Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
2834/16.5T8GMR-C.G1
Relator: ANTÓNIO FIGUEIREDO DE ALMEIDA
Descritores: PROVA PERICIAL
PERÍCIA GRAFOLÓGICA
ENTIDADE PRIVADA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 11/10/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
1) Não é legalmente admissível a realização de perícia grafológica por entidade privada, a menos que esta tenha sido contratada por estabelecimento, laboratório ou serviço oficial e desde que não tenha qualquer interesse em relação ao objeto da causa nem ligação com as partes;
2) Não está, no entanto, a parte impedida de indicar como testemunhas pessoas de reconhecida idoneidade e competência para se pronunciar sobre a matéria em questão, em sede de julgamento, nem de juntar documentação que prove ou infirme a factualidade em questão.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

I. RELATÓRIO

A) J. J. e X – Properties, SA, vieram intentar ação com processo comum, na forma ordinária, contra B. M. e Y, SA, onde concluem pedindo que a ação seja julgada procedente, por provada e, em consequência serem:
a) Condenados os réus a indemnizar o autor J. J., no pagamento do valor de cada uma das obrigações e produtos que se encontravam associados à conta 240-.....90 em 1 de maio de 2006, na data do respetivo vencimento com os respetivos juros ou dividendos, deduzido o valor do empréstimo feito pela Y e respetivo juro, na data de cada vencimento, acrescido de juros de mora à taxa legal, desde cada uma dessas datas sobre o saldo positivo, até efetivo pagamento, por nulidade do movimento de transmissão da conta 240-.....90 para a conta 240-.....92; subsidiariamente, se assim não for entendido,
b) Condenados os réus a indemnizar a coautora X Properties, SA, no pagamento do valor disponível, bem como do valor de cada um das obrigações e produtos que se encontravam associados à conta 240-.....92 em 31 de maio de 2006, na data do respetivo vencimento com os respetivos juros ou dividendos, acrescido de juros de mora, à taxa legal, desde cada uma dessas datas até efetivo pagamento, por nulidade dos movimentos feitos na conta 240-.....92; subsidiariamente, no caso de improcedência da alínea anterior,
c) Condenados os réus a indemnizar a coautora X Properties, SA, no pagamento do valor das obrigações e produtos que se encontravam na conta 240-.....92 em 1 de setembro de 2008, na data do respetivo vencimento com os respetivos juros ou dividendos, acrescido de juros de mora, à taxa legal, desde cada uma dessas datas até efetivo pagamento, por nulidade dos movimentos feitos na conta 240-.....92, na sequência da nulidade da venda das obrigações europaper 7.875 Lehman 10 em 5/9/2008.
Em qualquer dos casos das alíneas anteriores, condenados na restituição de valores que tenham sido retirados para contas de terceiros, a título de honorários ou não fundadas em contrapartida de preço de obrigações ou produtos contabilizados na primeira parte, por nulidade decorrente de falta de autorização e abuso de confiança, acrescido de juros de mora à taxa legal desde a data da retirada até efetivo pagamento.
Foi apresentada contestação e resposta.
*
B) Foram apresentados os meios de prova, pelas partes, tendo os autores requerido a realização de perícia à letra, que foi deferida, a ser realizada pelo Laboratório de Polícia Científica, conforme despacho de 15/10/2020 (fls. 19 vº).
*
Não se tendo realizado a perícia, devido à falta de originais dos documentos, pelos autores J. J. e X – Properties, SA,, foi requerido que a perícia seja feita junto do Prof …, Centro Médico Legal, Lda., “porquanto esta entidade usa métodos de trabalho que lhe permitem dispensar os originais quando não são fornecidos ou não existem e por outro lado dado que nos presentes autos não está tanto em causa a análise dos originais mas a análise das cópias com vista a determinar se houve montagem e falsificação por essa via, nomeadamente dos documentos de mudança de assinatura da conta P. M., convenção de uso de fax e apoderamento, ou se de facto se trata tudo de cópias que podem ter por base originais idênticos”.
*
Foi proferido o seguinte despacho:
“O LPC exerce a sua atividade em todo o território nacional, tem a natureza de laboratório oficial nos termos da lei, goza de autonomia técnica e científica.
Informando este Laboratório que não é possível fazer a perícia solicitada, o Tribunal basta-se com essa indicação, não sendo de deferir a pretensão do autor no sentido de auscultar outras entidades não oficiais.
Indefere-se, assim, o requerido.”
*
C) Inconformados, os autores J. J. e X – Properties, SA, vieram interpor recurso, que foi admitido como sendo de apelação, a subir imediatamente, em separado, com efeito devolutivo (fls. 17 vº).
*
Nas alegações de recurso dos autores J. J. e X – Properties, SA, são formuladas as seguintes conclusões:

I. Não existe qualquer norma jurídica que estabeleça que o LPC da PJ é o detentor da verdade e ciência absoluta nesta matéria, e na afirmação ou negação do que está ou não ao alcance da ciência.
II. A perícia indeferida ultrapassa a questão da análise de assinaturas com vista a afirmação da autoria da mesma.
III. O LPC da PJ em lado algum afirma que necessita dos originais dos documentos montados, portanto inexistentes, para a prova e cronologia da sua montagem.
IV. A diligencia probatória em questão, independentemente da inversão do ónus da prova que deve ser aplicada às rés em posse de quem deveriam estar os originais se alguma vez tivessem existido, constitui um instrumento importantíssimo para a descoberta da verdade material e mesmo para a prova da falsificação e montagem dos documentos de transferência da conta P. M. para a conta X, acordo de telefax e poderes de gestão.
V. Violou a decisão recorrida entre outros o disposto nos artigos 410º e 413º do CPCivil.
Terminam entendendo que deve ser revogada a decisão recorrida e substituída por outra que admita a prova pericial requerida em 1/4/2022 pelo autor.
*
D) Foram colhidos os vistos legais.
E) A questão a decidir na apelação é a de saber se deverá ser revogado o despacho recorrido e determinada a realização da perícia pela empresa referida.
*
II. FUNDAMENTAÇÃO

A) Os factos a considerar são os que constam do relatório que antecede.
*
B) O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações dos recorrentes, não podendo o tribunal conhecer de outras questões, que não tenham sido suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.
*
C) Os apelantes vieram recorrer do despacho que indeferiu a realização da perícia na empresa privada que indicam.

O artigo 467º NCPC estabelece:
“1. A perícia, requerida por qualquer das partes ou determinada oficiosamente pelo juiz, é requisitada pelo tribunal a estabelecimento, laboratório ou serviço oficial apropriado ou, quando tal não seja possível ou conveniente, realizada por um único perito, nomeado pelo juiz de entre pessoas de reconhecida idoneidade e competência na matéria em causa, sem prejuízo do disposto no artigo seguinte.
2. As partes são ouvidas sobre a nomeação do perito, podendo sugerir quem deve realizar a diligência; havendo acordo das partes sobre a identidade do perito a designar, deve o juiz nomeá-lo, salvo se fundadamente tiver razões para pôr em causa a sua idoneidade ou competência.
3. As perícias médico-legais são realizadas pelos serviços médico-legais ou pelos peritos médicos contratados, nos termos previstos no diploma que as regulamenta.
4. As restantes perícias podem ser realizadas por entidade contratada pelo estabelecimento, laboratório ou serviço oficial, desde que não tenha qualquer interesse em relação ao objeto da causa nem ligação com as partes.”
Do exposto decorre que as perícias requeridas pelas partes ou determinadas oficiosamente pelo tribunal são requisitadas pelo tribunal a estabelecimento, laboratório ou serviço oficial apropriado, como seja o Laboratório de Polícia Científica da Polícia Judiciária, do Instituto Nacional de Medicina Legal, do Laboratório Nacional de Engenharia Civil e do Laboratório de Exame de Documentos e Escrita Manual da Faculdade de Ciências da Universidade do Porto (referidos por Paulo Pimenta, Processo Civil Declarativo, 2014, página 359, nota 850).
No entanto, não sendo possível ou conveniente a sua realização em tais estabelecimentos, laboratórios ou serviços oficiais apropriados, deverão os mesmos ser realizados por um único perito, nomeado pelo juiz de entre pessoas de reconhecida idoneidade e competência na matéria em causa.
Ora a não realização do referido exame, não teve a ver com a incapacidade do Laboratório na sua realização, mas, antes, com a impossibilidade da sua realização, a partir de fotocópias, isto é, sem os originais.
E embora se saiba que para a realização de determinadas perícias grafológicas, é indispensável o original do documento, a verdade é que o tribunal não está em condições, que se saiba, de afirmar que a perícia em causa possa ser efetuada a partir de fotocópias de documentos, como os apelantes, temerariamente, fazem.
E perante a informação dada pelo Laboratório de Polícia Científica, face ao entendimento do Tribunal da impossibilidade de realização da perícia em causa não estão os apelantes impedidos de indicar como testemunhas pessoas de reconhecida idoneidade e competência para se pronunciar sobre a matéria em questão, em sede de julgamento, que poderão ser, naturalmente, elementos de empresas privadas que se dediquem ao tipo de exames em questão, cujo depoimento o tribunal apreciará livremente, de acordo com os critérios legais.
Mas, face ao regime legal vigente, não parece que a realização de perícias grafológicas possa ser cometida, sem mais, a entidades que não se enquadrem nos parâmetros previstos no artigo 467º nº 1 NCPC, o que se compreende, dado que os estabelecimentos, laboratórios ou serviços oficiais apropriados, são dotados de credibilidade e competência técnica sobejamente reconhecida, o mesmo não se podendo afirmar de outros serviços de outra natureza, sem prejuízo de poderem dispor de elementos técnicos altamente qualificados, o que é certo é que não basta uma qualquer empresa ser constituída para se poder afirmar a excelência do seu desempenho, nem a objetividade da sua apreciação.
De qualquer forma, não estava a parte impedida de promover a junção aos autos, como documento particular, da apreciação técnica, não pericial, de acordo com a qualificação legal, sobre a matéria em questão, que o tribunal livremente apreciaria.
Assim sendo, sem necessidade de ulteriores considerações, conclui-se que não é legalmente admissível a realização de perícia grafológica por entidade privada, a menos que esta tenha sido contratada por estabelecimento, laboratório ou serviço oficial e desde que não tenha qualquer interesse em relação ao objeto da causa nem ligação com as partes (artigo 467º nº 3 NCPC).
Pelo exposto, resulta que a decisão recorrida se terá de manter e, em consequência, julgar-se a apelação improcedente, não se verificando a violação de qualquer das normas indicadas.
Atento o total decaimento do recurso, sobre os apelantes recai a obrigação de suportarem as respetivas custas (artigo 527º nº 1 e 2 NCPC).
*
D) Em conclusão:

1) Não é legalmente admissível a realização de perícia grafológica por entidade privada, a menos que esta tenha sido contratada por estabelecimento, laboratório ou serviço oficial e desde que não tenha qualquer interesse em relação ao objeto da causa nem ligação com as partes;
2) Não está, no entanto, a parte impedida de indicar como testemunhas pessoas de reconhecida idoneidade e competência para se pronunciar sobre a matéria em questão, em sede de julgamento, nem de juntar documentação que prove ou infirme a factualidade em questão.
***
III. DECISÃO

Pelo exposto, tendo em conta o que antecede, acorda-se em julgar a apelação improcedente, confirmando-se a douta decisão recorrida.
Custas pelos apelantes.
Notifique.
*
Guimarães, 10/11/2022

Relator: António Figueiredo de Almeida
1ª Adjunta: Desembargadora Maria Cristina Cerdeira
2ª Adjunta: Desembargadora Raquel Baptista Tavares