Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1948/16.6T8BRG.G1
Relator: EDUARDO AZEVEDO
Descritores: RECURSO
APRESENTAÇÃO DE DOCUMENTOS
NULIDADES DA SENTENÇA LABORAL
IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
REJEIÇÃO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 10/19/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO SOCIAL
Sumário:
1- Na fase de recurso, pressuposto inicial da junção de documentos é a sua necessidade ou utilidade para a descoberta da verdade material dos factos.

2- Nessa fase a junção de documentos reveste sempre natureza excepcional, sendo que o legislador regula a sua admissibilidade em função do momento em que os mesmos são juntos e de fase, para fase processual, vai a tornando cada vez mais restritiva.

3- Em processo laboral as nulidades da sentença devem ser arguidas no requerimento de interposição do recurso, como é imposto pelo artº 77º do CPT.

4- É em sede de impugnação da decisão da matéria de fato que se torna relevante a eventual inconsistência ou contradição da fundamentação da mesma ou a contradição entre esta e o decidido, a par, nomeadamente, da desconsideração de prova produzida ou do erro de apreciação da mesma.

5- A impugnação da decisão relativa à matéria de fato com fundamento na errada apreciação da prova deve resultar nos seus diversos requisitos nas conclusões do recurso sob pena de estar vedado ao tribunal ad quem o seu conhecimento.

6- É de rejeitar a impugnação da decisão sobre a matéria de facto, por violação do disposto nas alªs a), b) e c) do nº 1 e alª a) do nº 2 do artº 640º do CPC quando, nomeadamente, não se destaca formalmente a matéria de qualquer número dos articulados das partes e a decisão específica do tribunal a quo quanto a ela, por isso colocando também em causa a precisão dos meios de prova que se invocam como fundamento do erro na apreciação, bem como sem indicar a factualidade que de acordo cada uma dessas matérias, ao arrepio do decidido pelo tribunal a quo e na óptica do recorrente deveria ficar assente ou não provada.
Decisão Texto Integral:
Acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Guimarães

C. S. intentou acção com processo comum contra F. C., A. C. e G. C..
Foi pedido que os RR sejam condenados a reconhecer que deram causa à resolução do contrato de trabalho celebrado com a A e a pagarem-lhe, solidariamente: 1.105,02€ a título de salários não pagos, férias não gozadas e respectivo subsídio, proporcional de subsídio de Natal e dias de descanso não gozados, 2.400€,00 a título de compensação e 7.500€ a título de danos patrimoniais e não patrimoniais.
Alegou, em súmula: em Novembro de 2015, foi contratada pelo 3º R para desempenhar funções de serviço doméstico na residência dos seus pais, o 1º e 2º R, mediante a retribuição mensal de 800,00€, incluindo alojamento e alimentação; por isso, vendeu o recheio da sua casa, rescindiu o contrato com a sua empregadora e em 01.02.2016 mudou-se para essa residência, onde trabalhou por conta, direcção e fiscalização dos RR desde as 7 horas às 22 horas, sem qualquer dia de folga; o 3º R, na sequência de uma discussão, deu-lhe dois tiros; tal tornou impossível manter a relação de trabalho com os RR, o que, entende, equivale a acto explícito de despedimento; veio a comunicar aos RR a resolução do seu contrato de trabalho, por carta; tem direito ao salário pelo trabalho prestado até ser baleada, a férias e subsídio de férias e Natal proporcionais ao trabalho prestado, à compensação prevista no artº 396º do CT, ao pagamento dos 6 dias de folga que não gozou e a indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais.
Os RR contestaram, alegando, em síntese: não celebraram contrato; a A e o 3º R, a partir de Janeiro de 2016, passaram a viver como se fossem um casal, com o filho da A e, posteriormente, os 1º e 2º RR; a A age em abuso de direito; e a mesma deve ser condenada como litigante de má-fé.
Elaborado saneador, sem se enunciarem o objecto do litígio e os temas de prova, realizou-se audiência de julgamento e proferiu-se sentença absolvendo-se os RR dos pedidos.
A A recorreu e concluiu:

A) No tocante a factos que não sejam passíveis de confissão ou que não sejam objeto de confissão judicial escrita ou a qualquer esclarecimento que o depoente de parte preste, o tribunal é livre na apreciação deste depoimento.
B) Existe contradição entre a fundamentação e o decidido ao dar como provado que a A viveu com o 3º R como um casal.
C) Não existem nos autos provas bastantes de que a A e o 3º R viveram como um casal.
D) Nenhum dos RR demonstrou nos autos ter sequer capacidade para desempenhar as tarefas domésticas que a A invoca desempenhar.
E) Das declarações involuntárias da R Armanda deverá dar-se como provado que a A e o 3º R dormiam em camas separadas.
F) Deve ser dado como provado que entre os RR celebraram contrato de seguro que protegia a A enquanto empregada doméstica mediante o pagamento da retribuição alegada pela A.
G) A transferência de 800,00€ a favor da A consubstancia presumivelmente, um pagamento salarial.
H) As declarações de parte da A não apresentam contradição com qualquer outro meio de prova, antes são corroboradas por eles.
Entende-se assim terem sido violadas as normas previstas nos artigos 342 do CC, Artº 12 do CT e artigos 344 nº 2, 349, 363 e 374 nº 1 do CC e artº 466, 607 nº 4 e 5 e 615 c) do CPC
Em cumprimento do disposto no Artº 640 do CPC
nº 1 a): Os factos dados como provados relativos a uma invocada vida em comum.
nº 1 b) As de declarações transcritas dos RR e da A. e os documentos de fls (histórico da Segurança Social e Apólice de seguro)
Nº 1 c) Deve ser dado como provada que a A. foi contratada pelos RR para cuidarem deles como empregada doméstica
Termos em que … se pugna pela procedência do recurso interposto, substituindo-se a Douta decisão em crise por nova que decida pela procedência da Ação, condenando-se os RR no pedido”.
Os RR não contra-alegaram.
Efectuado o exame preliminar e corridos os vistos legais, cumpre decidir.
Indagar-se-á sucessivamente, sem prejuízo das conclusões do recurso e das questões que se encontrem prejudicadas pelo conhecimento de outras, da junção de documento, da nulidade da sentença, da impugnação da decisão da matéria de facto, da existência de contrato de trabalho, da forma de cessação e dos direitos advenientes.
Os factos considerados assentes na sentença:
“Em período não apurado, autora e 3.º réu viveram juntos, como um casal, juntamente com o filho menor da autora e os pais do 3.º réu, aqui 1º e 2ºs réus numa casa na Av. …”.
Visto isto.
Já nesta instância a recorrente pretende juntar documento consistente em cópia de acórdão exarado entretanto em 20.04.2017 pelo qual o recorrido G. C. foi condenado penalmente pela prática de ilícito de que foi visada, nomeadamente.
Como justificação invocou, unicamente, “considerar relevante à protecção do princípio da estabilidade e no sentido de evitar contradição de Julgados” e “por entender ter-se considerado provada a relação de subordinação Laboral”.
Não se alcança como se pode proteger qualquer princípio da estabilidade e evitar a contradição de julgados sem se certificar devidamente a peça processual com nota de trânsito em julgado, se ocorreu, e sem se atentar aos termos conjugados nos artºs 421º, 580º a 582º, 623º e 624º do CPC e 7º do CPP, dos quais resulta que nunca poderia estar aqui em causa qualquer contradição.
A recorrente tendo sublinhando de forma genérica esta sua postura processual, assim, não ofereceu directamente o documento a qualquer factualidade discutida nos autos e, tão pouco, a concreto ponto de facto que considerasse incorrectamente julgado na sua impugnação da decisão sobre a matéria de facto, que fossem essenciais à determinação, ou não, de um contrato de trabalho subordinado, cerne da questão em debate entre as partes.
Na fase de recurso a junção de documentos reveste sempre natureza excepcional.
Como se menciona no acórdão do STJ de 12.05.2016 (ww.dgsi.pt) o legislador regula a sua admissibilidade, distinguindo-a em função do momento em que os mesmos são juntos, sendo que de fase, para fase processual, se vai tornando cada vez mais restritiva.
Estabelece o artº 651º, nº 1 do CPC que as partes apenas podem juntar documentos às alegações nas situações excepcionais a que se refere o artº 425º do CPC (depois do encerramento da discussão só são admitidos, no caso de recurso, os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até aquela data) ou, no caso de a junção se ter tornado necessária, em virtude do julgamento proferido na 1ª instância, como se expende no aludido aresto de 12.05.2016, “maxime, quando este se revele de todo surpreendente relativamente ao que seria expectável em face dos elementos já constantes do processo” ou “entendendo-se que a necessidade da junção em virtude do julgamento proferido na 1.ª Instância tem lugar quando a decisão se tenha baseado em meio probatório inesperadamente junto pelo Tribunal ou em preceito com cuja apreciação as partes não tivessem justificadamente contado ou, ainda, quando a decisão se baseou em meio de prova não esperado ou em preceito jurídico cuja aplicação as partes não pudessem razoavelmente prever.” (ainda Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 2014, 2ª, 191 e 192: a jurisprudência, sobre esta matéria, “não hesita em recusar a junção de documentos para provar factos que já antes da sentença a parte sabia estarem sujeitos a prova, não podendo servir de pretexto a mera surpresa quanto ao resultado”).
Resulta do artº 423º do CPC que os documentos destinados a fazer prova dos fundamentos da acção ou da defesa devem ser apresentados com o articulado em que se aleguem os factos correspondentes (nº 1); se não forem juntos com o articulado respectivo, os documentos podem ser apresentados até 20 dias antes da data em que se realize a audiência final, mas a parte é condenada em multa, excepto se provar que os não pôde oferecer com o articulado (nº 2); e após o limite temporal previsto no número anterior, só são admitidos os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento, bem como aqueles cuja apresentação se tenha tornado necessária em virtude de ocorrência posterior (nº 3).
A superveniência a justificar a junção deve ser, pois, objectiva.
Pressuposto ainda da aplicação destes normativos é, indubitavelmente, a necessidade ou utilidade do documento para a descoberta da verdade material dos factos.
Ora, o documento não foi junto com este último objectivo, como é constatável objectivamente do seu requerimento de junção e do sobredito relativamente à impugnação e à matéria essencial em debate.
E, face ao modo como se desenrolou a prova e da fundamentação do tribunal a quo quanto à decisão sobre a matéria de facto, a necessidade da demonstração da matéria que o documento versa não ocorre em virtude do objecto dessa decisão segundo os parâmetros referidos pela citada jurisprudência de tribunal superior.
Por tudo isto, não sendo admissível esta conduta processual deverá o documento ser desentranhado e restituído, após trânsito em julgado deste acórdão.
Da nulidade
Nas motivações de recurso a recorrente refere:
“Quanto ao documento de fls 153 são também exigidas á A explicações que ela não tem nem pode dar. Se o R G. C. entender fazer uma marcação de casamento na Conservatória, indicia claramente a obsessão junto da A sem que fique demonstrado isso ser da consciência da A.
E se o R demonstrou à A querer casar com ela e esta esclareceu, como diz, a situação com o R nada obstaria á contratação para cuidar dos seus Pais, como abundantemente refere em documentos juntos pelo próprio R ao processo crime.
O facto da douta fundamentação se considerar que tal facto se afigura estranho para o tribunal, sem explicar porque, revela inconsistência e contradição da própria fundamentação em violação do previsto no artº 615 c) do CPC”.
Nas conclusões, com afinidade: “B) Existe contradição entre a fundamentação e o decidido ao dar como provado que a A viveu com o 3º R como um casal”.
Esta irregularidade foi deste modo invocada de forma integrada na alegação do recurso, pelo que sem se observar o formalismo previsto no artº 77º do CPT (acórdãos do STJ de 25.10.1995, CJ, III, 281, 14.01.2016, proc.º n.º 359/14.2TTLSB.L1.S1 e do TRL de 25.01.2006 e de 15.12.2005 in www.dgsi.pt).
No processo laboral existe um regime particular de arguição de nulidades de sentença.
Uma coisa é o requerimento de interposição de recurso e outra a alegação de recurso: o requerimento é dirigido ao tribunal que proferiu a decisão e a alegação é dirigida ao tribunal superior devendo conter as razões da discordância em relação à sentença e os fundamentos que, no entender do recorrente, justificam a sua alteração ou revogação (artº 637º do CPC).
Deste modo, não obstante o disposto no artº 81º do CPT tal arguição devendo ser feita expressa e separadamente no requerimento de interposição de recurso o seu conhecimento não é viável.
Ainda que assim não fosse, sempre seria improcedente a arguição baseada em pretensa “inconsistência e contradição da própria fundamentação” ou “contradição entre a fundamentação e o decidido”.
É que só faria sentido se inserida na impugnação da decisão da matéria de fato nos termos conjugados dos artºs 640º, cumprindo-se os ónus daí decorrentes, e 662º, maxime nº 2, alª d), do CPC, sede própria em que se tornaria relevante a par, nomeadamente, da desconsideração de prova produzida ou do erro de apreciação da mesma.
Da impugnação da decisão sobre a matéria de facto
O MºPº, no parecer, argui a sua rejeição na medida em que a recorrente não especificou os concretos pontos de facto, “por referência aos articulados, ou tão pouco aos factos, dados por provados ou não provados na sentença, nem os concretos meios probatórios, constantes da gravação realizada, ou de documentos, que impunham diferente decisão sobre os específicos pontos da matéria de facto que considerava incorrectamente julgados, apesar de, na motivação, aludir a passagens truncadas do depoimento de parte da Autora e dos Réus, assim a documentos, como justificadores da alteração da decisão em matéria de facto”.
Com efeito, neste processo na fase da condensação não se organizou a matéria facto em factos assentes ou base instrutória e nem sequer se identificou o objecto do litígio e enunciaram os temas de prova.
O mais que revelam as conclusões é a afirmação em abstracto de que inexiste prova para a afirmação de uma circunstância, em concurso com uma outra que nem está invocada nos articulados, eventualmente meramente adminicular; a invocação de outros dois factos igualmente de forma eventual adminicular e sem respaldo directo nos articulados, que se deveriam dar como assente atento, genericamente quanto a um deles, a declarações de uma das partes; a alusão a um outro comentando-o e que igualmente não é mencionado no elenco da factualidade não assente da sentença; a caracterização das declarações da A; a pretensão à aquisição de factos relativos a uma proposição conclusiva; a citação em abstracto de declarações das partes e de documentos; e, mais uma vez, a afirmação de uma proposição conclusiva.
Enquanto isso, nas motivações, apenas: invoca-se que a prova da relação laboral deverá poder extrair-se da análise crítica da declaração das partes, já que todas foram indicadas como meio de prova; traz-se à colação declarações de recorridos comentando-as, sem se poder afirmar que são transcrições e mencionam-se, nem sempre, somente temporizações iniciais do respectivo registo áudio; comentam-se as declarações da recorrente sem, mais uma vez, se efectuarem transcrições; alude-se a depoimentos de testemunhas em abstracto; citam-se documentos sem remetê-los directamente para qualquer factualidade alegada directamente dos articulados ou para matéria da factualidade dada na sentença como não assente;
E termina, apenas de forma conclusiva que “A negação, sem credibilidade processual dos RR, e a particularidade da situação, deverá permitir dar como provado que a A. foi contratada pelo 3º R por incumbência dos restantes para cuidar deles, desempenhando as tarefas domésticas descritas nos autos, mediante a retribuição mensal de 800,00€ e que o vinculo laboral cessou por causa do comportamento violento do 3º R que regressando a casa para cumprimento de medida de coacção de prisão preventiva, tornou impossível a manutenção da relação de trabalho”.
Ou seja, a recorrente não menciona os pontos de facto que pela sua censura pudessem estar indevidamente avaliados face à prova produzida, inclusivamente por remissão para a nomeação da factualidade dada como assente ou não provada na sentença, como também, daí deriva, não associa a prova que invoca a cada uma dela, como fundamento do erro na sua apreciação, para além ainda de não indicar a factualidade que de acordo cada uma dessas matérias, ao arrepio do decidido pelo tribunal a quo e na sua óptica, deveria em concreto ficar assente ou não provada.
Ora, a impugnação da decisão relativa à matéria de facto tem regras, as advenientes dos termos conjugados dos artºs 635º, nº 4 e 640º do CPC.
Por um lado, a impugnação da decisão relativa à matéria de fato com fundamento na errada apreciação da prova deve resultar nas conclusões do recurso sob pena de estar vedado ao tribunal ad quem o seu conhecimento.
Segundo Amâncio Ferreira “expostas pelo recorrente, no corpo da alegação, as razões de facto e de direito da sua discordância com a decisão impugnada, deve ele, face à sua vinculação ao ónus de formular conclusões, terminar a sua minuta pela indicação resumida, através de proposições sintéticas, dos fundamentos, de facto e/ou de direito, por que pede a alteração ou anulação da decisão” (Manual dos Recursos em Processo Civil, 7ª ed, 172 e 173).
Elas desempenham, pois, um papel fundamental, não apenas porque sintetizam as razões que estão subjacentes à interposição do recurso, mas porque definem o seu objecto.
Por outro lado, o artº 640º do CPC que tem como epígrafe o “ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto”, dispõe:
“1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
De harmonia com o previsto no n.º 2 do mesmo preceito no caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
“a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso no que se refere à respectiva parte, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevante;
b) …”.
Não há lugar a qualquer despacho de aperfeiçoamento para o efeito (Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2013, Almedina, 127).
E mesmo que tivesse havido a enunciação de temas de prova (artº 569º do CPC) a solução sempre passaria por fazer a correspondência directa de cada fatualidade posta em crise que foi devidamente alegada pelas partes com cada um dos meios de prova.
A enunciação dos temas da prova e o questionário/base Instrutória são realidades processuais qualitativa e quantitativamente diferentes, pois aqueles são apenas categorias típicas e factuais que se mostram controvertidas.
Face ao estatuído nos artigos 64º, 65º e 72º do CPT impõem-se que a prova oral a produzir em audiência de julgamento se faça em torno de factos concretos e não sobre grandes categorias caraterizadores de factos, reconduzindo a diversas condutas, cenários, ocorrências e eventos, sob pena de condicionamento da legítima actuação das partes e da descoberta da verdade material.
Assim, se existir o questionário/base instrutória os concretos pontos de facto submetidos a julgamento é a matéria de cada um dos quesitos ou de cada uma das bases, respectivamente. Caso contrário, é sobre os concretos pontos de facto constantes dos articulados apresentados pelas partes que a impugnação se deve realizar. Ou seja, é relativamente aos pontos de facto articulados ou quesitados que deve ser proferida uma decisão e, logo, é essa decisão que pode ser impugnada: sobre a resposta dada a tal matéria que se pode aquilatar do bem ou mal fundado da decisão de provado ou não provado.
Acresce, com a impugnação da matéria de facto não se visa a concretização de um segundo julgamento que inclua a reapreciação global e genérica de toda a prova. Tem apenas por fim um segundo grau de apreciação da matéria de facto, de modo a colmatar eventuais erros de julgamento, nos concretos pontos de facto que ao recorrente se impõe assinalar.
A criação desse ónus de alegação no que respeita à delimitação do objecto do recurso e à respectiva fundamentação, encontra-se justificada no preâmbulo do DL nº 39/1995, de 15.02 (que veio estabelecer a possibilidade de documentação ou registo das audiências finais e da prova nelas produzida): “A garantia do duplo grau de jurisdição em sede de matéria de facto nunca poderá envolver, pela própria natureza das coisas, a reapreciação sistemática e global de toda a prova produzida em audiência – visando apenas a detecção e correcção de pontuais, concretos e seguramente excepcionais erros de julgamento, incidindo sobre pontos determinados da matéria de facto, que o recorrente sempre terá o ónus de apontar claramente e fundamentar na sua minuta de recurso”.
Como refere Abrantes Geraldes (ob citada) “importa observar ainda que as referidas exigências devem ser apreciadas à luz de um critério de rigor. Trata-se, afinal, de uma decorrência do princípio da auto-responsabilização das partes, impedindo que a impugnação da decisão da matéria de facto se transforme numa mera manifestação de inconsequente inconformismo”.
Expendendo-se no acórdão do STJ de 22.10.2015 (www.dgsi.pt):
“O sentido e o alcance dos requisitos formais da impugnação da decisão de facto previstos no nº 1 do artº 640º do CPC devem ser equacionados à luz das razões que lhes estão subjacentes, mormente em função da economia do julgamento em sede de recurso de apelação e da natureza da própria decisão de facto.”
As especificações consagradas no mesmo artº 640º relacionam-se, então, igualmente, com a inteligibilidade e concludência da própria impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto, bem como com a unidade da prova: a censura que se exerce sobre um juízo do tribunal a quo baseado em diversidade da prova não se pode quedar num juízo baseado apenas em parte da mesma.
Igualmente com o facilitar, à outra parte e ao tribunal da localização precisa dos problemas a resolver no meio de um processo que pode ter centenas de factos e dezenas de documentos e depoimentos, por um lado só assim também se garantindo o exercício do contraditório de quem tem interesse no desfecho do recurso, por outro lado, evitando-se que o tribunal viole o seu dever de independência e equidistância, assim como, a relatividade do decidido face à idealizada pretensão do impugnante.
A sua observância não surge, pois, desproporcionada.
Em nada diminui o grau de violação da norma, em abstracto, a circunstância do recorrido contra-alegar.
Não será seguramente por esta argumentação que se deve nortear o rigor da interpretação da lei face a qualquer realidade concreta sob pena da subjectividade imperar, conduzindo à neutralização da eficácia da norma. De outro modo, a prevalência da substância sobre a forma não poderá consistir na negação das regras do processo que não deixam de garantir instrumentalmente o exercício de direitos substantivos.
E não se argumente ainda que seria fácil descortinar quais são as respectivas partes colocadas em causa e o sentido apropriado para as mesmas através da confrontação entre o alegado com as questões, a matéria considerada provada e não provada e a dimensão temporal dos depoimentos.
É um exercício em vão e ainda e sempre susceptível de colocar em crise os princípios do contraditório, do dispositivo e da igualdade de armas das partes.
Por tudo isto conclui-se que no caso sub juduce a impugnação da decisão da matéria de facto viola o disposto nas alªs a). b) e c) do nº 1 e alª a) do nº 2 do artº 640º do CPC, devendo ser rejeitada.
Aqui chegados e ficando incólume a factualidade dada como assente, constata-se que na motivação e nas conclusões do recurso, como não podia deixar de ser, a recorrente não prescinde da eventual alteração da fatualidade em resultado da impugnação para o conhecimento do mérito da causa: “assim se pensa que o decidido, da forma como o foi relativamente ao único facto dado como provado, claramente, teve como única intenção processual de afastar a presunção do Artº 12 do Código do Trabalho. Presunção que tanto se estriba no pagamento (que se presume salarial) como no seguro que se prova e presume ser relativo a contrato de trabalho”; “ocorrendo por isso a referida contradição entre a fundamentação e o único facto dado como provado e desconsiderando a sua veracidade processual, deverá operar, caso não se queira credibilizar o depoimento da A., a presunção do artigo 12 do Código do Trabalho”; e “a negação, sem credibilidade processual dos RR , e a particularidade da situação, deverá permitir dar como provado que a A. foi contratada pelo 3º R por incumbência dos restantes para cuidar deles, desempenhando as tarefas domésticas descritas nos autos, mediante a retribuição mensal de 800,00€ e que o vinculo laboral cessou por causa do comportamento violento do 3º R que regressando a casa para cumprimento de medida de coacção de prisão preventiva, tornou impossível a manutenção da relação de trabalho”.
Deste modo fica prejudicado o conhecimento das demais questões que o recurso seria susceptível de impor.
Por tudo isto deverá ser julgado improcedente, confirmando-se a sentença.

Sumário, da única responsabilidade do relator

1- Na fase de recurso, pressuposto inicial da junção de documentos é a sua necessidade ou utilidade para a descoberta da verdade material dos factos.

2- Nessa fase a junção de documentos reveste sempre natureza excepcional, sendo que o legislador regula a sua admissibilidade em função do momento em que os mesmos são juntos e de fase, para fase processual, vai a tornando cada vez mais restritiva.

3- Em processo laboral as nulidades da sentença devem ser arguidas no requerimento de interposição do recurso, como é imposto pelo artº 77º do CPT.

4- É em sede de impugnação da decisão da matéria de fato que se torna relevante a eventual inconsistência ou contradição da fundamentação da mesma ou a contradição entre esta e o decidido, a par, nomeadamente, da desconsideração de prova produzida ou do erro de apreciação da mesma.

5- A impugnação da decisão relativa à matéria de fato com fundamento na errada apreciação da prova deve resultar nos seus diversos requisitos nas conclusões do recurso sob pena de estar vedado ao tribunal ad quem o seu conhecimento.

6- É de rejeitar a impugnação da decisão sobre a matéria de facto, por violação do disposto nas alªs a), b) e c) do nº 1 e alª a) do nº 2 do artº 640º do CPC quando, nomeadamente, não se destaca formalmente a matéria de qualquer número dos articulados das partes e a decisão específica do tribunal a quo quanto a ela, por isso colocando também em causa a precisão dos meios de prova que se invocam como fundamento do erro na apreciação, bem como sem indicar a factualidade que de acordo cada uma dessas matérias, ao arrepio do decidido pelo tribunal a quo e na óptica do recorrente deveria ficar assente ou não provada.

Decisão

Acordam os Juízes nesta Relação em julgar improcedente o recurso e confirmar a sentença.
Custas pela recorrente, condenando-se ainda a mesma na multa de 1 UC, nos termos do artº 443º, nº 1 do CPC.
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O acórdão compõe-se de 12 folhas, com os versos não impressos.
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19.10.2017