Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1559/12.5TBBRG-T.G1
Relator: ANTÓNIO SOBRINHO
Descritores: INSOLVÊNCIA
IMPUGNAÇÃO DA LISTA PROVISÓRIA DE CRÉDITOS
TAXA DE JUSTIÇA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 09/25/2014
Votação: MAIORIA COM * VOT VENC
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário: No âmbito da insolvência, é devida taxa de justiça relativa à impugnação da lista de créditos elaborada pelo administrador da insolvência por parte do credor reclamante.
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães:


I – Relatório;

Recorrente(s): C…, SA (credora);
Recorrido(s): M…, Ldª (devedora);

No processo de insolvência supra identificado foi a ora recorrente notificada pela secretaria para pagamento da taxa de justiça pela apresentação da impugnação dos créditos, assim como da multa prevista pela omissão desse pagamento.

Reclamou desse acto para o Sr. Juiz que proferiu despacho, em síntese, do seguinte teor:
«Pelo exposto, indefere-se o requerido pelas impugnantes, mantendo-se a obrigação de pagamento da taxa de justiça e multa em relação às credoras impugnantes C… e C…».

Inconformada, apela agora a credora C…, em cujas alegações conclui da seguinte forma:
1. A C…, S.A. apresentou em juízo – pela forma e no prazo legalmente previstos para o efeito nos termos dos arts. 130º/1 e 131º/1 do CIRE – impugnação à lista de credores reconhecidos e não reconhecidos apresentada pela Sr.ª Administradora de Insolvência e resposta a impugnações aduzidas por outros credores.
2. Fê-lo no exercício de direitos que lhe assistem por lei – v.g. art. 130º/1 e 131º/1 do CIRE - e sob pena do efeito cominatório que decorre dos nºs 3 desses mesmos preceitos legais.
3. Após, foi a C… notificada pela secretaria para efectuar o pagamento da taxa de justiça e multa de igual montante, nos termos do art. 570º, nº 3 do CPC.
4. Apresentada a competente reclamação junto do Meritíssimo Juiz a quo, foi a mesma indeferida, com fundamento em que a impugnação (e resposta) apresentada em juízo pela C…, S.A. se configura como um incidente, a cujo impulso processual corresponde a taxa de justiça prevista na tabela II anexa ao RCP para os incidentes em geral.
5. Porém, nos termos do art. 304º do CIRE “as custas do processo de insolvência são encargo da massa insolvente ou do requerente, consoante a insolvência seja ou não decretada com decisão transitada em julgado”.
6. O que sucedeu no caso sub iudice (a devedora foi declarada insolvente por sentença transitada em julgado).
7. Sendo certo que, nos termos do art. 303º do CIRE, para efeitos de tributação, rectius para efeitos do art. 304º do CIRE, “o processo de insolvência abrange o processo principal (…) a verificação do passivo (…) e quaisquer outros incidentes cujas custas hajam de ficar a cargo da massa”.
8. É precisamente no âmbito da verificação do passivo que se inserem os preceitos legais referentes à impugnação da lista de credores reconhecidos e não reconhecidos, a saber os arts. 130º e ss. do CIRE – v.g. epígrafe do Título V, Capítulo I.
9. Acresce que, por interpretação a contrario sensu do disposto no art. 148º do CIRE, as custas respeitantes aos incidentes previstos nos restantes Capítulos do Título V do CIRE correm nos termos gerais previstos pelo art. 304º do CIRE a cargo da massa insolvente.
10. A interpretação subjacente à decisão recorrida viola expressamente, por incorrecta interpretação, o art. 7º/4 e 8 do Regulamento das Custas Processuais e os arts. 303º e 304º do CIRE.

Pede a procedência do recurso e revogação da decisão recorrida.

Não foram oferecidas contra-alegações.


II. FUNDAMENTAÇÃO.


A factualidade a considerar é a que consta do relatório supra.

A questão recursiva cinge-se em saber se a impugnação da lista de créditos reconhecidos e não reconhecidos elaborada pelo administrador da insolvência está ou não sujeita ao pagamento de taxa de justiça pelo credor reclamante.

A argumentação objecto de recurso estriba-se no fundamento de que, por força do artº 304º, do Código de Insolvência e Recuperação de Empresas (CIRE) “as custas do processo de insolvência são encargo da massa insolvente ou do requerente, consoante a insolvência seja ou não decretada com decisão transitada em julgado” - o que se verificou – sendo que o processo “o processo de insolvência abrange o processo principal (…) a verificação do passivo (…) e quaisquer outros incidentes cujas custas hajam de ficar a cargo da massa” – artº 303º do CIRE.
Ora, salvo o devido respeito e não olvidando o teor dos doutos arestos citados nas alegações, entende-se não sufragar a posição da recorrente por a mesma não se compaginar com o sistema de tributação globalmente considerado e a legislação vigente aplicável.
Na verdade, analisada agora com maior acuidade esta, perfilha-se o entendimento plasmado no douto Acórdão do STJ de 29.04.2014, proc. 919/12.6TBGRD (relatora a Exmª Cons. Ana Paula Boularot), in dgsi.pt, o qual seguiremos de perto na defesa do acerto da decisão recorrida, no sentido de que:
«Para efeitos de tributação são abrangidas as reclamações de crédito, entre outro processado e incidentes, desde que as custas devam (na letra da lei hajam) de ficar a cargo da mesma, sendo que, prima facie, as custas da insolvência ficarão a cargo da massa insolvente, caso esta venha a ser decretada por decisão transitada em julgado.
As custas da insolvência que devam ficar a seu cargo são apenas aquelas em que a massa insolvente decaia e na medida de tal decaimento, sendo as restantes pelas partes intervenientes e na proporção da respectiva sucumbência».
Daí que, extrapolando para o caso concreto, inexiste isenção subjectiva (ou objectiva) de pagamento da taxa de justiça devida pelo incidente de reclamação de créditos por parte do credor impugnante.
Desde logo cumpre dizer que o processo de insolvência está sujeito a custas e ao pagamento da correspondente taxa de justiça, como resulta do disposto nos artºs 301º a 303º do CIRE.
Estatui o artº 303º daquele diploma que «Para efeitos de tributação, o processo de insolvência abrange o processo principal, (…) a verificação do passivo, (…) e quaisquer outros incidentes cujas custas hajam de ficar a cargo da massa, ainda que processados em separado (sublinhado nosso).
E o seu artº 304º preceitua que «As custas do processo de insolvência são encargo da massa insolvente ou do requerente, consoante a insolvência seja ou não decretada por decisão com trânsito em julgado.».
Assim, diversamente da fundamentação da recorrente, deflui dos citados preceitos legais dos artºs 303º e 304º, do CIRE, em consonância com o que dispõe o artº 527º, do NCPCivil (vide artº 17º do CIRE), que “o processo de insolvência, na esteira do que se encontra legalmente estipulado para qualquer outro tipo de processo, não é tendencialmente gratuito para os respectivos intervenientes, pois, existem regras especiais e específicas que afastam expressis verbis essa asserção, a começar por aquele artigo 303º do CIRE quando nos diz que para efeitos de tributação o processo de insolvência abrange todo o processado autónomo ali referenciado cujas custas tenham de ficar a cargo da massa, o que significa que não são todas e quaisquer custas que estarão a cargo da massa, mas apenas aquelas que esta haja de suportar e a massa insolvente só suportará as custas na medida da sua sucumbência, por força das disposições processuais gerais aqui aplicáveis subsidiariamente, ex vi do artigo 17º do CIRE que para elas nos remete.
Ora, tendo em atenção a regra geral que rege a condenação em custas decorrente do disposto no artigo 527º do NCPCivil, temos que será condenada em custas a parte que a elas der causa, ou não havendo vencimento na acção, quem da mesma tirou proveito, entendendo-se que dá causa às custas do processo a parte vencida na proporção em que o for, tratando-se aqui da consagração do principio da causalidade entre a conduta de quem acciona ou é accionado e a lide respectiva, o que implica que a condição de vencido é determinante para a condenação no pagamento das custas (…)”.
De outro modo, fazer-se-ia incidir sobre a massa insolvente toda e qualquer responsabilidade das custas (que abrange a taxa de justiça), independentemente de a mesma poder obter ganho de causa nos processos e incidentes abrangidos no âmbito da insolvência, nos termos do artigo 303º do CIRE (casos, por exemplo, de reconhecimento parcial do crédito reclamado ou então de não verificação total do crédito), subvertendo-se o princípio geral, em sede de tributação, de que a responsabilidade pelo pagamento de custas (taxa de justiça incluída) assenta na ideia de que não deve pagar custas a parte que tem razão.
Como realça o citado aresto do STJ, [O facto de o normativo inserto no artigo 304º do CIRE fazer consignar que as custas no processo ficam a cargo da massa insolvente, não poderá ser interpretado isoladamente, sem o apelo aos outros ínsitos legais existentes na ordem jurídica sob pena de se criarem brechas, incongruências e contradições insanáveis no sistema jurídico, o qual se pretende uno na medida em que «(…) A ordem jurídica forma um sistema de elementos coordenados e homogéneos entre si, não podendo comportar contradições. Daqui resulta que as leis se interpretam umas pelas outras - cada norma ou conjunto de normas funciona em relação às outras como elemento sistemático de interpretação», apud Castro Mendes, Introdução ao Estudo do Direito, 1977, 361; cfr também Francesco Ferrara, in Interpretação e Aplicação das Leis, traduzido e prefaciado por Manuel de Andrade, 1934, 96].
Em suma, não obstante a recorrente se escudar no citado artº 303º do CIRE [«Para efeitos de tributação, o processo de insolvência abrange o processo principal (…) a verificação do passivo, (…) e quaisquer outros incidentes cujas custas hajam de ficar a cargo da massa) (…)»] para fazer vingar a sua tese, certo é que este preceito só faz sentido se conjugado interpretativamente com o disposto no apontado artº 527º, nº1, do NCPCivil, sob pena de a previsão normativa do artº 304º, do CIRE se bastar a si mesma, revestindo-se de norma excepcional, em relação àqueles consignados normativos, o que não se configura.
Ademais, como se motiva na decisão recorrida, citando, aliás, Salvador da Costa, in Regulamento de Custas Processuais Anotado e Comentado, Almedina, 2012, 4ª Edição, págs. 66, 73, 165 e 248, importa não descurar que o artº 529º, nº2, do NCPCivil, faz corresponder a taxa de justiça ao montante devido pelo impulso processual de cada interveniente.
Segundo Salvador da Costa, op. cit. pág. 73, “sendo o impulso processual, grosso modo, a prática de ato de processo que dá origem a núcleos relevantes de dinâmicas processuais, designadamente, a acção, a execução, o incidente, o procedimento, incluindo o cautelar, e o recurso, se inseriu por via desta norma a autonomização da responsabilidade pelo pagamento da taxa de justiça devida em relação à responsabilidade pelo pagamento de encargos e custas de parte, sendo o responsável pelo pagamento da taxa de justiça sempre a parte ou o sujeito processual autor do impulso processual, independentemente de a final ser vencedor ou vencido”.
E concretiza que “por exemplo, nos termos dos artºs 301º e 304º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas. numa acção de insolvência requerida por um credor, que lhe atribui o valor de processual de 630.000, mas a cujo activo, liquidado na sequência da declaração judicia! de insolvência, foi atribuído o valor de € 2.629.910,32, em função do qual é determinado o valor da acção para efeito de custas, deve o referido autor proceder ao pagamento da taxa de justiça excedente, só ficando para a massa insolvente a responsabilidade pelo pagamento dos custas - encargos e custas de parte”.
Por seu turno, o preceituado no artº 7º, nº 4, do Regulamento de Custas Processuais, que define as regras especiais de fixação da taxa de justiça, reforça tal entendimento.
Daí que o mesmo autor seja, aliás, taxativo, ao consignar, na obra citada, pág. 248, que “a impugnação da lista de credores reconhecidos e não reconhecidos elaborada pelo administrador da insolvência, nos termos do artigo 130 do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, configura-se como um incidente, a cujo impulso processual corresponde a taxa de justiça prevista na tabela II para os incidentes em geral”.

Por todas as razões aduzidas, não procede a apelação.

Sumariando:
No âmbito da insolvência, é devida taxa de justiça relativa à impugnação da lista de créditos elaborada pelo administrador da insolvência por parte do credor reclamante.

IV – Decisão;

Em face do exposto, na improcedência da apelação, acordam os Juízes desta secção cível – 1ª Secção – do Tribunal da Relação de Guimarães em julgar improcedente a apelação.

Custas pela recorrente.



Guimarães, 25 de Setembro de 2014
António Sobrinho
Isabel Rocha
Moisés Silva

Voto de vencida da Sr.ª Desembadora Isabel Rocha
"Voto vencida por entender que a apelação deveria considerar-se procedente, como relatado no processo 329/12.5TBBRG (no acordão de 26/06/2013, publicado em "dgsi.pt").