Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1413/09.8JAPRT.G1
Relator: AUSENDA GONÇALVES
Descritores: SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA
INOBSERVÂNCIA DO ARTº 57º

2
DO CPP
REVOGAÇÃO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 05/22/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: CONCEDIDO PROVIMENTO
Sumário: Estando certificada a pendência contra o condenado de um processo no qual lhe é imputada a prática, no período da suspensão da execução da pena imposta nestes autos, de crimes que, abstractamente considerados, poderão determinar a revogação de tal suspensão, essa pendência obsta a que, para já, seja declarada a extinção da pena cuja execução fora suspensa, perante a necessidade de observação do regime preceituado no art. 57º, nº 2 do CP, antes de proceder à avaliação sobre o preenchimento (ou não) dos pressupostos impostos para a revogação da suspensão e, sequentemente, para a declaração prevista no nº 1 do mesmo artigo 57º, o que nada tem a ver, evidentemente, com a prorrogação da suspensão da execução da pena, cuja cogitação, aliás, sempre seria liminarmente arredada, por ser excedido o limite temporal de cinco anos estabelecido pelos arts. 55º, alínea d) e 50º, nº 1 do mesmo código.
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, na Secção Penal, do Tribunal da Relação de Guimarães:

No processo comum colectivo nº1413/09.8JAPRT da Instância Central, 2ª Secção Criminal de Guimarães, da Comarca de Braga, por despacho proferido em 15/12/2015, foi revogada a suspensão da execução da pena de prisão de cinco anos, imposta ao arguido F. J., que fora suspensa na sua execução por igual período, mediante regime de prova.
Tal despacho foi anulado por acórdão de 10/10/2016 desta Relação, no âmbito do recurso que o arguido dele interpôs, a fim de ser suprida a omitida notificação do recorrente para se pronunciar sobre o parecer emitido pelo Ministério Público.
Na sequência, a Senhora Juíza, por decisão proferida em 3/01/2017, declarou extinta a pena em que o arguido fora condenado, nos termos dispostos no art. 57º, nº 1, do C. Penal.
Inconformado com a referida decisão, o Ministério Público interpôs recurso, formulando na sua motivação as seguintes conclusões:
«1- Por Acórdão transitado em julgado a 31.03.2011, F. C. foi condenado nos presentes autos, na pena de 5 anos de prisão suspensa na sua execução com a condição de, no prazo de 1 ano, entregar ao ofendido A. C. a quantia de 2.000,00€ e com regime de prova, designadamente e além das que resultarem do plano de readaptação social o cumprimento dos deveres de responder a convocatórias do magistrado responsável pela execução e pelo técnico de reinserção social; receber visitas do técnico de reinserção social e comunicar-lhe ou colocar à sua disposição informações e documentos comprovativos dos seus meios de subsistência; informar o técnico de reinserção social sobre alterações de residência e de emprego bem como sobre qualquer deslocação superior a 8 dias e sobre a data do previsível regresso; obter autorização prévia do magistrado responsável pela execução para se deslocar ao estrangeiro.
2- Por decisão proferida a fls.886, notificada pessoalmente ao condenado a 04.09.2012- cfr. fls.892- transitada em julgado, na sequência do incumprimento dos deveres e do plano de reinserção social – regime de prova – elaborado pela DGRSP a fls.828 a 833, homologado a fls.836, foi determinado que o condenado comparecesse às entrevistas nos 6 meses seguintes pelo menos uma vez por mês e nesse período de 6 meses procedesse ao pagamento de 150,00€ por mês ao ofendido, com inicio em Setembro – 2012 e os restantes nos meses subsequentes para abatimento ao valor em divida e fixado como condição da suspensão da execução da pena de prisão.
3- Por decisão proferida a 24.08.2014 - fls.968 e seguintes – ao abrigo do disposto no artº55º, al.a) do Código Penal foi determinada solene advertência ao condenado no sentido de o exortar a adotar um comportamento consentâneo com as obrigações decorrentes do determinado no plano de readaptação social e em consequência cumprir integral e responsavelmente todas as obrigações, nomeadamente comparecer nas datas agendadas às entrevistas na DGRSP e pagar o remanescente da indemnização ao ofendido sob pena de a manter o comportamento faltoso ter de cumprir efectivamente a pena de prisão.
4- A 05.05.2015,- fls.997 e seguintes – transitada em julgado, foi renovada a advertência efetuada nos autos a 24.08.2014 no sentido de no futuro o condenado dever passar a adotar um comportamento consentâneo com as obrigações do plano de reabilitação social designadamente no que respeita à comparência às entrevistas, facultando o condenado o numero de telemóvel para facilitar o seu contacto para que se proceda à sua notificação de forma mais expedita comprometendo-se o mesmo a estar disponível, remetendo-se cópia à DGRSP para estabelecerem contacto com o condenado de modo a normalizar a situação do cumprimento do plano homologado aguardando-se novo relatório, tendo o arguido fornecido o seu numero de telemóvel.
5- Conforme se alcança do relatório elaborado pela DGRSP e junto aos autos a fls.1007 e 1008, o condenado mantém a mesma atitude relativamente à supervisão daqueles serviços de reinserção social uma vez que após a audição de 05.05.2015 o condenado deveria ter comparecido no dia 29.05.2015 para entrevista de acompanhamento e apenas compareceu no dia 12.06.2015 depois de ter sido convocado telefonicamente para o dia 09.06.2015; no dia 12.06.2015 foi agendada nova entrevista para acompanhamento para o dia 12.08.2015 à qual o condenado faltou e não apresentou qualquer justificação; após contacto telefónico o condenado compareceu no dia 28.08.2015 e nessa data foram agendadas com o condenado as entrevistas para acompanhamento até ao final da suspensão da execução da pena, 28.10.2015, 05.01.2015 e 15.03.2016.
6- A 17.11.2015, ouvido o condenado na presença da Técnica da DGRSP que o acompanha o mesmo referiu que não comparece às entrevistas agendadas por ter a carta de condução apreendida e não ter como se deslocar a Santo Tirso, desconhecendo se existem autocarros da sua residência, Delães, para Santo Tirso. A Técnica da DGRSP relatou que as entrevistas agendadas com o condenado nunca se realizaram nas datas agendadas mas sim após insistência junto do condenado; que existem transportes públicos de Delães para Santo Tirso e que a distância é muito próxima; que no ano de 2015 foram efetuadas quatro entrevistas – 08.01.2015, 30.03.2015, 12.06.2015 e 28.08.2015- sempre em datas não previamente agendadas às quais o condenado faltou sem apresentar qualquer justificação e sem contactar aqueles serviços; concluindo, em suma, que o condenado revelou sempre atitude de desresponsabilização e desinteresse perante a intervenção da DGRSP inviabilizando o cumprimento do plano elaborado.
8- Dos vários relatórios da DGRSP juntos aos autos, bem como das decisões entretanto proferidas e das audições do condenado e bem assim da ultima audição realizada a 17.11.2015 resulta que desde o inicio da suspensão da execução da pena de prisão – 2011 - o condenado nunca cumpriu o plano de reinserção social- regime de prova- homologado nos autos, faltando sempre às entrevistas de acompanhamento previamente agendadas sem apresentar qualquer justificação e só comparecendo em datas posteriores depois de insistência e contacto estabelecido pela Técnica da DGRSP, concluindo esta em todos os relatórios que “ a atitude do arguido face à medida aplicada continua a ser reveladora de displicência, reduzida consciência crítica face ao crime cometido e desresponsabilização no que respeita às injunções aplicadas.”.
9- Desde a penúltima audição realizada a 05.05.2015 na qual foi dada última e derradeira oportunidade ao condenado para cumprir o plano e comparecer às entrevistas, o condenado faltou logo à entrevista agendada para o dia 29 daquele mês de Maio sem apresentar qualquer justificação nem contacto com aqueles serviços de reinserção social e depois de ter sido convocado telefonicamente para o dia 09.06.2015 só compareceu no dia 12.06.2015 data em que foi agendada nova entrevista para acompanhamento para o dia 12.08.2015 à qual o condenado faltou e não apresentou qualquer justificação e só após contacto telefónico o condenado compareceu no dia 28.08.2015 e nessa data foram agendadas com o condenado as entrevistas para acompanhamento até ao final da suspensão da execução da pena, 28.10.2015, 05.01.2015 e 15.03.2016, não tendo comparecido no dia 28.10.2015.
10- A pena de prisão de 5 anos de prisão foi suspensa na sua execução por igual período por ser possível formular um juízo de prognose favorável no sentido de que a ameaça da pena bastaria para a prevenção de futuras condutas.
11- Decidiu a Mmª Juíza pela não revogação da suspensão da execução da pena de prisão aplicada ao arguido e ordenou a extinção da pena nos termos do artº57º, nº1 do Código Penal, por considerar que e passo a citar: o não comparecimento do arguido a alguma das datas agendadas, algumas das vezes sem justificação prévia, vista à luz do quadro de dificuldade financeira e de deslocação do arguido, não poderá ser encarada como uma violação grosseira dos deveres, das regras de conduta ou do plano de reinserção social, pois que não evidencia uma atitude de especial descuido ou leviandade, tanto assim que quando contactado procurava comparecer sempre que lhe era possível. Por outro lado, tendo o acórdão condenatório transitado em julgado em 31.03.2011, o período da suspensão terminou no pretérito dia 31.03.2016, razão pela qual não se vislumbra como afirmar que as finalidades preventivas que sustentaram a decisão de suspensão não possam já ser alcançadas com a manutenção da mesma, considerando desproporcional e desnecessário à luz daquelas finalidades revogar agora a suspensão da execução daquela pena de prisão.”
12- Conforme supra descrito não foram algumas vezes que o condenado não compareceu nas datas agendadas sem justificação prévia, pois o arguido faltou sempre às datas agendadas, sempre sem apresentar qualquer justificação prévia para o seu não comparecimento e só após ser contactado pela DGRSP é que o condenado aparecia para depois deixar de comparecer, repetindo tal comportamento, apesar da DGRSP agendar com ele novas datas; o condenado foi ouvido pelo tribunal várias vezes e em todas elas foi alertado das consequências do seu comportamento, persistindo na sua conduta de manifesto alheamento; sendo certo que conforme afirmado pela Técnica da DGRSP que teve o cuidado de se deslocar à residência do condenado e confirmar o percurso dali até às instalações da DGRSP, o qual dista cerca de 10 km e é servido de transportes públicos.
13- Não existe qualquer motivo para o condenado não comparecer às entrevistas agendadas pela DGRSP e desse modo inviabilizar o plano reinserção social como referido várias vezes pela DGRSP ao longo do prazo da suspensão da execução da pena de prisão fixado nos autos.
14- O comportamento do condenado plasmado nos autos revela total indiferença, manifesto e completo desinteresse em cumprir o plano de reinserção social homologado, inviabilizando o mesmo, atento o seu comportamento ao longo do período de suspensão da execução da pena de prisão no sentido de não comparecer às entrevistas agendadas, não apresentar qualquer justificação ou contacto com a técnica que o acompanha, apesar das várias advertências e oportunidades que lhe foram dadas para normalizar tal situação, sendo certo que o facto de o condenado residir em Delães e ter de se deslocar a Santo Tirso atenta a existência de transportes públicos e a curta distância entre essas localidades, como referido pela Técnica da DGRSP, não poderá justificar a sua não comparência às entrevistas.
15- O condenado, desde o inicio do prazo de suspensão da execução da pena de prisão, a 31.03.2011, infringiu grosseira e repetidamente os deveres impostos para a suspensão da execução da pena de prisão em que foi condenado nos presentes autos e inviabilizou o cumprimento do plano de reinserção social elaborado e homologado nos autos.
16- O incumprimento do condenado é culposo, não se vislumbrando quaisquer circunstâncias que afastem tal carácter culposo da sua conduta e que as expectativas que motivaram a suspensão da pena saíram totalmente defraudadas, podendo, pois, falar-se, no presente caso, na existência de uma indesculpável actuação, por parte do arguido, em que o comum dos cidadãos não incorreria e que por isso não merece ser tolerada nem desculpada.
17- Pelo que, face a todas as diligências previamente efectuadas e atentos os elementos constantes nos autos é manifesto que a simples censura do facto e a ameaça da prisão não realizaram de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, pelo que, a Mmª Juíza deveria ter revogado a suspensão da execução da pena de cinco anos de prisão aplicada ao condenado nos presentes autos.
18- Em face do exposto, deverá ser revogada a suspensão da execução da pena de prisão aplicada a F. J. e ordenado o cumprimento da pena de 5 anos de prisão em conformidade com o disposto no artº56º, nº1 al. a) do Código Penal.
19- Mas ainda que assim não se entenda, afigura-se que atento o comportamento culposo do condenado por não corresponder ao plano de reinserção social e deixar de cumprir os deveres ou regras de conduta impostos no plano homologado, como supra descrito, deveria o tribunal ao abrigo do disposto no artº55º do Código Penal ter prorrogado o período de suspensão nos termos da alínea d) de tal preceito legal; sendo certo que a advertência prevista na alínea a) do mesmo artigo já havia sido aplicada em momento anterior conforme supra exposto.
20- Sempre se dirá, ainda, que se assim não se entenda a pena não deveria ter sido declarada extinta, porquanto tal como resulta dos autos pende contra o condenado o Processo nº403/15.6GCVNF no qual o mesmo está acusado/pronunciado da prática de crimes dolosos cometidos no período da suspensão da execução da pena de prisão aplicada nos presentes autos, tendo sido proferida decisão ainda não transitada em julgado.
21- Pelo que, em conformidade com o disposto no artº57º, nº2 do Código Penal deveria o tribunal, além do mais, ter aguardado o trânsito em julgado da decisão proferida em tal processo e depois, perante a decisão absolutória ou condenatória, decidir pela revogação da suspensão da execução da pena de prisão ou pela extinção da pena nos termos do nº1 do mesmo artigo.
22- Encontram-se violadas as disposições legais previstas nos artsº 55º, 56º, nº1, al. a) e 57, nºs 1 e 2, todos do Código Penal.
Em face do exposto a Decisão em apreço deverá ser revogada e substituída por outra que determine:
- a revogação da suspensão da execução da pena de prisão aplicada a F. J. e ordene o cumprimento da pena de 5 anos de prisão, nos termos do artº 56º, nº1, al. a) do Código Penal.
- se assim não se entender deverá ser prorrogado o prazo de suspensão da execução da pena de prisão nos termos do artº55º, al. d) do Código Penal.
- se assim não se entender, atenta a pendência do Processo nº403/15.6GCVNF no qual o condenado está acusado/pronunciado pela prática de crimes dolosos cometidos no período da suspensão da execução da pena de prisão aplicada nos presentes autos, deverá aguardar-se o trânsito em julgado da decisão de tal Processo, em conformidade com o disposto no artº57º, nº2 do Código Penal e após, face a decisão absolutória ou condenatória, apreciar eventual revogação da suspensão da execução da pena de prisão ou extinção da pena, pelo que, deverá, neste caso, os autos serem remetidos à 1ª instância em conformidade.».

O arguido não respondeu ao recurso.

Neste Tribunal, o Exmo. Sr. Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer, defendendo que deverá ser prorrogado o prazo de suspensão ao abrigo do disposto no art. 55º, alínea d) do C. Penal, em face de alguma disponibilidade demonstrada pelo arguido na comparência às entrevistas para as quais se encontrava convocado.
Foi cumprido o art. 417º, nº 2, do CPP.
Feito o exame preliminar e, colhidos os vistos legais, realizou-se a conferência.
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Na medida em que o âmbito dos recursos se delimita pelas respectivas conclusões (arts. 402º, 403º e 412º, nº 1, do CPP), sem prejuízo das questões que importe conhecer oficiosamente, por obstarem à apreciação do seu mérito, no presente recurso suscita-se a questão de saber se deve revogar-se a suspensão da execução da pena de 5 anos de prisão em que foi condenado, ao abrigo do art. 56º, nº1, al. a) do C. Penal ou, pelo menos, a prorrogar-se o prazo dessa suspensão.
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Importa apreciar a enunciada questão e decidir para o que são pertinentes os factos considerados na decisão recorrida e o teor desta.
A) Os factos considerados na decisão recorrida (transcrição):
«Por Acórdão transitado em julgado a 31.03.2011, F. C. foi condenado nos presentes autos, na pena de 5 anos de prisão suspensa na sua execução com a condição de, no prazo de 1 ano, entregar ao ofendido A. C. a quantia de 2.000,00€ e com regime de prova, designadamente e além das que resultarem do plano de readaptação social o cumprimento dos deveres de responder a convocatórias do magistrado responsável pela execução e pelo técnico de reinserção social; receber visitas do técnico de reinserção social e comunicar-lhe ou colocar à sua disposição informações e documentos comprovativos dos seus meios de subsistência; informar o técnico de reinserção social sobre alterações de residência e de emprego bem como sobre qualquer deslocação superior a 8 dias e sobre a data do previsível regresso; obter autorização prévia do magistrado responsável pela execução para se deslocar ao estrangeiro.
Por decisão proferida a fls.886, notificada pessoalmente ao condenado a 04.09.2012- cfr. fls.892- transitada em julgado, na sequência do incumprimento dos deveres e do plano de reinserção social – regime de prova – elaborado pela DGRSP a fls.828 a 833, homologado a fls.836, foi determinado que o condenado comparecesse às entrevistas nos 6 meses seguintes pelo menos uma vez por mês e nesse período de 6 meses procedesse ao pagamento de 150,00€ por mês ao ofendido, com início em Setembro – 2012 e os restantes nos meses subsequentes para abatimento ao valor em divida e fixado como condição da suspensão da execução da pena de prisão.
Por decisão proferida a 24.08.2014 - fls.968 e seguintes – ao abrigo do disposto no artº55º, al. a) do Código Penal, foi determinada solene advertência ao condenado no sentido de o exortar a adotar um comportamento consentâneo com as obrigações decorrentes do determinado no plano de readaptação social e em consequência cumprir integral e responsavelmente todas as obrigações, nomeadamente comparecer nas datas agendadas às entrevistas na DGRSP e pagar o remanescente da indemnização ao ofendido sob pena de a manter o comportamento faltoso ter de cumprir efectivamente a pena de prisão.
Em 05.05.2015,- fls.997 e seguintes – transitada em julgado, foi renovada a advertência efetuada nos autos a 24.08.2014, no sentido de no futuro o condenado dever passar a adotar um comportamento consentâneo com as obrigações do plano de reabilitação social, designadamente no que respeita à comparência às entrevistas, facultando o condenado o numero de telemóvel para facilitar o seu contacto para que se proceda à sua notificação de forma mais expedita comprometendo-se o mesmo a estar disponível, remetendo-se cópia à DGRSP para estabelecerem contacto com o condenado de modo a normalizar a situação do cumprimento do plano homologado aguardando-se novo relatório, tendo o arguido fornecido o seu numero de telemóvel.
Não obstante, conforme se alcança do relatório elaborado pela DGRSP e junto aos autos a fls.1007 e 1008, o condenado foi mantendo a mesma atitude relativamente à supervisão daqueles serviços de reinserção social uma vez que após a audição de 05.05.2015, o condenado deveria ter comparecido no dia 29.05.2015 para entrevista de acompanhamento e apenas compareceu no dia 12.06.2015, depois de ter sido convocado telefonicamente para o dia 09.06.2015; no dia 12.06.2015 foi agendada nova entrevista para acompanhamento para o dia 12.08.2015 à qual o condenado faltou e não apresentou qualquer justificação; após contacto telefónico o condenado compareceu no dia 28.08.2015 e nessa data foram agendadas com o condenado as entrevistas para acompanhamento até ao final da suspensão da execução da pena, 28.10.2015, 05.01.2015 e 15.03.2016.
A 17.11.2015, ouvido o condenado na presença da Técnica da DGRSP que o acompanha, o mesmo referiu que não comparece às entrevistas agendadas por ter a carta de condução apreendida e não ter como se deslocar a S…, desconhecendo se existem autocarros da sua residência, …, para S…. A técnica da DGRSP relatou que as entrevistas agendadas com o condenado nunca se realizaram nas datas agendadas, mas sim após insistência junto do condenado; que existem transportes públicos de … para S… e que a distância é muito próxima; que no ano de 2015, foram efetuadas quatro entrevistas – 08.01.2015, 30.03.2015, 12.06.2015 e 28.08.2015- sempre em datas não previamente agendadas às quais o condenado faltou sem apresentar qualquer justificação e sem contactar aqueles serviços; concluindo em suma que o condenado revelou sempre atitude de desresponsabilização e desinteresse perante a intervenção da DGRSP inviabilizando o cumprimento do plano elaborado.
Ora, é certo que dos vários relatórios da DGRSP juntos aos autos, bem como das decisões entretanto proferidas e das audições do condenado e bem assim da última audição realizada a 17.11.2015, resulta que desde o início da suspensão da execução da pena de prisão – 2011 - o condenado nunca cumpriu integralmente o plano de reinserção social- regime de prova- homologado nos autos, faltando algumas vezes às entrevistas de acompanhamento previamente agendadas, algumas das quais sem apresentar qualquer justificação prévia e só comparecendo em datas posteriores, por vezes, depois de insistência e contacto estabelecido pela Técnica da DGRSP.
Todavia, também é de nosso conhecimento oficioso que, no âmbito do Processo nº 258/12.2GBVNF, o arguido sofreu uma sanção acessória de inibição da faculdade de conduzir pelo período de 12 meses, que a distância entre … (área de residência do arguido) e a Rua …, em …, onde está instalada a DGRSP, é de cerca de 10 Km, desconhecendo o tribunal se efectivamente existem ou não transportes públicos entre as duas localidades e qual o custo dos mesmos, sendo certo que, segundo resulta dos relatórios, o arguido depende financeiramente dos pais.».
B) O teor da decisão recorrida:
«Nessa medida, não pode o Tribunal aderir, sem mais, à conclusão de que a atitude do arguido consubstanciada em algumas faltas nas datas agendadas pelos serviços, seja reveladora, por si só, de uma “atitude do arguido face à medida aplicada reveladora de displicência, de reduzida consciência crítica face ao crime cometido e de desresponsabilização no que respeita às injunções aplicadas.”.
É certo que, como bem nota, a Digna Magistrada do M.P., desde a penúltima audição realizada a 05.05.2015, na qual foi dada última e derradeira oportunidade ao condenado para cumprir o plano e comparecer às entrevistas, o condenado faltou à entrevista agendada para o dia 29 daquele mês de Maio, sem apresentar qualquer justificação nem contacto com aqueles serviços de reinserção social. Todavia, depois de ter sido convocado telefonicamente para o dia 09.06.2015, compareceu no dia 12.06.2015, data em que foi agendada nova entrevista para acompanhamento para o dia 12.08.2015, à qual o condenado faltou e não apresentou qualquer justificação e só após contacto telefónico o condenado compareceu no dia 28.08.2015 e nessa data foram agendadas com o condenado as entrevistas para acompanhamento até ao final da suspensão da execução da pena, 28.10.2015, 05.01.2015 e 15.03.2016, não tendo apenas comparecido no dia 28.10.2015.
(…) A pena de prisão de 5 anos de prisão foi suspensa na sua execução por igual período por ser possível formular um juízo de prognose favorável no sentido de que a ameaça da pena bastaria para a prevenção de futuras condutas.
Ora, ao contrário do que sustentámos no despacho de 15/12/2015, face ao teor das alegações de recurso apresentadas pelo arguido, entendemos que será de reponderar o sentido do despacho antes proferido.
Na verdade, como deixou dito, o não comparecimento do arguido a algumas das datas agendadas, algumas das vezes sem justificação prévia, vista à luz do quadro de dificuldade financeira e de deslocação do arguido, não poderá ser encarada como uma violação grosseira dos deveres, das regras de conduta ou do plano de reinserção social, pois que não evidencia uma atitude de especial descuido ou leviandade, tanto assim que, quando contactado procurava comparecer sempre que lhe era possível.
Por outro lado, tendo o acórdão condenatório transitado em julgado em 31/03/2011, o período da suspensão terminou no pretérito dia 31/03/2016, razão pela qual não se vislumbra como afirmar que as finalidades preventivas que sustentaram a decisão de suspensão não possam já ser alcançadas com a manutenção da mesma, considerando desproporcional e desnecessário à luz daquelas finalidades revogar agora a suspensão da execução daquela pena de prisão.
Em face do exposto, melhor ponderando o despacho proferido de 15/12/2015, e perante os elementos recolhidos, decido pela não revogação da suspensão da execução da pena de prisão aplicada a F. J. e ordeno a extinção da pena nos termos do art. 57º do C.P..
Notifique.».
C) Da certidão de fls. 2049-2069 dos autos extrai-se, ainda, o seguinte:
Pende contra o aqui condenado o Proc. nº 403/15.6GCVNF no qual lhe é imputada a prática, em 8/11/2015, de um crime de ofensa à integridade física qualificada, p. e p. pelos arts. 143º, nº 1 e 145º, nº 1, alínea a) e nº 2, por referência ao art. 132, nº 2, alínea h), e, após essa data, de um crime de ameaça agravada, p. e p. pelos arts. 153º, nº 1 e 155º, nº 1, alínea a), todos do C. Penal, bem como, em 5/3/2015, de um crime de dano p. e p. 212º, nº 1, do mesmo código.
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A revogação da suspensão da pena.
A suspensão da execução da pena de prisão pode ser decretada incondicionadamente, mas também o pode ser subordinadamente a: cumprimento de deveres impostos ao condenado e destinados a reparar o mal do crime (art. 51º, do CP); imposição ao condenado de regras de conduta de conteúdo positivo, susceptíveis de fiscalização e destinadas a promover a reintegração do mesmo na sociedade (art. 52º, do CP); acompanhamento de regime de prova, se o tribunal o considerar adequado a promover a reintegração do condenado na sociedade (art. 53º, do CP).
A destrinça entre as diversas condicionantes da suspensão releva para os efeitos, mais ou menos gravosos, que advêm da respectiva não verificação posterior. Assim, pode/deve o tribunal adoptar qualquer das medidas previstas nas alíneas a) a d) do art. 55º, do CP (1), se durante o período da suspensão o condenado, culposamente, deixar de cumprir qualquer dos deveres ou regras de conduta impostos, ou não corresponder ao plano de reinserção, enquanto, nos termos do subsequente art. 56º, a suspensão é revogada sempre que, no seu decurso, o condenado: a) infringir grosseira ou repetidamente os deveres ou regras de conduta impostos no plano de reinserção social; ou b) cometer crime pelo qual venha a ser condenado, e revelar que as finalidades que estavam na base da suspensão não puderam, por meio dela, ser alcançadas.
Como tal, a revogação da suspensão da execução da pena só pode ser fundamentada no incumprimento culposo, por parte do condenado, dos deveres ou regras de conduta impostos, «não um qualquer comportamento culposo, mas uma forma densificada de culpa, traduzida na violação grosseira ou repetida dos deveres ou regras de conduta impostos» (2). É nesses termos que a norma citada (art. 56º C. Penal) explicita os fundamentos cujo preenchimento é exigido para a revogação da suspensão da execução da pena (3). Em anotação ao preceito, Leal-Henriques e Simas Santos (4) expendem: «As causas de revogação não devem, pois, ser entendidas com um critério formalista, mas antes como demonstrativas das falhas do condenado no decurso do período da suspensão. O arguido deve ter demonstrado com o seu comportamento que não se cumpriram as expectativas que motivaram a concessão da suspensão da pena. Aliás, como se viu, o Tribunal goza de uma ampla faculdade de prescindir da revogação, mesmo que exista mau comportamento durante o período de suspensão», apenas devendo ocorrer revogação «como última ratio, isto é, quando estiverem esgotadas ou se revelarem de todo ineficazes as providências que este preceito contém.».
Ou seja, na linha, aliás, da fundamentação perfilhada na decisão recorrida, deve proceder-se à averiguação de elementos que possam indicar que o arguido «Infringiu grosseira ou repetidamente os deveres ou regras de conduta impostos ou o plano de reinserção social»: naturalmente, impõe-se, que a avaliação seja precedida da realização das diligências que se revelem úteis para apurar das razões que conduziram à violação dos deveres e das regras de conduta no período da suspensão, entre as quais a obrigatória audição do arguido e, designadamente, a junção aos autos do relatório referente ao acompanhamento do regime de prova.
Realmente, a decisão recorrida de não revogação da suspensão, e consequente extinção da pena censurada no recurso, implicou um juízo sobre a não infracção (grosseira ou repetida) dos deveres ou regras de conduta impostos no plano de reinserção social concernente a tal regime [art. 56º, nº 1, al. a)]. Com efeito, o Tribunal de 1ª instância fundamentou essa sua decisão, exclusivamente, na averiguação dos deveres e regras de conduta impostos no plano de reinserção social [art. 56º, nº 1, al. a)].
Identicamente, quanto ao cometimento de crimes durante o período da suspensão, diferentemente do que sucedia até à revisão do Código Penal de 1995, actualmente, «o acento tónico passou a estar colocado, não no cometimento de crime (doloso) durante o período da suspensão da prisão e na correspondente condenação em pena de prisão, mas no facto de o cometimento do segundo crime e respectiva condenação revelarem a inadequação da suspensão para prosseguir as finalidades da punição» (5). Nessa medida, a revogação da suspensão da pena como decorrência do cometimento, no decurso do período de suspensão, de novo crime deixou de ser uma mera formalidade, antes impõe a avaliação sobre se a condenação pela prática desse novo crime implica a revogação da suspensão porque essa prática pusera em causa, definitivamente, o juízo de prognose que esteve na sua base, ou seja, o de que, através da suspensão, o arguido se manteria afastado da criminalidade: em função das conclusões obtidas na apreciação judicial das circunstâncias em que ocorreu o cometimento do novo crime se decidirá do benefício ou inconveniente da revogação, em conformidade com as finalidades consagradas no art. 40º, nº 1, do CP: «a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade». «Se estes são os requisitos materiais da revogação, no plano processual impõe-se a prévia realização das diligências que se revelem úteis para a decisão, avultando entre as possíveis, a audição do condenado. Só através dessa averiguação se poderá concluir com segurança pela eficácia ou ineficácia da manutenção da suspensão, pré-ordenada às finalidades visadas pela pena suspensa, sendo certo que tratando-se de motivações de ordem subjectiva ninguém melhor do que o condenado estará em condições de explicar as razões do incumprimento dos deveres ou regras de conduta impostas ou do plano de readaptação, ou mesmo as razões que conduziram ao cometimento de novo crime no período da suspensão. É esta, aliás, a finalidade por excelência do direito que reconhecidamente assiste ao condenado, de ser ouvido antes da decisão de revogação: permitir-lhe fornecer uma explicação que de alguma forma contribua para reduzir ou afastar o impacto negativo do incumprimento em que incorreu ou da nova actuação criminosa, em ordem a convencer o tribunal da subsistência das expectativas em si depositadas e que justificaram a suspensão da execução da pena.» (6).
Todavia, salvo o devido respeito, a avaliação imposta por qualquer uma dessas alíneas a) ou b) do citado art. 56º, nº 1, é prematura nestes autos, perante o comando do art. 57º, nº 2, do C. Penal que estatui: «Se, findo o período da suspensão, se encontrar pendente processo por crime que possa determinar a sua revogação ou incidente por falta de cumprimento dos deveres, das regras de conduta ou do plano de reinserção, a pena só é declarada extinta quando o processo ou o incidente findarem e não houver lugar à revogação ou à prorrogação do período da suspensão».
A propósito deste preceito, escreve Paulo Pinto de Albuquerque (7): «Não havendo motivos para a revogação da suspensão, o tribunal que proferiu a suspensão (rectius, o presidente do tribunal) declara extinta a pena substitutiva no final do período da mesma. Caso se encontre pendente processo criminal por factos ocorridos no decurso da suspensão, o tribunal que aplicou a pena de suspensão deve ordenar a suspensão do incidente de revogação da suspensão até que seja proferida decisão final no dito processo. Há contudo, dois casos em que é suficiente a decisão do tribunal de primeira instância no processo criminal pendente: quando no processo criminal pendente tenha sido proferida decisão absolutória ou decisão condenatória em pena de multa ou pena substitutiva, o tribunal que determinou a suspensão está já em condições para declarar extinta a pena, mesmo que aquelas decisões não tenham ainda transitado. Um terceiro caso se lhe deve juntar: o caso de atraso inadmissivelmente longo do tribunal no processo criminal pendente.».
Ora, independentemente da eventual confirmação das condenações mencionadas no despacho judicial de fls. 2036, não documentadas nestes autos, está certificada a pendência contra o aqui condenado do dito Proc. 403/15.6GCVNF, no qual lhe é imputada a prática dos crimes acima enunciados em C), no período da suspensão da pena em questão, os quais, abstractamente considerados, poderão determinar a revogação de tal suspensão, pelo que, a pendência de tal processo obsta a que, para já, seja declarada a extinção da pena cuja execução fora suspensa.
Daí a necessidade de observação do regime preceituado no citado art. 57º, nº 2, antes de proceder à avaliação sobre o preenchimento (ou não) dos pressupostos impostos para a revogação da suspensão e, sequentemente, para a declaração prevista no nº 1 do mesmo artigo 57º. O que nada tem a ver, evidentemente, com a prorrogação da suspensão da execução, sugerida no recurso, cuja cogitação, aliás, sempre estaria liminarmente arredada pelo limite temporal estabelecido pelo art. 55º d).
Nesses estritos termos, procede o recurso.

Decisão:
Pelos fundamentos expostos, concedendo provimento ao recurso nos apontados termos, acordam os juízes deste Tribunal da Relação de Guimarães em revogar o despacho recorrido e determinar a sua substituição por outro que observe o preceituado no art. 57º, nº 2 do C. Penal.
Guimarães, 22/05/2017
Ausenda Gonçalves
Fátima Furtado
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1 a) Fazer uma solene advertência; b) Exigir garantias de cumprimento das obrigações que condicionam a suspensão; c) Impor novos deveres ou regras de conduta, ou introduzir exigências acrescidas no plano da reinserção; d) Prorrogar o período de suspensão até metade do prazo inicialmente fixado, mas não por menos de um ano nem por forma a exceder o prazo máximo de suspensão previsto no n.º 5 do artigo 50.º.
2 Ac. do STJ de 20-02-2013 (P. 2471/02.1TAVNG-B.S1 - Rodrigues da Costa).
3 «A violação grosseira dos deveres ou regras de conduta impostos, de que se fala na alínea a), do n.º 1, do artigo 56º, do Código Penal, há-de constituir uma indesculpável actuação, em que o comum dos cidadãos não incorra e que não mereça ser tolerada nem desculpada; só a inconciliabilidade do incumprimento com a teleologia da suspensão da pena é que deve conduzir à respectiva revogação. Importa no entanto salientar que a infracção grosseira dos deveres que são impostos ao arguido não exige nem pressupõe necessariamente um comportamento doloso, bastando a infracção que seja o resultado de um comportamento censurável de descuido ou leviandade.» (Ac. da RC de 17/10/2012 (91/07.3IDCBR.C1 - Correia Pinto).
4 In “Código Penal Anotado”, 3ª ed., vol. I, Rei dos Livros, p. 711.
5 Ac. da RE de 25-09-2012 (413/04.9GEPTM.E1 - Ana Brito).
6 Ac. da RC de 12-05-2010 (1803/05.5PTAVR.C1 - Jorge Jacob).
7 In Comentário do C. Penal, 2ª ed., p. 237. Também no sumário do Ac. da RL de 16-06-2015 (P. 1845/97.2PBCSC.L1-5 - Simões de Carvalho) se pode ler: «Nos casos de suspensão da execução da pena de prisão, concluído o período da suspensão, só a pendência de incidente por incumprimento dos deveres, regras de conduta ou do plano de readaptação (hoje, plano de reinserção), ou a pendência de processo por crime que possa determinar a sua revogação, poderão evitar a extinção da pena pelo decurso do período de suspensão (Art. 57º, n.º 1, do C.P.)».