente, ser o contrato de compra e venda de 29/12/1977 (conf. doc. n.º 7) ser declarado simulado (simulação relativa) já que o verdadeiro comprador foi o L. M. (conf. doc. n.º 6) e, em consequência ser considerado que o contrato de compra e venda dissimulado (escondido) é o verdadeiro contrato que vem a consubstanciar a "declaração" que corresponde ao doc. n.º 6 junto com esta contestação-reconvenção;
h) de qualquer modo e em qualquer circunstância deve ser declarado nulo o legado da testadora M. A., constante do seu testamento de 16/04/1998, pois que lega (o prédio em causa) bem esse que lhe não pertence e por conseguinte não faz parte do seu acervo hereditário;
i) subsidiariamente aos anteriores pedidos ser declarado que o pai do R., L. M. adquiriu a propriedade do prédio em causa por virtude de acessão industrial imobiliária, devendo pagar aos AA. a quantia de € 15.000,00 (quinze mil euros) valor atribuído ao terreno onde estão implantadas as construções (casa de habitação, garagem e anexos-com os respetivos apetrechamentos) já que o valor trazido pelas obras do L. M. no montante superior a € 150.000,00 foi maior do que o valor que o prédio (parcela de terreno com 745 m2 de superfície) tinha à data da incorporação (de 1978 a 1985 data das várias incorporações) narradas nesta contestação-reconvenção;
j) em consequência dos pedidos elaborados nas alíneas anteriores requer-se a V.Ex.ª que se digne a ordenar o cancelamento de todos os registos ocorridos a partir do registo de propriedade em nome dos seus proprietários J. O. e mulher G. S. e, em consequência, todos e quaisquer registos que porventura hajam sido feitos a partir de 29/12/1977 (inclusive);
k) e ainda cumulativamente com os demais pedidos, serem os AA. condenados no pagamento das custas judiciais e procuradoria condigna.
17- A, aliás douta sentença recorrida violou o disposto nos art.º 5º, n.º 5 do art.º 607.º, e n.º 4 e 5 do art. 607.º ambos do Cód. Proc. Civil e o disposto nos art.ºs 1287.º e 1288.º, 1296.º e n.º 1 do art.º 1340.º todos do Cód. Civil.
Os autores contra-alegaram sustentando a improcedência do recurso e, nos termos do disposto no artigo 636.º n.º 2 do Código do Processo Civil (1), requereram a ampliação do âmbito do recurso, apresentando nesta parte as seguintes conclusões:
CLXXXIII. Como atrás já se referiu e exponenciou a douta sentença, podia e, até, devia ter ido mais longe.
CLXXXIV. Com efeito, deu o tribunal como provados os itens 9 a 11, nomeadamente:
CLXXXV. 9. Desde data não concretamente apurada que o Réu habita o prédio referido em I.3 e
CLXXXVI. I.5 e recusa-se a fazer a sua entrega aos Autores.
CLXXXVII. 10. Tendo a última interpelação para a desocupação ocorrido em novembro de 2017.
CLXXXVIII. 11. O prédio referido em I.3 e I.5 tem um valor locativo mensal de € 460,00 (quatrocentos e sessenta euros).
CLXXXIX. No entanto, veio a dar como não provado que era vontade dos Recorridos arrendarem o prédio referido em 1.3 e 1.5 (ou seja, o prédio em questão dos autos).
CXC. Porém, entendem os Recorridos que há matéria abundante que contraria esta douta posição do tribunal, no sentido em que os Recorridos tinham intenção de arrendar o imóvel aqui em questão.
CXCI. Facto este devidamente comprovado pelos depoimentos das testemunhas dos Recorridos R. S. e da testemunha E. P., ambos na sessão de julgamento de 04/02/2020, depoimentos já acima transcritos nas páginas 118 a 122.
CXCII. E ao dar-se como provado este facto, a douta sentença deveria ter condenado o Réu, aqui Recorrente, no pedido dos Recorridos quanto a esta ocupação abusiva, conforme alegaram no item 23.º da P.I. e que disseram:
CXCIII. "23.º - Assim, se os Autores o arrendassem, como é sua vontade já poderia ter acontecido a partir, pelo menos, desde novembro de 2017, poderiam auferir de uma renda mensal nunca inferior a 400,00 €uros (quatrocentos euros), já que estamos perante uma vivenda de rés-do-chão com 5 divisões a cinco minutos do centro da cidade de Vila Nova de Famalicão".
CXCIV. Houve assim prova suficiente para se dar como provado que os Autores pretendiam arrendar o imóvel e, consequentemente, condenar o Recorrente a pagar a indemnização peticionada.
CXCV. Por outro lado, tendo em conta não se encontrar provado que os Recorridos pretendessem arrendar o imóvel, o que os mesmos não concordam pela exposição supra, o tribunal "a quo" declinou tal pretensão.
CXCVI. No entender dos Recorridos mal.
CXCVII. Assim refere a douta sentença a fls item "Interpretação e aplicação das normas jurídicas atinentes, que: "Mais está demonstrado que os Autores, contra o que é a sua vontade, estão privados de dispor do prédio em causa como bem entenderem no âmbito do seu direito de propriedade, por causa do comportamento do Réu."
CXCVIII. Faz referência ao Acórdão da Relação de Lisboa L 24.05.2018 (proc. n.º 1899/13.6TVLSB.L1-6), que na última parte do mesmo é descrito que: dito de outro modo, se o autor do pedido formula pedido de condenação na quantia pecuniária correspondente ao período de rentabilização da fração que foi impedido de gozar, se resulta demonstrado o valor locativo da mesma, ou outros elementos fácticos mínimos que o permitem inferir, poder-se-á concluir pela afirmativa quanto à vontade do titular do direito de propriedade em obter as vantagens correspondentes ao seu exercício.
CXCIX. Referindo também que: " há também quem defenda que a simples privação do uso de uma coisa, provocada por ato ilícito, "é fonte da obrigação de indemnizar, pois que impede o respetivo proprietário de dela dispor e fR. B.r as utilidades próprias da sua natureza" – assim, Ac. STJ 13.09.2012, proc. nº. 592/1995.L2.S1.
CC. Concluindo que a causa de pedir dos Recorridos não vem estribada nessa privação do uso, mas sim numa específica perda de rendimentos, aliás claramente rotulada como "lucros cessantes", o que impede a atribuição de qualquer indemnização a esse título, sob pena de alteração ilegítima dos fundamentos da pretensão dos Autores".
CCI. Porém, e sempre com altíssimo respeito, não é exatamente isso que os Recorridos extravasaram na sua causa de pedir.
CCII. Portanto, deu a sentença como provado que os aqui Recorridos estão privados do uso do prédio em causa.
CCIII. Assim, alegaram os Recorridos no seu artigo 21º a 23º da sua Petição Inicial que:
CCIV. "21.º - Com esta inusitada e ilegal situação, o Réu tem impedido que os Autores possam dispor do bem adquirido e supra identificado nos supra itens 1.º e 4.º.
CCV. 22.º - No entanto, o supra referido imóvel tem um valor locativo mensal, ou seja, o rendimento mensal que qualquer pessoa, pela sua ocupação, uso e detenção material tem de pagar.
CCVI. 23.º - Assim, se os Autores o arrendassem, como é sua vontade já poderia ter acontecido a partir, pelo menos, desde novembro de 2017, poderiam auferir de uma renda mensal nunca inferior a 400,00 €uros (quatrocentos euros), já que estamos perante uma vivenda de rés-do-chão com 5 divisões a cinco minutos do centro da cidade de Vila Nova de Famalicão."
CCVII. E, contrariamente ao que vem alegado na douta sentença, os Recorridos não sustentaram aquela privação somente como lucros cessantes, aliás, nem isso corresponde ao pedido realizado.
CCVIII. Na sua causa de pedir, disseram expressamente os Recorridos no seu item 25.º da sua Petição Inicial o seguinte:
CCIX. "25.º - Pelo supra exposto, é aos Autores devido a título de lucros cessantes, ou outra forma prescrita na lei, uma indemnização mensal que modestamente se liquida naqueles 400,00 €uros mensais, prejuízo este que é causa direta e necessária da ilegal ocupação."
CCX. Portanto, tiveram a Recorridos o cuidado de alegarem que tinham direito à indemnização pela privação do uso do imóvel, através de outras formas prescritas na lei.
CCXI. O ato ilícito do Recorrente está plasmado no facto de estar provado que a sua detenção é ilegal e ter sido condenado a restitui-la.
CCXII. Ou seja, os Recorridos alegaram e provaram a privação do uso da coisa por ato ilícito do Recorrente.
CCXIII. No entanto, mesmo que se entendesse que os Recorridos não têm razão no supra expendido, sempre teriam direito a receber aquela indemnização a título de enriquecimento sem causa.
CCXIV. Afina pelo mesmo diapasão os Acórdãos nºs 779/15.5T8PTM.E1.S1 de 12/07/2018 e 1261/07.0TBOLHE.E1.S1 de 03/10/2013, que a título exemplificativo aqui se acolhem referindo este último o seguinte:
CCXV. Assim, refere o mesmo com interesse para a presente causa que:
CCXVI. "V - Se na pendência de uma ação de reivindicação os autores não logram provar os danos emergentes (impossibilidade de habitar e fazer obras no prédio) e lucros cessantes (frustração efetiva do arrendamento do imóvel) por si invocados, fica inviabilizado o recurso à equidade para determinação da indemnização pela privação do uso.
CCXVII. VI - Sem embargo do referido em II e V, a ocupação do prédio pelos réus, beneficiando das vantagens de um bem alheio, sem título que o legitimasse, durante os quase nove anos em que, por via dos sucessivos recursos por si interpostos, esteve pendente a ação, legitima o reconhecimento de um crédito aos autores com fundamento no
CCXVIII. enriquecimento sem causa.
CCXIX. VII - São pressupostos do enriquecimento sem causa: a) a existência de um enriquecimento; b) a obtenção desse enriquecimento à custa de outrem; c) a ausência de causa justificativa para o enriquecimento.
CCXX. VIII - À custa de outrem não significa necessariamente que o credor da restituição seja empobrecido, mas apenas que o valor que entra no património do enriquecido corresponde ao que foi obtido com meios ou instrumentos pertencentes ao credor da restituição.
CCXXI. IX - Nos casos de enriquecimento sem causa fundado na utilização de bens alheios o valor da restituição é o valor de exploração, aferido pelo critério do valor objetivo dos bens.
CCXXII. X - Se as partes reconhecem um valor locativo ao prédio cujo valor concreto não se apurou, nada impede a condenação das rés a restituir aquele que se venha a provar em incidente de liquidação."
CCXXIII. XIII - A sua aplicação é oficiosa, não carecendo de ser pedida na ação declarativa.
CCXXIV. Pois, na perspetiva assinalada, a mera privação do uso, no sentido de impedimento do aproveitamento das utilidades dos bens, constitui um dano relevante, suscetível de indemnização, porque estão explicitadas nas concretas e explícitas desvantagens económicas - seja em termos de danos emergentes (v.g., custos de substituição do uso impedido) e de lucros cessantes (v.g, frustração de ganhos ou de rendimentos) seja em termos da frustração ou impedimento da obtenção das concretas vantagens associadas à disponibilidade imediata do bem (v.g., privação de uso concreto suscetível de subsunção à categoria de dano emergente ou de lucro cessante) - manifestados através da diferença patrimonial a que alude o art. 566.º n.º 2 CC.
CCXXV. No caso concreto o valor da renda está apurado e faz parte dos "Factos Provados", pelo que sempre estaria reconhecido o crédito dos Recorridos.
CCXXVI. Pelo que deverá, nos termos do disposto no artigo 636.º n.º 2 do Código do Processo Civil, haver uma ampliação do âmbito do recurso, para que se dê por provado, atenta a prova supra realizada, que os Recorridos têm direito a receber a quantia peticionada.
CCXXVII. Ou seja, deve o Recorrente ser condenado a pagar aos Recorridos, uma indemnização mensal de 460,00 €uros (valor dado como provado), ou quando assim não se entender o valor de 400,00 €uros alegados na P.I. e, cuja a liquidação aí plasmada dizia respeito aos meses de novembro de 2017 (data dada como provada), que liquidou até à data da propositura da ação (novembro de 2018) a quantia de 5.200,00 €uros.
CCXXVIII. No caso em concreto, deve o Recorrente ser condenado a pagar aos Recorridos a quantia de 5.980,00 €uros liquidados até novembro de 2018, assim como a mesma quantia mensal, enquanto durar a ocupação abusiva e de má-fé do Recorrente, conforme se encontra descrito na alínea c) do pedido realizado pelos Recorridos.
CCXXIX. Violou assim a douta sentença os artigos 342.º, 473.º, 483.º, 562.º, 563.º, 564.º, 566.º, 1305.º do C.C.
O réu respondeu à ampliação do âmbito do recurso.
Estando os autos já neste tribunal, pelo relator foi proferido despacho pelo qual, ao abrigo do disposto no artigo 193.º n.º 3, se convolou a ampliação do âmbito do recurso para recurso subordinado.

As conclusões das alegações de recurso, conforme o disposto nos artigos 635.º n.º 3 e 639.º n.os 1 e 3, delimitam os poderes de cognição deste Tribunal e, considerando a natureza jurídica da matéria versada, as questões a decidir consistem em saber se:

1. No recurso interposto pelo réu:
a) há lugar às alterações na matéria de facto mencionadas nas conclusões 4.ª, 5.ª, 6.ª, 7.ª e 8.ª;
b) se "operou a usucapião ou prescrição aquisitiva a favor dos pais do R. e por conseguinte em favor dos seus herdeiros com efeitos partir de 31/08/1977" (2);
c) "assim não fora (…) sempre os pais do R. - reconvinte teriam adquirido o mesmo prédio (…) através do instituído da acessão imobiliária industrial" (3);
2. No recurso subordinado dos autores:
d) se deve "dar como provado que os Autores pretendiam arrendar o imóvel" (4);
e) "deve o Recorrente ser condenado a pagar aos Recorridos, uma indemnização mensal de 460,00 €uros (…), ou quando assim não se entender o valor de 400,00 €uros alegados na P.I. e, (…) enquanto durar a ocupação abusiva e de má-fé do Recorrente" (5).

II
1.º
Foram julgados provados os seguintes factos:
1. Por escritura pública outorgada aos 29 de dezembro de 1977, J. O. e mulher declararam vender a M. A., que declarou comprar, pelo preço de Esc. 28.400$00 uma parcela de terreno com a área de 1470 m2, sita no Lugar ..., da freguesia de ..., do concelho de Vila Nova de Famalicão, (…) que faz parte da descrição predial nº. ... e do artigo ... rústico (cfr documento junto a fls. 44 verso e seg., a fls. 108 a 111 e a fls. 133 a 139).
2. Por testamento outorgado aos 21 de Agosto de 1985, M. A. declarou, em primeiro testamento e por conta da quota disponível, legar a sua irmã M. V., o prédio urbano composto por casa de habitação de e junto quintal, sito na no Lugar da ..., ..., inscrito na matriz sob o artigo ....º (cfr. documento de fls. 129 verso e seg., cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido) e a sua irmã AD., o seu prédio de habitação, composto por casa de habitação, com cave e rés-do-chão e junto quintal, sito no mesmo lugar da ..., à data omisso à matriz.
3. Por testamento outorgado aos 16 de Abril de 1998, M. A. declarou revogar qualquer outro testamento feito anteriormente e legar a C. C., filho de sua irmã M. V., e a M. J., a C. B., a J. M. e a O. M., estes filhos da sua irmã AD., em comum e partes iguais, o prédio urbano constituído por casa de habitação de rés-do-chão com 5 divisões, sito na Rua ..., nº. ..., também conhecida por lugar da ..., ..., concelho de Vila Nova de Famalicão, inscrito na matriz sob o artigo ....º (cfr. documento de fls. 9 verso e seg., cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido).
4. Neste mesmo testamento, M. A. declarou legar a sua irmã AD., o seu prédio urbano composto por casa de habitação, com cave e rés-do-chão e junto quintal, sito no Lugar da ..., inscrito na matriz sob o artigo ....º (cfr. documento de fls. 9 verso e seg., cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido).
5. O imóvel referido em 3. está atualmente descrito com a área de 735 m2 sob o n.º ... na Conservatória do Registo Predial de Vila Nova de Famalicão e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ....º da União de freguesias de … e ..., artigo matricial este que teve origem no anterior artigo urbano n.º ....º da extinta freguesia de ..., concelho de Vila Nova de Famalicão (cfr. documentos de fls. 10 verso e seg. e de fls. 11 verso e seg., cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido).
6. Por documento de 10 de abril de 2012, aquele C. C. declarou repudiar aquele legado, tendo o respetivo cônjuge prestar o necessário consentimento para o ato (cfr. documento de fls. 11 verso e seg., cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido).
7. Por documento de 11 de abril de 2012, L. B. e C. B., solteiros, filhos daquele C. C. declararam repudiar "o legado que por direito de representação lhe pertencia após o repúdio inicial de seu pai" (cfr. documento de fls. 15 verso e seg., cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido).
8. A aquisição do direito da propriedade do imóvel referido em 3. e 5. está registada a favor dos Autores pela Ap. 3083, de 2012/04/30, tem como causa "legado" (cfr. documento de fls. 10 verso e seg., cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido).
9. Desde data não concretamente apurada que o Réu habita o prédio referido em I.3 e I.5 e recusa-se a fazer a sua entrega aos Autores.
10. Tendo a última interpelação para a desocupação ocorrido em novembro de 2017.
11. O prédio referido em I.3 e I.5 tem um valor locativo mensal de € 460,00 (quatrocentos e sessenta euros).
12. A construção da casa do lado nascente foi a primeira a ser iniciada.
13. Em 03/07/1985, L. M. requereu à Câmara Municipal .... "a concessão de licença por 90 dias, para proceder no lugar ..., freguesia do ..., a obra de construção destinadas a garagem".
14. O projeto foi aprovado em reunião da Câmara Municipal .... em 31/07/1985.
15. Foi, entretanto, passado o Alvará de Licença de Obras n.º 1387 em 06/08/1985, concedido a L. M., válido até 4 de novembro de 1985.
16. Em 3 de Julho de 1995 faleceu L. M..
17. A Câmara Municipal concedeu à viúva M. V. a instalação do "Ramal Domiciliário de Esgotos n.º …, a instalar na habitação sita na Rua ..., n.º ..., 4760 - ...", Vila Nova de Famalicão.
18. Do que resultou que o ramal domiciliário para saneamento n.º … foi instalado e a M. V. pagou o seu custo em prestações.
19. A M. A. (solteira), O. M. (mãe do Réu/Reconvinte) e AD. (mãe dos Autores) eram irmãs.
20. A M. A. era emigrante em França.
21. Os pais do Réu/Reconvinte habitavam uma casa com poucas condições de habitabilidade e salubridade, numa "ilha" sita no lugar da ..., freguesia de ..., concelho de Vila Nova de Famalicão.
22. A mãe dos Autores habitava também um prédio sem condições de habitabilidade e salubridade.
23. Quem habitou a casa pela primeira vez, em data não concretamente apurada, foi a Autora M. J. e o marido V. G..
24. Só depois é que a casa foi ocupada pelos pais do Réu.
25. Nem o Réu, nem os seus pais, pagaram alguma vez o imposto IMI.
26. O terreno de onde foi implantada a construção valia, respetivamente, € 2 057,68, € 2 400,90, € 2 882,04 e € 3 537,70 em 1979, 1980, 1981 e 1982.
27. As construções levadas a cabo na parcela de terreno tiveram um custo de € 13.653,36 (treze mil, seiscentos e cinquenta e três euros e trinta e seis cêntimos).
28. Em 2 de Novembro de 2017 faleceu M. V..
29. Os únicos os herdeiros de L. M. e esposa M. V. são seus filhos C. C. e o Réu R. B..

E foram julgados não provados os seguintes factos:

1. Há mais de 5, 10, 15 e 20 anos que os Autores quer por eles, quer por antepossuidores, antecessores e anteriores proprietários, sem interrupção temporal, detêm o imóvel referido em I.3 e I.5 fruindo-o materialmente, nele fazendo obras de construção, conservação e melhoramentos, dele tirando todas as utilidades, frutos e rendimentos e pagando os inerentes encargos, despesas e contribuições.
2. Sem oposição de quem quer que seja, à vista de toda a gente, sem lesar os interesses e direitos de outrem, com conhecimento de todas as pessoas, designadamente o Réu, com ânimo de quem exerce direitos próprios, no próprio nome e na convicção de deles serem donos.
3. É vontade dos Autores arrendarem o prédio referido em I.3 e I.5
4. Quer por si, quer por antecessores, antepossuidores e anteriores proprietários, o Réu, conjuntamente com seu irmão C. C., estão na posse do prédio identificado em I.3 e I.5, cultivando-o, conservando-o e desenvolvendo construções e estruturas (casa de habitação muros, garagem, anexos e canalizações).
5. Venerando construções, espaços abertos, jardim e culturas, desmoitando terreno a mato e arbustos, derrubando arvoredo como entendia, cuidando das águas, abrindo um poço.
6. Pagando as respetivas contribuições.
7. Sempre à vista de toda a gente, nomeadamente vizinhos, sem oposição ou embaraço de quem quer que seja e na convicção de exercerem um direito próprio, continuadamente, sem prejudicar ninguém e em tudo se comportando como donos e, por todos, como tal sendo considerados.
8. Em data anterior a 31 de agosto de 1977, L. M. iniciou negociações com J. O. no sentido de lhe comprar uma parcela de terreno para construir a sua casa de habitação
9. Daí resultou que concretizou com o referido J. O., verbalmente, um contrato promessa de compra e venda de uma parcela de terreno.
10. Entretanto a M. A., porque andava com a ideia de construir uma casa de habitação para quando se reformasse regressar de França e ter uma vida estável em Portugal, convenceu a irmã e o cunhado a ceder-lhe uma parte da parcela já negociada, pois que assim até podiam mais tarde viver como vizinhos e que permitia uma entreajuda permanente.
11. Acenou até com a hipótese de pouparem nas despesas, já que como era emigrante e tinha transferido nos últimos seis meses anteriores à celebração da escritura pelo sistema de Poupança-Crédito em moeda estrangeira declará-lo-ia na respetiva escritura e compra e venda e ambos beneficiariam da isenção de sisa (conf. al. b) do n.º 1 do art.º 7.º do DL-n.º 540/76 de 09/07 com a redação que lhe é dada pela lei n.º 21-B/77, de 09/04), como o que o L. M. concordou.
12. Houve acordo entre a compradora e o vendedor no sentido de ser esta a aparecer como compradora em vez de L. M., a fim de que, desse modo, o L. M., verdadeiro comprador, viesse a retirar a vantagem de deixar de pagar a correspondente sisa pela transmissão do imóvel (parcela de terreno), já que tudo se passava como se fosse a M. A., portadora do estatuto de emigrante, que aparecia como compradora.
13. O L. M. também acordou nessa matéria com o vendedor e com a sua cunhada M. A. que esta aparecesse como compradora.
14. Entretanto, o L. M. já anteriormente havia tomado posse do terreno e até fizera as medições já que L. M. e M. A. tinham combinado que os dois talhões em que dividiram a parcela comprada teriam a mesma área (no caso 735 metros quadrados cada um deles), sendo que o L. M. ficaria com o talhão Nascente e a M. A. ficaria com o talhão situado a Poente (onde seria construída a sua casa de habitação).
15. Logo pela Primavera de 1978, o L. M. (pai do R.), o R., seu irmão C. C. e um primo pelo lado paterno, começaram a trabalhar na preparação do terreno o lote para a construção da casa do casal L. M./M. V. (a casa do lado Nascente) e foram eles que cavaram os alicerces da mesma.
16. Em fins de 1978, foram então contratados pelo L. M. trabalhadores encabeçados pelo empreiteiro M. S. tendo o L. M. começado a comprar os mais variados materiais de construção, placas, blocos, ferrarias, tintas, areia, cimento, cal, tudo quanto é necessário para a construção de uma casa de habitação.
17. O casal L. M./M. V. e os filhos prestaram trabalho, quer no levantamento de paredes, cobertura do telhado, pintura e colocação de portões e todos os trabalhos de construção da casa que podiam concretizar.
18. Depois de tudo, no ano de 1983, os pais do R., conjuntamente com todo o agregado familiar que era também composto pelos seus filhos C. C. e R. B. (aqui R.) foram os primeiros a ocupar a habitação continuando então aqueles filhos a ocupar o imóvel.
19. As pessoas referidas em II.18 foram as únicas pessoas que ocuparam e usufruíram o imóvel.
20. Passados que foram cerca de dois anos, por meados de 1985, recuperados do desgaste económico provocado pela construção da casa, o L. M. insistiu com a M. A. para se regularizar a situação da sua casa pois que queria construir uma garagem e necessitava de regularizar a situação.
21. A M. A. disse-lhe que já estava a tratar do assunto (como devia e como prometera fazer aquando da compra, de ambos, dos respetivos lotes de terreno) mas que, entretanto, podia já pedir as licenças em seu nome.
22. O L. M. construiu a garagem, toda a família passou a usufruir da mesma, quer para abrigar o automóvel, quer para armazenar múltiplos objetos domésticos (caixas, acessórios, ferramentas, artigos em desuso) que normalmente se guardam nas garagens.
23. Todos, incluindo a M. A., a AD. (mãe dos AA.) e os próprios AA. reconheciam que o casal L. M./M. V. era dono do prédio em causa, nunca colocando em crise tal direito destes últimos.
24. Depois do falecimento de L. M., a viúva M. V. e seus filhos continuaram (tal como anteriormente) a viver no prédio em causa, na posse do mesmo, conservando-o, desenvolvendo construções e reparações, venerando-o (aos seus espaços, jardim, horta, quintal, muros, paredes e mais construções), tratando arvoredo, cuidando das águas e poço.
25. Beneficiando da isenção de contribuição predial.
26. Sempre à vista de toda a gente, nomeadamente vizinhos, sem oposição ou embaraço de quem quer que seja e na convicção de exercerem um direito próprio, sem prejudicar ninguém e continuadamente e em tudo se comportando como donos e por todos como tal sendo considerados.
27. O L. M. levou a cabo a construção da casa de habitação.
28. Contratou trabalhadores de construção civil a quem pagou salários (embora de modo intermitente) durante cerca de 3 anos.
29. Adquiriu materiais de construção (pedra, cal, cimento, areia, juntas, madeiras, ferragens).
30. Adquiriu acessórios que aplicados na construção passaram a ser dela integrantes (portas, janelas, placas, blocos, louças sanitárias, canalizações, vigas, azulejos, soleiras, cabos elétricos, etc.) e as mais variadas minudências necessárias para a aplicação de componentes da construção.
31. Posteriormente construiu uma garagem.
32. Em tudo o que gastou quantia superior a € 150.000,00 (cento e cinquenta mil euros).
33. Este gasto acrescentou igual valor ao terreno em que assenta.
34. A parte de terreno em que se encontra assente a construção (casa de habitação, garagem, horta e jardim) tinha, antes das obras, o valor de € 15.000 (quinze mil euros).
35. Das três irmãs, só a M. A. tinha uma vida boa em termos financeiros.
36. A M. A. emigrou com o único propósito de dar uma vida condigna às suas irmãs e família.
37. Os pais do Réu/Reconvinte viviam com dificuldades económicas e não tinham dinheiro para "mandar cantar um cego".
38. A tia M. A. foi ajudando as famílias das duas irmãs.
39. Quando vinha de França referia sempre que iria arranjar um alojamento condigno para as irmãs habitarem com os seus familiares.
40. O L. M. atuou sempre como procurador da cunhada M. A..
41. Agindo sempre em nome da sua cunhada M. A. contratou os "trolhas" e comprou alguns dos materiais.
42. Tendo o cuidado de pedir documentos de todas as despesas que ia tendo, para a cunhada M. A. posteriormente lhe pagar.
43. A M. A. pagou ao L. M. todas as despesas gastas na construção da casa.
44. A Autora M. J. e o marido ocuparam a casa até cerca de meados do ano de 1984.
45. A ocupação do imóvel pelos pais do Réu, assim como este, foi autorizada, temporariamente e por caridade, pela M. A..
2.º
Como é sabido, "as conclusões exercem (…) a importante função de delimitação do objeto do recurso, como clara e inequivocamente resulta do art. 635.º n.º 3. (…) [e] as conclusões do recurso devem corresponder à identificação clara e rigorosa daquilo que se pretende obter do Tribunal Superior" (6); elas "definem o objeto do recurso" (7).
Assim, no requerimento de interposição de recurso, ao identificar a decisão de que se recorre, o recorrente circunscreve, numa primeira vez, o objeto do recurso. Depois, ele tem a faculdade de, nas conclusões, o restringir, questionando apenas segmentos da decisão de que recorreu.
Então, no nosso caso, para além das questões relativas à matéria de facto, nas suas conclusões o réu só suscitou as duas questões de direito - aquisição do prédio em causa por usucapião e por acessão industrial imobiliária - que figuram nas conclusões 10.ª à 14.ª. Nas conclusões 15.ª e 16.ª, ao dizer qual deve ser o conteúdo da decisão condenatória, o réu não está a submeter à apreciação do tribunal ad quem qualquer questão.
3.º
Em primeiro lugar, antes de iniciarmos a operação de reapreciação da prova produzida, parece oportuno realçar alguns aspetos do processo, para depois se compreender melhor certas referências que irão surgir.
Convém dar nota de que M. A. era irmã, tanto da mãe dos autores (AD.), como da mãe do réu (O. M., casada com L. M.), pelo que aqueles e este são primos.
M. A. esteve emigrada em França durante vários anos.
Também é certo que foram construídas na ... duas casas; uma ao lado da outra.
Na tese dos autores, as duas casas eram da sua tia M. A., que comprou o terreno onde elas estão implantadas e que as mandou construir, com o propósito de em cada uma delas viver uma das suas irmãs.
Na tese do réu a casa aqui em disputa, nunca pertenceu à tia M. A., pois o terreno onde ela se ergueu era do seu (do réu) pai L. M., que foi quem depois a mandou construir e suportou os respetivos custos.
Assim, quando falarmos da "casa" ou "prédio" estamos a referir-nos ao imóvel em discussão nestes autos. E a alusão a "outra casa" ou a "segunda casa" reporta-se àquela que é pacífico que pertenceu à tia de ambas as partes M. A..
E com a expressão "tia" queremos referir-nos a M. A..
Em segundo lugar, da alínea a) do n.º 1 do artigo 640.º resulta que a impugnação da decisão sobre a matéria de facto tem (somente) por objeto os "pontos de facto que [o recorrente] considera incorretamente julgados".
Significa isso que essa ferramenta processual não permite excluir dos factos provados qualquer facto que o recorrente entenda ser "irrelevante para o caso em apreço".
Portanto, o facto 23 dos factos provado, a que o réu se refere na conclusão 4.ª, manter-se-á entre os provados.
4.º
Ouvidos os depoimentos prestados na audiência de julgamento e examinados os documentos e a perícia juntos aos autos, temos que nas suas declarações, tanto os autores, como o réu, depuseram de forma manifestamente parcial, reafirmando, no essencial, o que já tinham deixado dito nos seus articulados (8). O melhor exemplo dessa parcialidade é, talvez, a afirmação do autor C. B. de que aquilo que se diz na contestação "é uma parvoíce" (9).
Quanto ao réu há a destacar que ele não apresentou qualquer explicação minimamente razoável para que os seus pais (principalmente o seu pai) e posteriormente ele nunca terem agido de forma a que a titularidade do prédio em disputa ficasse registada em nome daqueles ou da herança aberta por óbito deles.
Acerca deste ponto veja-se que o réu declarou que o pai foi falar com um advogado. Mas era muito "complicado" ir para tribunal e o pai estava doente (10). E justificou o facto de o advogado então não ter feito nada dizendo que ele necessitava de "mais informações, não sei", "não teve uma informação real do que fosse". E quanto a si (11) esclareceu que só foi falar com "o meu" advogado depois da sua mãe ter falecido (2017). E esse advogado disse-lhe "você está na casa. Não saia. Quem depois quiser que vá para tribunal."
A credibilidade do seu depoimento também é abalada por, ao ser-lhe perguntado se foi o primeiro a ir habitar a casa e se tinha a certeza disso, ter respondido prontamente "absoluta". Porém, depois, por insistência do Meritíssimo Juiz, acaba por reconhecer que na casa também vivia a autora M. J. e o seu marido, mas "não posso precisar ao certo" se eles já lá estavam quando foi para lá viver, assegurando então que "tenho a noção de que fui um dos primeiros a ir para lá".
E no que se refere ao pagamento dos impostos devidos por causa da titularidade do imóvel disse que "acredita-se que a minha tia pagava", "era a nossa noção" (12).
Por sua vez, os quatro autores relatam um desentendimento da tia com o réu, em que este "puxou" de uma faca, deixando a ideia de que isso terá estado na base da alteração do testamento daquela e de no segundo (16-4-1998) este não ter sido incluído.
Os autores J. M. (13) e O. M. declararam que a mãe do réu queria que a tia pusesse esse bem em nome dela. Já o interveniente V. G. e a sua mulher, a autora M. J., dizem que o pedido foi feito pelo pai do réu. Esta afirma que em 1984/1985 o pai do réu "chegou a exigir" que a tia "pusesse a casa" em nome dele.
Mas a tia terá sempre respondido que até falecer não colocava as casas em nome das irmãs.
Fica por perceber por que é que o autor C. B. disse que "acho" que o imóvel ficou em nome da tia para "poupar na …", dado que era emigrante, pois também afirma que foi ela quem pagou o preço da aquisição, quem escolheu o terreno, quem pagou a construção da casa e que o prédio é dela.
O interveniente V. G. declarou que por volta de 1983 passou a ser ele o procurador da tia e que o pai do réu deixou de ter esse papel por aquela ter perdido a confiança nele, "as contas não batiam muito certas".
5.º
As testemunhas M. B. (14), F. O. (15) e R. S. (16), arroladas pelos autores, depuseram no sentido de que a casa pertencia a M. A.. Nos seus depoimentos não há nada que sustente as pretensões do réu de alteração da matéria de facto; antes pelo contrário.
Por sua vez, a testemunha E. P. (17), também arrolada pelos autores, não mostrou conhecer qualquer facto relevante. Nomeadamente, não mostrou ter conhecimento de que os autores tinham o propósito de dar de arrendamento a casa em causa nos autos. Ele apenas acompanhou os autores C. B. e J. M. quando estes uma vez falaram com o réu à porta da casa. Mas nessa ocasião ficou a alguma distância e unicamente se apercebeu de que eles discutiram, tendo então ouvido algumas palavras como, "renda" e "contrato".
Quanto a esse facto, deve também, desde já, dizer-se que o depoimento de R. S. não nos permite chegar a um patamar mínimo de certeza de que os autores tinham, realmente, a intenção de arrendar a casa. Quanto a essa matéria ela só disse que "acho que a casa é para alugar". Mas não relatou qualquer facto objetivo de que resulte tal vontade. Estamos perante uma mera conjetura.
6.º
No que se refere aos depoimentos das testemunhas arroladas pelo réu verifica-se que E. F. não tem conhecimento de qualquer facto com interesse para o que se discute neste recurso. Ele desconhece o diferendo que possa existir. Fica a ideia de que não contacta com o réu há muito tempo (18); pelo menos nunca o visitou na casa em que ele presentemente vive.
B. M. (19) declarou que não sabe de quem são as casas, que se comentava que a casa era do pai do réu, "agora se é ou não", e que o pai do réu nunca lhe falou sobre a questão da propriedade da casa.
R. M. (20) afirmou, logo no início do seu depoimento, que não sabe quem comprou o terreno, quem fez a casa e quem pagou os materiais. Mais disse que não vive, nem viveu perto da casa. Ouvia falar que foi o pai do réu quem esteve à frente da obra de construção da casa. Sabe que o pai do réu depois foi viver essa casa e ouvia dizer que a casa é dele.
F. M. (21) disse que trabalhou, como trolha, na construção das duas casas na fase dos acabamentos, durante cerca de 3 a 6 meses, e que "quem nos tratou para a fazer [a casa] era ele [o pai do réu], quem nos pagava era ele, quem dava ordens era ele. Era ele o dono." O seu irmão era o empreiteiro da obra. Não tem conhecimento do negócio da compra do terreno; "não sei nada". Considera que a casa era do pai do réu e não ouviu nada em contrário. Esclarece que nunca foi visitar a casa e que há "30 e tal anos" que não "vou lá".
P. M. (22) soube que o pai do réu "estava a fazer uma casa" que foi feita aos "bocados". Ouvia dizer que os pais do réu eram os donos da casa. Considera que a casa era deles porque foram eles quem a construir; "não era mais ninguém". E os pais do réu viveram lá até morrerem.
J. O. tomou conta da mãe do réu durante 5/6 anos, até à morte dela (2017). Antes de ir para lá trabalhar não conhecia a família. Quanto à propriedade da casa ouviu a "história que o R. B. me contava", "não tinha confiança com mais ninguém ali". Só o réu é que lhe falou sobre esse assunto.
E. A. (23) diz saber que os pais do réu construíram uma casa para irem para lá viver. Depois de eles aí viverem foi a essa casa "uma vez ou duas". Sempre ouviu dizer que a casa era deles e que o pai do réu comprou o terreno. "Para mim era a casa deles". Mas também afirma que não sabe como foi feito o negócio da casa.
M. S. (24) declarou que foi contratado, como empreiteiro, pelo pai do réu para a construção das duas casas. Não houve contrato assinado e o trabalho era pago à hora. Era o pai do réu quem dava as ordens, quem lhe pagava e o responsável por colocar na obra todos os materiais.
Considera que a casa para onde os pais dos réus foram viver era deles. Depois dela estar concluída fez uma outra casa "para a cunhada" que estava em França. Nessa construção tudo se passou da mesma forma, "igualzinho". Iniciou a construção desta segunda casa "meia dúzia de meses" depois de acabar a primeira.
Portanto, as testemunhas R. M. e B. M. não sabem de quem é a casa e as testemunhas P. M. e E. A. consideram que a casa era dos pais do réu por serem eles quem lá vivia e por ser isso que ouviam dizer. A testemunha J. O. só sabe o que o réu lhe contou. Já as testemunhas F. M. e M. S. (25) consideram que a casa era dos pais do réu por ser o pai dele quem contratou e dirigiu a respetiva obra. Mas ambos, mais o segundo do que o primeiro, reconhecem que foi nesse mesmo contexto que trabalharam na obra da segunda casa e não extraírem daí a mesma conclusão.
Esta prova testemunhal é claramente insuficiente para que se possa considerar que ficou demonstrado, com um mínimo de segurança, o conjunto de factos que o réu menciona neste recurso e que, direta ou indiretamente, se referem à alegada aquisição do imóvel por usucapião.
7.º
Quanto à prova documental, como se deixou dito na sentença recorrida, temos:
«a). a fls. 229 e uma declaração subscrita por J. O. e com data de 31 de agosto de 1977, em que este declara ter vendido a L. M. (pai do Réu – cfr. certidão de fls. 223) uma parcela com 1.450 m2, pelo preço de Esc. 145.000$00, sita no Lugar da ..., freguesia de ..., onde aquele também declara ter recebido Esc. 80.000$00, sendo o restante pago no dia da escritura; b). a fls. 235 e seg., um conjunto de faturas emitidas por M. O. a L. M., não numeradas, e com datas entre 27 de outubro de 1978 até 10 de julho de 1982; c). a fls. 258 e seg., outras faturas e "vendas a dinheiro", emitidas a L. M., datadas desde 14 de fevereiro de 1979 até 17 de setembro de 1982; d). a fls. 273 e seg., um requerimento apresentado por L. M. ao Presidente da Câmara Municipal .... em 3 de julho de 1985, pedindo a concessão de licença por 90 dias, para proceder no lugar ..., freguesia do ..., a obra de construção destinadas a garagem"; e). a fls. 275 e seg. uma declaração de responsabilidade, datada de 3 de julho de 1985, uma memória descritiva e justificativa e uma estimativa orçamental tudo relativo ao "projeto de r/ch destinado a garagem que L. M. pretende levar a cabo no Lugar de ..."; f). a fls. 280 o alvará de licença para obras nº. 1387, datado de 6 de agosto de 1985 e concedido a L. M. para construção de "um anexo destinado a garagem" em ..., ...; g). a fls. 279 a planta topográfica referente a tal projeto de construção de uma garagem; h). a fls. 218 a missiva da Câmara Municipal ...., datada de 15 de novembro de 1999, remetida a M. V. (mãe do Réu e então viúva de L. M.s – cfr. certidões de fls. 221 e de fls. 223) referente à instalação de Ramal Domiciliário de Esgotos n.º …, a instalar na habitação sita na Rua ..., n.º ..., ...; i). a fls. 282 e seg., as guias de receita referentes ao pagamento do ramal domiciliário para saneamento n.º 137 instalado naquela morada e emitidas em nome daquela M. V.; j). a fls. 141 e seg., uma memória descritiva e justificativa apresentada na Câmara Municipal .... a 18 de maio de 1978 e respeitante a obra que M. A. pretende levar a cabo "no seu terreno sito no Lugar da ..., freguesia de ... (constando da primeira folha da mesma uma assinatura do nome L. M.); l). a fls. 142 e seg., uma memória descritiva de saneamento, uma estimativa orçamental e uma ficha eletrotécnica, em que constam como requerente M. A., apresentadas na Câmara Municipal .... a 18 de maio de 1978; m). a fls. 145 e seg., as plantas topográficas referentes a projeto de uma moradia em que consta como requerente M. A., entradas na Câmara Municipal .... em 20 de junho de 1980; n). a fls. 147, uma procuração datada de 14 de agosto de 1978 em que M. A. declara constituir seu procurador L. M. concedendo-lhe "poderes para a representar em qualquer Repartição Pública ou Particular em que a sua presença se torne necessária, podendo assinar todos e quaisquer documentos que sejam necessários para os indicados fins"; o). a fls. 148 e seg., o Modelo 129 referente à inscrição na matriz do prédio com a área total de 735 m2, a que coube o artigo urbano ....º, em nome de M. A., assinado por L. M., na qualidade de procurador, e datado de 27 de Dezembro de 1983, aí constando, em sede de observações que "o prédio foi implantado em parte do terreno adquirido por escritura de 29/12/997 (…) tendo a declarante ficado isenta do pagamento de sisa para compra do referido terreno"; p). a fls. 150 e seg., uma memória descritiva e justificativa apresentada na Câmara Municipal .... a 20 de junho de 1980 e respeitante a obra que M. A. pretende levar a cabo "no seu terreno sito no Lugar da ..., freguesia de ... (constando da primeira folha da mesma uma assinatura do nome M. A.); q). a fls. 151 e seg. estimativa orçamental, uma ficha eletrotécnica e cálculos de betão, em que constam como requerente M. A., apresentadas na Câmara Municipal .... a 20 de junho de 1980; r). a fls. 158 e seg., o Modelo 129 referente à inscrição na matriz do prédio com a área total de 1470 m2, a que coube o artigo urbano ....º, em nome de M. A., assinado por L. M., na qualidade de procurador, e datado de 17 de abril de 1985, aí constando, em sede de observações. "o terreno foi adquirido por escritura de 29/12/997 (…) o qual foi comprado a J. O."».
8.º
Verifica-se que após a declaração particular de venda de J. O. ao pai do réu, a 31 de agosto de 1977, do prédio que depois vem a ser dividido nos dois "talhões" em que são construídas as duas casas, aconteceram, entre outros, quatro quatros factos de extrema importância que nos direcionam para um sentido oposto.
O primeiro é a celebração da escritura de compra e venda, a 29 de dezembro de 1977, pela qual M. A. compra à mesma pessoa - J. O. - o mesmo prédio.
O segundo é a emissão da procuração de 14 de agosto de 1978, pela qual M. A. constitui seu procurador o pai do réu.
O terceiro é a subscrição pelo pai do réu, na qualidade de procurador da proprietária do bem adquirido "por escritura de 27/12/977", leia-se de M. A., do documento relativo à contribuição predial de 1983 do prédio em causa nos autos.
O quarto é a subscrição pelo pai do réu, na qualidade de procurador de M. A. dos "Modelo 129", das folhas 148 e 158, para a inscrição na matriz, em nome desta, do prédio com a área total de 735 m2, com o artigo urbano ....º, e do prédio com a área total de 1470 m2, com o artigo urbano ....º, datados, respetivamente, de 27 de dezembro de 1983 e de 17 de abril de 1985.
Ao atuar como procurador de M. A. o pai do réu mostra que aceitou agir nessa qualidade e está, implicitamente, a reconhecer a validade da compra por aquela feita através da escritura pública de 29 de dezembro de 1977 e a aceitar que, fosse qual fosse o acordo que pudesse ter tido antes com J. O., tal negócio estava dado como "findo".
A isto temos que acrescentar mais um facto e uma omissão.
O facto é a condição de emigrante, em França, de M. A., que significa que estava impedida de no dia a dia tratar dos seus assuntos em Famalicão (26). Fazia, assim, todo o sentido ter aí um procurador.
A omissão consiste na ausência de reação do pai e da mãe do réu, e deste após a morte de qualquer um deles (27), na defesa do que agora se alega, em sede de reconvenção, ser o direito de propriedade sobre a casa. Não agiram, nem extrajudicialmente, nem judicialmente; não dirigiram nem uma carta a M. A. ou aos autores, nem instauraram qualquer tipo de ação. Deixaram arrastar, por quase 40 anos, uma situação que, existindo o direito que o réu agora invoca, lhes era muito desfavorável. E tratava-se da casa onde habitavam.

Aqui chegados, tal como se considerou na decisão recorrida, não é "possível concluir, com segurança, em que qualidade foram praticados determinados atos pelo L. M., se em nome próprio, se por conta e em representação da M. A.". Ao dirigir os trabalhos relativos à construção das duas casas, repete-se da duas casas (28), o pai do réu pode ter passado para o exterior a ideia de que lhe pertencia aquela que veio a habitar, mas, na verdade, sabendo nós que ele era procurador de M. A., no mínimo, temos que admitir a possibilidade de aquele ter sempre atuado em representação desta; não podemos dizer, com a necessária segurança, que, designadamente quando conduziu os trabalhos de construção da casa, o pai do réu agiu como estando a tratar de coisa sua.
9.º
No que se refere à conclusão 4.ª do recurso do réu temos que:
Quanto aos períodos que o réu diz ter vivido na casa também não há prova de as coisas se terem passado como ele descreve. Desde logo, no seu depoimento o réu disse que, antes de se ter mudado definitivamente para a casa (29), viveu lá por três períodos (30), um de 6 meses, quando se casou (31), outro de 2 anos e um terceiro de 8 anos, mas não situou no tempo este dois últimos. Os autores reconhecem que o réu viveu na casa quando ele se casou. Segundo F. O. o réu foi "para ali" a partir dos anos noventa, depois de se divorciar. B. M. não se lembra de quando o réu foi para lá viver. F. M. assegura que antes do pai do réu ir habitar a casa ninguém viveu nela. P. M. relata que aquando do fim da construção da casa o réu já era casado e não foi para aí viver. Acrescenta que depois dele casar foi viver para casa dos sogros. E. A. afirma que não tem conhecimento de que alguém tenha vivido na casa antes dos pais do réu; "eles é que estrearam a casa", "tenho a certeza". E os documentos que o réu menciona não provam o que ele agora afirma.
Assim, o facto 9 mantém-se como se encontra.
No facto 10 regista-se que não há prova que nos assegure que interpelações houve para o réu desocupar a casa. Temos como certo que houve uma em novembro de 2017, pois ambas as partes aceitam que isso aconteceu. Assim, a redação do facto 27 deve refletir isso.
O facto 23 mantém-se conforme o que já se disse.
No facto 24 a prova não é inequívoca quanto à data em que os pais do réu foram viver para a casa. Mas, é clara no sentido de que, pelo menos, já lá viviam em 1985. E também é clara quanto aos pais do réu aí terem vivido até às suas mortes, estando a data destas mortes já nos factos provados (32).
Contudo não há prova de que o réu tenha ido para lá viver definitivamente após a morte do pai. Lembra-se que é o próprio réu quem diz que aí vive há 14 anos, ou seja desde por volta de 2005.
No facto 25 o réu quer introduzir um facto não admissível que é o de se dizer que não há prova de certo acontecimento. Os factos provados não se destinam a mencionar se há ou não prova de um facto; destinam-se a descrever o facto.
De qualquer modo, recorda-se que, quanto ao pagamento de imposto por parte de M. A. - facto que não está em causa no facto 25 -, é o próprio réu quem afirma que "acredita-se que a minha tia pagava", "era a nossa noção".
Da prova pericial (33), designadamente da resposta ao quesito 2.º, resulta que o facto 27 deve ter o conteúdo que o réu menciona. E veja-se que o réu tinha alegado um valor que considerava que as obras levadas a cabo tinham acrescentado ao imóvel (34).
No que se refere à conclusão 8.ª do recurso do réu temos que:
Aqui o réu quer que se julgue provados os factos 4, 8, 16, 17, 18, 22, 23, 24, 25, 27, 28, 29, 30 e 31, acrescentando em vários deles uns outros factos que lá não se encontram descritos.
Pelas razões expostas na decisão recorrida e as acima apontadas, os factos 4, 8, 16, 17, 18, 22, 23, 24, 25, 27, 28, 29, 30 e 31 devem manter-se como não provados. E por isso mesmo, independentemente de qualquer outro motivo, o juízo de não provado estende-se, naturalmente, ao que o réu quer aditar a esses factos.
Na conclusão 5.ª o réu quer levar aos factos provados factos que considera serem "uns essenciais e alegados e outros instrumentais".
Ora, são factos essenciais "os que concretizando, especificando e densificando os elementos da previsão normativa em que se funda a pretensão do autor ou do reconvinte, ou a exceção deduzida pelo réu como fundamento da sua defesa, se revelam decisivos para a viabilidade ou procedência da ação, da reconvenção ou da defesa por exceção, sendo absolutamente indispensáveis à identificação, preenchimento e substanciação das situações jurídicas afirmadas e feitas valer em juízo pelas partes. Os factos instrumentais destinam-se a realizar prova indiciária dos factos essenciais, já que através deles se poderá chegar, mediante presunção judicial, á demonstração dos factos essenciais correspondentes – assumindo, pois, em exclusivo uma função probatória e não uma função de preenchimento e substanciação jurídico-material das pretensões e da defesa." (34)
Vejamos.
Seguiremos a numeração dada pelo réu na conclusão 5.ª.
A construção do edifício novo, referida em 30, já está dada como provada (36). E os documentos invocados não provam que o mesmo foi "declarado ocupado e habitável em 09/12/1983".
Os factos que estão em 31, 39, 40, 41, 46, 49, 52, 52 e 53 não são factos essenciais ou instrumentais.
O mesmo acontece em 32, sendo que a filiação do réu já está nos factos provados, designadamente no facto 29.
O que está em 33 já se encontra nos factos 24 e 28 dos factos provados.
O que se encontra em 34 foi alegado nos artigos 23.º e 24.º da contestação, está documentado nos autos (37) e deve ser levado aos factos provados.
A escritura referida em 35 já se encontra no facto 1 dos factos provados. E nela consta que a transmissão está isenta de Sisa nos termos do artigo 7.º n.º 1 a) do Decreto-Lei 540/76, de 9 de junho. Este último facto deve, então, ser levado aos provados.
Considerando as dúvidas já expostas quanto à atuação do pai do réu em nome próprio ou em representação de M. A. não se pode dar como provado o que está em 36 e 43.
O que está em 37, 38 e 42 e é relevante já se encontra nos factos 13 a 15 e 17 dos factos provados. O resto não é um facto instrumental ou essencial.
Não há prova suficiente para o que está em 44.
O que está em 45, que não figura ainda nos factos provados, não é um facto instrumental ou essencial.
O que está em 47, 48 e 50, com exceção das datas da ocupação dos imóveis, é relevante e está documentado nos autos (38). Deve ser levado aos factos provados o que resulta desses documentos, o que não inclui a data da ocupação dos bens.
Na conclusão 6.ª o réu pretende que se adite aos factos provados factos que afirma terem sido confessados pelos autores nas declarações que prestaram na audiência de julgamento.
Conforme determina o n.º 1 do artigo 463.º, "o depoimento [de parte] é sempre reduzido a escrito, na parte em que houver confissão do depoente, ou em que este narre factos ou circunstâncias que impliquem indivisibilidade da declaração confessória." (39)
Verifica-se, pela leitura das atas da audiência de julgamento, que não se reduziu a escrito qualquer confissão feita pelos autores.
Deste modo, "havendo confissão judicial, a força probatória plena contra o depoente depende da sua redução a escrito, isto porque, se o não for, é livremente apreciada pelo tribunal, mesmo que se encontre gravada." (40)
Para este efeito não podemos desconsiderar que o n.º 2 daquele artigo estabelece que "a redação incumbe ao juiz, podendo as partes ou seus advogados fazer as reclamações que entendam."
Para os advogados e/ou as partes poderem reclamar da redação dada pelo juiz têm, como é evidente, que estar presentes no momento em que esta é elaborada pelo julgador.
Em sede de recuso, os advogados e as partes não estão presentes quando o tribunal ad quem, na operação de reapreciação do julgamento da matéria de facto, redige o texto do facto que, ao ouvir as gravações dos depoimentos, possa considerar estar confessado.
Portanto, a gravação do depoimento não substitui a exigência de, no decorrer da prestação do depoimento de parte, se reduzir a escrito o facto que for confessado.
Não há, então, qualquer facto que, se por hipótese foi confessado, tenha força probatória plena e tenha que, independentemente domais, ser levado aos factos provados.
Assim, os depoimentos de parte dos autores são livremente apreciados pelo tribunal.
Por outro lado, o artigo 352.º do Código Civil diz-nos que a "confissão é o reconhecimento que a parte faz da realidade de um facto que lhe é desfavorável e favorece a parte contrária." Na verdade, "a confissão é uma declaração de ciência (não uma declaração constitutiva, dispositiva ou negocial), pela qual uma pessoa reconhece a realidade de um facto que lhe é desfavorável (contra se pronuntiatio) - dum facto cujas consequência jurídicas lhe são prejudiciais e cuja prova competiria, portanto, à outra parte, nos termos do artigo 342.º do Código Civil" (41).
Voltando à conclusão 6.ª, sem prejuízo de se recordar que se considerou parciais e merecedores de pouca confiança os depoimentos dos autores (e o do réu), regista-se que não se encontra em 54 a 63 qualquer facto que, em relação àqueles, se deva considerar como sendo um "facto que lhe é desfavorável e favorece a parte contrária."
Com a conclusão 7.ª o réu visa levar aos factos provados factos "narrados durante a audiência de julgamento que (…) contribuem para um melhor esclarecimento da verdade".
Está, então, o réu a referir-se novamente a factos instrumentais.
Em 64 a 83 temos algumas conclusões, nomeadamente 64, 81 e 82, pois só são factos "as ocorrências concretas da vida real" (42), isto é, os "fenómenos da natureza, ou manifestações concretas dos seres vivos, nomeadamente os atos e factos dos homens" (43), o que inclui "os eventos do foro interno, da vida psíquica, sensorial ou emocional do indivíduo." (44)
Há também alguns factos em relação aos quais, direta ou indiretamente, quanto ao que é relevante e não acessório, já se formularam juízos de provado ou de não provado, como em 65, 66, 67, 68, 70, 71, 72, 75, 76, 77, 79 e 80. Por exemplo, não esqueçamos que se deu como provado, com tudo o que daí emerge, que os pais do réu viveram na casa desde pelo menos 1985 até morrerem e que o réu aí vive.
Encontramos ainda factos que não são instrumentais, alguns deles são até verdadeiramente irrelevantes, como em 69, 73, 74, 78 e 83 e as alusões ao interveniente C. C. ter vivido na casa feitas em 66 e 68.
10.º
Pelo que já se disse, não há prova que suporte o julgamento de provado do facto 3 dos factos não provados, a que se referem os autores no seu recurso subordinado.
11.º
Estão provados os seguintes factos:
1. Por escritura pública outorgada aos 29 de dezembro de 1977, J. O. e mulher declararam vender a M. A., que declarou comprar, pelo preço de Esc. 28.400$00 uma parcela de terreno com a área de 1470 m2, sita no Lugar ..., da freguesia de ..., do concelho de Vila Nova de Famalicão, (…) que faz parte da descrição predial nº. ... e do artigo ... rústico (cfr documento junto a fls. 44 verso e seg., a fls. 108 a 111 e a fls. 133 a 139).
2. Por testamento outorgado aos 21 de Agosto de 1985, M. A. declarou, em primeiro testamento e por conta da quota disponível, legar a sua irmã M. V., o prédio urbano composto por casa de habitação de e junto quintal, sito na no Lugar da ..., ..., inscrito na matriz sob o artigo ....º (cfr. documento de fls. 129 verso e seg., cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido) e a sua irmã AD., o seu prédio de habitação, composto por casa de habitação, com cave e rés-do-chão e junto quintal, sito no mesmo lugar da ..., à data omisso à matriz.
3. Por testamento outorgado aos 16 de Abril de 1998, M. A. declarou revogar qualquer outro testamento feito anteriormente e legar a C. C., filho de sua irmã M. V., e a M. J., a C. B., a J. M. e a O. M., estes filhos da sua irmã AD., em comum e partes iguais, o prédio urbano constituído por casa de habitação de rés-do-chão com 5 divisões, sito na Rua ..., nº. ..., também conhecida por lugar da ..., ..., concelho de Vila Nova de Famalicão, inscrito na matriz sob o artigo ....º (cfr. documento de fls. 9 verso e seg., cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido).
4. Neste mesmo testamento, M. A. declarou legar a sua irmã AD., o seu prédio urbano composto por casa de habitação, com cave e rés-do-chão e junto quintal, sito no Lugar da ..., inscrito na matriz sob o artigo ....º (cfr. documento de fls. 9 verso e seg., cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido).
5. O imóvel referido em 3. está atualmente descrito com a área de 735 m2 sob o n.º ... na Conservatória do Registo Predial de Vila Nova de Famalicão e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ....º da União de freguesias de … e ..., artigo matricial este que teve origem no anterior artigo urbano n.º ....º da extinta freguesia de ..., concelho de Vila Nova de Famalicão (cfr. documentos de fls. 10 verso e seg. e de fls. 11 verso e seg., cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido).
6. Por documento de 10 de abril de 2012, aquele C. C. declarou repudiar aquele legado, tendo o respetivo cônjuge prestar o necessário consentimento para o ato (cfr. documento de fls. 11 verso e seg., cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido).
7. Por documento de 11 de abril de 2012, L. B. e C. B., solteiros, filhos daquele C. C. declararam repudiar "o legado que por direito de representação lhe pertencia após o repúdio inicial de seu pai" (cfr. documento de fls. 15 verso e seg., cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido).
8. A aquisição do direito da propriedade do imóvel referido em 3. e 5. está registada a favor dos Autores pela Ap. 3083, de 2012/04/30, tem como causa "legado" (cfr. documento de fls. 10 verso e seg., cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido).
9. Desde data não concretamente apurada que o Réu habita o prédio referido em I.3 e I.5 e recusa-se a fazer a sua entrega aos Autores.
10. Em novembro de 2017 o réu foi interpelado para desocupar o prédio.
11. O prédio referido em I.3 e I.5 tem um valor locativo mensal de € 460,00 (quatrocentos e sessenta euros).
12. A construção da casa do lado nascente foi a primeira a ser iniciada.
13. Em 03/07/1985, L. M. requereu à Câmara Municipal .... "a concessão de licença por 90 dias, para proceder no lugar ..., freguesia do ..., a obra de construção destinadas a garagem".
14. O projeto foi aprovado em reunião da Câmara Municipal .... em 31/07/1985.
15. Foi, entretanto, passado o Alvará de Licença de Obras n.º … em 06/08/1985, concedido a L. M., válido até 4 de novembro de 1985.
16. Em 3 de Julho de 1995 faleceu L. M..
17. A Câmara Municipal concedeu à viúva M. V. a instalação do "Ramal Domiciliário de Esgotos n.º …, a instalar na habitação sita na Rua ..., n.º ..., 4760 - ...", Vila Nova de Famalicão.
18. Do que resultou que o ramal domiciliário para saneamento n.º … foi instalado e a M. V. pagou o seu custo em prestações.
19. A M. A. (solteira), O. M. (mãe do Réu/Reconvinte) e AD. (mãe dos Autores) eram irmãs.
20. A M. A. era emigrante em França.
21. Os pais do Réu/Reconvinte habitavam uma casa com poucas condições de habitabilidade e salubridade, numa "ilha" sita no lugar da ..., freguesia de ..., concelho de Vila Nova de Famalicão.
22. A mãe dos Autores habitava também um prédio sem condições de habitabilidade e salubridade.
23. Quem habitou a casa pela primeira vez, em data não concretamente apurada, foi a Autora M. J. e o marido V. G..
24. Só depois é que a casa foi ocupada pelos pais do Réu, que aí viveram, pelo menos, desde 1985 até às suas mortes.
25. Nem o Réu, nem os seus pais, pagaram alguma vez o imposto IMI.
26. O terreno de onde foi implantada a construção valia, respetivamente, € 2 057,68, € 2 400,90, € 2 882,04 e € 3 537,70 em 1979, 1980, 1981 e 1982.
27. As obras levadas a cabo, que se consubstanciarem na construção da casa de habitação, garagem, anexos, jardim, horta e pomar, realizadas nos anos de 1979 a 1985, trouxeram à parcela de 735 m2 o valor de € 13 653,36.
28. Em 2 de Novembro de 2017 faleceu M. V..
29. Os únicos os herdeiros de L. M. e esposa M. V. são seus filhos C. C. e o Réu R. B..
30. J. O. fez a declaração que se encontra na folha 229, datada de 31 de agosto de 1977, onde afirma ter vendido a L. M. uma parcela com 1450 m2, pelo preço de Esc. 145.000$00, sita no Lugar da ..., freguesia de ..., ter recebido Esc. 80.000$00 e que o restante preço seria pago no dia da escritura.
31. A transmissão a que se refere a escritura mencionada em I.1 esteve isenta de Sisa nos termos do artigo 7.º n.º 1 a) do Decreto-Lei 540/76, de 9 de junho.
32. Com data de 14 de agosto de 1978, M. A. declarou constituir seu procurador L. M. concedendo-lhe "poderes para a representar em qualquer Repartição Pública ou Particular em que a sua presença se torne necessária, podendo assinar todos e quaisquer documentos que sejam necessários para os indicados fins".
33. A 27 de dezembro de 1983, L. M. invocando a qualidade de procurador de M. A., apresentou nas Finanças uma declaração para inscrição na matriz, em nome desta, do prédio com a área de 735 m2 e com o artigo urbano ....º.
34. A 17 de abril de 1985, L. M. invocando a qualidade de procurador de M. A., apresentou nas Finanças uma declaração para inscrição na matriz, em nome desta, do prédio com a área de 1470 m2 e com o artigo urbano ....º,
12.º
O réu defende que se "operou a usucapião ou prescrição aquisitiva a favor dos pais do R. e por conseguinte em favor dos seus herdeiros com efeitos partir de 31/08/1977" (45).
Essa aquisição pressupunha que houvesse uma significativa modificação nos factos julgados provados, nos termos expostos nas conclusões 4.ª a 8.ª, nomeadamente levando para esse grupo os factos que o tribunal a quo tinha considerado não estarem provados.
Isso não aconteceu, o que é quanto basta para o insucesso desta pretensão.
Não obstante, neste capítulo afigura-se oportuno lembrar que o réu formulou o pedido (reconvencional) de "ser declarado que o R. (conjuntamente com seu irmão, co-herdeiro C. C.) são donos, senhores, legítimos possuidores e proprietários do prédio identificado e descrito nos n.ºs 1 e 4 da petição inicial" (sublinhado nosso).
Todavia, como refere na contestação-reconvenção (46), na resposta à réplica (47) e nas alegações de recurso (48), o prédio "pertence ao acervo hereditário por óbito dos (…) [seus] pais e transmitiu-se por sucessão hereditária aos filhos" (49), que são o réu e o interveniente seu irmão C. C..
E, como explica nos artigos 23.º e 24.º da resposta à réplica, o réu entende que "os dois co-herdeiros C. C. e R. B. são mesmo proprietários do prédio", na medida em que "os co-herdeiros são os proprietários do acervo hereditário sem distinção de parte, mas detém um direito de quinhão hereditário, ou seja, à respetiva quota parte ideal da herança global em si mesma, direitos esses de que tais herdeiros têm a propriedade".
De notar igualmente que o réu, não só não alega que já foram feitas as partilhas por óbito dos seus pais (50), como também acaba por, implicitamente, deixar claro que isso ainda não aconteceu.
Ora, na herança indivisa "estamos perante uma universalidade composta por património autónomo, em que os herdeiros não detêm direitos próprios sobre cada um dos bens hereditários e nem sequer são comproprietários desses bens, mas apenas titulares em comunhão de tal património". (51) Por isso, "até à partilha os co-herdeiros de um património comum, adquirido por sucessão mortis-causa, não são donos dos bens que integram o acervo hereditário, nem mesmo em regime de compropriedade, pois apenas são titulares de um direito sobre a herança (acervo de direitos e obrigações) que incide sobre uma quota ou fração da mesma para cada herdeiro, mas sem que se conheça quais os bens concretos que preenchem tal quota." (52)
É, portanto, pacífico que cada herdeiro "não tem uma quota-parte em cada um de todos (…) [os] bens [da herança,] mas uma quota referida àquela universalidade, ao conjunto de todos os bens" (53).

Significa isso que no nosso caso, mesmo que se provassem todos os factos alegados pelo réu, mais aqueles que por via do presente recurso quer acrescentar, nunca se poderia a final afirmar que ele e o seu irmão são os proprietários do imóvel. Com efeito, neste cenário este bem (ainda) integraria as heranças abertas por óbito dos seus pais e enquanto não se realizarem as respetivas partilhas ignora-se "sobre qual ou quais (…) [dos bens da herança] o direito hereditário se concretizará." (54) Pode até suceder que, na sequência das partilhas, o réu acabasse por não chegar a ser titular do direito de propriedade do prédio.
13.º
O réu sustenta igualmente, a título subsidiário, que "sempre os [seus] pais (…) teriam adquirido o mesmo prédio (…) através do instituído da acessão imobiliária industrial" (55).
Também aqui era necessário que tivesse havido uma alteração significativa nos factos provados (56), pois, para se dar a acessão industrial imobiliária, considerando os contornos do nosso caso, era preciso que, para além de outras premissas, alguém, de boa fé, tivesse construído obra em terreno alheio, artigo 1340.º n.º 1 do Código Civil.
Portanto, tinha que se provar que o pai do réu atuou em nome próprio, e não como procurador de M. A., quando se efetuou a construção no prédio em disputa nestes autos, bem como que ele "desconhecia que o terreno onde produziu a intervenção era alheio" (57).
Tais factos, não estão provados, o mesmo é dizer que, à luz da realidade apurada, não se deu a alegada aquisição por acessão industrial imobiliária.
Naufraga, assim, o recurso do réu.
14.º
No recuso subordinado verifica-se que não se procedeu à modificação dos factos provados conforme os autores queriam; ou seja, não se deu como provado que eles tinham "vontade" de arrendar o imóvel em disputa (58).
Portanto, não se demonstrou haver o dano concreto que foi alegado na petição inicial, decorrente de os autores não terem recebido o valor das rendas que receberiam se o réu não ocupasse a casa e eles a pudessem ter dado de arrendamento (59).
Todavia, os autores sustentam que, mesmo assim, "sempre teriam direito a receber aquela indemnização a título de enriquecimento sem causa" (60) e que, por isso, "deve o Recorrente ser condenado a pagar aos Recorridos, uma indemnização mensal de 460,00 €uros (…), ou quando assim não se entender o valor de 400,00 €uros alegados na P.I. e, (…) enquanto durar a ocupação abusiva e de má-fé do Recorrente" (61).
Vejamos.
O pedido dos autores de condenação do réu a pagar-lhes uma indemnização, pela ocupação "ilegal" (62) do imóvel, "funda-se (…) no disposto (…) nos artigos 483.º, 566.º, 1305.º, 1311.º, 1312.º, 1316.º e 1327.º n.º 1 alínea c), do Código Civil" (63) (sublinhado nosso); dito de outra forma, a causa de pedir apresentada pelos autores assenta na responsabilidade civil extracontratual.
Deste modo, a invocação do enriquecimento sem causa, para sustentar a condenação do réu no pagamento aos autores de uma indemnização emergente da utilização do imóvel por parte daquele, traduz-se no recurso a uma outra causa de pedir que não foi alegada nos articulados (64). Ora, isso é quanto basta para que este tribunal não se possa pronunciar sobre tal matéria, sob pena de nulidade da decisão (65).
Para além disso, como é sabido, os recursos "destinam-se a permitir que um tribunal hierarquicamente superior proceda à reponderação da decisão recorrida" (66) e "não a conhecer de questões novas, salvo se estas forem de conhecimento oficioso e não estiverem já resolvidas por decisão transitada em julgado" (67). Com efeito, "as questões novas não podem ser apreciadas, quer em homenagem ao princípio da preclusão, quer por desvirtuarem a finalidade dos recursos." (68) Os recursos constituem, assim, um instrumento processual para reapreciar questões concretas, de facto ou de direito, que se consideram mal decididas e não para conhecer questões não apreciadas e discutidas no tribunal a quo (69), sem prejuízo das que são de conhecimento oficioso (70).
E importa não esquecer que o n.º 1 do artigo 573.º consagra o princípio de que "toda a defesa deve ser deduzida na contestação". Nessa medida, "os atos (maxime as alegações de factos ou os meios de provas) que não tenham lugar no ciclo próprio ficam precludidos. Devendo os fundamentos da ação ou da defesa ser formulados todos de uma vez num certo momento, a parte terá de deduzir uns a título principal e outros in eventu - a título subsidiário, para a hipótese de não serem atendidos os formulados em primeira linha." (71)
Consequentemente, também por este motivo, não pode o tribunal conhecer da questão relativa à existência de enriquecimento sem causa que, só agora em sede de recurso, os autores lhe colocam.
15.º
É verdade que, como se deu nota, não se provou que os autores tinham "vontade" de arrendar o imóvel em causa. Contudo não é menos verdade que se provou que o réu ocupa esse bem contra a vontade daqueles (72) e que lá se mantém, não obstante ter sido, em novembro de 2017, interpelado para o desocupar (73).
Temos como pacífico que a privação do gozo de uma coisa constitui um ilícito que no nosso ordenamento jurídico origina a obrigação de indemnizar o respetivo proprietário (74), porquanto impossibilita-o de dela dispor e fruir.
Salvo melhor juízo, «não custa compreender que a simples privação do uso seja uma causa adequada de uma modificação negativa na relação entre o lesado e o seu património, que possa servir de base à determinação da indemnização.
Com efeito, "(…) o direito de propriedade integra, como um dos seus elementos fundamentais, o poder de exclusiva fruição, do mesmo modo que confere ao proprietário o direito de não usar. A opção pelo não uso ainda constitui uma manifestação dos poderes do proprietário, também afetada pela privação do bem. Neste contexto, sendo a disponibilidade material dos bens um dos principais reflexos do direito de propriedade, apenas excecionalmente, perante um quadro factual mais complexo, será possível afirmar que a paralisação não foi causa adequada de danos significativos merecedores da ajustada indemnização" (…).
Em igual sentido, Luís Menezes Leitão (Direito das Obrigações, Volume I, 4.ª Edição, p. 317) refere que "o simples uso constitui uma vantagem suscetível de avaliação pecuniária, pelo que a sua privação constitui naturalmente um dano". (…)
Entende-se, na realidade, que a privação do uso de um bem é suscetível de constituir, por si, um dano patrimonial, visto que se traduz na lesão do direito real de propriedade correspondente, assente na exclusão de uma das faculdades que, de acordo com o preceituado no artigo 1305.º do Código Civil, é lícito ao proprietário gozar, i.e., o uso e fruição da coisa.
A supressão dessa faculdade, impedindo o proprietário de extrair do bem, todas as suas utilidades, constitui, juridicamente, um dano que tem uma expressão pecuniária e que, como tal, deverá ser passível de reparação.» (75)
Não obstante as divergências existentes na jurisprudência e na doutrina sobre esta questão, pelos motivos expostos, seguimos o entendimento de que a mera impossibilidade do uso e fruição do bem constitui em si mesma um dano indemnizável (76), que será calculado "pelo recurso à equidade, com vista a encontrar aquilo que, no caso concreto, pode ser a solução mais justa" (77).
Na situação sub iudice provou-se que o valor da renda mensal do imóvel é de € 460,00 (78).
Todavia, como resulta do pedido (79), os autores (apenas) pediram o pagamento de € 400,00 mensais.
Como sabemos, o juiz não pode condenar "em quantidade superior (…) do que se pedir" (80); tem que haver "correspondência entre o requerido e o pronunciado" (81).
Então, não é possível, como neste recurso os autores pretendem em primeira linha (82), fixar esse valor mensal em € 460,00; uma condenação em tais termos estaria ferida de nulidade por ultra petita (83).
Por outro lado, se o recurso à equidade decorre, justamente, da circunstância de não estar provado que existia o propósito de os autores darem de arrendamento o prédio, não se apresenta como adequado estabelecer a indemnização num montante mensal igual ao do valor locatício.
Sendo assim, entende-se como justo e proporcional fixar a indemnização mensal devida pelo réu aos autores, pela privação do uso do imóvel, em € 300,00.
Finalmente, para evitar equívocos, deve dizer-se que a modificação que, no âmbito da reapreciação do julgamento da matéria de facto, se operou no conteúdo do facto 10 não interfere com este pedido, porquanto ele não abrange qualquer período anterior a novembro de 2017.

III
Com fundamento no atrás exposto:

a) julga-se improcedente o recurso interposto pelo réu;
b) julga-se parcialmente procedente o recuso subordinado, pelo que:
1. condena-se o réu a pagar aos autores, pela ocupação do imóvel identificado nos factos 3 e 5 dos factos provados, uma indemnização de € 300,00 por cada mês, de novembro de 2017 até cessar tal ocupação;
2. julga-se na restante parte improcedente o recurso subordinado;
c) mantém-se, no mais, a decisão recorrida.

Custas pelo réu no recurso que interpôs.
Custas pelos autores e réu no recurso subordinado, na proporção de 1/4 para aqueles e de 3/4 para este.

António Beça Pereira
Ana Cristina Duarte
Fernando Freitas


1. São deste código todos os artigos adiante mencionados sem qualquer outra referência.
2. Cfr. conclusão 10.ª.
3. Cfr. conclusão 13.ª.
4. Cfr. conclusão CXCIV.
5. Cfr. conclusões CCXXVII e CCXXVIII.
6. Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 3.ª Edição, pág. 131.
7. Ac. Rel. Coimbra de 31-05-2011 no Proc. 935/10.2TBMGR.C1, www.gde.mj.pt.
8. É inútil repetir aqui o resumo desses depoimentos que se encontra na decisão recorrida e que se acompanha.
9. De registar que depois o autor pediu desculpa por essa sua afirmação.
10. Não mencionou qual era a doença.
11. O réu diz viver na casa há 14 anos.
12. Segundo o autor J. M. o réu "nunca quis fazer contas do IMI".
13. Fala de um "burburinho" 2/3 anos depois da construção da casa.
14. Efetuou trabalhos nas duas casas, tendo sido, para o efeito, contratado pelo interveniente V. G..
15. É vizinho.
16. É cunhada do autor J. M..
17. É amigo dos autores C. B. e J. M..
18. Diz que o conheceu há 20 anos.
19. Em 1990/1991 foi viver uma casa que se situa próximo da casa que o réu habita e trabalhou na mesma empresa em que o pai do réu trabalhava.
20. É amigo infância do réu. Também é amigo dos autores.
21. Conheceu bem o pai do réu; eram ambos serem columbófilos.
22. É amiga de infância do réu.
23. Conheceu os pais do réu ainda antes de eles se mudarem para esta casa. Então eram vizinhos.
24. Conheceu o pai do réu por serem os dois columbófilos. Eram amigos.
25. São irmãos.
26. E de ser vista por terceiros a assim se comportar.
27. Note-se que logo após a morte do seu pai, o réu, como seu herdeiro, passa a poder exercer os direitos inerentes a essa sua qualidade; para agir como tal não tinha que aguardar pela morte da mãe.
28. Se o pai do réu não agiu como procurador de M. A. em tudo o que envolveu a construção da casa que depois veio a habitar, então a que título é que ele contratou e dirigiu os trabalhos de construção da segunda casa?
29. Vive aí há 14 anos.
30. Não dois como consta na conclusão 4.ª.
31. Coincidiu com o fim da construção da casa.
32. Cfr. factos 16 e 28.
33. Que não foi questionada pelas partes.
34. Cfr. artigo 79.º da contestação.
35. Lopes do Rego, Comentários ao Código de Processo Civil, Vol. I, 2.ª Edição, 2004, pág. 252 e 253.
36. Cfr. factos 5, 12 a 15, 17, 18 e 27 dos factos provados.
37. Cfr. folha 229.
38. Cfr. folhas 147, 148 e 158.
39. O que está em consonância com o disposto no artigo 358.º n.º 1 do Código Civil
40. Ac. Rel. Évora de 12-4-2018 no Proc. 1004/16.7T8STR.E1. No mesmo sentido veja-se Ac. STJ de 16-12-2010 no Proc. 1873/06.9TBVCD.P1.S1, ambos em www.gde.mj.pt.
41. Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, 1979, pág. 240 e 241.
42. Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, 2.ª Edição, pág. 406. Defendendo o mesmo entendimento, veja-se Remédio Marques, Acção Declarativa à Luz do Código Revisto, 2.ª Edição, pág. 525 e 526.
43. Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, Vol. III, 1950, pág. 209.
44. Ac. STJ de 7-2-2019 no Proc. 2200/08.6TBFAF-A.G1.S1. Neste sentido veja-se Ac. STJ de 17-12-2019 no Proc. 756/13.0TVPRT.P2.S1, ambos em www.gde.mj.pt.
45. Cfr. conclusão 10.ª.
46. Cfr. artigos 6.º a 15.º, 42.º, 55.º, 67.º e 82.º
47. Cfr. artigos 23.º e 24.º.
48. Cfr. conclusões 10.ª e 12.ª.
49. Cfr. artigo 15.º da contestação-reconvenção.
50. Na sequência das quais o prédio podia ter ficado para os dois filhos.
51. Capelo de Sousa, Lições de Direito das Sucessões, Vol. II, 3.ª Edição, pág. 80 e 81.
52. Ac. STJ de 30-1-2013 no Proc. 1100/11.7TBABT.E1.S1, www.gde.mj.pt.
53. Ac. Rel. Guimarães de 20-3-2018 no Proc. 4761/15.4T8GMR.G1, www.gde.mj.pt.
54. Ac. STJ de 4-2-1997 no Proc. 1100/11.7TBABT.E1.S1, www.gde.mj.pt.
55. Cfr. conclusão 13.ª.
56. Não basta a que ocorreu no facto 27.
57. Ac. STJ de 8-6-1999 no Proc. 99A350, www.gde.mj.pt.
58. Facto 3 dos factos não provados.
59. Cfr. artigo 23.º da petição inicial.
60. Cfr. conclusão CCXIII.
61. Cfr. conclusões CCXXVII e CCXXVIII.
62. Cfr. artigo 17.º da petição inicial.
63. Cfr. artigo 29.º da petição inicial.
64. Neste sentido veja-se o Ac. STJ de 12-7-2018 no Proc. 779/15.5T8PTM.E1.S1, que os autores citam na conclusão CCXIV, onde se diz: "Tendo sido alegado pelos Autores um empréstimo feito ao Réu, ou seja um contrato de mútuo e defendendo-se o Réu dizendo que a quantia peticionada era a contrapartida de serviços prestados aos AA, não se provando o contrato de mútuo pode a sentença condenar com base no enriquecimento sem causa? Entendemos que não. A ausência de causa justificativa da deslocação patrimonial, pressuposto do enriquecimento sem causa, tem de ser alegada e provada pelo requerente da restituição do enriquecimento. A causa de pedir nesta ação não é o enriquecimento sem causa, mas o alegado contrato de mútuo que as Partes teriam celebrado mediante o qual os Autores teriam emprestado ao Ré diversas quantias. Lembre-se que ao longo dos articulados não ocorreu qualquer alteração da causa de pedir, pois que apesar de o Réu, na contestação, negar o empréstimo e ter alegado que a deslocação patrimonial tinha uma causa – a prestação de serviços – na réplica os Autores reafirmaram a posição inicial, ou seja insistiram na tese do empréstimo. A causa invocada para a entrega das quantias pedidas foi e continuou a ser o empréstimo." Por outro lado, há que sublinhar que no Proc. 1261/07.0TBOLHE.E1.S1, onde foi proferido o Ac. STJ de 3-10-2013 a que os autores também aludem na conclusão CCXIV e ainda nas conclusões CCXV, CCXVI, CCXVII e CCXVIII, tinha sido deduzido um pedido subsidiário fundado no enriquecimento sem causa, devendo, por isso, o aresto deve ser lido tendo presente esse pressuposto.
65. Cfr. artigo 615.º n.º 1 d).
66. Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, pág. 23.
67. Lopes do Rego, Comentários ao Código de Processo Civil, Vol. I, 2.ª Edição, pág. 566.
68. Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 3.ª Edição, pág. 98.
69. Neste sentido pode ainda ver-se Ac. STJ de 17-12-1991 no Proc. 080356, Ac. STJ de 28-4-2010 no Proc. 2619/05.4TTLSB, Ac. STJ de 3-02-2011 no Proc. 29/04.0TBBRSD, Ac. STJ de 12-5-2011 no Proc. 886/2001.C2.S1, Ac. STJ de 24-4-2012 no Proc. 424/05.7TYVNG.P1.S, Ac. STJ de 5-5-2016 no Proc. 1571/05.0TJPRT-C.P1.S1, Ac. STJ de 3-11-2016 no Proc. 73/14.9T8BRG.G1.S1, Ac. Rel. de Coimbra de 29-5-2012 no Proc. 37/11.4TBMDR.C1, Ac. Rel. Guimarães de 8-11-2018 no Proc. 212/16.5T8PTL.G1 e Ac. Rel. Lisboa de 5-5-2020 864/18.1YLPRT.L1-7, todos em www.gde.mj.pt, e Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 9.ª Edição, pág. 153 a 158. Cfr. artigo 627.º n.º 1 do Código de Processo Civil.
70. E aqui sublinha-se que o artigo 627.º do novo Código de Processo Civil é igual ao 676.º do anterior Código de Processo Civil, pelo que o que se dizia em relação a este é válido quanto àquele.
71. Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, 1979, pág. 382. A este propósito veja-se o Ac. STJ de 13-5-2014 no Proc. 16842/04.5TJPRT.P1.S1, www.gde.mj.pt.
72. Cfr. facto 9 dos factos provados.
73. Cfr. facto 10 dos factos provados.
74. Cfr. artigos 483.º e 1305.º do Código Civil.
75. Ac. Rel. Lisboa de 11-12-2019 no Proc. 3088/19.7YRLSB-2, www.gde.mj.pt. Veja-se a doutrina e a jurisprudência citadas neste acórdão sobre esta matéria.
76. Neste sentido veja-se os acórdãos desta Relação de Guimarães de 6-11-2012 no Proc. 326/08.5TBPVL.G1, de 11-7-2013 no Proc. 362/08.1TBMNC.G1, de 24-5-2018 no Proc. 1263/16.5T8GMR.G1, de 27-6-2019 no Proc. 165/17.2T8VPA.G1 e de 17-10-2019 no Proc. 9/16.2T8MNC.G1, todos em www.gde.mj.pt.
77. Ac. Rel. Porto de 30-1-2017 no Proc. 1728/13.0TBOAZ.P1, www.gde.mj.pt. Cfr. artigo 566.º n.º 3 do Código Civil.
78. Cfr. facto 11 dos factos provados.
79. Veja-se também o artigo 23.º da petição inicial.
80. Artigo 609.º n.º 1.
81. Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, 1979, pág. 374.
82. Cfr. conclusões CCXXVII e CCXXVIII.
83. Artigo 615.º n.º 1 e).