Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
2214/13.4TBVCT.G2
Relator: MIGUEL BALDAIA MORAIS
Descritores: ACIDENTE DE VIAÇÃO
DANOS FUTUROS
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 04/21/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário: I- Para a determinação do quantum indemnizatório destinado a compensar a perda de rendimento futuro é de perfilhar um critério comparativo temperando o uso das fórmulas matemáticas de determinação do capital produtor de um rendimento remunerado à taxa de juro praticada na banca para depósitos a longo prazo mas que se esgota no final da vida ativa do lesado, com critérios corretivos, pela intervenção de juízos de equidade, com apelo às regras da experiência que a caracteriza.

II- Na apreciação, em sede de recurso, da justeza do montante arbitrado a título de compensação por danos não patrimoniais, estando em causa critérios de equidade, o quantum indemnizatur atribuído apenas deve ser reduzido quando afronte manifestamente as regras da boa prudência, do bom senso prático, da justa medida das coisas e de criteriosa ponderação das regras da vida.
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães:

I- RELATÓRIO

B. intentou a presente ação declarativa sob a forma de processo comum contra C.– Companhia de Seguros, S.A., pedindo a condenação daquela no pagamento da quantia global de € 38.452,17, acrescida de juros de mora, à taxa legal, contados desde a data da citação até efetivo e integral pagamento, acrescida de indemnização que venha a ser fixada em posterior incidente de liquidação, com vista ao ressarcimento de danos patrimoniais e não patrimoniais que alega ter sofrido na sequência de atropelamento que a vitimou ocorrido no dia 18.11.2011, cerca das 18h15m, na…, no qual interveio o veículo automóvel com a matrícula …HV, segurado pela ré.
Regularmente citada, a ré apresentou articulado de contestação, nos termos do qual, tendo aceitado a verificação do preenchimento dos pressupostos de que depende a sua obrigação de indemnização perante a autora, impugnou os factos pela mesma alegados com vista à fixação do respetivo quantum indemnizatório.
Em sede de saneamento dos autos, foi realizada a respetiva audiência prévia, no seio da qual foi definido o objeto do litígio e bem assim os pertinentes temas probatórios.
Realizou-se a audiência final, com observância das formalidades legais.
Foi proferida sentença que julgou parcialmente procedente a ação, em consequência do que se decidiu:
i)- condenar a ré C.– Companhia de Seguros, S.A. a pagar à autora B. a quantia de € 19.996,17 (dezanove mil novecentos e noventa e seis euros e dezassete cêntimos), a título de indemnização pelos danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos na sequência do acidente de viação em que foi interveniente, acrescidos dos respetivos juros de mora, à taxa legal, vencidos e vincendos, contados desde a citação até efetivo e integral pagamento;
ii)- condenar a ré C.– Companhia de Seguros, S.A. a pagar à autora B. a quantia que venha a ser apurada em sede de liquidação de sentença decorrente de tratamentos, meios de diagnóstico, períodos de internamento ou intervenções médicas e/ou medicamentosas a que aquela tenha de vir a ser submetida no futuro, às mesmas acrescendo juros de mora, à taxa legal, vencidos e vincendos, a contar desde a data da citação que venha a ser efetuada em sede de liquidação de sentença, até efetivo e integral pagamento;
iii)- absolver da ré C. – Companhia de Seguros, S.A. do demais contra si peticionado.
Não se conformando com o assim decidido, veio a ré interpor o presente recurso, que foi admitido como apelação, a subir nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.
Com o requerimento de interposição do recurso apresentou alegações, formulando, a final, as seguintes

CONCLUSÕES:

1ª – O tribunal “a quo” deu como provados alguns factos para os quais, no entendimento da Recorrente, não tem suporte probatório e como tal deverão ser considerados não provados.
2ª. – assim, no ponto 3.53 da sentença o tribunal “a quo” deu como provado, além do mais, que: “…, designadamente com recurso a auxílio medicamentoso, traduzido na necessidade permanente de recurso a medicação regular.”
3ª. – mas porque quanto à matéria de facto vertida neste ponto não foi produzida qualquer prova testemunhal ou qualquer prova documental ou outra, suficiente para o dar como provado assentando exclusivamente no exame pericial constante dos autos, onde não resulta que a A recorra “a auxílio medicamentoso, traduzido na necessidade permanente de recurso a medicação regular”.
4ª. – mas apenas, como se lê no relatório pericial de fls 289-292 que a A., quanto a ajudas medicamentosas, refere que apenas necessita de “analgésicos em SOS”.
5ª . - Por essa razão, a Recorrente entende que o referido seguimento do ponto 3.53 deveria ser alterado ou substituído por “…designadamente com recurso a analgésicos em SOS”.
6ª. – Por sua vez o ponto 3.61. e o ponto 3.63. também não foi produzida qualquer prova testemunhal, documental ou qualquer outra suficiente para os dar como provados, sendo que o tribunal “a quo” apenas se pode socorrer do exame pericial constante dos autos onde, ao invés, resulta tal matéria como não provada.
7ª. – pois lê-se no relatório pericial de fls 289-292 que a A., quanto a ajudas medicamentosas, apenas necessita de “analgésicos em SOS”, e não sustenta, nem afirma, que a A. vai necessitar de auxílio de terceiras pessoas no futuro nem que “é previsível que a autora veja o seu estado de saúde agravar-se, vendo-se na necessidade de se submeter a outros tratamentos, meios de diagnóstico, períodos de internamento ou intervenções médicas e/ou medicamentosas mas apenas e só o recurso a “analgésicos em SOS”.
8ª. - Deste modo, deverá este Venerando Tribunal alterar a referida matéria de facto e considerar como não provados os referidos pontos.
9ª. - Pelas razões apontadas, e que devem levar à alteração da matéria de facto tal seguimento da sentença posta em crise, apenas deverá considerar-se as quantias que venham a ser apuradas em sede de liquidação de sentença decorrente de analgésicos em SOS.
10ª. – O tribunal “a quo”, contabilizou de trabalho efectivo à A. 14/24 horas por dia o que não é razoável, até tendo em conta as deslocações residência/trabalho/casa dos pais e vice versa.
11ª. - as perspectivas de progressão profissional e salarial são desde há já alguns anos e pelos dados disponíveis continuarão a ser pelo menos na próxima década, negativas, por força dos ajustamentos, para baixo que a economia portuguesa tem vindo a sofrer a que acresce a degradação monetária e a baixa das taxas de juro.
12ª. - Tanto mais que a IPP de que é portadora não é significativa e é compatível com o exercício da sua actividade habitual.
13ª. - Pelo que é injustificado o montante de 7.500,00 euros atribuída à Autora.
14ª. - Salvo o devido respeito, entende também a ora recorrente que o montante arbitrado na sentença recorrida a título de danos morais se mostra excessivo e desajustado, se tivermos em conta não apenas os factos dados como provados, mas também a orientação que vem sendo seguida pela nossa recente Jurisprudência em casos semelhantes ao que está aqui em análise.
15ª. - Note-se que tal montante é atribuído por referência ao ano de 2013 e que, por tal razão, são devidos juros de mora desde a citação.

16ª . - O quantitativo a fixar há-de atender a uma série de factores, tais como o grau de culpabilidade do responsável, a sua situação económica e a do lesado, devendo ser proporcionado à gravidade do dano, mas também devem as indemnizações fixadas a este título aproximar-se em casos semelhantes, sob pena de não serem justas, por tratarem de maneira diferente situações (potencialmente) idênticas.
17ª. - Ora, na fixação destas indemnizações os Tribunais deverão seguir um critério, tanto quanto possível, uniforme e evitar um total subjectivismo, o qual afecta indiscutivelmente quer a segurança do direito, quer o princípio da igualdade.
18ª. - Por conseguinte, considerando os factos provados nestes autos, acima mencionados, com relevância para a fixação de uma indemnização pelos danos não patrimoniais sofridos pela recorrida, o teor das decisões proferidas recentemente pela nossa Jurisprudência, acima parcialmente transcritas, em situações mais relevantes em termos de dano não patrimonial, consideradas as respectivas gravidades de dano e a demais jurisprudência proferida em casos semelhantes aos dos presentes autos, entende a recorrente que a decisão aqui posta em crise ofende a equidade de forma frontal e deve ser substituída por outra, que melhor se coadune com os danos não patrimoniais sofridos pelo recorrido.
19ª. – e tal montante, deverá fixar-se sempre em valor próximo dos 4.000,00€ – considerando, sobretudo, o sentido das decisões supra invocadas e concreto caso dos autos, de gravidade substancialmente inferior ao retratado em todos os Acórdão citados – quantia essa que já traduz de forma muito expressiva a gravidade das lesões da recorrida e que não ofende os valores usualmente arbitrados em situações de gravidade substancialmente superior.
20ª. - o tribunal "a quo" violou, além do mais, o disposto no art. 496 n.º 1 e 3, 562.º e 566.º do Código Civil.

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Notificada a autora não apresentou contra-alegações.

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Após os vistos legais cumpre decidir.

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II- DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO

O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso – cfr. arts. 635º, nº 4, 637º, nº 2, 1ª parte e 639º, nºs 1 e 2, todos do Cód. Processo Civil.
Porque assim, atendendo às conclusões das alegações apresentadas pela apelante, são as seguintes as questões solvendas:
. determinar se existiu erro na apreciação da prova no concernente à factualidade vertida nos factos dados como provados sob os nºs 3.53, 3.61 e 3.63.
. determinar se se revela desajustado o quantitativo atribuído a título de indemnização pelo dano patrimonial futuro.
. determinar se se mostra excessiva a indemnização arbitrada a título de danos não patrimoniais.

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III- FUNDAMENTOS DE FACTO

O Tribunal de 1ª instância considerou provados os seguintes factos:
1. No dia 18.11.2011, pelas 18h15, na…, circulava o veículo ligeiro de passageiros com a matrícula …HV (doravante HV), propriedade de D. e pelo mesmo conduzido, no sentido Poente-Nascente, ou seja, …– …, pela metade mais à direita da faixa de rodagem da referida via.
2. Nas mesmas circunstâncias de tempo e lugar, em frente ao local onde se encontra o Edifício onde funcionam os serviços da E., a autora encontrava-se a atravessar a predita faixa de rodagem, sobre a passadeira destinada ao atravessamento de peões (marca M11) ali existente, da esquerda para a direita, atento o sentido de marcha do HV, quando foi embatida por aquela viatura.
3. Naquelas circunstâncias, o HV era conduzido por D. em proveito próprio, na satisfação de necessidades de deslocação de natureza pessoal, seguindo por itinerário pelo mesmo pré-estabelecido.
4. A Alameda…, no local da deflagração do sinistro supra referido, configura um sector de recta, com uma extensão superior a 500 metros, sendo aquele preciso local precedido de uma curva descrita para o lado esquerdo, para quem circula no sentido de marcha id. em 1.
5. A artéria supra id., ao longo de todo o seu traçado, apresenta duas faixas de rodagem, uma das quais, situada do lado Sul, destinada ao trânsito automóvel que desenvolve a sua marcha no sentido Poente-Nascente, ou seja, …– …, e outra, situada do lado Norte, destinada ao trânsito automóvel que desenvolve a sua marcha no sentido Nascente-Poente, ou seja, … – ….
6. A dividir as duas faixas de rodagem, a Alameda… apresentava e apresenta um separador central jardinado, delimitado por guias de granito, com uma largura de 1,50 metros.
7. Em concreto, a faixa de rodagem situada pelo lado Sul, destinada ao trânsito automóvel que desenvolve a sua marcha no sentido Poente-Nascente, ou seja, … – …, tinha e tem uma largura de 7,50 metros, por sua vez subdividida em duas hemi-faixas distintas, ambas destinadas ao trânsito naquele mesmo sentido, com uma largura de 3,75 metros.
8. No local do atropelamento que vitimou a autora, tal subdivisão encontrava-se e encontra-se demarcada através de linha de cor branca, sem soluções de continuidade, pintada sobre o respectivo eixo divisório (linha contínua – marca M1).
9. Nas mesmas circunstâncias de tempo e lugar supra descritas, o piso era, como é, pavimentado a asfalto, encontrava-se limpo e em bom estado de conservação.
10. Naquela altura, o tempo encontrava-se de chuva, estando o piso em causa molhado e escorregadio, e era já de noite.
11. Pelas duas margens, a faixa de rodagem da Alameda…apresentava e apresenta passeios destinados à circulação de peões, com uma largura de 1,40 metros cada um, pavimentados a pequenos blocos de granito, num plano superior em 15 centímetros em relação ao que é configurado pela via de trânsito automóvel.
12. Para quem se encontra a circular pela referida Alameda…, no sentido Poente-Nascente, ou seja, …– …, consegue avistar-se a respectiva faixa de rodagem e o pavimento dos seus dois passeios, em toda a sua largura, a uma distância superior a 150 metros.
13. Pelas duas margens da Alameda…, encontram-se implantados múltiplos candeeiros de iluminação pública, sendo que no local da deflagração do sinistro em causa, à data como hoje, os fachos luminosos incidiam directamente sobre a respectiva faixa de rodagem e sobre os seus passeios.
14. Pelas suas duas margens, a Alameda …, quer no local da deflagração do sinistro quer antes de lá chegar, para quem circula no sentido Poente-Nascente, ou seja, … – …, pela sua margem esquerda é ladeada por casas de habitação, blocos de apartamentos e estabelecimentos comerciais e industriais, todos eles com as respectivas portas de acesso a deitar directamente para a referida via, zona aquela situada entre as placas de forma quadrangular, com fundo branco e com a inscrição, a cor preta, “Viana do Castelo” (localidade: sinal N1a).
15. No preciso local da deflagração do acidente em sujeito, existia e existe, pintada sobre a faixa de rodagem da Alameda …., uma zona de traços brancos pintados em posição paralela uns em relação aos outros e todos eles na mesma posição em relação ao eixo divisório da faixa de rodagem da referida via (passadeira destinada à travessia de peões – marca M11), precedida, ainda, de uma barra de paragem (marca M8).
16. Para quem se encontra a circular pela referida Alameda…, no sentido Poente-Nascente, ou seja, … – …, desde a Rotunda existente no referido Campo… até ao preciso local de deflagração do acidente em causa, imediatamente antes da passadeira id. em 15., existiam, como existem diversas outras passadeiras pintadas no pavimento empedrado da faixa de rodagem da denominada Avenida do Campo…, todas elas precedidas do sinal vertical correspondente (sinal H7) e de barras de paragem (marca M8).
17. Além disso, para quem circula pela referida Alameda…, no sentido Poente-Nascente, ou seja, …– …, existia e existe ainda, imediatamente antes do local da deflagração do sinistro, fixo em suporte vertical, um sinal, de forma circular, de cor branca e com a respectiva orla pintada a vermelho, coim a inscrição, a cor preta, “50”, correspondente à proibição de exceder a velocidade máxima de 50 km/hora (sinal C13).
18. O condutor do veículo HV, à data do acidente, conhecia o local, na medida em que diariamente circulava pela Alameda ….
19. Nas circunstâncias de tempo e lugar descritas em 1º, a autora saiu das instalações do respectivo local e trabalho, a E. sita na margem direita da Alameda…, tendo em conta o sentido Poente-Nascente, ou seja, … – …, e percorreu a pé a distância de cerca de 30 m até ao passeio destinado ao trânsito de peões situado na referida margem, passando a percorrer o predito passeio até chegar, como chegou, ao local onde existia e existe a passadeira para o atravessamento de peões.
20. Pretendendo proceder ao atravessamento da faixa de rodagem da Alameda …, no sentido Sul-Norte, qual seja, da direita para a esquerda tendo em conta o sentido Poente-Nascente, ou … – …, ao chegar ao preciso local onde se encontra a predita passadeira, a autora aí se imobilizou sobre o respectivo passeio.
21. Entretanto, a autora olhou para o seu lado esquerdo, ao longo da faixa de rodagem da Alameda …, no sentido Poente, ou seja, em direcção ao Campo de… tendo-se certificado de que, naquele preciso momento, não transitava pelo espaço visível, superior a 150 metros, da referida faixa de rodagem qualquer veículo automóvel, motociclo, ciclomotor ou velocípede.
22. Após, a autora olhou para o seu lado direito, ao longo da faixa de rodagem da Alameda…, no sentido Nascente, ou seja, em direcção ao Centro Histórico e à Ponte …, tendo-se certificado de que, naquele preciso momento, não transitava pelo espaço visível, superior a 400 metros, da referida faixa de rodagem qualquer veículo automóvel, motociclo, ciclomotor ou velocípede.
23. E, tendo-se ainda assegurado, ao olhar novamente para o lado esquerdo, que as condições descritas em 21 se mantinham, a autora, em passo firme, ligeiro e determinado, iniciou e desenvolveu o atravessamento da faixa de rodagem da Alameda …, situada do lado Sul, destinada ao trânsito automóvel que desenvolve a sua marcha no sentido Poente-Nascente, ou … – …, e fê-lo no sentido Sul-Norte, ou seja, da direita para a esquerda daquele sentido de trânsito, totalmente sobre a passadeira destinada ao atravessamento de peões ali existente.
24. Desta feita, quando a autora havia já percorrido a quase totalidade da largura de 7,50 metros da faixa de rodagem da Alameda…, destinada ao trânsito automóvel que desenvolve a sua marcha no sentido Poente-Nascente, ou …– …, encontrando-se a uma distância de apenas 1 metro do separador central existente na linha média daquela artéria, quando foi embatida pelo HV.
25. Naquelas circunstâncias, o HV desenvolvia a sua marcha tal como referido em 1, inicialmente pela metade mais à direita da respectiva artéria, sendo que o respectivo condutor não prestava a devida atenção, quer à actividade que executava quer às condições da própria via, designadamente o facto de o piso asfáltico se encontrar molhado e escorregadio quer, ainda, ao limite de velocidade que se lhe impunha, bem como aos peões que, como a autora, circulavam nos passeios que marginavam a Alameda … e procediam ao atravessamento da faixa de rodagem sobre as passadeiras destinadas a tal.
26. Assim, seguia o HV a uma velocidade superior a 70 km/hora, sendo que o respectivo condutor, ao aproximar-se da passadeira que a autora se encontrava já a atravessar, não diligenciou pela respectiva travagem nem redução de velocidade, tendo apenas rodado o respectivo volante para o seu lado esquerdo, transpondo a linha contínua (marca M1) existente na linha média da faixa de rodagem da Alameda …, destinada ao trânsito automóvel que desenvolve a sua marcha no sentido Poente-Nascente, ou …– …, passando a ali circular pela metade mais à esquerda da mesma faixa de rodagem, até ali embater contra o corpo da autora, a uma distância de 1 metro do separador central existente na linha média da referida via.
27. A colisão verificou-se entre a parte esquerda do corpo da autora e a parte frontal do HV.
28. Aquando do embate, a metade mais à direita da faixa de rodagem correspondente ao sentido de trânsito do HV encontrava-se livre de qualquer trânsito de veículos automóveis, motociclos, ciclomotores, velocípedes, pessoas ou animais.
29. Na data referida, a responsabilidade civil por danos causados a terceiros resultante da circulação do veículo HV encontrava-se transferida para a ré, através apólice n.º 751039113.
30. Como consequência directa e necessária do acidente em causa, a autora sofreu lesões várias, tendo sido, de imediato, transportada à Unidade de Saúde… onde, no respectivo Serviço de Urgência, lhe foram prestados os primeiros socorros e efectuados exames radiológicos às regiões do corpo atingidas, nomeadamente à coluna lombar, dorsal e cervical, à anca e ao ombro esquerdo.
31. Ali foi-lhe diagnosticado traumatismo crânio-encefálico (TCE) com hematoma occipital, traumatismo lombar (anca) e da região cervical, tendo-lhe sido prescritos medicamentos vários, nomeadamente analgésicos e anti-inflamatórios – que a autora teve necessidade de ingerir – e aplicado colete cervical – que a autora que teve necessidade de usar por um período de mês e meio – tendo tido alta no próprio dia.
32. Regressada a casa, a autora manteve-se acamada por um período de uma semana, por força das dores sentidas desde o momento do acidente.
33. Posteriormente, a autora passou a frequentar o Hospital Particular de…, onde foi realizada uma TAC ao crânio e exames radiológicos, tendo ali sido assistida pelos Drs. M. e V., os quais lhe prescreveram medicação analgésica e anti-inflamatória – que a autora teve necessidade de ingerir, bem como tratamento de fisioterapia – que a autora se viu na necessidade de cumprir ao longo de 60 sessões.
34. A autora frequentou, igualmente, os Serviços Clínicos da Companhia de Seguros F. S.A., na cidade do Porto, ao abrigo do contrato de seguro de acidentes de trabalho.
35. A autora esteve de baixa no período que mediou entre a data do sinistro e o dia 09.01.2012, data em que teve alta para o trabalho, tendo-se para tal apresentado no dia 10.01.2012.
36. No momento do acidente e nos instantes que o precederam, a autora sofreu um grande susto, sendo que, dada a natureza do embate, chegou a recear pela própria vida.
37. A autora sofreu dores intensas em todas as regiões do corpo atingidas, nomeadamente ao nível da coluna lombar, dorsal e cervical, do tórax, da anca, do ombro esquerdo, da omoplata esquerda e do membro inferior direito.
38. Dores aquelas que afligem até à presente data e afligirão ao longo de toda a sua vida, designadamente sempre que faz força ou esforço com o tronco e a coluna lombar, dorsal e cervical, com a região toráxica, com o ombro e com a omoplata esquerdos e com o membro inferior direito, designadamente ao permanecer de pé por períodos prolongados de tempo, ou ao levantar ou transportar objectos pesados.
39. E sempre que roda o tronco e a coluna lombar, dorsal e cervical para a esquerda e para a direita, ou no sentido antero-posterior.
40. Ou sempre que permanece sentada por períodos acentuados de tempo, quer em frente a um monitor de computador, no desemprenho da sua profissão, quer quando exerce a condução de veículo automóveis, ou nos mesmos transportada em viagens de longa duração.
41. Ainda, sempre que manuseia e utiliza instrumentos de trabalho doméstico, ou se dedica ao desempenho das diversas lides daquela natureza.
42. E, invariavelmente, nas mudanças atmosféricas.
43. Pelo que, além de se ter submetido a exames de RX, TAC e RMN, viu-se e ver-se-á na necessidade de ingestão de medicação analgésica e anti-inflamatória, ao longo de toda a sua vida.
44. Para além dos incómodos e dores inerentes aos tratamentos de fisioterapia a que viu na necessidade de se submeter.
45. À data do acidente, a autora, que nasceu no dia 30.11.1970, contava com 41 anos de idade.
46. Nunca havia sofrido outro qualquer acidente de viação, nem padecia de qualquer patologia clínica.
47. Exercia, por conta da E., CRL, a profissão de técnica de contabilidade, pelo que auferia o vencimento base mensal de € 915,00, acrescido de subsídio de alimentação, em termos médios no montante mensal de € 132,00 mensais.
48. Toda a situação por si vivida, desde a data do acidente e por força das lesões e sequelas sofridas, causam à autora profundo desgosto.
49. A autora obteve a sua consolidação médico-legal no dia 15.05.2012.
50. Padeceu de um Défice Funcional Temporário Total por um período de 3 dias, de um Défice Funcional Temporário Parcial por um período de 177 dias, e de um período de Repercussão Temporária na Actividade Profissional Total de 180 dias.
51. Relativamente ao Quantum Doloris, é fixável no grau 3 em 7.
52. Por sua vez, o Dano Estático é fixável no grau 0 em 7.
53. As sequelas sofridas pela autora importam um Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica de 3 pontos, sendo, em termos de Repercussão Permanente na Actividade Profissional, compatíveis com o exercício da actividade habitual, mas implicam esforços suplementares, designadamente com recurso a auxílio medicamentoso, traduzido na necessidade permanente de recurso a medicação regular.
54. Desde o dia do acidente (18.11.2011) até ao dia 09.01.2012, a autora deixou de auferir os rendimentos correspondentes do seu trabalho, quais sejam € 1.525,81 a título de ordenados-base e € 204,00 como subsídios de alimentação, tendo no mesmo período recebido a quantia de € 1.277,64 a título de salários e subsídios de alimentação por acidente de trabalho, pagos pela Companhia de Seguros F., S.A..
55. Na altura do acidente, a autora exercia – como exerce – nas horas vagas, todos os dias da semana, ao longo de um período de 6 horas/dia, sendo que ao sábado o fazia durante todo o dia, actividades de doméstica, designadamente lavava e passava a roupa a ferro, dobrava e arrumava toda essa mesma roupa, limpava o pó de todos os móveis da sua casa de residência, varria e arrumava a sua casa de habitação e confeccionava as refeições do respectivo agregado familiar, composto por si própria, marido e filha de 15 anos de idade.
56. Assim como prestava – como presta – assistência e apoio aos seus pais, que se encontram incapacitados e dependentes de terceira pessoa, aos quais ministrava as respectivas refeições, tratava da higiene pessoal, limpava-lhes e arrumava-lhes a respectiva casa de habitação e dava tratamento a toda a roupa.
57. Sendo que uma empregada doméstica auferia e aufere, em…, por um período de 6 horas/dia, um valor diário de € 30,00, à razão de € 5,00/hora.
58. Desde o dia do acidente (18.11.2011) até ao dia 09.01.2012, a autora viu-se impossibilitada de exercer as referidas actividades de doméstica bem como de prestar assistência a seus pais.
59. Antes da ocorrência do acidente, a autora era forte, ágil, dinâmica e robusta, desfrutava de uma perfeita e completa compleição, força e energia físicas e desempenhava, por essa razão, de forma ágil e facilmente, todas as tarefas inerentes quer à sua actividade profissional, quer à actividade doméstica e de assistência a seus pais.
60. Por força das lesões e sequelas sofridas, bem como pelas dores que a autora passou a sentir de forma intensa e permanente, designadamente ao nível da coluna lombar, dorsal e cervical, do ombro esquerdo, dos membros superiores e da anca, agravadas pela postura adoptada por força da profissão por si exercida, ao longo de períodos prolongados de tempo, a autora passou a necessitar de fazer intervalos, para descanso, várias vezes ao dia, pelo menos de duas em duas horas, passou a necessitar do auxílio de terceiros para a execução de tarefas que exijam maior esforço físico, quer no trabalho quer em casa, quando se dedica a tarefas domésticas ou de assistência a terceiros.
61. Auxílio aquele de que a autora continua e continuará a necessitar no futuro, ao longo de toda a sua vida.
62. Em consequência do sinistro que a vitimou, a autora efectuou as despesas, ainda não reembolsadas, designadamente € 50,00, em medicamentos, e € 135,00, em consultas médicas.
63. Em consequência da lesões sofridas pela autora, e das sequelas das mesmas resultantes, é previsível que a autora veja o seu estado de saúde agravar-se, vendo-se na necessidade de se submeter a outros tratamentos, meios de diagnóstico, períodos de internamento ou intervenções médicas e/ou medicamentosas.


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O Tribunal de 1ª instância considerou ainda não provados os seguintes factos:
a) Os valores reclamados de € 350,00 pelo custo do relatório médico junto aos autos, de € 17,00 por certidão da Conservatória do Registo Automóvel, de € 44,00 de fotocópias do auto policial e de € 20,00 por certidão de nascimento tenham resultado como despesas suportadas pela autora como consequência do sinistro em causa nos autos.
b) A autora viu danificadas e completamente inutilizadas as seguintes peças de vestuário e objectos de uso pessoal, que usava na altura do acidente: um casaco, no valor de € 150,00; uma mala de mão, no valor de € 150,00; e um par de botas, no valor de € 375,00; um telemóvel, no valor de € 150,00.

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IV – FUNDAMENTOS DE DIREITO
IV.1. Do erro na apreciação e valoração da prova

A apelante considera incorretamente julgados os pontos nºs 3.53, 3.61 e 3.63 dos factos provados, porquanto, segundo advoga, a materialidade que aí se mostra plasmada se encontra em oposição com as conclusões vertidas no relatório pericial realizado no âmbito do presente processo.
Nos referidos pontos de facto o tribunal a quo deu como provado que:
. “as sequelas sofridas pela autora importam um Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica de 3 pontos, sendo, em termos de Repercussão Permanente na Actividade Profissional, compatíveis com o exercício da actividade habitual, mas implicam esforços suplementares, designadamente com recurso a auxílio medicamentoso, traduzido na necessidade permanente de recurso a medicação regular” (facto nº 3.51).
. “auxílio aquele de que a autora continua e continuará a necessitar no futuro, ao longo de toda a sua vida” (facto nº 3.61).
. “em consequência da lesões sofridas pela autora, e das sequelas das mesmas resultantes, é previsível que a autora veja o seu estado de saúde agravar-se, vendo-se na necessidade de se submeter a outros tratamentos, meios de diagnóstico, períodos de internamento ou intervenções médicas e/ou medicamentosas” (facto nº 3.63).
Da fundamentação dos referidos factos resulta que o tribunal de 1ª instância (ainda que na motivação da decisão de facto não tenha individualizado, relativamente a cada um dos pontos de facto que considerou provados, os concretos meios probatórios que relevou para esse efeito) ateve-se exclusivamente ao relatório da perícia de avaliação do dano corporal em Direito Civil elaborado pelo Gabinete Médico-Legal e Forense do Minho-Lima (cfr. fls. 289 a 292), no qual, a este propósito (cfr. fls. 292), ficou exarado que quanto a dependências permanentes de ajudas a autora necessita de “ajudas medicamentosas (correspondem à necessidade permanente de recurso a medicação regular – ex: analgésicos, antiespasmódicos ou antiepilépticos, sem a qual a vítima não conseguirá ultrapassar as suas dificuldades em termos funcionais e nas situações da vida diária). Neste caso de analgésicos em sos”, acrescentando-se, nas respetivas conclusões, “ajudas técnicas permanentes: ajudas medicamentosas”.
Como assim, por se mostrar mais consentânea com os elementos probatórios adrede produzidos no âmbito do presente processo (1), decide alterar-se a redação dos pontos de facto nºs 3.53, 3.61 e 3.63, sendo que a materialidade que se considera provada será aglutinada num único ponto de facto com o seguinte teor:
. “as sequelas sofridas pela autora importam um Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica de 3 pontos, sendo, em termos de Repercussão Permanente na Actividade Profissional, compatíveis com o exercício da actividade habitual, mas implicam esforços suplementares, designadamente com recurso a analgésicos em SOS”.
A alteração introduzida nos mencionados factos, importa, outrossim, a necessidade de proceder à modificação do dispositivo da sentença recorrida, na parte em que condenou a ré a pagar à autora “a quantia que venha a ser apurada em sede de liquidação de sentença decorrente de tratamentos, meios de diagnóstico, períodos de internamento ou intervenções médicas e/ou medicamentosas a que aquela tenha de vir a ser submetida no futuro, às mesmas acrescendo juros de mora, à taxa legal, vencidos e vincendos, a contar desde a data da citação que venha a ser efetuada em sede de liquidação de sentença, até efetivo e integral pagamento”.
Como assim, a aludida condenação restringir-se-á, pois, às quantias que venham a ser apuradas em sede de incidente de liquidação decorrentes da utilização de analgésicos em SOS motivada pelas lesões de que a autora ficou a padecer em consequência do ajuizado acidente de trânsito.

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IV.2. Da quantificação do dano patrimonial futuro

Como emerge da sentença recorrida, para a determinação do quantum indemnizatório devido por este concreto dano, o juiz a quo perfilhou um critério comparativo, acompanhando a metodologia que tem vindo a ser adotada pela jurisprudência majoritária, considerando como mecanismo útil (embora meramente orientador) o uso de tabelas financeiras em vista do cálculo do capital necessário à formação de uma renda periódica de modo a que o capital se extinguiria no fim da vida ativa do lesado ou do período em que beneficiaria dos proventos do falecido.
Tal metodologia seguiu de perto a solução preconizada nos acórdãos do STJ de 4.02.1993 e de 5.05.1994 (2), temperando a fórmula matemática - de determinação do capital produtor de um rendimento remunerado à taxa de juro praticada na banca para depósitos a longo prazo mas que se esgota no final da vida ativa do lesado - com os critérios corretivos ali apontados, pela intervenção de juízos de equidade, com apelo às regras da experiência que a caracteriza.
É inegável que a equidade deve desempenhar um papel corretor e de adequação da indemnização às especificidades do caso, nomeadamente, quando, por estar em jogo a avaliação do previsível e futuro dano da perda de ganho do lesado, os tribunais se servem de cálculos matemáticos e a tabelas financeiras, como, de resto, o STJ tem repetidamente salientado (3). No entanto, o que esse recurso à equidade não pode afastar – como, aliás, também tem sido concomitantemente acentuado - é a necessidade de observar as exigências do princípio da igualdade, princípio que implica a procura de uma racional e criteriosa orientação do julgador, a qual, como é óbvio, não é incompatível com a atenção devida às particularidades do caso concreto.
Ora, o cálculo levado a cabo na decisão recorrida teve em conta, para além das variáveis relativas ao salário auferido pela vítima (€915,00 (4) x 14 meses) e do tempo de vida ativa restante (medido até aos 65 anos), variáveis financeiras que se revelam ajustadas. É o caso da taxa de juro nominal líquida considerada (fator r) e da taxa anual de crescimento do capital (fator k), tendo-se considerado uma taxa de juro remuneratório de 4%(5).
Por conseguinte, tudo visto e devida e razoavelmente ponderado, conclui-se que o quantum arbitrado (€7.500,00) é aceitável (6), quer na vertente da justiça do caso, quer na ótica da justiça comparativa, pelo que não há que censurá-lo nem, consequentemente, a decisão que o determinou.

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IV.3. Da adequação do montante arbitrado a título de compensação pelos danos não patrimoniais

Como deflui das respetivas alegações de recurso, a apelante questiona a justeza do montante que foi fixado na decisão sob censura para compensar os danos não patrimoniais sofridos pela demandante em consequência do ajuizado acidente de viação.
De acordo com os ensinamentos colhidos na dogmática, os danos da referida natureza são aqueles que não atingem os bens materiais do lesado ou que, de qualquer modo, não alteram a sua situação pa¬trimonial - formulação negativa -, ou seja, aqueles danos que têm por objeto um bem ou interesse sem conteúdo patrimonial, insuscetível, em rigor, de avaliação pecuniária.
Daí que, como tem sido enfatizado pela doutrina pátria (7), a indemnização não visa propriamente ressarcir, tornar indemne o lesado, mas oferecer-lhe uma compensação que contrabalance o mal sofrido.
Nesta categoria de danos incluem-se, entre outros, as dores físicas e psíquicas, a perturbação da pessoa, os sofrimentos morais, os prejuízos na vida de relação.
No concernente à sua quantificação, o nº 3 do art. 496º do Cód. Civil determina que o montante da respetiva indemnização deve ser fixado equitativamente, tendo em atenção as circunstâncias referidas no art. 494º do mesmo Corpo de Leis, ou seja, o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso, entre as quais se contam as lesões sofridas e os correspondentes sofrimentos, não devendo esquecer-se ainda, para evitar soluções demasiadamente marcadas pelo subjetivismo, os padrões de indemnização geralmente adotados na jurisprudência, sendo que, neste particular, a jurisprudência, mormente do Supremo Tribunal de Justiça, tem evoluído no sentido de considerar que a indemnização, rectius compensação, deverá constituir um lenitivo para os danos suportados, não devendo, portanto, ser miserabilista.
A este propósito, ANTUNES VARELA(8) desenvolve algumas reflexões que é útil recordar: “o montante da indemnização deve ser proporcionado à gravidade do dano, devendo ter-se em conta na sua fixação todas as regras de prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas, de criteriosa ponderação das realidades da vida”.
Destarte embora a determinação dos danos não patrimoniais indemnizáveis dependa do prudente arbítrio do juiz, deve este referir sempre com a necessária precisão o objeto do dano para evitar que a sua liquidação se converta num ato puramente arbitrário do tribunal.
Quando se faz apelo a critérios de equidade, pretende-se encontrar somente aquilo que, no caso concreto, pode ser a solução mais justa. A equidade está assim limitada sempre pelos imperativos da justiça real (a justiça ajustada às circunstâncias) em oposição à justiça meramente formal. Por isso se entende, tal como nota DARIO MARTINS DE ALMEIDA (9), que “a equidade é sempre uma forma de justiça. A equidade é a resposta àquelas perguntas em que está em causa o que é justo ou o que é mais justo”.
Ora os interesses cuja lesão desencadeia um dano não patrimonial são infungíveis; não podem ser reintegrados mesmo por equivalente. Mas é possível, em certa medida, contrabalançar o dano, compensá-lo mediante satisfações derivadas da sua utilização. Como salienta CARLOS MOTA PINTO (10), não se trata, portanto, de atribuir ao lesado um “preço de dor” ou um “preço de sangue”, mas de lhe proporcionar uma satisfação em virtude da aptidão do dinheiro para propiciar a realização de uma ampla gama de interesses, na qual se podem incluir mesmo interesses de ordem refinadamente ideal.
Resulta do exposto que o juiz, para a decisão a proferir no que respeita à valoração pecuniária dos danos não patrimoniais, em cumprimento da prescrição legal que determina que o julgamento seja feito de harmonia com a equidade, deverá, pois, atender aos fatores expressamente referidos na lei e, bem assim, a outras circunstâncias que emergem da factualidade provada. Tudo com o objetivo de, após adequada ponderação, poder concluir a respeito do valor pecuniário que considere justo para, no caso concreto, compensar o lesado pelos danos não patrimoniais que sofreu.
Assim se compreende que a atividade do juiz no domínio do julgamento à luz da equidade, não obstante se veja enformada por uma importante componente subjetiva não se reconduza ao puro arbítrio, mas claro que o julgador ao atribuir esta compensação não está subordinado a critérios normativos fixados na lei. O que aqui tem força são razões de conveniência, de oportunidade, de justiça concreta em que a equidade se funda.
No caso vertente, na formulação do juízo de equidade para a fixação do montante compensatório, haverá que atentar ao quadro factual que logrou demonstração, com especial ênfase para a materialidade que consta dos pontos de facto nºs 30 a 63, ou seja:
. Como consequência direta e necessária do acidente em causa, a autora sofreu lesões várias, tendo sido, de imediato, transportada à Unidade de Saúde do Alto Minho, EPE, em Viana do Castelo, onde, no respetivo Serviço de Urgência, lhe foram prestados os primeiros socorros e efetuados exames radiológicos às regiões do corpo atingidas, nomeadamente à coluna lombar, dorsal e cervical, à anca e ao ombro esquerdo;
. Ali foi-lhe diagnosticado traumatismo crânio-encefálico (TCE) com hematoma occipital, traumatismo lombar (anca) e da região cervical, tendo-lhe sido prescritos medicamentos vários, nomeadamente analgésicos e anti-inflamatórios – que a autora teve necessidade de ingerir – e aplicado colete cervical – que a autora que teve necessidade de usar por um período de mês e meio – tendo tido alta no próprio dia;
. Regressada a casa, a autora manteve-se acamada por um período de uma semana, por força das dores sentidas desde o momento do acidente;
. Posteriormente, a autora passou a frequentar o Hospital Particular de…, onde foi realizada uma TAC ao crânio e exames radiológicos, tendo ali sido assistida pelos Drs. M. e V., os quais lhe prescreveram medicação analgésica e anti-inflamatória – que a autora teve necessidade de ingerir, bem como tratamento de fisioterapia – que a autora se viu na necessidade de cumprir ao longo de 60 sessões;
. A autora frequentou, igualmente, os Serviços Clínicos da Companhia de Seguros F. S.A., na cidade do Porto, ao abrigo do contrato de seguro de acidentes de trabalho;
. A autora esteve de baixa no período que mediou entre a data do sinistro e o dia 09.01.2012, data em que teve alta para o trabalho, tendo-se para tal apresentado no dia 10.01.2012;
. No momento do acidente e nos instantes que o precederam, a autora sofreu um grande susto, sendo que, dada a natureza do embate, chegou a recear pela própria vida;
. A autora sofreu dores intensas em todas as regiões do corpo atingidas, nomeadamente ao nível da coluna lombar, dorsal e cervical, do tórax, da anca, do ombro esquerdo, da omoplata esquerda e do membro inferior direito;
. Dores aquelas que afligem até à presente data e afligirão ao longo de toda a sua vida, designadamente sempre que faz força ou esforço com o tronco e a coluna lombar, dorsal e cervical, com a região torácica, com o ombro e com a omoplata esquerdos e com o membro inferior direito, designadamente ao permanecer de pé por períodos prolongados de tempo, ou ao levantar ou transportar objetos pesados;
. E sempre que roda o tronco e a coluna lombar, dorsal e cervical para a esquerda e para a direita, ou no sentido ântero-posterior;
. Ou sempre que permanece sentada por períodos acentuados de tempo, quer em frente a um monitor de computador, no desempenho da sua profissão, quer quando exerce a condução de veículo automóveis, ou nos mesmos transportada em viagens de longa duração;
. Ainda, sempre que manuseia e utiliza instrumentos de trabalho doméstico, ou se dedica ao desempenho das diversas lides daquela natureza;
. E, invariavelmente, nas mudanças atmosféricas;
. Pelo que, além de se ter submetido a exames de RX, TAC e RMN, viu-se e ver-se-á na necessidade de ingestão de medicação analgésica e anti-inflamatória, ao longo de toda a sua vida.
. Para além dos incómodos e dores inerentes aos tratamentos de fisioterapia a que viu na necessidade de se submeter.
. Toda a situação por si vivida, desde a data do acidente e por força das lesões e sequelas sofridas, causam à autora profundo desgosto.
. A autora obteve a sua consolidação médico-legal no dia 15.05.2012.
. Padeceu de um Défice Funcional Temporário Total por um período de 3 dias, de um Défice Funcional Temporário Parcial por um período de 177 dias, e de um período de Repercussão Temporária na Atividade Profissional Total de 180 dias.
. Relativamente ao Quantum Doloris, é fixável no grau 3 em 7.
. Por sua vez, o Dano Estático é fixável no grau 0 em 7.
. As sequelas sofridas pela autora importam um Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica de 3 pontos, sendo, em termos de Repercussão Permanente na Atividade Profissional, compatíveis com o exercício da atividade habitual, mas implicam esforços suplementares, designadamente com recurso a analgésicos em SOS.
. Antes da ocorrência do acidente, a autora era forte, ágil, dinâmica e robusta, desfrutava de uma perfeita e completa compleição, força e energia físicas e desempenhava, por essa razão, de forma ágil e facilmente, todas as tarefas inerentes quer à sua atividade profissional, quer à atividade doméstica e de assistência a seus pais.
. Por força das lesões e sequelas sofridas, bem como pelas dores que a autora passou a sentir de forma intensa e permanente, designadamente ao nível da coluna lombar, dorsal e cervical, do ombro esquerdo, dos membros superiores e da anca, agravadas pela postura adotada por força da profissão por si exercida, ao longo de períodos prolongados de tempo, a autora passou a necessitar de fazer intervalos, para descanso, várias vezes ao dia, pelo menos de duas em duas horas, passou a necessitar do auxílio de terceiros para a execução de tarefas que exijam maior esforço físico, quer no trabalho quer em casa, quando se dedica a tarefas domésticas ou de assistência a terceiros.
O tribunal a quo, apelando aos fatores enunciados no citado art. 494º, e tendo por base a descrita factualidade, decidiu fixar em € 10.000,00 a compensação devida à autora a título de danos não patrimoniais.
Num bosquejo, ainda que breve, pela jurisprudência (11) - com o que se procura dar expressão à preocupação da normalização ou padronização quantitativa da compensação devida por esta espécie dano, e, por essa via, aos princípios da igualdade e da unidade do direito e ao valor eminente da previsibilidade da decisão judicial – verifica-se que em situações análogas à dos presentes autos (mormente no que tange ao coeficiente de desvalorização e quantum doloris) tem igualmente sido fixado um quantum indemnizatório semelhante ao que foi arbitrado na decisão recorrida.
Registe-se, de qualquer modo, que nesta matéria, ao invés de buscar exemplos que possam servir de comparação, entende-se mais significativo salientar que o Supremo Tribunal de Justiça (12) vem acentuando que estando em causa critério de equidade, as indemnizações arbitradas apenas devem ser reduzidas quando afrontem manifestamente as regras da boa prudência, do bom senso prático, da justa medida das coisas e de criteriosa ponderação das regras da vida, como igualmente acentua que o valor indemnizatório deve ter carácter significativo, não podendo assumir feição meramente simbólica.
Tais considerações aliadas ao quadro factual conhecido, globalmente considerado, mas com particular relevo para o sofrimento experimentado pela demandante quer aquando da produção da lesão, quer posteriormente, designadamente com os tratamentos a que foi submetida (sendo que a este respeito o quantum doloris foi estimado no grau 3 numa escala de sete graus de gravidade crescente), levam-nos a considerar como razoável e équo, nos termos do art. 566º, nº 3 do Cód. Civil, o montante arbitrado a esse título na decisão sob censura.

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SÍNTESE CONCLUSIVA

I- Para a determinação do quantum indemnizatório destinado a compensar a perda de rendimento futuro é de perfilhar um critério comparativo temperando o uso das fórmulas matemáticas de determinação do capital produtor de um rendimento remunerado à taxa de juro praticada na banca para depósitos a longo prazo mas que se esgota no final da vida ativa do lesado, com critérios corretivos, pela intervenção de juízos de equidade, com apelo às regras da experiência que a caracteriza.

II- Na apreciação, em sede de recurso, da justeza do montante arbitrado a título de compensação por danos não patrimoniais, estando em causa critérios de equidade, o quantum indemnizatur atribuído apenas deve ser reduzido quando afronte manifestamente as regras da boa prudência, do bom senso prático, da justa medida das coisas e de criteriosa ponderação das regras da vida.

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V- DECISÃO

Pelos fundamentos acima expostos, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar parcialmente procedente a presente apelação, alterando-se a decisão recorrida, condenando-se a ré a pagar à autora as quantias que venham a ser apuradas em incidente de liquidação decorrentes da utilização de analgésicos em SOS motivada pelas lesões de que a autora ficou a padecer em consequência do ajuizado acidente de trânsito, julgando-se no mais improcedente tal recurso.
Custas a cargo de autora e ré na proporção da respetiva sucumbência (art. 527º, nºs 1 e 2 do Cód. Processo Civil).


Guimarães, 21.04.2016

Dr. Miguel Baldaia Morais
Dr. Jorge Martins Teixeira
Dr. Jorge Miguel Seabra
(1) Com efeito, não se colhe nos autos qualquer elemento consistente, mormente de natureza técnica, que permita suportar conclusão no sentido de que a autora, para além da necessidade de recurso a analgésicos em SOS, tenha, outrossim, necessidade de, no futuro, ter de se submeter a outros tratamentos, meios de diagnóstico, intervenções médicas e períodos de internamento.
(2) Publicados, respetivamente, na CJ, Acórdãos do STJ, ano I, tomo 1º, pág. 128 e CJ, Acórdãos do STJ, ano II, tomo 2º, pág. 86.
(3) Cfr., inter alia, acórdãos do STJ de 2.02.2002 (processo nº 01B985), de 25.06. 2002 (processo nº 02A1321), de 27.11. 2003 (processo nº 03B3064), de 15.01.2004 (processo nº 03B926), de 8.03.2007 (processo nº 06B4320) e de 14.02.2008 (processo nº 07B508), todos disponíveis em www.dgsi.pt.
(4) Registe-se, neste ponto, que na determinação do quantum indemnizatur devido pelo dano patrimonial futuro, o tribunal de 1ª instância, contrariamente ao que parece ter sido entendido pela apelante, apenas levou em consideração o montante mensalmente percebido pela autora enquanto trabalhadora subordinada de Vianapesca, OP – Cooperativa de Produtores de Peixe de Viana do Castelo, CRL, e já não o montante que foi arbitrado pelo trabalho doméstico que realiza fora do seu horário de trabalho.
(5) Sendo embora de ressaltar que na casuística se vêm ultimamente considerando taxas de juro remuneratório de 3% e mesmo 2%.
(6) A idêntico montante se chega através da solução proposta pelo Conselheiro SOUSA DINIS (em trabalho publicado na CJ, Acórdãos do STJ, ano V, tomo 2º, págs. 15 e seguintes). Com efeito, considerando que a autora ficou afetada de um défice funcional permanente de integridade físico-psíquica fixável em 3 pontos e que o mesmo se reflete no trabalho nessa mesma percentagem, temos que a perda salarial anual corresponde a €384,30,00 (€915,00 x 14) x 3%, o que permitiria alcançar, ao fim de 29 anos de vida ativa (considerando-se, neste ponto, que à data do acidente a autora contava 41 anos de idade – posto que nasceu no dia 30 de novembro de 1970 – e que o limite da vida ativa se deverá situar nos 70 anos de idade, conforme recorrentemente se vem decidindo), o valor de €11.144,70. Esta importância, de acordo com o entendimento preconizado no referido estudo, deverá sofrer um desconto de 1/3 ou 1/4, dado que a demandante vai receber de uma só vez aquilo que, em princípio, deveria receber em frações anuais, o que significa que, no caso vertente, o aludido quantum se situaria num intervalo compreendido entre €8.358,52 e €7.429,80.
(7) Cfr., por todos, ANTUNES VARELA, Das Obriga¬ções em Geral, pág. 560 e MENEZES LEITÃO, Direito das Obrigações, vol. I, pág. 318.
(8) Ob. citada, pág. 561.
(9) In Manual dos Acidentes de Viação, pág. 103.
(10) In Teoria Geral do Direito Civil, pág. 107.
(11) Cfr., v.g., acórdãos da Relação de Coimbra de 9.03.2010 (processo nº 1704/04.4TBPBL.C1), de 1.02.2012 (processo nº 6/06.6PTLRA.C1) e de 3.03.2015 (processo nº 58/13.2TBCLB.C1) e acórdãos desta Relação de 19.06.2012 (processo nº 430/09.TBBCL.G1) e de 7.05.2013 (processo nº 3016/10.5TBBRG.G1), todos disponíveis em www.dgsi.pt.
(12) Cfr., por todos, acórdão de 7.12.2011 (processo nº 461/06.4GBVLG.P1.S1), disponível em www.dgsi.pt.