Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1065/14.3TJVNF.G1
Relator: JORGE TEIXEIRA
Descritores: IMPUGNAÇÃO PAULIANA
AVALISTA
PER
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 02/15/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I- Quando o acto impugnado seja oneroso, aos requisitos gerais da impugnação pauliana - anterioridade do crédito e resultar do acto a impossibilidade ou agravamento da impossibilidade, para o credor de obter a satisfação integral do seu crédito (art. 610º-a) e b) C. Civil) -, acresce a exigência de que o devedor e o terceiro adquirente tenham agido de má fé (art. 612º).

II- Recaindo sobre o réu o ónus de demonstração da suficiência do património do devedor e satisfazendo-se a lei com a prova pelo credor do montante do seu próprio crédito, uma provada pelo impugnante a existência e a quantidade do seu crédito e a sua anterioridade em relação ao acto impugnado, presume-se a impossibilidade da respectiva satisfação ou o seu agravamento.

III- A má fé que se exige consiste numa má fé psicológica ou subjectiva que se materializa na representação pelo agente do resultado danoso ou consciência do prejuízo, ou seja, refere-se à representação pelos outorgantes no contrato, no momento da respectiva celebração, de que o acto praticado afectará negativamente a realização do direito de crédito no confronto com o do devedor.

IV- Estando em causa um crédito com uma pluralidade de devedores solidários, o credor, tendo adquirido o direito de exigir a prestação integral de qualquer um dos devedores, pode atacar, por via da impugnação pauliana, os actos praticados em cada um dos patrimónios desses devedores que impliquem uma diminuição da garantia patrimonial que esse concreto património representava para a satisfação do seu crédito e que restrinjam ou limitem o direito de ver o seu crédito satisfeito integralmente à custa desse património, independentemente da suficiência ou insuficiência do património dos demais co-obrigados.
Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Guimarães.

I – RELATÓRIO.

“Banco B., S.A. – Sociedade Aberta” intentou a presente acção declarativa comum contra C. S., P. S., I. R., S. R., T. – Investimentos Imobiliários, S.A. e D. Invest, S.A., pedindo a declaração de nulidade dos contratos de compra e venda e de permuta, considerando-se os referidos negócios sem efeito e ordenando-se o cancelamento dos registos de aquisição do direito de propriedade a favor das 5ª e 6ª rés e eventuais registos que se vierem a efectuar na pendência da acção relativamente aos mesmos prédios.

Subsidiariamente, que sejam os réus condenados a reconhecer que o autor tem direito a executar os imóveis na medida do seu crédito, no património dos 5º e 6º réus.

Funda-se a demanda nos avales concedidos pelos 1º e 2º réus em benefício da autora, para garantia do crédito por esta concedido à sociedade por aqueles representada, actualmente em PER, que ascende ao montante de € 214.528,75.
O autor alega ainda ter sido simulada pelos 1º e 2º réus a venda dos prédios que identifica e que constituem o seu património em ordem a tornar difícil, senão impossível, a cobrança pelo autor dos referidos créditos.
Os réus contestaram, impugnando no essencial os factos articulados na petição
A ré P. S. e o réu C. S. referiram também que o crédito do autor sofreu modificação com o plano de recuperação aprovado no PER.
Foi proferido o despacho a que alude o art. 596º do CPC.
Realizado o julgamento, foi proferida sentença em que, respondendo à matéria de facto controvertida, se decidiu julgar totalmente improcedente a acção.
Inconformados com esta decisão, dela interpôs recurso o Autor, sendo que, das respectivas alegações desses recursos extraiu, em suma, as seguintes conclusões:

“1- IMPUGNAÇÃO DA DECISÃO RELATIVA À MATÉRIA DE FACTO

a) Deveriam ter sido considerado provados os factos seguintes que foram considerados não provados referidos na sentença na fundamentação de facto:

1. Os 1º, 2º, 3º e 4º RR., à data da realização das escrituras de compra e venda, não quiseram vender/permutar às sociedades 5ª e 6ª RR. Os referidos imóveis e usufrutos e estas nada quiseram comprar/permutar.
2. Todas as escrituras foram outorgadas única e exclusivamente com o intuito de impossibilitar o A. de vir a cobrar os seus créditos sobre os 1º e 2º RR..
3. Todos os RR. estavam plenamente conscientes que de tais actos decorria a impossibilidade do A. vir a obter o recebimento do crédito.
4. Todos os RR. estavam ao corrente das dificuldades financeiras dos vendedores.
5. Aquando da celebração de todos ou algum dos acordos de vontade constantes das escrituras públicas de compra e venda e permuta os contraentes não tenham querido vender, comprar ou permutar.

b) Deveriam ter sido considerado provados os factos seguintes que não foram considerados na decisão da matéria de facto e que foram alegados na petição inicial e são relevantes para a decisão:

1. As livranças não foram pagas na data do vencimento nem posteriormente, apesar dos esforços desenvolvidos pelo A. para tal (Art. 4º da petição).
2. Apesar desta quantia ter vindo a ser peticionada aos 1º e 2º RR., essas tentativas demonstraram-se infrutíferas, uma vez que o A. ainda não logrou receber o seu crédito, nem sequer através do Proc. nº 3524/13.6TJVNF, que corre termos no 4º Juízo Cível deste Tribunal, acção executiva em que são executados os 1º e 2º RR. e exequente o A. (Art. 5º da petição).
3. Acresce que, não são conhecidos aos RR. quaisquer bens, direitos ou outros, que possam satisfazer este débito/responsabilidades (Art. 6º da petição).
4. Os contratos de compra e venda e permuta dos imóveis referidos em B) constituem negócios simulados e, portanto, nulos – artº 240º, do C.C. (Art. 14º da petição).
5. A 5º R./sociedade compradora T. – INVESTIMENTOS IMOBILIÁRIOS, S.A., foi em todas as transmissões representada por três dos vendedores (1º, 2º e 3º RR.), na qualidade de únicos administradores e em representação da sobredita sociedade (Art. 19º da petição).
6. A R./sociedade compradora D. INVEST, S.A., fez-se representar em todas as escrituras pela 3º R., que é também accionista daquela sociedade, juntamente com o 4º R., ou seja, os 1º, 2º, 3º e 4º RR. eram, ao mesmo tempo, compradores e vendedores (Art. 20º da petição).
7. A sociedade T. – INVESTIMENTOS IMOBILIÁRIOS, S.A. foi criada apenas 1 mês antes da celebração da primeira escritura pública de compra e venda, em 23/12/2011 (Art. 21º da petição).
8. Os vendedores nunca quiseram desfazer-se dos imóveis, apenas arranjando uma forma de os tornar inalcançáveis pelos credores numa altura em que já previam as suas dificuldades económicas, através da transmissão para duas sociedades, sobre as quais detinham os mais amplos poderes, de todos os seus bens (Arts. 22º e 23º da petição).
9. Com os negócios realizados pelos RR. estes conseguiram nunca “perder de vista” o seu património e evitar que os credores dele se apoderassem (Art. 2º da petição).
10. O 1º e 2º RR. são também sócios gerentes e administradores da sociedade C. S., S.A. (Art. 25º da petição, parcialmente).
11. O facto de a sociedade C. S., S.A. se encontrar em Processo Especial de Revitalização comprova as suas dificuldades económicas e consequentemente confirma a possibilidade de os credores “atacarem” os bens dos avalistas das livranças subscritas por aquela (Art. 26º da petição).
12. Sendo os mesmos RR. sócios e administradores comuns às duas sociedades, não podiam ignorar que com aquelas vendas resultaria uma manifesta insuficiência do seu património, que poria em risco o recebimento do crédito do A. (Art. 35º da petição).
13. Nas escrituras de permuta, os imóveis dados de troca são de valor muito superior ao dos imóveis recebidos pelos 1º e 2º RR. (Art. 36º da petição).
14. A discrepância de valores nas escrituras de permuta foi “disfarçada” mediante a entrega de uma quantia em dinheiro, quantia essa que pode nunca ter sido entregue aos 1º, 2º e 3º RR. permutantes (Art. 37º da petição).
15. Os actos de transmissão dos imóveis tornaram impossível a satisfação da totalidade do crédito do A., uma vez que os devedores não têm mais património de valor e que o crédito do A. ascende ao total de € 214.528,75 (Art. 41º da petição).

c) As CONCRETAS PROVAS QUE IMPÕEM DECISÃO DIVERSA DA RECORRIDA são as que se passam a indicar.

1. Relativamente aos factos que deveriam ter sido considerado provados e que foram considerados não provados na sentença, enunciados em cima nas alegações em I), nos pontos 1, 2 e 5 e relativamente aos factos que deveriam ter sido considerado provados e que não foram considerados na decisão da matéria de facto, mas constam da petição inicial, enunciados em II), nos pontos 8, 9 e 14, respeitantes, em síntese, à correspondência entre a vontade declarada e vontade real dos recorridos, são as seguintes:

- Facto confessado no art. 53º da contestação dos 1º e 2º RR..
- Depoimento da testemunha Dr. Luís (00.07.13)
- Depoimento da testemunha Dr. Filipe (00.08:24; 00.11:19; 00.19:10).
- Requerimento com data 27/05/2916, apresentado pelos 1º e 2º RR., com a refª Citius 3802363.
- Factos alegados nos arts. 34º, 51º e 56º, da contestação dos 1º e 2º RR. e nos arts. 4º e 5º da contestação da 5ª R., nos quais os RR. invocam a onerosidade dos negócios realizados mas não juntam 2. Relativamente aos factos que deveriam ter sido considerado provados e que foram considerados não provados na sentença, enunciados em cima nas alegações em I), no ponto 3 e relativamente aos factos que deveriam ter sido considerado provados e que não foram considerados na decisão da matéria de facto, mas constam da petição inicial, enunciados em II), nos pontos 2, 3, 12 e 17, respeitantes, em síntese, à impossibilidade do A. ver ressarcido o seu crédito após a realização dos negócios em questão nos autos e do respectivo conhecimento de tal impossibilidade pelos RR., são as seguintes:

- Facto provado 8).
- Documentos 5, 22 e 23 juntos com a petição inicial.
- Escrituras juntas como documentos 6, 8, 11, 14 e 18, da petição inicial
.
- Motivação constante da sentença recorrida, cujas passagens se iniciam em “Na formação da sua convicção o tribunal atentou desde logo na documentação junta” e termina em “valia efectivamente bastante menos do que os recebidos em permuta, sendo com certeza essa a razão pela qual se acrescentou, ao prédio entregue, a quantia de € 260.000,00”.
3. Relativamente aos factos que deveriam ter sido considerado provados e que foram considerados não provados na sentença, enunciados em cima nas alegações em I), no ponto 4 e relativamente aos factos que deveriam ter sido considerado provados e que não foram considerados na decisão da matéria de facto, mas constam da petição inicial, enunciados em II), nos pontos 5, 6 e 11, respeitantes, em síntese, à fragilidade da situação financeira da sociedade C. S., S.A. e ao conhecimento de tal situação por parte dos RR., são as seguintes:

- Depoimento da testemunha Dr. Luís (00.09.51; 00.12.14).
- Depoimento da testemunha Dr. Filipe (00.02.55;
00.03.40; 00.04.14; 00.05.20; 00.10.19; 00.11.19).
- Documentos 20 e 21 juntos com a petição inicial do A..
- Escrituras juntas como documentos 6, 8, 11, 14 e 18, da petição inicial.

- Motivação constante da sentença recorrida, - Motivação constante da sentença recorrida, cujas passagens se iniciam em “Na formação da sua convicção o tribunal atentou desde logo na documentação junta” e termina em “valia efectivamente bastante menos do que os recebidos em permuta, sendo com certeza essa a razão pela qual se acrescentou, ao prédio entregue, a quantia de € 260.000,00”.

- Factos provados 3) e 4).

4. Relativamente aos factos que deveriam ter sido considerado provados e que não foram considerados na decisão da matéria de facto, mas constam da petição inicial, enunciados em II), no pontos 1, tal facto foi aceite pelos 1º e 2º RR. no art. 19º da sua contestação.
5. Relativamente aos factos que deveriam ter sido considerado provados e que não foram considerados na decisão da matéria de facto, mas constam da petição inicial, enunciados em II), no pontos 7, tal facto resulta da Certidão da sociedade T. junta como documento 1 da petição inicial.
6. Relativamente aos factos que deveriam ter sido considerado provados e que não foram considerados na decisão da matéria de facto, mas constam da petição inicial, enunciados em II), no pontos 10, tal facto resulta de confissão, conforme leitura do artigo 6º da contestação dos 1º e 2º RR..
7. Relativamente aos factos que deveriam ter sido considerado provados e que não foram considerados na decisão da matéria de facto, mas constam da petição inicial, enunciados em II), no ponto 14, tal facto resulta do constante da Motivação da sentença, na seguinte parte: “Fls. 76 a 81 – escritura pública referida” até “sendo com certeza essa a razão pela qual se acrescentou, ao prédio entregue, a quantia de € 260.000,00”.

2- O DIREITO

1) No que se refere ao pedido de que sejam declarados nulos os contratos de compra e venda e permuta referidos nos arts. 7º a 14º da sua petição inicial, por simulados, tal significa, nos termos do art. 240º do C.C., que há divergência entre a declaração negocial e a vontade real do declarante e que há o intuito de enganar terceiros.
2) Os recorridos em nenhum momento juntaram aos autos os comprovativos de pagamento e/ou recebimento dos preços acordados nas várias escrituras realizadas, sendo que, quando instados para tal pelo recorrente, se recusaram a fazê-lo.
3) Não se compreende como os recorridos, podendo com a junção de tais comprovativos de tão fácil obtenção (bastariam extractos bancários, cópias de cheques, entre outros) afastar a questão da nulidade, provando a onerosidade dos contratos e, portanto, a coincidência da vontade real com a vontade declarada, estes não juntam tais elementos, pelo que tal atitude é claramente demonstrativa de que os recorridos têm algo a esconder.
4) Os próprios 1º e 2º RR. reconhecem no art. 53º da sua contestação que a sua intenção era a de que o património e os direitos que em tempos foram seus ficassem na propriedade da família, o que apenas pode significar que o queriam manter a salvo dos credores, caso em que estes sairiam da “propriedade da família”.
5) Os recorridos, nas escrituras realizadas, assumiram a posição quer de vendedores, quer de compradores (ainda que, como compradores, surjam na qualidade de representantes de duas sociedades, as quais, não por mera coincidência, detém como gerentes/accionistas).
6) A sociedade T. foi criada apenas 1 mês antes da celebração da primeira escritura pública.
7) Resulta dos factos provados que no âmbito da execução interposta pelo recorrente contra os 1º e 2º RR. não foi possível o recorrente recuperar o seu crédito nem foi possível apurar-se a existência de quaisquer bens, o que significa que para além dos bens alienados/permutados os 1º e 2º RR. não são proprietários de quaisquer outros bens.
8) Não é possível que os 1º e 2º RR. desconhecessem tal situação, não sendo também credível que os 3º e 4º RR., na qualidade de filha e genro dos 1º e 2º RR., respectivamente, desconhecessem também que com a alienação de tal património nada mais restaria aos 1º e 2º RR.;
9) Resulta dos factos provados que a sociedade a quem os 1º e 2º RR. Prestaram avais entrou em PER cerca de um ano depois da outorga da primeira escritura, o que significa que esta sociedade se encontrava com dificuldades financeiras e que, os sócios de tal sociedade – 1º e 2º RR. – previam que os credores avançassem com a execução dos avais.
10) Pelo que, não sendo possível uma prova directa e imediata que só se obteria com a confissão, o recorrente conseguiu provar uma série de indícios que fazem concluir, com uma probabilidade muito séria, que os negócios realizados foram simulados, uma vez que levam a concluir pela consciência do prejuízo dos credores e desse intuito de enganar terceiros.
11) Sem conceder, caso não seja considerada a nulidade do negócio, deve no mínimo ser procedente o pedido de impugnação pauliana.
12) No que se refere a este pedido de que todos os negócios realizados deverão ser considerados impugnáveis no termos do art. 610º e seguintes do C.C., estão preenchidos todos os pressupostos da impugnação pauliana, a saber:

a) A existência de um crédito;
b) A anterioridade do crédito em face dos diferentes actos/negócios praticados;
c) Que o acto a impugnar envolva a diminuição da garantia patrimonial;
d) Que do acto resulte para o credor a impossibilidade de obter a satisfação integral do seu crédito, ou num agravamento dessa impossibilidade;
e) Que o acto praticado pelo devedor não seja de natureza pessoal;
f) Tratando-se de actos onerosos, que o devedor e o terceiro tenham agido de má fé.
13) No que se refere aos pressupostos referidos nas als. a) a e) do ponto anterior, a sentença proferida pela primeira instância não põe em questão a verificação dos mesmos.
14) Relativamente ao pressuposto constante da al. f), cuja prova foi posta em questão pela sentença recorrida, esclarece-se que como má-fé se entende a consciência do prejuízo que o acto causa ao credor – art. 612º, nº 2, do C.C..
15) Neste sentido, pode dizer-se que a má-fé é a consciência de que o acto em causa vai provocar a impossibilidade para o credor de obter a satisfação integral do seu crédito ou um agravamento dessa impossibilidade.
16) No caso destes autos, verifica-se que a sociedade C. S., S.A., sociedade garantida pelos avais dos 1º e 2º RR., começou com dificuldades económicas no ano de 2012 (apresentando vários descobertos em conta) e apresentou-se a PER no início de 2013.
17) Nos termos da lei – art. 217º, nº 4, do CIRE -, a eventual aprovação de um PER nunca desoneraria os garantes.
18) Por conseguinte, os 1º, 2º, 3º e 4º RR. tiveram o cuidado de, no ano anterior à apresentação do PER da sociedade, quando esta já se encontrava em dificuldades, sabendo que os garantes não seriam desonerados com a eventual aprovação do PER, fazer uma série de vendas com vista a ficarem com o seu património “a zero”.
19) Resulta provado nestes autos que no âmbito da execução intentada pelo recorrente contra os 1º e 2º RR. não foi possível apurar-se qualquer bem no património destes.
20) Pelo que, tais negócios traduzem-se simplesmente numa forma que os 1º e 2º RR. arranjaram para fugir às consequências plasmadas no referido art. 217º, nº 4, do CIRE.
21) Em todas estas vendas realizadas a partir do ano de 2012 e que possibilitaram aos vendedores ficarem com o seu património “a zero”, quem intervém como comprador são os próprios vendedores.
22) Sendo que, em dois desses negócios (uma compra e venda e uma permuta de dois imóveis), o representante do comprador foi a 3º R., filha dos 1º e 2º RR..
23) Nos demais três negócios (venda do direito de usufruto sobre dois imóveis em 24/07/2012, compra e venda de dois imóveis em 24/07/2012, e compra e venda de um imóvel em 02/10/2012) quem representa o comprador são precisamente os próprios vendedores, neste caso, os 1º, 2º e 3º RR.
24) Ou seja, na venda do direito de usufruto sobre dois imóveis em 24/07/2012, são vendedores os 1º, 2º, 3º e 4º RR. e compradores os 1º, 2º e 3º RR., em representação da sociedade T..
25) Na compra e venda de dois imóveis realizada também em 24/07/2012, são novamente vendedores os 1º, 2º, 3º e 4º RR. e compradores os 1º, 2º e 3º RR., em representação da sociedade T..
26) E, finalmente, na compra e venda de um imóvel em 02/10/2012, são também vendedores os 1º, 2º, 3º e 4º RR. e compradores os 1º, 2º e 3º RR., em representação da sociedade T..
27) Ou seja, máxime nestas três vendas, tanto compradores como vendedores sabiam perfeitamente o que é que os 1º e 2º RR. deviam ao recorrente, assim como sabiam que com estas vendas a recorrente ficaria impossibilitada de cobrar o seu crédito perante os 1º e 2º RR., ou que pelo menos haveria um agravamento - dessa possibilidade de cobrança do crédito.
28) Está pois cabalmente demonstrado o requisito da má-fé exigido pelo art. 612º, nº 2, do C.C. aos vendedores e aos compradores.
29) Note-se ainda que a existência de um PER aprovado em nada afasta a existência dos pressupostos da impugnação pauliana neste caso, dado que o que está em causa é a dívida dos 1º e 2º RR. ao recorrente e não a dívida da C. S., S.A., sociedade garantida, à recorrente.
30) Acresce que, mesmo que a dívida fosse paga ao recorrente no âmbito de tal PER, a mesma apenas o seria no prazo de 12 anos e com uma carência de 2 anos.
31) Ou seja, o 1º e 2º RR., com os negócios que realizaram colocando o seu património “a zeros”, impossibilitaram o recorrente de cobrar de imediato a sua dívida e a deixar de ter como garantia o património dos avalistas, 1º e 2º RR..
32) E, a solvabilidade do património do fiador ou do avalista não impede a impugnação de acto do devedor que impeça a satisfação integral do crédito pelo seu património, tal como a solvabilidade do devedor também não impede a impugnação de acto do fiador ou do avalista que coloque o seu património em situação de não garantir a satisfação do crédito.
33) Verificam-se todos os pressupostos da impugnação pauliana, pelo que deverá ser concedido ao recorrente o direito de impugnar os negócios realizados para garantia patrimonial do seu crédito.
34) Por tudo o exposto, a sentença recorrida, padece de vícios de fundamentação de facto e de direito que têm de ser corrigidos.
*
Os Apelados apresentaram contra alegações concluindo pela improcedência da apelação interposta.
*
Colhidos os vistos, cumpre decidir.
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II- Do objecto do recurso.

Sabendo-se que o objecto do recurso é definido pelas conclusões no mesmo formuladas, sem prejuízo do que for de conhecimento oficioso, as questões decidenda são, no caso, as seguintes:

- Apreciar a decisão da matéria de facto, apurando se ela deve ou não ser alterada.
- Apreciar da verificação ou não dos pressupostos de que depende a procedência da impugnação pauliana.
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III- FUNDAMENTAÇÃO.
Fundamentação de facto.
Factos provados.

1) Em virtude de operações praticadas no exercício da actividade de instituição de crédito a que se dedica, o autor é credor dos 1º e 2º réus em montante que ascende ao total de € 214.528,75, crédito este titulado por duas livranças subscritas pela sociedade “C. S., S.A.” (em Processo Especial de Revitalização) à ordem do autor e avalizadas pelos 1º e 2º réus, vencidas no dia 13.12.2013, no valor de € 157.993,64 e € 56.535,11 – alínea A).
2) O crédito titulado nas livranças tem origem em dois contratos de financiamento celebrados entre o autor e a sociedade “C. S., S.A.”, em 18.11.1996 e em 30.10.2000, respectivamente, cujo pagamento é garantido pelos 1º e 2º réus – alínea B).
3) A sociedade “C. S., S.A.” foi alvo de um Processo Especial de Revitalização (CIRE), que correu termos sob o n.º 1520/13.2TJVNF – alínea C).
4) No âmbito do mencionado processo de revitalização, os credores aprovaram a reestruturação financeira da sociedade por via da aprovação do plano de recuperação, tendo o crédito do autor sido aí incluído – alínea D).
5) Tal plano prevê, relativamente aos “Créditos Comuns (Bancos)”, entre os quais o crédito do autor, a consolidação e regularização integral da dívida de capital nas seguintes condições: a) Prazo: 12 (doze) anos a contar da data de homologação do plano de recuperação (17-12-2013); b) Plano de liquidação de capital: carência do pagamento de capital pelo prazo de 24 meses, vencendo-se a primeira prestação de capital no 25.º mês após a data da sentença de homologação do plano de recuperação; c) Periodicidade do pagamento de capital: mensal e postecipada; d) Periodicidade do pagamento de juros: mensal, vencendo-se a primeira prestação no último dia do mês seguinte ao da data da sentença de homologação de plano de recuperação; e) Taxa de Juro: Euribor (6 meses), acrescida de um spread de 2,5% para os primeiros 24 meses e Euribor (6 meses), acrescida de um spread de 3,5% para os restantes meses; f) Hipoteca de terrenos melhor identificados no plano e na proporção dos créditos reclamados; g) Outras condições: perdão de juros vencidos e não pagos até à data da publicação da lista definitiva de créditos, não havendo lugar a quaisquer juros de carácter compensatório, de mora ou de outra natureza que não remuneratória – alínea E).
6) O mencionado plano de recuperação, conducente à revitalização da devedora, foi aprovado e homologado em 17 de Dezembro de 2013 – alínea F).
7) Em cumprimento do plano de revitalização homologado, a hipoteca referida em 5) e 6) foi efectivamente constituída, por escritura pública datada de 27.12.2013, exarada de fls. 38 a fls. 40-v, do livro n.º 182, do Cartório Notarial da Ex.ma Sra. Notária L. G. – alínea G) -, hipoteca esta que versava sobre cinco prédios, garantindo créditos até ao montante global de € 2.091.372,87, reportando-se € 228.331,26 ao ora autor.
8) Corre termos sob o nº 3524/13.6TJVNF, acção executiva em que são executados os 1º e 2º réus e exequente o ora autor, sendo que na pesquisa aí efectuada os executados não apresentam bens – alínea H).
9) Através de escritura pública de compra e venda outorgada em 26.01.2012, os 1º e 2º réus declararam vender, e a 6ª ré, sociedade D. Invest, S.A., declarou comprar, a fracção autónoma designada pela letra “L” do prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º ..., da freguesia de Vila Nova de Famalicão, inscrito na matriz urbana respectiva sob o artigo ... – alínea I) e alteração de fls. 141.
10) Por escritura pública de compra e venda datada de 24.07.2012, os 1º, 2º, 3º e 4º réus declararam vender e a 5ª ré, T. – Investimentos Imobiliários, S.A.”, declarou comprar, o usufruto dos seguintes imóveis: o prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial de Esposende sob o n.º …, da freguesia de ..., inscrito na matriz urbana respectiva sob o artigo 651; o prédio rústico descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º ..., da freguesia de ..., inscrito na matriz urbana respectiva sob os artigos 34-U e 66-R – alínea J).
11) Na mesma data, por escritura pública de compra e venda, os mesmos réus (1º, 2º, 3 e 4º réus) declararam vender também à mesma sociedade (5ª ré), que declarou comprar, os seguintes imóveis: prédio rústico descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º ..., da freguesia de ..., inscrito na matriz urbana respectiva sob o artigo 69; prédio rústico descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º ..., da freguesia de ..., inscrito na matriz urbana respectiva sob o artigo 411 – alínea K).
12) Por escritura pública de permuta datada de 03.08.2012, os 1º e 2º réus declararam ceder à 5º ré, sociedade T., S.A., os seguintes imóveis, aos quais atribuíram o valor global de € 266.000,00: a) fracção autónoma designada pelas letras “AT” do prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º ..., da freguesia de Antas, inscrito na matriz urbana respectiva sob o artigo 1975-AT; fracção autónoma designada pelas letras “EE” do prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º …, da freguesia de …, inscrito na matriz urbana respectiva sob o artigo 1219-EE - alínea L), alterada em audiência, como resulta da respectiva acta, bem como quesito 5º.
13) Através dessa mesma escritura, a 6º ré, sociedade D. Invest, S.A., declarou ceder aos 1º e 2º réus a fracção autónoma designada pela letra “D” do prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º …, da freguesia de …, inscrito na matriz urbana respectiva sob o artigo 870-D, a que os contraentes atribuíram o valor patrimonial de € 6.000,00, e comprometeu-se a pagar também aos 1º e 2º réus a quantia de € 260.000,00 - alínea M), bem como quesito 5º.
14) Em 02.10.2012, através de escritura pública de compra e venda, os 1º, 2º, 3º e 4º réus declararam vender à 5ª ré, sociedade T. – Investimentos Imobiliários, S.A., que declarou comprar, o usufruto da fracção autónoma designada pelas letras “AE” do prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º …, da freguesia de Vila Nova de Famalicão, inscrito na matriz urbana respectiva sob o artigo 1612-AE – alínea N).
15) Em 18.11.1996 a sociedade “C. S. & C.ª Ld.ª” subscreveu um título de crédito com a denominação “livrança” no valor de € 157.993,64.
16) Em 30.10.2000 a sociedade “C. S. & C.ª Ld.ª” subscreveu um título de crédito com a denominação “livrança” no valor de € 56.535,11.
17) Nos documentos referidos em 15) e 16) constam as assinaturas de C. S. e de P. S., ora réus, com a seguinte menção: “dou o meu aval à firma subscritora”.

Factos não provados.

a) Os 1º, 2º, 3º e 4º réus, à data da realização das escrituras de compra e venda, não quiserem vender/permutar às sociedades 5ª e 6ª réus os referidos imóveis e usufrutos e estas nada quiseram comprar/permutar – quesito 1º.
b) Todas as escrituras foram outorgadas única e exclusivamente com o intuito de impossibilitar o autor de vir a cobrar os seus créditos sobre os 1º e 2º réus – quesito 2º.
c) Todos os réus estavam plenamente conscientes que de tais actos decorria a impossibilidade do autor vir a obter o recebimento do crédito – quesito 3º.
d) Todos os réus estavam ao corrente das dificuldades financeiras dos vendedores – quesito 5º.
e) Aquando da celebração de todos ou algum dos acordos de vontade constantes das escrituras públicas de compra e venda e permuta os contraentes não tenham querido vender, comprar ou permutar.

Fundamentação de direito.

Cumpre antes de mais proceder à apreciação da impugnação da matéria de facto pretendida pelos Apelantes, pois sem a fixação definitiva dos factos provados e não provados não é possível extrair as pertinentes consequências à luz do direito.

Ora, como resulta do disposto nos artigos 640 e 662º do C.P.C., o recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto deve não só identificar os pontos de facto que considera incorrectamente como também especificar concreta e individualizadamente o sentido da resposta diversa que, em seu entender, a prova produzida permite relativamente a cada um dos factos impugnados.

A impugnação da matéria de facto traduz-se no meio de sindicar a decisão que sobre ela proferiu a primeira instância.

Pretende-se que a Relação reaprecie e repondere os elementos probatórios produzidos nos autos, averiguando se a decisão da primeira instância relativa aos pontos de facto impugnados se mostra conforme às regras e princípios do direito probatório, impondo-se se proceda à apreciação não só da valia intrínseca de cada um dos elementos probatórios, da sua consistência e coerência, à luz das regras da normalidade e da experiência da vida, mas também da sua valia extrínseca, ou seja, da sua consistência e compatibilidade com os demais elementos.
Como refere Abrantes Geraldes (1) «Consistindo o processo jurisdicional num conjunto não arbitrário de actos jurídicos ordenados em função de determinados fins, as partes devem deduzir os meios necessários para fazer valer os seus direitos na altura/fase própria, sob pena de sofrerem as consequências da sua inactividade, numa lógica precisamente assente, em larga medida, na autorresponsabilidade das partes e, conexamente, num sistema de ónus, poderes, faculdades, deveres, cominações e preclusões» (2).
«Sem embargo das modificações que podem ser oficiosamente operadas relativamente a determinados factos cuja decisão esteja eivada de erro de direito, por violação de regras imperativas, à Relação não é exigido que, de motu próprio, se confronte com a generalidade dos meios de prova sujeitos a livre apreciação e que, ao abrigo desse princípio, foram valorados pelo tribunal de 1ª instância, para deles extrair, como se se tratasse de um novo julgamento, uma decisão inteiramente nova.
Pelo contrário, as modificações a operar devem respeitar em primeiro lugar o que o recorrente, no exercício do seu direito de impugnação da decisão da matéria de facto, indicou nas respectivas alegações que servem para delimitar o objecto do recurso.
Assim o determina o princípio do dispositivo que se revela através da delimitação do recurso (da matéria de facto) através das alegações e mais concretamente das conclusões» (3).

Como é consabido, os meios probatórios têm por função a demonstração da realidade dos factos, sendo que, através da sua produção não se pretende criar no espírito do julgador uma certeza absoluta da realidade dos factos, o que, obviamente implica que a realização da justiça se tenha de bastar com um grau de probabilidade bastante, em face das circunstâncias do caso, das regras da experiência da comum e dos conhecimentos obtidos pela ciência.

A prova não visa, adverte o Prof. Antunes Varela, “(...) a certeza absoluta (a irrefragável exclusão da possibilidade de o facto não ter ocorrido ou ter ocorrido de modo diferente) (...)”, mas tão só, “(...) de acordo com os critérios de razoabilidade essenciais à prática do Direito, criar no espírito do julgador um estado de convicção, assente na certeza relativa do facto.(4).
Através das provas não se procura criar no espírito do julgador a certeza absoluta da realidade dos factos, pois que, “se a prova em juízo de um facto reclamasse a certeza absoluta da verificação do facto, a actividade jurisdicional saldar-se-ia por uma constante e intolerável denegação de justiça” (5), o que, evidentemente, implica que a justiça tenha de se bastar com um grau de probabilidade bastante, face às circunstâncias do caso, às regras da experiência da vida e aos ensinamentos da ciência.

A apreciação das provas resolve-se, assim, em formação de juízos, em elaboração de raciocínios, juízos e raciocínios estes que surgem no espírito do julgador, como diz o Prof. Alberto dos Reis, “(...) segundo as aquisições que a experiência tenha acumulado na mentalidade do juiz segundo os processos psicológicos que presidem ao exercício da actividade intelectual, e portanto segundo as máximas de experiência e as regras da lógica (...)”. (6)

A prova como demonstração efectiva da realidade de um facto não é certeza lógica mas tão-só um alto grau de probabilidade suficiente para as necessidades práticas da vida (certeza histórico-empírica) (7).

A certeza a que conduz a prova suficiente é, assim, uma certeza jurídica e não uma certeza material, absoluta.

E, como refere Teixeira de Sousa, nessa actividade de livre apreciação da prova deve o tribunal especificar os fundamentos que foram decisivos para a convicção adquirida (art. 653º, nº 2 do CPC), permitindo, dessa forma, que se “possa controlar a razoabilidade da convicção sobre o julgamento do facto como provado ou não provado” (8) e exercer um controle externo e geral do fundamento de facto da decisão.

Mas, como é óbvio, e convirá realçar, a liberdade na apreciação da prova não equivale a uma apreciação arbitrária das provas produzidas, uma vez que o inerente dever de fundamentação do resultado alcançado impedirá a possibilidade de julgamentos despóticos.

À luz de tudo o exposto importa agora sindicar a decisão da matéria de facto, averiguando, por um lado, se as respostas impugnadas foram proferidas de acordo com as regras e princípios do direito probatório e, por outro, se existem factos alegado que não foram considerados e que se revestiam de relevante interesse para o proferimento da decisão recorrida.

Ora, como resulta do supra exposto, os Apelantes impugnam a materialidade fixada na decisão recorrida alegando como fundamento em que:

A- Por um lado, o Tribunal recorrido deu como não tendo logrado adesão de prova os factos a seguir referidos, os quais, contudo, em seu entender, em respeito pela integridade da prova produzida nos autos, deveriam ter sido considerados como provados.

Esses factos são os seguintes:

1. Os 1º, 2º, 3º e 4º RR., à data da realização das escrituras de compra e venda, não quiseram vender/permutar às sociedades 5ª e 6ª RR. Os referidos imóveis e usufrutos e estas nada quiseram comprar/permutar.
2. Todas as escrituras foram outorgadas única e exclusivamente com o intuito de impossibilitar o A. de vir a cobrar os seus créditos sobre os 1º e 2º RR..
3. Todos os RR. estavam plenamente conscientes que de tais actos decorria a impossibilidade do A. vir a obter o recebimento do crédito.
4. Todos os RR. estavam ao corrente das dificuldades financeiras dos vendedores.
5. Aquando da celebração de todos ou algum dos acordos de vontade constantes das escrituras públicas de compra e venda e permuta os contraentes não tenham querido vender, comprar ou permutar.

B- Por outro lado, o Tribunal recorrido não considerou na sua decisão os factos alegados na petição inicial e a seguir referidos, os quais, contudo, em seu entender, em respeito pela integridade da prova produzida nos autos, deveriam ter sido dados como provados.

Esses factos são os seguintes:

1. As livranças não foram pagas na data do vencimento nem posteriormente, apesar dos esforços desenvolvidos pelo A. para tal (Art. 4º da petição).
2. Apesar desta quantia ter vindo a ser peticionada aos 1º e 2º RR., essas tentativas demonstraram-se infrutíferas, uma vez que o A. ainda não logrou receber o seu crédito, nem sequer através do Proc. nº 3524/13.6TJVNF, que corre termos no 4º Juízo Cível deste Tribunal, acção executiva em que são executados os 1º e 2º RR. e exequente o A. (Art. 5º da petição).
3. Acresce que, não são conhecidos aos RR. quaisquer bens, direitos ou outros, que possam satisfazer este débito/responsabilidades (Art. 6º da petição).
4. Os contratos de compra e venda e permuta dos imóveis referidos em B) constituem negócios simulados e, portanto, nulos – artº 240º, do C.C. (Art. 14º da petição).
5. A 5º R./sociedade compradora T. – INVESTIMENTOS IMOBILIÁRIOS, S.A., foi em todas as transmissões representada por três dos vendedores (1º, 2º e 3º RR.), na qualidade de únicos administradores e em representação da sobredita sociedade (Art. 19º da petição).
6. A R./sociedade compradora D. INVEST, S.A., fez-se representar em todas as escrituras pela 3º R., que é também accionista daquela sociedade, juntamente com o 4º R., ou seja, os 1º, 2º, 3º e 4º RR. eram, ao mesmo tempo, compradores e vendedores (Art. 20º da petição).
7. A sociedade T. – INVESTIMENTOS IMOBILIÁRIOS, S.A. foi criada apenas 1 mês antes da celebração da primeira escritura pública de compra e venda, em 23/12/2011 (Art. 21º da petição).
8. Os vendedores nunca quiseram desfazer-se dos imóveis, apenas arranjando uma forma de os tornar inalcançáveis pelos credores numa altura em que já previam as suas dificuldades económicas, através da transmissão para duas sociedades, sobre as quais detinham os mais amplos poderes, de todos os seus bens (Arts. 22º e 23º da petição).
9. Com os negócios realizados pelos RR. estes conseguiram nunca “perder de vista” o seu património e evitar que os credores dele se apoderassem (Art. 2º da petição).
10. O 1º e 2º RR. são também sócios gerentes e administradores da sociedade C. S., S.A. (Art. 25º da petição, parcialmente).
11. O facto de a sociedade C. S., S.A. se encontrar em Processo Especial de Revitalização comprova as suas dificuldades económicas e consequentemente confirma a possibilidade de os credores “atacarem” os bens dos avalistas das livranças subscritas por aquela (Art. 26º da petição).
12. Sendo os mesmos RR. sócios e administradores comuns às duas sociedades, não podiam ignorar que com aquelas vendas resultaria uma manifesta insuficiência do seu património, que poria em risco o recebimento do crédito do A. (Art. 35º da petição).
13. Nas escrituras de permuta, os imóveis dados de troca são de valor muito superior ao dos imóveis recebidos pelos 1º e 2º RR. (Art. 36º da petição).
14. A discrepância de valores nas escrituras de permuta foi “disfarçada” mediante a entrega de uma quantia em dinheiro, quantia essa que pode nunca ter sido entregue aos 1º, 2º e 3º RR. permutantes (Art. 37º da petição).
15. Os actos de transmissão dos imóveis tornaram impossível a satisfação da totalidade do crédito do A., uma vez que os devedores não têm mais património de valor e que o crédito do A. ascende ao total de € 214.528,75 (Art. 41º da petição).

Começando pela factualidade tida como não provada objecto de impugnação temos que, a propósito dessa materialidade, e como motivação da convicção negativa, refere-se na decisão recorrida o seguinte:
“(…)
E daí se terem considerado como não provados os factos supra referidos.

O Recorrente estrutura a sua divergência em relação à materialidade que considera ter sido indevidamente julgada como indemonstrada pelo tribunal a quo, na conjugação de meios probatório produzidos, da conjugação dos quais, em seu entender, deveria ter resultado uma resposta positiva a toda essa factualidade, e que são os seguintes:

A- Relativamente aos factos que deveriam ter sido considerado provados e que foram considerados não provados na sentença, enunciados em cima nas alegações em I), nos pontos 1, 2 e 5 respeitantes, em síntese, à correspondência entre a vontade declarada e vontade real dos recorridos, são as seguintes:

- Facto confessado no art. 53º da contestação dos 1º e 2º RR..
- Depoimento da testemunha Dr. Luís (00.07.13)
- Depoimento da testemunha Dr. Filipe (00.08:24; 00.11:19; 00.19:10).
- Requerimento com data 27/05/2916, apresentado pelos 1º e 2º RR., com a refª Citius 3802363.
- Factos alegados nos arts. 34º, 51º e 56º, da contestação dos 1º e 2º RR. e nos arts. 4º e 5º da contestação da 5ª R., nos quais os RR. invocam a onerosidade dos negócios realizados mas não juntam

B- Relativamente aos factos que deveriam ter sido considerado provados e que foram considerados não provados na sentença, enunciados em cima nas alegações em I), no ponto 3, respeitante à impossibilidade do A. ver ressarcido o seu crédito após a realização dos negócios em questão nos autos e do respectivo conhecimento de tal impossibilidade pelos RR., são as seguintes:

- Facto provado 8).
- Documentos 5, 22 e 23 juntos com a petição inicial.
- Escrituras juntas como documentos 6, 8, 11, 14 e 18, da petição inicial.
- Motivação constante da sentença recorrida, cujas passagens se iniciam em “Na formação da sua convicção o tribunal atentou desde logo na documentação junta” e termina em “valia efectivamente bastante menos do que os recebidos em permuta, sendo com certeza essa a razão pela qual se acrescentou, ao prédio entregue, a quantia de € 260.000,00”.

C- Relativamente aos factos que deveriam ter sido considerado provados e que foram considerados não provados na sentença, enunciados em cima nas alegações em I), no ponto 4, respeitantes, em síntese, à fragilidade da situação financeira da sociedade C. S., S.A. e ao conhecimento de tal situação por parte dos RR., são as seguintes:

- Depoimento da testemunha Dr. Luís (00.09.51; 00.12.14).
- Depoimento da testemunha Dr. Filipe (00.02.55; 00.03.40; 00.04.14; 00.05.20; 00.10.19; 00.11.19).
- Documentos 20 e 21 juntos com a petição inicial do A..
- Escrituras juntas como documentos 6, 8, 11, 14 e 18, da petição inicial.
- Motivação constante da sentença recorrida, - Motivação constante da sentença recorrida, cujas passagens se iniciam em “Na formação da sua convicção o tribunal atentou desde logo na documentação junta” e termina em “valia efectivamente bastante menos do que os recebidos em permuta, sendo com certeza essa a razão pela qual se acrescentou, ao prédio entregue, a quantia de € 260.000,00”.
- Factos provados 3) e 4).

Como é sabido, a análise crítica das provas produzidas e especificação dos fundamentos decisivos para a formação da convicção (art. 607º, nº 4 do C.P.C.) não se resume ao mero elencar descritivo das provas produzidas em audiência e bem assim à simples declaração daquelas que mereceram acolhimento, em detrimento das outras.

Analisar criticamente os elementos probatórios significa apreciá-los e valorizá-los, seja um por um, intrinsecamente, seja conjugadamente, relacionando-os reversivamente (testando a compatibilidade entre uns e outros), tudo isto à luz das regras da normalidade, da experiência da vida e dos ensinamentos da ciência.

Nesta actividade não está o tribunal submetido a critérios ou regras pré-estabelecidas (salvo quando a lei exige, para prova do facto, certo meio de prova – p. ex., documento ou confissão), devendo considerá-las a todas, apreciá-las em conjunto, fazer a sua análise crítica, tendo em conta as regras da ciência, da lógica e da experiência comum a todo o homem médio, e, por fim, especificar os fundamentos que foram decisivos para a convicção adquirida (art. 607º, nº 4 do CPC), assim permitindo que se ‘possa controlar a razoabilidade da convicção sobre o julgamento do facto como provado ou não provado’ (9) e exercer um controle externo e geral do fundamento de facto da decisão.

A motivação ou justificação da decisão sobre a matéria de facto, enquanto elemento verdadeiramente estruturante da legitimidade (e de legitimação) da decisão mais não significa do que a explicação da convicção do juiz.

As provas, di-lo o art. 342º do C.C., têm por função a demonstração da realidade dos factos. Porém, através delas não se busca criar no espírito do julgador a certeza absoluta da realidade dos ‘factos’ – ‘se a prova em juízo de um facto reclamasse a certeza absoluta da verificação do facto, a actividade jurisdicional saldar-se-ia por uma constante e intolerável denegação de justiça’ (10), o que implica que tem a justiça de bastar-se com um grau de probabilidade bastante, face às circunstâncias do caso, às regras da experiência da vida e aos ensinamentos da ciência.

A prova como demonstração efectiva (segundo a convicção do juiz) da realidade de um facto ‘não é certeza lógica mas tão-só um alto grau de probabilidade suficiente para as necessidades práticas da vida (certeza histórico-empírica) (11)’.

Assim, porque a prova como demonstração efectiva - segundo a convicção do juiz - da realidade de um facto “não é certeza lógica mas tão-só um alto grau de probabilidade suficiente para as necessidades práticas da vida - certeza histórico-empírica” -, é necessário fazer uma análise crítica dos elementos probatórios produzidos nos autos, isto é, apreciá-los e valorizá-los de forma conjugada, relacionando-os reversivamente (testando a compatibilidade entre uns e outros), tudo isto à luz das regras da normalidade, da experiência da vida e dos ensinamentos da ciência.

O legislador ao determinar a afirmar que a Relação deve alterar a decisão da matéria de facto, designadamente, se a prova produzida ou documento superveniente impuseram decisão diversa – artigo 662, nº1, do C.P.C. -, pretendeu que o tribunal de 2.ª instância fizesse novo julgamento da matéria de facto, fosse à procura da sua própria convicção e, assim, se assegurasse o duplo grau de jurisdição em relação à matéria de facto.

O Tribunal da Relação, assumindo-se como um verdadeiro Tribunal de Substituição (12), está em posição de proceder à reavaliação da matéria de facto especificamente impugnada pelo Recorrente, pelo que neste âmbito a sua actuação é praticamente idêntica à do Tribunal de primeira Instância, apenas cedendo nos factores da imediação e da oralidade.

Na verdade, este controlo de facto, em sede de recurso, tendo por base a gravação e/ou transcrição dos depoimentos prestados em audiência, não pode aniquilar (até pela própria natureza das coisas) a livre apreciação da prova do julgador, construída dialecticamente na base da imediação e da oralidade.

E é á luz do que se acaba de expender que importa agora sindicar a decisão da matéria de facto, averiguando se as respostas impugnadas foram proferidas de acordo com as regras e princípios do direito probatório e com o que os meios de prova produzidos nos autos, impõem concluir.

Ora, salvo o muito e devido respeito, analisados os elementos probatórios coligidos nos autos, desde já diremos que se nos não afigura que a análise crítica da prova efectuada na decisão recorrida expressa na motivação da matéria de facto dessa mesma decisão, exteriorize a mais curial, aprofundada e coerente interpretação de todo esse substrato probatório produzido.

Na verdade, e começando pela prova testemunhal produzida, pese embora se refira na decisão recorrida que “a prova testemunhal produzida foi também atendida mas, na sua conjugação com os documentos vindos de referir, não bastou à afirmação dos factos que vieram a dar-se como não provados”, o certo é que isso assim sucedeu por razões extrínsecas ao seu próprio conteúdo e às características de objectividade e isenção de que se revestiu a sua produção, pois que, como também se refere nessa mesma decisão, “muito embora os depoimentos destas testemunhas (Luís e Filipe) se tenham mostrado sérios e merecedores de valoração positiva, eles foram insuficientes para corroborar a tese do autor no sentido do intuito fraudulento nos negócios em questão.

E assim sendo, desde logo terá de se analisar se, em face da credibilidade intrínseca que lhes foi conferida pelo próprio tribunal recorrido, se efectivamente se demonstram de relevo as razões pelas quais entendeu o tribunal pela sua inconcludência, mesmo quando associados aos demais meios probatória produzidos para alicerçar uma diversa convicção sobre a materialidade tida como indemonstrada.

E a argumentação aduzida em esbatimento da relevância do conteúdo da versão apresentada pela prova testemunhal produzida, salvo o muito e devido respeito, não se nos afigura de revestida de adequada consistência para o efeito.

Na verdade, e em síntese, além das considerações sobre as dificuldades de prova de estados subjectivos (da consciência do prejuízo causado a terceiros (nos negócios onerosos, como são os ora em crise), que implica que o devedor e o terceiro adquirente representem a situação patrimonial do devedor e a possibilidade de o acto que praticam impedir a satisfação integral dos créditos de terceiros) aí se refere que desses depoimentos resultou que a sociedade “C. S., Ld.ª”, em 1996 e 2000, “começou a apresentar alguns sinais de dificuldade financeira um ano antes de se apresentar a PER, ou seja, aproximadamente em Maio de 2012 (sendo que esta é apenas a percepção dos depoentes, havendo contudo poucos elementos que permitam concluir pela justeza da antecedência com que se formou tal convicção – aliás, não há notícia da sociedade ter entrado em incumprimento quanto ao crédito do autor em momento prévio ao da apresentação a PER), em Janeiro, Julho, Agosto e Outubro de 2012 a sociedade “C. S., Ld.ª” efectuou os negócios referidos em 9) a 14), no qual intervieram, como representantes das contrapartes, pessoas relacionadas com os avalistas”.

Contudo, pese embora reconhecer a existência de nestas asserções de alguma consistência lógica que justifica as suspeitas do autor, tendo sido estas que o levaram, primeiro, a preencher as livranças, segundo, a propor a execução, terceiro, a propor esta acção, entende-se haver outras asserções que se afastam dessa consistência lógica e que consiste no seguinte:

- A sociedade D. dedica-se, entre o demais, à revenda de imóveis, sendo que no negócio referido no artigo 9º se menciona que o imóvel se destina à revenda, correspondendo ao indicado objecto (fls. 45 a 48 e 166 ss.); no âmbito do PER, a sociedade devedora, “C. S., Ld.ª” assumiu o pagamento da totalidade dos créditos bancários, entre os quais o do ora autor, embora com um período de carência de dois anos e uma dilação de doze anos para liquidação, constituindo uma hipoteca sobre cinco prédios, garantindo créditos até ao montante global de € 2.091.372,87, reportando-se € 228.331,26 ao ora autor.
- Daqui se extrai que o problema da sociedade em questão residia na falta de liquidez (cash flow), já que imóveis livres de ónus e encargos – logo, garantia patrimonial para os credores - não lhe faltavam (aliás, veja-se a proposta que consta da carta junta a fls. 231 a 234).
- Acresce que não há qualquer sinal de que as quantias referidas nos negócios constantes dos factos provados não tenham sido efectivamente pagas, integrando o património dos avalistas.
É ainda de atentar no facto de resultar também da documentação junta pelos réus (vd. fls. 321 ss.) que alguns dos imóveis que integraram os negócios em crise não lhes pertenciam aquando da subscrição dos avales, tendo sido adquiridos depois. Ou seja, aquando da aceitação dos avales como bons pelo ora autor, esses bens não integravam o património dos avalistas, tal como agora também não integram.
Por fim, desconhece-se, porque não foi junta aos autos, o objecto social e a composição da T., pelo que a circunstância de ter sido representada por alguns dos co-réus não tem necessariamente a conotação pretendida pelo autor.

Ora, previamente à análise dos meios probatório produzidos, e para que melhor fiquem explicitados os respectivos critérios da sua abordagem, cumprirá referir que, como tem sido inúmeras vezes afirmado pela jurisprudência, é seguro que a intenção com que agem os outorgantes num acto impugnado no âmbito de uma acção de impugnação pauliana é de prova difícil e que este é um campo onde se justifica plenamente o uso de presunções judiciais para dar como assente esse facto de índole subjectiva a partir dos restantes factos, sendo que, as provas as presunções judiciais (que não são meios de prova em sentido restrito) são “as ilações que a lei ou o julgador tira de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido” – Cfr artigo 349, do C.C..
Trata-se, portanto, de decidir e fixar os factos relevantes para a decisão.

É que, não obstante a subjectividade dos factos, por vezes, os tornar impenetráveis a meios de prova directos e objectivos, não podemos perder de vista que, para os fins próprios do processo judicial que visa realizar a justiça, eles não deixam de ser alcançáveis e captáveis através de indícios conjugados e concordantes capazes de, por via de presunções guiadas pelas regras da experiência levar à formação de uma convicção prudente mas segura sobre a realidade.

Como, se refere no em Acórdão da Relação de Coimbra, «A “experiência comum” […] é um “conceito indeterminado” já que o respectivo conteúdo e extensão são em larga medida incertos; e tendo em linha de conta que o conceito em causa não é abarcável unicamente pelos sentidos, dizemos estar face a um conceito normativo carecido de um “preenchimento valorativo”.
Sucede que no nosso direito vigora o "princípio da livre apreciação das provas" de harmonia com o qual “o que torna provado um facto é a íntima convicção do juiz gerada em face do material probatório trazido ao processo (bem como da conduta processual das partes) e de acordo com a sua experiência de vida e conhecimento dos homens não a pura e simples observância de certas fórmulas legalmente prescritas”.
Quer isto dizer que a “justiça do caso concreto” nem sempre pode ser alcançada através de normas rígidas, tornando-se necessário o apelo a figuras abertas como os “conceitos indeterminados” dotados de maleabilidade, de forma a moldarem-se à especificidade de cada caso concreto onde entra em linha de conta a “discricionariedade judicial”. Nestes casos, escreve Karl Larenz, “é suficiente que o Juiz tenha esgotado todos os meios de concretização de que dispõe, mediados pela reflexão jurídica e que, nestes termos a solução se apresente como “plausível”. O Juiz denomina de plausível uma resolução quando pelo menos haja bons argumentos que apontem no sentido da sua correcção (...).
A prova por presunção consiste precisamente "na dedução, na inferência do raciocínio lógico por meio do qual se parte de um facto certo provado ou conhecido e se chega a um facto desconhecido". De entre as presunções distingue a Doutrina as legais e as judiciais; estas últimas, que nos interessam particularmente nesta sede, fundam-se em regras práticas da experiência comum, nos conhecimentos da vida e estão vocacionadas, nomeadamente aos casos em que a prova directa é muito difícil de conseguir.
Mas tal não significa que mesmo os contratos em análise não possam conter elementos que cotejados com outros e devidamente mediados pelo Juiz permitam chegar ao intuito subjacente aos negócios realizados como sejam o preço por que foram transaccionados os objectos dos mesmos; também para o alcance da motivação basilar dos negócios, releva a condição sócio-económica dos sujeitos nele intervenientes, a conjuntura pessoal e económica coeva que atravessaram e o parentesco entre os interlocutores comerciais.
A prova com recurso à presunção comporta três operações: em primeiro lugar, a demonstração do facto base ou indício que, num segundo momento, faz despoletar no raciocínio do julgador, uma regra da experiência ou da ciência que permite, num terceiro momento, inferir outro facto que será o facto sob julgamento.
No caso concreto o recurso às “regras da experiência” culmina todo o percurso probatório e a bem dizer traduz-se num “juízo presuntivo” onde um conjunto de factos positivos e omissivos é mais que bastante para que possa, de harmonia com o senso comum e as realidades da experiência e da vida, permitir concluir por forma a optar pela resposta aos quesitos em análise que constituem o fecho da abóbada da construção tendente a subtrair o património dos RR. à satisfação dos direitos do credor. Desde que a convicção do julgador seja devidamente motivada é imprescindível o recurso à prova por presunções para aferir da veracidade de certos factos, nomeadamente em matérias como a que ora apreciamos cujos momentos essenciais não são palpáveis de imediato através da prova testemunhal, mas antes o resultado de uma mediação ponderada de quem julga com recurso às realidades da vida e às normas da experiência.» (13).

Assim e a propósito de situações idênticas à ora em causa nos autos afigura-se pertinente chamar à colação o que se refere no Acórdão da Relação de Lisboa de 25-03-03 e que agora se transcreve:
(…)
«Referia Manuel de Andrade, reportando-se à dificuldades de prova dos pressupostos normativos da simulação contratual, que não é natural a existência de uma contra-declaração assinada pelas partes em que fixem a verdadeira intenção subjacente às declarações negociais, justificando-se, assim, a formação da convicção com base na apreciação de factos circunstanciais à luz das regras da experiência comum.
Outro tanto ocorre em matéria de impugnação pauliana quando se reporta a actos formalmente onerosos.» e mais adiante «Ganham, assim, especial relevo os dados recolhidos da experiência que nos revelam a multiplicidade e a sofisticação das estratégias de fuga aos credores, merecendo destaque a transferência de bens para pessoas ligadas aos interessados por relações de confiança ou a intervenção de "testas de ferro" que formalmente assumem a titularidade dos bens que, de facto, continuam na disponibilidade dos transmitentes, a favor de quem subscrevem geralmente procuração irrevogável.», dados que relevam como presunções judiciais ou "ad hominem" e que «Condicionadas a uma utilização prudente e sensata, isenta de excessivo voluntarismo (…) constituem um instrumento precioso a empregar, quando necessário e quando tal for legalmente admitido (art. 351º do CC), na formação da convicção que antecede a resposta à matéria de facto, o que se torna premente quando se trata de proferir decisão que, como ocorre relativamente à impugnação pauliana, se tornam dificilmente atingíveis através de meios de prova directa.
Conquanto nem sempre resulte explícita a sua intervenção na formação da convicção jurisdicional, constituem um importante mecanismo que pode levar o Tribunal a afirmar a verificação de certo facto controvertido, suprindo as lacunas de conhecimento ou de informação que não possam ser preenchidas por outros meios de prova; podem servir ainda para valorar os meios de prova produzidos.» (14)

Isto considerado, temos que, como de modo credível o referiram as testemunhas Luís e Filipe, do relacionamento familiar existente entre todos (pais, filha e genro), da comum participação deles no domínio e gestão das sociedades, seus órgãos e representação, e, designadamente, nos negócios em causa, como inelutável resulta o seu conhecimento dos motivos e do seu significado, com relação à situação envolvente de todos os negócios e comunhão das decorrências patrimoniais resultantes dos mesmos, para si e para a credora.

Com efeito, além de terem conhecimento dos negócios realizados e respectivas circunstâncias, designadamente, do seu objecto, valores e intervenientes, igualmente tinham conhecimento do PER da “C. S., Ldª” (sociedade anónima presidida pelo 1º réu, sendo vogais a esposa e o genro Serafim) em cujo Plano de recuperação, para além do seu objecto, historial e situação económica dotada de acentuada precaridade, se referem ainda a existência de 83 credores e um passivo de 3.195.828,34€, tendo apenas nas suas existências bens e matérias-primas no valor de cerca de 500.000€ e um activo imobilizado não afecto à sua actividade societária de cerca de 913.000€).

E como é evidente, igualmente seria do seu conhecimento o facto de, um ano antes da apresentação do PER, a referida sociedade avalizada haver já recorrido a “descobertos”, o que à saciedade bem demonstra as dificuldades por que ela estava a passar e que vieram a desembocar naquele procedimento e de que todos necessariamente estavam bem cientes.

E dadas essas manifestas dificuldades não custa entender que, por carta de Março de 2013, os 1º e 2º réus se tenham mostrado preocupados e terem tentado junto do Banco autor “reestruturar” a dívida dela, aparentando com isso séria e recta intenção, sendo que, no entanto, nesse momento já se tinham despojado do património afecto à garantia do cumprimento da obrigação por eles avalizada, bem se percebendo que o fizeram precisamente acautelando a mais do que previsível hipótese de virem a ser chamados a responder pelo valor das dividas por eles avalizadas e do que não poderiam deixar de estar bem cientes, como, de facto, tinham de estar.

Aliás, quando a C. S., Ld.ª” assumiu o pagamento da totalidade dos créditos bancários, entre os quais o do ora autor, embora com um período de carência de dois anos e uma dilação de doze anos para liquidação, constituindo uma hipoteca sobre cinco prédios, garantindo créditos até ao montante global de € 2.091.372,87, reportando-se € 228.331,26 ao ora autor, já se encontrava numa situação de acentuada dificuldades económicas e sem capacidade de cumprir todos os seus compromissos.

De tudo quanto antecede flui a inequívoca conclusão de que, ao contrário do que considerou o tribunal recorrido, mais do que uma simples “percepção” subjectiva inconcludente da certeza dos factos, as aludidas testemunhas nos seus depoimentos revelaram factos materiais dos quais tomaram conhecimento em razão das suas funções, tendo acompanhado directamente a evolução da situação patrimonial da devedora e, designadamente, as vicissitudes do seu relacionamento com o Banco, logo a verificação dos “descobertos” que, como é evidente, de modo claro exteriorizam a impossibilidade de pelos seus próprios meios cumprir as suas obrigações perante aquele mesmo Banco, o que, associado à instauração do PER e das goradas perspectivas do resultado positivo decorrente da sua fracassada concretização, terá estado na base do desencadear do preenchimento das livranças não pagas.

É certo que é sobre o devedor ou terceiro interessado na manutenção do acto que impende o ónus de demonstrar que o valor dos bens penhoráveis ainda existentes é igual ou superior ao valor das dívidas, sendo que a suficiência de bens penhoráveis tendo de reportar-se ao próprio demandado, implica que não assuma relevância jurídica que outros devedores solidários disponham de património bastante, ou seja, e dito de outro modo, a solvabilidade do avalista não impede a impugnação do acto do devedor avalizado que obste à satisfação integral do crédito.

Parece-nos, no entanto, que da possibilidade de o credor vigiar a manutenção da solvabilidade de todos os patrimónios que autonomamente garantem o seu direito de crédito, atacando com a impugnação pauliana os actos praticados sobre um dos patrimónios garantes que ponham em risco a sua possibilidade de obter a satisfação do seu crédito pelos bens desse património, independentemente da situação dos restantes, sendo uma questão, essencialmente, de direito, não deixa de ter alguma relevância para a fixação da matéria de facto e, designadamente, para indagar da intenção ou animus contrahendi ou consciência do prejuízo que o acto causa ao credor, a qual, referindo-se à descoberta da real intenção ou estado de espírito das partes ao emitir a declaração negocial, é uma conclusão a extrair de factos que a revelem.

Assim sendo, não pode ser considerado indiferente para o apuramento do animus contrahendi ou consciência do prejuízo que o acto causa ao credor, o eventual conhecimento e consciência por parte do responsável solidário de que, no momento da celebração dos negócios impugnados que tiveram por objecto o seu património, o principal responsável pela dívida já não possuía quaisquer bens ou, pelo menos, bens suficientes, no seu património passíveis de responderem por ela.

Ora, à luz de tudo o exposto considerando que:

- Os negócios garantidos remontavam aos anos de 1996 e 2000, e que a sociedade a partir de 2012 começou revelar dificuldades financeiras, e que a partir daí, se perspectivava (ainda que por via do PER, requerido em 29-05-2013, por regra não satisfatório em pleno dos credores), a existência de uma forte possibilidade de os avalistas virem a ser responsabilizados como garantes, dado os avultados valores envolvidos;
- A quantidade e diversidade de património de que os 1º e 2º réus se despojaram (paulatinamente, em Janeiro, Julho, Agosto e Outubro de 2012), num estrando esquema que, objectivamente analisado, sustenta fundadas suspeitas de que se pretendem eximir ao cumprimento de eventuais responsabilidades que passam ser assacadas, como as aludidas testemunhas salientaram);
- A circunstância de terem ficado sem qualquer património penhorável à vista, sendo certo que também não assume qualquer relevância para o efeito o facto de serem únicos accionistas da sociedade revitalizada, uma vez que tais acções não terão, obviamente, “cotação” e relevante valor patrimonial;
- O facto de apesar de pelo negócio de 03-08-2013 constar que receberam em dinheiro 260.000€ da T., não utilizaram esses recursos materiais para a satisfação de obrigações da Sociedade em dificuldades financeiras (se o seu problema era apenas de cash flow), desconhecendo-se qual o destino dessa verba e, designadamente, as razões para não terem com ela sido honradas as suas obrigações, como o imporia um actuação pautada em critérios de honestidade e boa fé);
- Associado a tudo isto, a qualidade e relacionamento de todos os envolvidos (familiares) em distintas qualidades formais mas evidente partilha de objectivos materiais e o protagonismo de duas sociedades para tal envolvidas nos negócios realizados (que, como é consabido, frequentemente servem para dissimular os reais objectivos prosseguidos com esse negócios), em manifesta comunhão de interesses e em cumplicidade de objectivos.
- Aliás, o argumento aduzido no item 53º da contestação dos 1º e 2º réus de que o objectivo era que os bens “ficassem na propriedade da família” através daqueles negócios, outra coisa não pode significar senão que, estando eles na titularidade dos pais, da filha e genro ou das sociedades por eles constituídas e dominadas, o que foi pretendido foi de facto conservar para eles tais bens, desafectando-os, no entanto, de uma eventual responsabilização pelas dívidas que tinham avalizado e do eventual e previsível ataques dos credores.

Parece, pois, inelutável que os Réus adquirentes, ao outorgarem os negócios impugnados, actuaram com consciência de que desses actos resultavam para o autor a impossibilidade de obter a satisfação do seu crédito (ou, pelo menos um agravamento dessa impossibilidade), pois que, tinham pleno conhecimento da situação patrimonial da alienante, designadamente da precaridade da sua situação económica, resultando, assim como evidente, a consciência do prejuízo causado ao credor, por parte do terceiro adquirente, pois que, sendo a consciência do prejuízo um processo psicológico pertencente ao domínio da representação ou ideação, a representação da possibilidade de causar um prejuízo a um credor só pode, e não deixa de existir, sempre que por parte do adquirente haja percepção da situação patrimonial do devedor/alienante, como sucedeu na presente situação.

Destarte, considerado tudo quanto antecede, e procedendo à valorização das provas produzidas nos autos, à luz das regras da experiência da vida e da normalidade das coisas, permitem concluir, com o grau de probabilidade bastante, pela demonstração dos factos que a seguir se descrevem, ou seja, a demonstração dos factos integrantes dos pressupostos da impugnação pauliana, incluindo o da diminuição da garantia patrimonial do crédito que os avalistas, acrescentavam à da sociedade avalizada, da impossibilidade de o credor obter a satisfação integral do seu crédito ou a drástica redução de tal possibilidade e da própria má-fé, enquanto consciência do prejuízo que os actos causaram ao credor, e que não foram tidos como demonstrados na decisão recorrida.
E tais factos são os seguintes:

- Os outorgantes estavam cientes das dificuldades financeiras da avalizada “C. S., Ldª” e de que, em consequência delas, a autora podia ficar impossibilitada ou com dificuldades de cobrar da mesma, no todo ou em parte, o seu crédito.
- Em consequência do PER aprovado (facto 5), foram perdoados os juros vencidos e não pagos até à data da publicação da Lista definitiva de credores, prescindidos quaisquer juros compensatórios, de mora ou de outra natureza, e estabelecido que apenas se venceriam juros remuneratórios a partir da aprovação do Plano, sendo o capital a pagar às prestações mensais, em 12 anos, com 2 anos de carência, vencendo-se a primeira no 25º mês após a sentença homologatória.
- Os outorgantes estavam cientes de que, em consequência dos negócios realizados, a autora ficaria impossibilitada de cobrar dos 1º e 2ª réus avalistas qualquer parcela do seu crédito, por lhes não restarem no seu património bens penhoráveis suficientes.
- Na execução referida no facto 8, os 1º e 2º réus executados não pagaram nem a autora conseguiu cobrar qualquer parcela do seu crédito.
- O preenchimento das livranças foi completado pela autora após incumprimento das obrigações que elas visavam garantir decorrentes dos negócios referidos em 1, 2 e 15 a 17 e em conformidade com aquilo que nestes havia sido acordado.

Mas além da materialidade tida como não provada e daquela que assim não foi, mas que agora se deu como demonstrada, entende o Recorrente terá logrado adesão de prova e que o tribunal recorrido não considerou como demonstrados, e que são os mencionados factos constantes dos artigos 2, 4, 5, 6, 14, 19, 20, 22, 23, 25, 35, 36, 37 e 41, da petição inicial, todos supra transcritos.

Ora, como é consabido, a jurisprudência tem vindo a defender que a impugnação da decisão de facto não se justifica a se, de forma independente e autónoma da decisão de mérito proferida, assumindo antes um carácter instrumental face à mesma.

Assim, e como se refere no Acórdão desta Relação de Guimarães, de 02/02/2017, “a «impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto, consagrada no artigo 685.º-B [do anterior C.P.C.], visa, em primeira linha, modificar o julgamento feito sobre os factos que se consideram incorrectamente julgados. Mas, este instrumento processual tem por fim último possibilitar alterar a matéria de facto que o tribunal a quo considerou provada, para, face à nova realidade a que por esse caminho se chegou, se possa concluir que afinal existe o direito que foi invocado, ou que não se verifica um outro cuja existência se reconheceu; ou seja, que o enquadramento jurídico dos factos agora tidos por provados conduz a decisão diferente da anteriormente alcançada. O seu efectivo objectivo é conceder à parte uma ferramenta processual que lhe permita modificar a matéria de facto considerada provada ou não provada, de modo a que, por essa via, obtenha um efeito juridicamente útil ou relevante»

Logo, «por força dos princípios da utilidade, economia e celeridade processual, o Tribunal ad quem não deve reapreciar a matéria de facto quando o(s) facto(s) concreto(s) objecto da impugnação for insusceptível de, face às circunstância próprias do caso em apreciação e às diversas soluções plausíveis de direito, ter relevância jurídica, sob pena de se levar a cabo uma actividade processual que se sabe, de antemão, ser inconsequente» (Ac. da RC, de 27.05.2014, Moreira do Carmo, Processo nº 1024/12, com bold apócrifo).

Por outras palavra, se, «por qualquer motivo, o facto a que se dirige aquela impugnação for, "segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito", irrelevante para a decisão a proferir, então torna-se inútil a actividade de reapreciar o julgamento da matéria de facto, pois, nesse caso, mesmo que, em conformidade com a pretensão do recorrente, se modifique o juízo anteriormente formulado, sempre o facto que agora se considerou provado ou não provado continua a ser juridicamente inócuo ou insuficiente.

Quer isto dizer que não há lugar à reapreciação da matéria de facto quando o facto concreto objecto da impugnação não for susceptível de, face às circunstância próprias do caso em apreciação, ter relevância jurídica, sob pena de se levar a cabo uma actividade processual que se sabe, antemão, ser inconsequente, o que contraria os princípios da celeridade e da economia processual consagrados nos artigos 2.º n.º 1, 137.º e 138.º.» (Ac. da RC, de 24.04.2012, Beça Pereira, Processo nº 219/10, com bold apócrifo. No mesmo sentido, Ac. da RC, de 14.01.2014, Henrique Antunes, Processo nº 6628/10)”. (15)

Destarte e como aí se conclui, “o uso, pela Relação, dos poderes de alteração da decisão da 1ª Instância sobre a matéria de facto só deve ser usado quando seja possível, com a necessária segurança, concluir pela existência de erro de apreciação relativamente a concretos pontos de facto impugnados”, ou seja, quando da análise conjugada dos meios probatórios produzidos em audiência, se imponha “uma conclusão diferente (prevalecendo, em caso contrário, os princípios da imediação, da oralidade, da concentração e da livre apreciação da prova) ”, sendo que, “não se deverá proceder à reapreciação da matéria de facto quando os factos objecto de impugnação não forem susceptíveis, face às circunstância próprias do caso em apreciação, de ter relevância jurídica, sob pena de se levar a cabo uma actividade processual que se sabe ser inútil, o que contraria os princípios da celeridade e da economia processuais (arts. 2º, nº 1, 137º e 138º, todos do C.P.C.)”.

Ora, como resulta da análise do articulado inicial os Autores, invocando os respectivos fundamentos factuais, ou seja, fundamentando-se nos avales concedidos pelos 1º e 2º réus em benefício da autora, para garantia do crédito por esta concedido à sociedade por aqueles representada, actualmente em PER, que ascende ao montante de € 214.528,75, e alegando ainda ter sido simulada pelos 1º e 2º réus a venda dos prédios que identifica e que constituem o seu património em ordem a tornar difícil, senão impossível, a cobrança pelo autor dos referidos créditos, concluem pedindo a declaração de nulidade dos contratos de compra e venda e de permuta, considerando-se os referidos negócios sem efeito e ordenando-se o cancelamento dos registos de aquisição do direito de propriedade a favor das 5ª e 6ª rés e eventuais registos que se vierem a efectuar na pendência da acção relativamente aos mesmos prédios, e, subsidiariamente, que sejam os réus condenados a reconhecer que o autor tem direito a executar os imóveis na medida do seu crédito, no património dos 5º e 6º réus.

Ora, considerados os fundamentos da acção, e correlacionados os factos tidos relevantes (provados e não provados, incluindo os agora considerados demonstrados neste acórdão), somos de entender que os demais que, tendo sido alegados e não considerados, que são agora objecto de impugnação, à evidência resulta que foram inseridos nos temas de prova e, portanto, objecto de actividade probatória, todos os factos dos quais dependia o reconhecimento do direito invocado pelo Autor, não se revestindo por isso de qualquer relevância estes factos agora objecto de impugnação, além de alguns deles integrarem matéria manifestamente conclusiva, sendo certo que, estão todos contidos no âmbito daqueles que foram considerados relevantes e, por isso mesmo, considerados na presente decisão, e que uma vez demonstrados são adequados e suficientes para o reconhecimento dos direitos peticionados.

Em consonância com tudo o acabado de expender, indefere-se a impugnação da matéria de facto acabada de referir e objecto de impugnação, sendo de considerar apenas, além da que consta da decisão de primeira instância, a supra descrita que se considerou demonstrada.

À luz da materialidade acabada de fixar cumpre agora analisar da eventual procedência do pedido de impugnação pauliana formulado pelo Autor, havendo de indagar-se da verificação dos requisitos deste instituto, que são os seguintes:

a) A existência de um crédito;
b) A anterioridade do crédito em face dos diferentes actos/negócios praticados;
c) Que o acto a impugnar envolva a diminuição da garantia patrimonial;
d) Que do acto resulte para o credor a impossibilidade de obter a satisfação integral do seu crédito, ou num agravamento dessa impossibilidade;
e) Que o acto praticado pelo devedor não seja de natureza pessoal;
f) Tratando-se de actos onerosos, que o devedor e o terceiro tenham agido de má fé.

Sendo o acto oneroso, a exige-se que tanto o devedor como o terceiro tenham agido de má fé, entendendo-se por má-fé, "a consciência do prejuízo que o acto causa ao credor".

Não se exige a intenção, o propósito ou a vontade de prejudicar os credores (dolo directo), bastando apenas a consciência, a representação do prejuízo que o negócio causa ao credor (dolo necessário).

Este instituto é um dos meios de conservação da garantia patrimonial do crédito posto à disposição dos credores pelo ordenamento jurídico é a impugnação pauliana, possibilitando-se, através dela, a reacção contra os actos praticados pelo devedor que, inconvenientemente, diminuam o activo ou aumentem o passivo patrimonial deste – ou seja, aos actos com os quais o devedor empobrece o seu património (16).

Tendo a impugnação pauliana como escopo a protecção do património enquanto garante do cumprimento das obrigações do seu titular (17), a condição primária para o seu exercício é a existência de um crédito que justifique a sua utilização (18), como resulta claro do corpo do art. 610º do C.C., ao preceituar que o credor pode impugnar os actos que envolvam a diminuição da garantia patrimonial do crédito.

Destinando-se, funcionalmente, a impugnação pauliana a proteger a garantia patrimonial do crédito, o segundo requisito do instituto é o eventus damni – o prejuízo causado pelo acto impugnado ao património do devedor.

Só nos casos em que é afectada a garantia patrimonial do seu crédito o credor tem interesse e justificação para se intrometer num acto praticado por terceiros (19). O instituto não tem aplicação sempre que o devedor pratica um acto diminuidor do seu património – o seu âmbito de aplicação circunscreve-se às situações em que tal diminuição ponha em perigo a possibilidade do credor obter a satisfação do seu crédito (20).

Tal requisito da nocividade concreta (21) do acto impugnado mostra-se estabelecido com precisão na alínea b) do art. 610º do C.C., preceituando-se aí ser necessário que do acto resulte para o credor a impossibilidade de obter a satisfação do seu crédito ou o agravamento dessa impossibilidade.

Essa impossibilidade é aferida em razão da situação patrimonial do devedor após a prática do acto a impugnar, apurando-se, de um lado, o seu passivo (o montante das suas dívidas) e, do outro, o seu activo (os seus bens penhoráveis e respectivo valor). A nocividade do acto só existirá se o valor dos bens penhoráveis existentes no património do devedor for insuficiente para solver o montante das suas dívidas (sem prejuízo daqueles casos em que se mostra fortemente improvável a submissão dos bens existentes no património do devedor a uma execução judicial, em razão das suas natureza e características - apesar da sua solvabilidade, o património do devedor pode ser constituído por bens de fácil ocultação ou dissipação (22)).

Exige também a lei (art. 610º, a), primeira parte, do C.C.) como requisito da impugnação pauliana a anterioridade do crédito relativamente ao acto impugnado, pois que só os titulares de créditos anteriores a tal acto podem considerar-se lesados com a sua prática – só eles podiam legitimamente contar com os bens entretanto saídos do património do devedor como valores integrantes da garantia patrimonial do seu crédito (23).

Tendo o crédito sido constituído após a prática do acto de disposição patrimonial, os bens objecto deste não fazem já parte do acervo patrimonial que garante a satisfação daquele – e o credor não pode nesse caso legitimamente contar com eles como garantia do seu direito.

Todavia, admite a lei, excepcionalmente, a impugnação pauliana relativa a créditos posteriores aos actos de disposição patrimonial quando se demonstre que estes foram realizados dolosamente com o fim de impedir a satisfação do direito do futuro credor (2ª parte da alínea a) do art. 610º do C.C.). São os casos doutrinariamente designados por fraude preordenada (24), exigindo-se como requisitos que o devedor actue com a intenção de impedir a satisfação do futuro crédito e ainda que concretize essa intenção, tornando o seu património «insolvente», em consequência do acto dolosamente praticado (25) (o que se deve verificar por referência à data da prática do acto impugnado).

À economia da presente decisão, não interessa apreciar os requisitos das situações de fraude preordenada, pois que, como veremos, o crédito do autor é anterior aos actos impugnados.

Além dos requisitos de ordem geral vindos de referir, dispõe a lei que o acto oneroso só está sujeito à impugnação pauliana se o devedor e o terceiro tiverem agido de má fé, com consciência do prejuízo que o acto causa ao credor – art. 612º, nº 1 e 2 do C.C..

O conceito de má fé aqui pressuposto traduz-se na consciência psicológica de que o acto praticado vai provocar a impossibilidade do credor obter a satisfação integral do seu crédito ou um agravamento dessa impossibilidade. É “um processo psicológico pertencente ao domínio da representação ou ideação, assumindo uma natureza intelectiva”, devendo o devedor e o terceiro adquirente ter não só “a percepção da situação patrimonial do primeiro e dos efeitos do acto que vão praticar, mas também aperceberem-se que estes podem impossibilitar os credores do devedor de obter a satisfação integral dos seus créditos”, não sendo contudo necessário um juízo de certeza sobre a futura verificação do prejuízo, bastando um juízo de probabilidade e verosimilhança (26).

Não exige a lei que devedor e terceiro (intervenientes no acto impugnado) tenham a intenção de prejudicar os credores (se bem que esta intenção preenche o requisito, já que tal actuação dolosa contém, indubitavelmente, a consciência de causação do prejuízo), bastando-se com a perfeita consciência do prejuízo que vão causar (27).

Importa também atentar que não basta o conhecimento da situação patrimonial precária do devedor, sendo essencial a representação da possibilidade da produção do resultado danoso, ou seja, uma actuação correspondente à negligência consciente (28).

Certo que não é imprescindível que se tenha especificamente em vista o direito do credor impugnante, sendo suficiente que a referida percepção ou representação abranja a generalidade dos débitos do devedor (onde se inclui o débito ao credor impugnante).

Sintetizando, a má fé não se reconduz à intenção deliberada de prejudicar o credor (apesar dessa intenção a abarcar), podendo consistir apenas na consciência do prejuízo causado, exigindo-se que os outorgantes do acto lesivo representem que ele afectará a satisfação do direito do credor, que tenham consciência dessa repercussão negativa (29).

A lei exige a má fé de ambas as partes do acto impugnado, ou seja, que devedor e terceiro, cumulativamente, tenham consciência do prejuízo causado pelo acto, o que não significa que exija qualquer conluio ou actuação concertada. Radica essa exigência de má fé de ambas as partes na ideia de que à prestação do devedor corresponde prestação equivalente do terceiro, desempenhando a má fé o ‘importante papel de seleccionar entre os actos correntes de circulação de bens e de disposição de elementos de um património, em que à saída de um bem corresponde o ingresso de outro, em sua substituição, aqueles que merecem ser impugnados’, sujeitando à impugnação tão só os actos em que os respectivos outorgantes agiram em desrespeito da garantia de terceiros de forma reprovável e censurável, pois lhes era exigível outro comportamento (30).

Inquestionável que o autor tem um crédito sobre os dois primeiros réus - tal não foi sequer discutido pelas partes ao longo dos autos, admitindo ambas as rés a sua existência.

Apurada está também a anterioridade do crédito relativamente aos actos impugnados (31).

Constata-se assim que o crédito do autor foi constituído em data anterior aos referidos actos de transferência da propriedade.

O prejuízo (eventus damni) também se verifica, já que os Réus não lograram provar (rectius, nem sequer alegaram) que a devedora tinha no seu património bens penhoráveis de valor igual ou suficiente ao valor do crédito do autor (sendo certo que, a propósito deste requisito, vale a regra sobre a repartição do ónus de prova estabelecida no art. 611º do C.C. – ao credor impugnante incumbe a prova do montante das dívidas e ao devedor ou terceiro interessado na manutenção do acto a prova de que o obrigado possui bens penhoráveis de igual ou maior valor).

O autor logrou provar que aos Réus são devedores já que tinham dívida em montante equivalente ao seu (autor) crédito, não tendo os Réus logrado provar que os primeiros Réus devedores fossem detentores de património de valor igual e superior.

Por fim, verifica-se também o requisito da má fé (art. 612º do C.C.)

Os actos de transmissão dos bens referidos foram onerosos – a compra e venda é o exemplo paradigmático dos negócios onerosos.

Os negócios onerosos pressupõem atribuições patrimoniais de ambas as partes, existindo segundo a perspectiva destas, um nexo ou relação de correspectividade entre as referidas atribuições patrimoniais – cada uma das prestações é o correspectivo da outra, pelo que se cada parte obtém da outra uma vantagem, está a pagá-la com um sacrifício que é visto pelos sujeitos do negócio como correspondente (32).

Na compra e venda o preço pago pelo comprador tem como correspectivo a transferência da propriedade do bem, que sai do património do vendedor para a esfera jurídica do comprador.

Sendo os actos onerosos, só verificando-se a má fé de ambos os contraentes poderão eles ser procedentemente impugnados.

Como se deixou dito, relativamente ao requisito, entre as múltiplas asserções, a lei escolhe, apenas, neste instituto, “a consciência do prejuízo que o acto causa ao credor”.

Tratando-se de um requisito de índole subjectiva, naturalmente que ele há-de arrancar e sustentar-se em factos concretos e objectivos que exteriorizem tal estado de espírito. Este deve mostrar-se revelador de um conhecimento do efeito prejudicial em causa com tal grau e amplitude que, por referência a padrões de conduta honesta, fiel, diligente, leal, zelosa e respeitadora dos interesses legítimos de outros sujeitos relacionados, torne exigível a abstenção de actuar e justificada a reprovação ou censurabilidade ético-jurídica de quem assim não proceda.

De má fé actua, portanto, quem, desviando-se daqueles padrões, mesmo sem intenção específica de lesar ou não antevendo isso como efeito directo ou necessário da sua conduta, pelo menos de tal resultado se consciencializa como possível ou eventual e, todavia, se conforma com ele, ou, por não adoptar o comportamento diligente devido e de que, nas circunstâncias, era capaz, representa como possível o resultado lesivo mas, devido à imprudência, age confiante – com a consciência – que ele não ocorrerá.

Como se refere no acórdão, de 12/07/2007, “A má fé que se exige e há-de verificar-se é a má fé psicológica ou subjectiva que se traduz na actuação com conhecimento da verificação de prejuízo resultante do contrato sujeito a impugnação, isto é, com a representação pelo agente do resultado danoso ou consciência do prejuízo; A má fé a que a lei prevê refere-se à representação pelos outorgantes no contrato, no momento da respectiva celebração, de que o acto praticado afectará negativamente a realização do direito de crédito no confronto com o do devedor”. (33)

Nas circunstâncias apuradas e de todos os protagonistas conhecidas, as pessoas de normal diligência e motivadas pelos referidos padrões de rectidão e probidade não teriam agido assim.

Na verdade, tem-se entendido até não ser exigível o dolo e bastar a negligência consciente.

Conforme acórdão da Relação do Porto, de 11/2/2010:

- “No conceito de má fé a que alude o art. 612º do CC, estão incluídas todas as situações em que o devedor e o terceiro têm consciência do prejuízo que o acto causa ao credor, seja porque actuam com o propósito e a intenção de causar esse prejuízo (dolo directo), seja porque, embora actuando com outro propósito, admitem a verificação desse prejuízo como consequência necessária (dolo necessário), ou como consequência possível do acto (dolo eventual e negligência consciente).
– A mera circunstância de o devedor e o terceiro terem conhecimento da existência do crédito e da situação precária do devedor não é, em princípio, suficiente para concluir que os mesmos representaram a possibilidade de verificação de prejuízo para o credor e que, como tal, agiram de má fé.
– Porém, pode, em tese, admitir-se, com base nos dados da intuição humana, regras da experiência e juízos correspondentes de probabilidade, que se possa concluir pela existência de má fé quando está em causa um negócio oneroso celebrado entre familiares próximos, quando estes têm conhecimento do crédito e da inexistência de outros bens que garantam a sua satisfação”. 5

Isto considerado, temos que na presente situação o prejuízo relevante consubstancia-se ou concretiza-se numa dupla vertente:

- Por um lado, naquilo que, do incumprimento por parte da Sociedade “C. S., Ldª”, resultou em diminuição para o património do Banco e, mesmo após o PER, da circunstância de ter perdido o crédito de juros até à aprovação da lista definitiva de créditos, de mais nenhuns serem devidos depois (salvo os remuneratórios estabelecidos) e da dilação do pagamento (12 anos, dois anos de carência, em prestações mensais) com tudo o que isso também representa de negativo para as expectativas legítimas do credor em obter pontualmente a prestação a que tinha direito e reflexos na integração do seu património, consequência esta incontornável mesmo que o PER viesse a ser integralmente cumprido.
- Por outro lado, esse prejuízo resulta igualmente e sobretudo do facto de em razão da “dissipação” dos bens integrantes do património dos avalistas se não revelar possível um eficaz exercício do direito decorrente da prestação do aval por parte do credor beneficiário e, por decorrência, o cumprimento da inerente obrigação dos avalistas.

E como é evidente, este último prejuízo é independente daquele, pois que, independentemente da possibilidade de a Sociedade responder, designadamente, em função das medidas aprovadas no PER e das garantias nele estipuladas (mormente a hipotecária prestada) e através do seu próprio património, a verdade é que a inviabilização da garantia autónoma decorrente do próprio aval representa em si um prejuízo de que evidentemente não poderiam ter deixado de ter consciência.

Sendo o aval o acto pelo qual um terceiro ou um signatário de uma letra garante o seu pagamento por parte de um dos seus subscritores – art. 30 da LULL, aplicável às livranças por força do seu art. 77 - a sua função é uma função de garantia, inserida ao lado da obrigação de um certo subscritor cambiário, destinada a cobri-la e caucioná-la, em ordem a garantir o cumprimento pontual do direito de crédito cambiário.

Por decorrência, o aval é um acto cambiário que desencadeia uma obrigação independente e autónoma da do obrigado cambiário, pois que, o avalista não é sujeito da relação jurídica existente entre o portador e o subscritor da livrança, mas apenas da relação subjacente à obrigação cambiária estabelecida entre ele e o seu avalizado, tendo a responsabilidade do avalista a mesma extensão e o conteúdo da obrigação da pessoa por ele afiançada.

A obrigação do avalista é, assim, uma obrigação materialmente autónoma, ainda que formalmente dependente da do avalizado, pois o avalista responsabiliza-se pela pessoa que avaliza, assumindo a responsabilidade, abstracta e objectiva, pelo pagamento do título, subsistindo, no entanto, a sua obrigação independentemente da obrigação do avalizado, mantendo-se mesmo que seja nula a obrigação garantida, salvo se a nulidade desta provier de um vício de forma – Cfr. art. 32 da LULL.

E, estando-se perante uma obrigação independente da relação subjacente, que pela sua abstracção e literalidade, se emancipou para subsistir como obrigação autónoma, como forçoso se impõe concluir que o avalista não é responsável ou não se obriga ao cumprimento da obrigação constituída pelo avalizado, mas tão só ao pagamento da quantia titulada no título de crédito, ou dito de outro modo, a obrigação assumida pelo avalista é perante a obrigação cartular, e não perante a relação subjacente, razão pela qual, constitui uma obrigação autónoma e independente, respondendo como obrigado cartular, pelo pagamento da quantia titulada na letra ou livrança.

A responsabilidade do avalista é assim uma responsabilidade solidária, podendo ser chamado a cumprir a obrigação de pagamento independentemente da excussão prévia dos bens do avalizado, como resulta do art. 47º da LULL. Deste preceito resulta que a obrigação do avalista e do avalizado perante o credor cambiário é solidária, apesar de entre um e outro (avalista e avalizado) existir uma relação de subsidiariedade (podendo por isso o avalista, satisfazendo a obrigação, exercer direito de regresso contra o avalizado – art. 32º, § 3 da LULL).

E assim sendo, o PER relativo ao devedor avalizado nenhuma repercussão tem na responsabilidade do avalista nem no direito do beneficiário do aval quanto a ele – artº 217º, nº 4, do CIRE, pois que, “a obrigação do avalista vive e subsiste independentemente da obrigação do avalizado”, sendo que, “por via dessa autonomia (…) aprovação de um plano de insolvência, com moratória para pagamento da dívida, de que beneficia a sociedade subscritora da livrança, não é invocável pelos avalistas contra quem é instaurada a execução para seu pagamento”, já que a obrigação do avalista, embora solidária (solidariedade imprópria), é independente, autónoma, vive e subsiste à margem da do avalizado. É solidária (solidariedade imprópria) – artºs 32º e 47º, da LULL.

O avalista que pague pode recuperar integralmente o que pagou, não se dividindo a prestação. De qualquer deles pode o credor beneficiário do aval exigir o cumprimento. O património do avalista garante e responde pela sua obrigação.

Destarte, podendo o credor exigir do avalista o cumprimento integral da dívida, as vicissitudes relativas ao património deste e o seu reflexo à luz dos pressupostos da impugnação pauliana, mormente do prejuízo e da má fé, têm de ser avaliadas independentemente do que quanto ao avalizado acontecer.

Como se refere no Ac. do STJ de 22/01/2004../../../../../../../../../Data/fa00140/Desktop/Jurisprudência/Cível/1ª Sec/Drª Catarina Gonçalves/Apelação 506-12.doc - _ftn1, “existindo uma pluralidade de devedores solidários, a garantia patrimonial não é constituída pela mera soma dos respectivos patrimónios, mas sim pela cumulação dos mesmos patrimónios, responsáveis, cada um de per si, pela totalidade do crédito (…) Quando um destes patrimónios deixa de poder responder pela totalidade do crédito, o sistema de garantia patrimonial fica afectado, independentemente dos restantes patrimónios poderem ser suficientes para o cumprimento da obrigação”. (34)

Assim, como se afirma no Acórdão da Relação de Coimbra de 20/11/2012, citando Cura Mariano, “o credor pode, pois, vigiar pela manutenção da solvabilidade de todos os patrimónios que autonomamente garantem o seu direito de crédito, atacando com a impugnação pauliana os actos praticados sobre um dos patrimónios garantes que ponham em risco a sua possibilidade de obter a satisfação do seu crédito pelos bens desse património, independentemente da situação dos restantes” acrescentando que “a solvabilidade do património do fiador ou do avalista não impedirá a impugnação de acto do devedor que impeça a satisfação integral do crédito pelo seu património (…)”. (35)

Neste sentido se tem pronunciado a nossa jurisprudência.
Com efeito, além dos Acórdãos já referidos, salientamos os seguintes:

- O Acórdão do STJ de 14/12/2006 (processo nº 06B3881), em cujo sumário se lê que: “não basta, para se excluir a impugnação pauliana, que os outros devedores solidários ainda mantenham no seu património bens suficientes para garantir o pagamento da dívida; pelo contrário, essa suficiência de bens tem de dizer respeito ao património demandado, sendo, portanto, irrelevante a eventual suficiência dos patrimónios dos restantes devedores solidários”;
- O Acórdão do STJ de 09/10/2006 (processo nº 06A2368), cujo sumário tem o seguinte teor:

I- No caso de existirem devedores solidários, apenas importa a situação em que ficou o património no qual se integrava o bem sobre o qual recai o acto impugnado, pois é característica da solidariedade a existência de várias garantias patrimoniais autónomas, respondendo cada um dos devedores pela prestação integral.
II- O credor pode atacar com a impugnação pauliana os actos praticados sobre qualquer um dos patrimónios garantes e que ponham em risco a possibilidade de obter a satisfação do seu crédito pelos bens desse património, independentemente da situação dos restantes.
III- O mesmo sucede nos casos de obrigações garantidas por aval, pois a obrigação contraída pelo avalista da livrança é solidária, pelo que o seu portador pode exigir o respectivo cumprimento integral de qualquer dos obrigados cambiários, já que quando nasceu a obrigação ficou a poder contar com a garantia constituída pelo património dos vários devedores solidários, a qual tem de acompanhar sempre aquela obrigação, não bastando para se excluir a impugnação pauliana que os outros devedores solidários ainda mantenham no seu património bens suficientes para garantir o pagamento da dívida, tendo a suficiência de bens de dizer respeito ao próprio demandado”;

- O Acórdão do STJ de 01/07/2004 (processo nº 04B1971), onde se refere que “em acção pauliana proposta contra os avalistas de uma livrança não tem qualquer interesse saber se o património da subscritora é ou não suficiente para a satisfação do crédito do autor, já que este pode accionar, individual ou colectivamente, os obrigados cambiários, não gozando os avalistas do benefício da excussão”.
- O Acórdão do STJ de 05/12/2002 (processo nº 02B3652), com o seguinte sumário: “o avalista não pode defender-se, com a eventual existência de património na esfera jurídica do avalizado, já que o credor não tem necessidade de previamente excutir o património do devedor, podendo agredir directamente o património do avalista (responsabilidade solidaris, que não meramente subsidiária)”. (36)

E assim sendo, evidente resulta que para efeitos de procedência da presente acção de impugnação pauliana é irrelevante a circunstância de os demais co-obrigados possuírem património bastante para a satisfação do crédito da Autora.

Ora, a matéria de facto tida por demonstrada permite afirmar a verificação do requisito em causa, uma vez que as aludidas compras e vendas foram levadas a cabo com o conhecimento, por parte de todos os Réus, de que com elas subtrairiam o património dos dois primeiros Réus ao pagamento a que esta estavam obrigados perante o autor e logo, inquestionável resulta que, ao actuarem dessa forma, dificultavam o pagamento do crédito do autor, ou seja, que ao assim actuarem, fizeram-nos, pelo menos, com negligente consciente, pois que previram que dos negócios realizados poderia resultar para o autor, com nexo de causalidade adequada, dificuldade na integral satisfação do seu crédito.

Constata-se, assim, verificarem-se todos os requisitos para a procedência da impugnação, havendo, assim, de proceder a presente apelação, relativamente a este fundamento, com a consequente revogação da decisão recorrida.

IV- DECISÃO.

Pelo exposto, acordam os Juízes desta secção cível do Tribunal da Relação de Guimarães em julgar parcialmente procedente a apelação e, em consequência, revogar a decisão recorrida, reconhecendo como ineficazes em relação ao Autor as transmissões operadas pelos Réus, C. S. e P. S., e pelos Réus, C. S. e P. S., I. R. e S. R., às Rés, D. Invest e S.A.T. – Investimentos Imobiliários, S.A, respectivamente, os quais em consequência de condenam:

- A reconhecerem que o Autor é titular de um direito de crédito sobre os dois primeiros Réus no montante de 214,528,75€ (duzentos e catorze mil quinhentos e vinte e oito euros e setenta e cinco cêntimos);
- A reconhecerem que o Autor tem direito de executar bens que identifica no património das quinta e sexta Rés, ficando estas obrigadas a restituir tais bens ao património dos dois primeiros Réus, na medida necessária à satisfação do assinalado direito de crédito do Autor.

Custas pelos Recorridos.
Guimarães, 15/ 02/ 2018.

Jorge Alberto Martins Teixeira
José Fernando Cardoso Amaral.
Helena Gomes de Melo.

1. Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2013, pág. 127.
2. Ac. do STJ (4ª secção) de 12.03.2015 (Mário Belo Morgado), proc. 756/09.5TTMAI.P2.S1, in www.dgsi.pt.
3. Abrantes Geraldes, in ob. cit. págs. 228 e 229.
4. Cfr. A. Varela, Manual de Processo Civil, Coimbra Editora - 1984 - págs. 419 e 420.
5. Cfr. A. Varela, RLJ, Ano 116, p. 339.
6. Cfr. Alberto do Reis, Código de Processo Civil Anotado, vol. III, pág. 245.
7. Cfr. Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, 1979, pág. 191.
8. Cfr. M. Teixeira de Sousa, Estudos Sobre o Novo Processo Civil, p. 348.
9. Cfr. M. Teixeira de Sousa, Estudos Sobre o Novo Processo Civil, p. 348.
10. A Varela, RLJ, Ano 116, p. 339.
11. Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, 1979, p. 191.
12. Abrantes Geraldes, In “Recursos no Novo Código de Processo Civil“, pág. 266 “ A Relação actua como Tribunal de substituição quando o recurso se funda na errada apreciação dos meios de prova produzidos, caso em que se substitui ao tribunal de primeira Instância e procede à valoração autónoma dos meios de prova. Confrontada com os mesmos elementos com que o Tribunal a quo se defrontou, ainda que em circunstâncias não totalmente coincidentes, está em posição de formular sobre os mesmos um juízo valorativo de confirmação ou alteração da decisão recorrida… “;
13. Cfr. Acórdão da Relação de Coimbra, de 8/04/2008, proferido no processo nº 456/04.2TBALB.C1, in www.dgsi.pt.
14. Cfr. Ac. RL de 25.03.2003 (CJ ano 2003, T2 a pág. 91 e ss.
15. Cfr. Acórdão da Relação de Guimarães, de 02/02/2017m proferido no processo nº 121/15.5T8VVD.G1, in www.dgsi.pt
16. A Varela, Das Obrigações em Geral, Vol. II, 4ª edição, p. 434 (citando, em nota, Vaz Serra).
17. Cfr. arts. 601º e 817º do C.C..
18. João Cura Mariano, Impugnação Pauliana, 2ª edição revista e aumentada, p. 155.
19. Autor e obra citados na nota anterior, p. 172.
20. Autor, obra e local citados.
21. A expressão é de A. Varela, obra citada, pag. 435.
22. João Cura Mariano, obra citada, p. 180.
23. A Varela, obra citada, p. 438.
24. A Varela, obra citada, p. 439.
25. João Cura Mariano, obra citada, p. 185.
26. João Cura Mariano, obra citada, p. 199.
27. A Varela, obra citada, p. 440.
28. João Cura Mariano, obra citada, p. 205, ao concluir que, face à redacção do art. 612º do C.C., não é possível considerar que os casos de negligência inconsciente se integrem no conceito de má fé adoptado (consistindo a negligência inconsciente na falta de representação, por manifesta falta de cuidado, da possibilidade de lesão da garantia patrimonial).
29. Ac. S.T.J. de 18/06/2009, no sítio www.dgsi.pt.
30. João Cura Mariano, obra citada, pp. 191 e 192.
31. Sublinha-se, em nota de rodapé, que não cabe na presente apelação cuidar da transferência dos veículos automóveis ou direitos de uso sobre eles que pertenciam à primeira ré, por nessa parte a acção não ter sido julgada procedente (sendo certo que o autor não recorreu).
32. Cfr., v.g., Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, 2ª edição actualizada, 1983, p. 400.
33. Cfr. o acórdão do STJ, de 12/07/2007, proferido no processo nº 07A1851, in www.dgsi.pt.
34. Cfr acórdão do STJ, de 22/01/2004, proferido no processo nº 03B3854, in em www.dgsi.pt.
35. Cfr. acórdão da Relação de Coimbra, de 22/12/2012, proferido no processo nº 5148/03.TBLRA.C1, in www.dgsi.pt.
36. Cfr. todos os acórdão citados em www.dgsi.pt.