Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
285/10.4TAVVD-A.G1
Relator: ALCINA MARIA DA COSTA RIBEIRO
Descritores: ACUSAÇÃO
NOTIFICAÇÃO
IRREGULARIDADE
VIA POSTAL
MORADA DIFERENTE DO TIR
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 10/19/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: JULGADO IMPROCEDENTE
Sumário: I - Tendo o recorrente sido notificado da acusação, por via postal, para uma morada diferente da que constava no primeiro Termo de Identidade e Residência que prestou, nenhuma dúvida subsiste que foi praticado um acto processual à revelia do estatuído no nº 6, do artigo 283º, do Código de Processo Penal.
II - Não prevendo os artigos 119º e 120º do Código de Processo Penal, a forma incorrecta como foi realizada a comunicação da acusação ao arguido/recorrente, como uma nulidade, estamos perante uma irregularidade a seguir o regime e os efeitos impostos pelo artigo 123º, do Código de Processo Penal.
III. Conjugando, de um lado, as datas em que o recorrente por si ou através de advogado, esteve presente nos actos de instrução e de julgamento (12 de Novembro de 2013 e 5 de Junho de 2014) e, ainda, aquelas em que praticou actos processuais, e, de outro, a falta atempada de arguição da irregularidade processual, só podemos concluir, que o vicio cometido se encontra sanado.
Decisão Texto Integral: Processo nº 285/10.4TAVVD-A.G1

Comarca de Braga

Guimarães – Instância Central – 2ª Secção InstruçãoCriminal – J2

I. RELATÓRIO

1. A decisão proferida em 27 de Maio de 2015 rejeitou liminarmente a abertura da instrução requerida pelo arguido Joaquim V., por extemporaneidade.

2. Inconformado, dela recorre o arguido, formulando as seguintes conclusões:

A - A irregularidade decorrente da falta de notificação ao Arguido da acusação, tendo sido declarada pelo tribunal oficiosamente, e sendo ordenada a sua repetição, permite ao Arguido exercer os direitos processuais correspondentes e previstos para a fase do processo posterior à notificação da acusação;

B - o prazo para a apresentação do requerimento de abertura de instrução, conta-se a partir da data em que a acusação é notificada ao Arguido;

C - Tendo o Arguido sido notificado da acusação, na sequência de despacho do tribunal que ordenou a sua efectivação, por no processo haver a demonstração da irregularidade decorrente da falta de notificação da acusação, que foi declarada e cuja declaração transitou em julgado, é a partir da nova notificação da acusação que é contado o prazo para requerer a abertura de instrução;

D - O presente Requerimento de abertura de instrução foi apresentado dentro do prazo de vinte dias subsequente à notificação da acusação, subsequente à declaração de nulidade ( irregularidade) pelo tribunal com referência à ausência de notificação da acusação;

E - Por tal facto, o requerimento em causa, não podia ser rejeitado nos termos do Art. 287º Nº3 do CPP, por não ser extemporâneo;

F - A existência de despacho anterior de pronúncia, na sequência de requerimento de abertura de instrução que não foi formulado pelo Arguido, não afecta o seu direito a requerer a abertura de instrução, uma vez notificado da acusação, ainda que não tenha ocorrido a separação dos processos;

3. O Ministério Público, em primeira instância, na resposta de fls. 87 a 91, defendeu a manutenção do despacho recorrido.

4. Nesta Relação, a Digna Procuradora – Geral Adjunta, secundando os argumentos aduzidos em 3, pronunciou-se, também, no sentido da improcedência do recurso.

5. Cumprido o disposto no artigo 417.º, n.º 2 do Código de Processo Penal, realizado o exame preliminar e colhidos os vistos, cumpre, agora, decidir.

II. THEMA DECIDENDUM

Aceite que, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, são as conclusões que o Recorrente extrai da respectiva Motivação que delimitam o objecto do Recurso cf. art.s 119º, n.º 1, 123º, n.º 2, 410º, n.º 2, alíneas a), b) e c) do Código de Processo Penal, Acórdão de fixação de jurisprudência obrigatória do Supremo Tribunal de Justiça (STJ) de 19/10/1995, publicado em 28/12/1995 e, entre muitos, os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 25.6.1998, in BMJ 478, p. 242 e de 3.2.1999, in B.M.J. 484, p. 271., a questão a decidir consiste em saber se o requerimento de abertura de instrução apresentado pelo recorrente é extemporâneo.

III. ACTOS PROCESSUAIS RELEVANTES PARA A DECISÃO

1. Em 28 de Fevereiro de 2011, o recorrente prestou Termo de Identidade e Residência, indicando como morada, a Avenida N., Vila Nova de Famalicão;

2. Em 17 de Julho de 2012, foi remetida ao arguido, para a Rua N… – Vila Nova de Famalicão, a notificação de fls. 113, onde se lê, além do mais: «foi deduzida acusação no inquérito acima referenciado, nos termos do artigo 283º, do Código Penal e (…) dispõe do prazo de 20 dias, nos termos do disposto no artigo 287º, do mesmo diploma, para requerer, caso queira, a abertura da instrução».

3.A notificação referida em 2. foi depositada no receptáculo da morada acima indicada (fls. 13).

4. O arguido, Carlos J.. veio arguir a nulidade por falta de notificação da acusação para morada indicada no Termo de Identidade e Residência e, em simultâneo requerer a abertura da instrução (fls. 15 a 20).

5. O despacho de 4 de Janeiro de 2013 julgou verificada a irregularidade processual, tempestivamente invocada e decorrente da falta de notificação regular da acusação pública ao arguido Carlos J.. (fls. 25).

6. Repetida a notificação da acusação ao arguido, Carlos J.. e por este requerida a abertura de instrução, veio a ser designado debate instrutório para o dia 12 de Novembro de 2013, pelas 14:30 (fls. 30).

7. No mesmo dia 12 de Novembro de 2013, o recorrente subscreveu e juntou aos autos procuração ao Exmº Sr. Dr. Jorge L., a quem conferiu os mais amplos poderes forenses (fls. 31) e renunciou ao direito de estar presente no Debate Instrutório, nos termos que constam a fls. 32.

8. O ilustre mandatário do recorrente esteve presente no debate instrutório que se realizou no dia 12 de Novembro de 2013.

9. Nesse mesmo dia, o tribunal dispensou a presença do recorrente, conforme por este solicitado, decidindo que, «para todos os efeitos, o mesmo fica notificado da decisão que vier a ser proferida, na pessoa do seu mandatário».

10. O despacho de pronúncia em relação ao recorrente pela prática dos factos e com a qualificação jurídica imputados na acusação pública foi proferido na diligência referida em 8 e 9, tendo sido notificado a todos os presentes, onde se incluía o ilustre mandatário do arguido/recorrente.

11. Remetidos os autos à distribuição para julgamento, foram designados os dias 5 e 12 de Junho de 2014, para realização da audiência.

7. Em simultâneo, ordenou-se o cumprimento do disposto nos artigos 313º, nº 1 e 315º, do CPP.

8. Em 5 de Junho de 2014, o arguido e ilustre mandatário compareceram na audiência, tendo sido notificados, nos termos e para efeitos do disposto no artigo 313º, 315º e 78º, todos do Código de Processo Penal (fls. 44 a 46).

Concretamente, com cópia do despacho que recebe a acusação/pronúncia e da respectiva acusação/pronúncia, foi notificado «para no prazo de vinte dias, apresentar querendo, a sua contestação, juntamente com o rol de testemunhas (…)».

9. O recorrente não prescindiu do prazo para deduzir contestação, tendo, por isso, requerido o adiamento da audiência (fls. 46).

10. Por despacho proferido nesse mesmo dia, as datas designadas para realização da audiência foram dadas sem efeito.

11. Em 5 de Junho de 2012, prestou o arguido novo Termo de Identidade e Residência, indicando como morada, a Rua A…., Póvoa de Varzim (fls. 43).

12. O requerimento de abertura de instrução deduzido pelo recorrente deu entrada em juízo, no dia 2 de Julho de 2014.

IV. DO MÉRITO DO RECURSO

Antes de mais, cumpre esclarecer que, ao contrário do alegado pelo recorrente, inexiste, nos autos, qualquer despacho judicial a declarar a irregularidade decorrente da falta da sua notificação da acusação com a consequente repetição daquele mesmo acto.

O teor de fls. 33 (460 dos autos principais) documenta o registo do início do debate instrutório e a certidão de notificação de fls. 44 (537 dos autos principais) atesta a notificação do arguido, nos termos e para efeitos do disposto nos artigos 313º, 315º e 78º, todos do Código Penal.

Não corresponde, assim, à verdade, o alegado nas conclusões A) e C), na parte em que refere que a «irregularidade decorrente da notificação ao arguido da acusação» foi «declarada pelo tribunal oficiosamente e (…) ordenada a sua repetição».

O mesmo é dizer que falece o pressuposto donde parte toda a argumentação do impugnante.

E, nem se diga, como parece sugerir o recorrente, que a declaração da irregularidade da notificação da acusação ao arguido, Carlos J.. proferida a fls. 21, (fls. 421 dos autos principais) tinha como efeito a repetição de todos os actos de notificação da acusação aos outros co-arguidos.

Com efeito, dispõe o artigo 123º, n º1, do Código de Processo Penal que a irregularidade só determina a invalidade do acto a que se refere e dos termos subsequentes que possa afectar quando tiver sido arguida pelos interessados no próprio acto ou, se a este não tiverem assistido, nos três dias seguintes a contar daquele em que tiverem sido notificados para qualquer termo do processo ou intervindo em qualquer acto nele praticado.

Por outro lado, a instrução, ainda que requerida por um só dos arguidos, abrange todos eles, mesmo que não a tenham requerido, desde que por ela possam ficar afectados, como decorre do artigo 307º, nº 4, do Código de Processo Penal.

Ou seja, o acto processual, cuja irregularidade foi declarada corresponde apenas e só, ao modo como foi efectuada a notificação da acusação ao arguido, Carlos J., e não à forma de notificação da acusação ao recorrente.

Cai, assim, por terra toda a argumentação que sustenta o recurso, o que determinaria, sem mais, a sua improcedência.

Contudo, sempre se dirá:

É sabido que o artigo 118º, nº1, do Código de Processo Penal consagra o princípio da legalidade, segundo o qual «a violação ou a inobservância das disposições da lei do processo penal só determina a nulidade do acto quando esta for expressamente cominada na lei».

Nos casos em que a lei não cominar a nulidade, o acto ilegal é irregular, conforme dita o nº 2 do mesmo dispositivo e diploma.

Da conjugação destes preceitos decorre que «o processo penal está subordinado ao princípio da legalidade dos actos, não sendo admitida a prática de actos que a lei não permita; os actos previstos devem respeitar as disposições da lei de processo que dispõem sobre os pressupostos, as condições, o prazo, a forma e os termos. Porém, a «violação ou inobservância» das «disposições da lei do processo penal» só determinará a invalidade do acto quando a consequência for expressamente cominada na lei. O princípio da legalidade do processo e dos actos desdobra-se, deste modo, em matéria de nulidade ou invalidade, na consequência que se afirma na expressão de um numerus clausus dos fundamentos da invalidade; a nulidade do acto não resulta da simples violação ou inobservância de disposições legais, mas tem que estar expressamente prevista como consequência da violação ou inobservância das condições ou pressupostos que a lei expressamente referir.

A violação ou inobservância das condições ou pressupostos do acto, que não constitua nulidade, determina apenas a «irregularidade» do acto» (Henriques Gaspar, in Código de Processo Penal Comentado (2014), anotação ao artigo 119º, pág. 383).

A notificação da acusação ao arguido deve conter os elementos previsto no artigo 277º, nº 3, ex vi artigo 283º, nº 5, devendo observar a forma prevista no nº 6, deste último normativo, todos do Código de Processo Penal a saber:

Tal comunicação é efectuada «mediante contacto pessoal ou por via postal registada, excepto se o arguido tiver indicado a sua residência ou domicilio profissional à autoridade policial ou judiciária que elaborar o auto de notícia ou que o ouvir no inquérito ou na instrução, caso em que são notificados mediante via postal simples, nos termos do artigo 113º, nº1, al. c)».

Tendo o recorrente sido notificado da acusação, por via postal, para uma morada diferente da que constava no primeiro Termo de Identidade e Residência que prestou, nenhuma dúvida subsiste que foi praticado um acto processual à revelia do estatuído no nº 6, do citado artigo 283º, impondo-se, assim, em primeiro lugar, que se qualifique juridicamente aquele vício, para num segundo momento, determinar os seus efeitos.

Para tanto, há que verificar se incorrecção da forma de notificação da acusação ao recorrente é cominada pela lei como nulidade. Não o sendo, estaremos em face de uma mera irregularidade.

A propósito desta questão e, ainda antes da revisão do Código de Processo Penal de 1998, pronunciou-se, além do mais, o Tribunal da Relação de Coimbra, no Acórdão de 17 de Janeiro de 1995 (CJ, ano XX, tomo I, pág. 155), no sentido que de a falta de notificação da acusação ao arguido não constitui uma nulidade, mas uma mera irregularidade, com argumentos que, pela relevância, merecem, ainda hoje, a sua transcrição:

«O Supremo Tribunal de Justiça já havia claramente assumido que (…) “é manifesto que a falta de notificação da acusação para constituir nulidade insanável deveria ser designada como tal por disposição expressa (cf. artigo 119º, do C.P.P), já que neste preceito, designadamente, na sua alínea d) o que é dado como nulo é a falta de inquérito, ou da instrução, nos casos em que a lei determina a sua obrigatoriedade, sendo que não se alega que o inquérito não tivesse sido realizado e a instrução é facultativa, como resulta do artigo 286º, n º2, do Código de Processo Penal”. (Ac. de 05/06/91, C.J., Tomo III, 26).

É que “a violação ou inobservância das disposições da lei de processo penal só determina a nulidade do acto quando esta for expressamente cominada na lei”. E, “nos casos em que a lei não cominar a nulidade, o acto ilegal é irregular” (Art. 118º, nºs 1 e 2).

Ora, as “nulidades insanáveis” são as que taxativamente estão indicadas no artigo 119º, do Código de Processo Penal.

Aquele juízo é, pois, incontornável: a omissão de notificação, para ser integrada na categoria das nulidades insanáveis, sempre teria que ser assimilável a “falta de instrução” imposta por lei (o que não é compatível, desde logo, com o elemento literal daquela disposição).

As coisas só assim não seriam se se entendesse que a preclusão do direito à fase da “instrução” que é consequência natural daquele entendimento – punha em causa as “garantias do processo criminal”, consagradas no artigo 32º, da Constituição da República.

Há que ponderar, na verdade, que “a existência de uma fase de instrução subordinada ao principio do contraditório é, decerto, uma garantia de defesa, na medida em que permite ao arguido, ainda antes do julgamento, corrigir, questionar e até contrariar a prova indiciária que fundamentou a acusação, e evitar assim que haja de ser sujeito a um julgamento por factos que não praticou. Ora, segundo o nº1, do artigo 32º, da Lei Fundamental, o processo penal tem de assegurar todas as garantias de defesa.

Todavia, esta disposição constitucional, como tantas outras em matéria processual penal, tem de ser interpretada à luz do princípio da proporcionalidade. Assim, quando se fala em “garantias de defesa” há-de se entender as garantias necessárias e adequadas a um eficaz exercício do direito de defesa (…) (Ac. T. C de 02/04/92).

Por outro lado, “a Constituição não estabelece qualquer direito aos cidadãos a não serem submetidos a julgamento sem que previamente tenha havido uma completa e exaustiva verificação de existência de razões que indiciem a sua presumível condenação, pelo que o simples factos de se ser submetido a julgamento não pode constituir, só por si, no nosso ordenamento jurídico, um atentado de bom nome e reputação” (Ac. T. C, de 28/06/94).

Esta posição do Tribunal Constitucional – exposta, embora, para situações diferentes – inculca que a solução antes encontrada é conforme a Constituição.

E assim – afastada a aplicação, ao caso dos autos, do regime de nulidades insanáveis – reverte-se à categoria das nulidades e irregularidades, “dependentes de arguição” - artigo 120º e seguintes do C.P.Penal».

Mais recentemente e após a revisão do Código de Processo Penal de 1998, pronunciou-se, entre outros, o Acórdão da Relação do Porto de 31 de Janeiro de 2007 – citado pelo Ministério Público em primeiro instância e acessível em www.dgsi.pt - naquele mesmo sentido: «A falta de notificação da acusação ao arguido constitui mera irregularidade, a ser tratada nos termos do nº 1 do artº 123º».

Aí se lê:

«Percorrendo o disposto no art. 119.º, que diz respeito às nulidades insanáveis, não encontramos aí contemplado o apontado vício da incorrecção da notificação, nem a mesma encontra-se tipificada como nulidade sanável, no seguinte art. 120.º, nem em qualquer disposição legal.

Como mera nota, diremos que é óbvio que tal vício não integra a previsão do n.º 2, al. d), deste último preceito – “A insuficiência do inquérito …” – porquanto tal segmento normativo diz respeito à omissão de diligências de prova.

Trata-se por isso de uma mera irregularidade e esta, segundo o art. 123.º, n.º 1 “…só determina a invalidade do acto a que se refere e dos termos subsequentes que possa afectar quando tiver sido arguida pelos interessados no próprio acto ou, se a este não tivessem assistido, nos três dias seguintes a contar daquele a que tiverem sido notificados para qualquer termo do processo ou intervindo em algum acto nele praticado”.

(…)

O actual art. 123.º, n.º 1, corresponde, grosso modo, ao corpo do art. 100.º do Código Processo Penal de 1929, que, por sua vez, seguiu o preceituado no art. 132.º, § 3 do Código de Processo Civil nessa altura vigente, como no dá conta Luís Osório, no seu “Comentário ao Código Processo Penal Português”, Vol. II (1932), a pág. 209.

Este autor e na parte que aqui releva, traçava então o seguinte quadro:

“Se o interessado no cumprimento do preceito processual não estava presente, então pode arguir a transgressão no prazo de cinco dias a contar daquele em que algum dos seguintes fatos se tenha dado depois da irregularidade:

a) Notificação para qualquer termo do processo.

b) Intervenção em algum ato praticado no processo”.

Convenhamos, que deste comentário não podemos extrair qualquer conclusão no sentido de que a opção por um ou outro prazo de arguição é facultado à livre discricionariedade do interessado ou então se existe uma ordenação temporal ao que está legalmente estipulado.

No entanto podemos certamente fazer apelo ao preceituado no Código de Processo Civil, de modo a detectar algum fio condutor interpretativo do segmento normativo aqui em apreço.

A propósito regula-se no actual art. 205.º, n.º1 deste último diploma que “Quanto às outras nulidades, se a parte estiver presente, por si ou por mandatário, no momento em que forem cometidas, podem ser arguidas enquanto o acto não terminar; se não estiver, o prazo para a arguição conta-se do dia em que, depois de cometida a nulidade, a parte interveio em algum acto praticado no processo ou foi notificada para qualquer termo dele, mas neste último caso só quando deva presumir-se que então tomou conhecimento da nulidade ou quando dela pudesse conhecer, agindo com a devida diligência”.

Em anotação a este preceito e dando conta do sistema decorrente do Código de Processo Civil de 1939, com aquele que passou a vigorar após 1961, cuja redacção ainda se mantém, Rodrigues Bastos (Notas ao Código de Processo Civil, 1971, p. 412), referiu, a dado momento, o seguinte:

“Se a parte ou o seu mandatário não estiverem presentes deve distinguir-se: a intervenção posterior no processo, qualquer que seja a forma que revista, dá início ao decurso do prazo de 5 dias (153.º) para fazer a arguição; enquanto não houver intervenção, a notificação da parte para qualquer termo do processo dá início à contagem daquele prazo quando deva presumir-se que por essa forma tomou conhecimento da nulidade ou mesmo que assim não seja, desde que dela pudesse conhecer agindo com a devida diligência”.

Parece que a partir destas razões históricas podemos e devemos distinguir que os dois momentos legalmente previstos para se arguir a irregularidade, quando o interessado ou o seu representante não se encontram presentes, não se encontram na livre disponibilidade deste último.

Muito pelo contrário, pois esse prazo de arguição só se inicia quando o interessado intervir no processo, sem que tenha sido notificado para o mesmo, ou então se o foi e verificado o condicionalismo de passar a conhecer do vício ou de presumir-se o seu conhecimento, quando se verificar essa comunicação.

Vejamos no entanto se existem outras razões que possam sustentar esta interpretação.

Como se sabe a irregularidade é dos vícios processuais, aquele que apresenta uma menor gravidade, daí que o regime da sua invocação seja distinto daqueles outros que pela sua relevância no desenrolar do processo, podem ser deduzidos em qualquer altura (nulidade absolutas ou insanáveis) ou então num lapso de tempo mais contido (nulidade relativa ou sanável).

Daqui podemos inferir que o prazo para se suscitar uma irregularidade, não deva ser, por razões de lógica e da sua menor relevância, mais extenso que o de uma nulidade relativa e o regime destas está contemplado no art. 120.º, n.º 3.

Quanto a estas a regra é que sendo uma nulidade a que o interessado assista deve suscitá-la no próprio acto [al. a)], tratando-se de ausência, cuja comparência é obrigatória, por falta de notificação do assistente e das partes civis, até cinco dias após a notificação do despacho que designar a audiência [al. b)], reportando-se a uma nulidade do inquérito ou da instrução até ao encerramento do debate instrutório, ou não havendo instrução até cinco dias do despacho que encerrou o inquérito [al. c)], relacionando-se com o processo especial logo no início da audiência [al. d)].

Por outro lado, será de toda a conveniência renovar aquelas considerações que anteriormente efectuámos a propósito do direito a um processo equitativo, mormente na vertente de um tratamento leal (fair treatment), assegurando-se ainda todas as garantias de defesa que cabem ao arguido, por via do art. 32.º da C. Rep.

Destas injunções constitucionais, podemos extrair que o interessado em suscitar uma irregularidade que se cometeu quando o mesmo não se encontrava presente, só se encontra em estado de o fazer quando a conhece ou está em condições razoáveis e aceitáveis de a conhecer.

Assim e tratando-se de uma irregularidade a que o interessado não tenha assistido, pode o mesmo suscitá-la nos três dias seguintes à sua notificação para qualquer termo do processo, caso não tenha até aí intervido nos autos, desde que seja possível aperceber-se desse vício [a)], pois caso contrário poderá fazê-lo no prazo de tês dias após intervir em algum acto nele praticado [b)]».

Tudo isto para dizer que, não prevendo os artigos 119º e 120º do Código de Processo Penal, a forma incorrecta como foi realizada a comunicação da acusação ao arguido/recorrente, como uma nulidade, estamos perante uma irregularidade a seguir o regime e os efeitos impostos pelo artigo 123º, do Código de Processo Penal, que estatui:

«Qualquer irregularidade do processo só determina a invalidade do acto a que se refere e dos termos subsequentes que possa afectar quando tiver sido arguida pelos interessados no próprio acto ou, se a este não tiver assistido, nos três dias seguintes a contar daquele em que tiverem sido notificados para qualquer termo do processo ou intervindo em algum acto nele praticado».

No caso em apreço, o arguido foi convocado para comparecer na audiência de debate instrutório a realizar no dia 12 de Novembro de 2013. Nesta diligência, o recorrente fez-se representar por mandatário constituído, renunciando ao direito de estar presente.

Nesse mesmo acto, concedida a palavra ao seu ilustre mandatário - não só, nos termos e para efeitos do disposto no nº 2, do artigo 302º, do Código de Processo Penal, como também, para formular as suas conclusões sobre a suficiência ou insuficiência dos indícios recolhidos e sobre questões de direito de que dependa o sentido da decisão instrutória - nada foi requerido sobre a omissão de notificação da acusação ao recorrente.

Ainda, no mesmo dia 12 de Novembro de 2013, foi o arguido pronunciado nos exactos termos em que tinha sido acusado pelo Ministério Público, tendo sido notificado, na pessoa do seu advogado, sem que, naquele acto, tivesse arguido qualquer omissão de notificação da acusação.

Em 5 de Junho de 2014, data designada para realização da audiência de discussão e julgamento, foi o arguido notificado do despacho que designou aquele dia para audiência e julgamento, tendo-lhe sido entregue cópia da acusação e do despacho de pronúncia.

O requerimento de abertura de instrução deu entrada em 2 de Julho de 2014, sem que até ao momento, o recorrente tenha arguido, junto do tribunal competente, a arguição de qualquer irregularidade.

Conjugando, de um lado, as datas em que o recorrente por si ou através de advogado, esteve presente nos actos processuais acima descritos (12 de Novembro de 2013 e 5 de Junho de 2014) e praticou actos processuais, e, de outro, a falta de arguição da irregularidade processual da notificação da acusação, só podemos concluir, que o vicio cometido se encontra sanado.

Donde, nenhuma censura merece o despacho recorrido, porquanto o mesmo respeitou o regime legal das irregularidades e a sua decisão não ofende as mais elementares garantias de defesa, que estão constitucionalmente acauteladas.

O recurso interposto é, desta forma, improcedente.

V. DECISÃO

Nos termos expostos, acordam os Juízes que compõem a Secção Penal deste Tribunal da Relação, em julgar não provido o recurso interposto por Joaquim V..

Custas pelo recorrente, com taxa de justiça que se fixa em 3 UCS.

Guimarães, 19 de Outubro de 2015