Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
578/16.7T8VRL.G1
Relator: JOSÉ CRAVO
Descritores: LEGITIMIDADE PROCESSUAL
CONTRATO DE INVESTIMENTO DIRETO
FUNDO DE RESOLUÇÃO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 06/08/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2º SECÇÃO CÍVEL
Sumário: I – Dispõe o nº 3 do artigo 30º do CPC: «Na falta de indicação da lei em contrário, são considerados titulares do interesse relevante para o efeito da legitimidade os sujeitos da relação controvertida, tal como é configurada pelo autor.».
II – Na situação sub judice, é o próprio autor na petição inicial que sustenta que o R. BES, S.A. já não titula qualquer posição na relação material controvertida, razão pela qual foi considerada procedente a excepção de ilegitimidade passiva do réu BES, S.A.
III – O recorrente celebrou com o BES um contrato de investimento directo, através do preenchimento de uma ordem de compra de valores mobiliários.
IV – Com a medida de resolução aplicada pelo Banco de Portugal ao BES, em que ocorre a transferência parcial da actividade deste para o Novo Banco, o qual sucedeu ex lege nas relações jurídicas transmitidas, excluiu dessa transferência o produto financeiro adquirido pelo A.
V – O Fundo de Resolução não titula qualquer vinculação originária ou superveniente com a relação contratual exarada entre o A. e o BES.
Decisão Texto Integral: 1 RELATÓRIO

F, com domicílio em Chemin des Ailes, nº … Cointrin, Suíça, intentou a vertente acção(1) de processo comum contra B, com sede na Rua Barata Salgueiro, 28-6º andar, Lisboa, A, sita na Av. Eng. Luís C. 20 Saraiva, Ed. Rossio, … Valpaços, com sede principal do N, com o NIPC …, na Avenida da Liberdade, 195, Lisboa e FR, com sede na Rua do Comércio, …, Lisboa, peticionando condenar-se os Réus, solidariamente, a pagar ao A. a quantia de € 100.000,00 investido em “Euro Aforro 8” acrescido de juros contratuais à taxa de 4,5 %, juros de mora vencidos desde 31/01/2015, respectivamente, e vincendos até efectivo e integral pagamento, bem como o valor de € 5.000,00 a título de danos não patrimoniais.
Alega, sinteticamente, que:
(i) Em 11/01/2013, o A. abriu uma conta junto do B, sendo titular da conta de depósito à ordem com o nº …, aberta na agência do 1º R. em Valpaços;
(ii) Aquando da abertura de conta de depósito, em 11/01/2013, o A. foi aconselhado pelo seu gestor de conta do B, a investir em alegados depósitos a prazo denominados por “Euro Aforro”, o montante de € 100.000,00 com maturidade de 24 meses;
(iii) O produto era qualificado como EuroAforro 8 01/13 24RE04, com o código ISIN nº SCBES0AE0247, com taxa fixa de 4,5%, com capital e juros garantidos pelo BES, conforme lhe foi assegurado;
(iv) Por força de uma medida de resolução aplicada pelo Banco de Portugal ao B (bem como empresas do B) em 3 de agosto de 2014, a conta do A. no B passou para o B, de que é único accionista o FR, a qual manteve o mesmo número;
(v) Deste modo, considerando que, no presente litígio não está manifestamente em causa matéria objecto das excepções contidas na referida deliberação, a responsabilidade que se deveria imputar ao B transmitiu-se por esta via para a nova entidade constituída, ou seja, para o 2º Réu, N, razão pela qual o 2º Réu é a entidade bancária dotada de legitimidade passiva;
(vi) O único accionista do N é o responsável máximo pelas relações jurídicas confiscadas e pelos prejuízos derivados dessa sub-reptícia “cessão de créditos”;
(vii) Aquando da abertura de conta, o gestor ao saber que o A. era emigrante na Suíça, propôs-lhe um “depósito a prazo/conta poupança” especial para não residentes;
(viii) Aquando da outorga do contrato de abertura de conta, o A. assinou um suposto contrato denominado de “Operações Sobre Produtos Financeiros”, que nas palavras do seu gestor de conta era o documento necessário para constituir o dito depósito vocacionado para os emigrantes;
(ix) Em 11/01/2013, o A. investiu, tratando-se de um depósito a prazo especial para emigrantes, €100.000,00 num produto financeiro denominado “Euro Aforro 8 01/13 24RE04” com o ISIN nº …, pelo período de 24 meses;
(x) Referiu-lhe a sua gestora de conta que era um depósito a prazo, com capital garantido e sem qualquer risco;
(xi) O referido gerente nunca lhe referiu ou explicou que estes tipos de investimentos e produtos financeiros tinham um sério risco associado, pois bem sabia que não eram depósitos mas sim acções preferenciais, nunca lhe explicou em que consistiam estes produtos financeiros, quem eram as entidades emitentes, que características tinham, nem que não eram depósitos a prazo e que não tinham capital garantido, muito menos recebeu ou foi-lhe entregue qualquer documentação sobre estas operações;
(xii) O A. não tinha vontade, propósito nem interesse em investir todas as suas poupanças em produtos de risco, se tivesse sido esclarecido dos verdadeiros termos destes produtos financeiros, nunca teria investido o seu dinheiro;
(xiii) Os funcionários do R. BES e, depois, do R. N agiram como intermediários financeiros (comissários), no interesse das sucessivas entidades bancárias e empresariais, em detrimento dos interesses dos clientes, aqui A.;
(xiv) A conduta dos 1º e 2º R. viola o contrato de depósito bancário celebrado com o A., ficando o 2º R., responsável pelas consequências do incumprimento daquele;
(xv) Os gestores de conta, funcionários do 1º R. prestaram serviços na qualidade de intermediários financeiros ao A., enquanto cliente, para este aplicar os seus fundos;
(xvi) Conclui-se que o 1º R. violou estes deveres a que estava vinculado no exercício da actividade de intermediação financeira., impõe-se que este (e actualmente tal responsabilidade compete ao 2º R.) compense o Autor.

O Réu B aduziu contestação, arguindo, designadamente, a respectiva ilegitimidade processual.

O Réu N deduziu, igualmente, contestação, alegando, nomeadamente, a incompetência territorial do Tribunal, a ilegitimidade activa por preterição de litisconsórcio necessário, a ilegitimidade passiva e a ineptidão da petição inicial.

O Réu FR outrossim contestou a acção, invocando, v.g., a incompetência do tribunal em razão da matéria e em razão do território.

O autor F exerceu o direito ao contraditório, propugnando a improcedência das excepções aduzidas pelos Réus.

Foi então proferido saneador sentença, que no saneamento julgou procedente a excepção de ilegitimidade passiva e absolveu o Réu B da instância, e conhecendo do mérito da acção, julgou a acção totalmente improcedente e, em consequência, decidiu absolver os Réus N e FR do peticionado, condenando o Autor F no pagamento das custas processuais.
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Inconformado com essa sentença, apresentou o A. recurso de apelação contra a mesma, cujas alegações finalizou com a apresentação das seguintes conclusões:

A. A douta decisão recorrida julga de um lado o Apelado B como parte ilegítima mas por outro desde logo no que diz respeito à questão que em seu entender constitui o thema decidendum da presente acção decide liminarmente que não existe qualquer responsabilidade contratual por parte do Apelado N, atentas a medida de resolução e deliberações do Banco de Portugal de 3 e 11 de Agosto de 2014 e 29 de Dezembro de 2015 e a circunstância de o direito de crédito exercitado pelo Apelado nos autos assim como a própria circunstância de o produto financeiro acima referido não terem sido transmitidos para aquele o Apelado N, antes permanecendo no perímetro de responsabilidade do B, sendo que, nesta conformidade, incorre tal decisão em manifesta contradição, tendo, portanto, até nos seus próprios termos, atento tal thema decidendum estabelecido pelo Tribunal, o Apelado B legitimidade ad causam nos presentes autos.
B. O interesse em demandar exprime-se pela utilidade derivada da procedência da acção e o interesse em contradizer pelo prejuízo que dessa procedência advenha conforme estabelece o nº 2 do art. 30º do CPC, sendo certo que, partindo até do próprio entendimento vertido na decisão recorrida, quando menos, na parte atinente à intermediação financeira e violação dos respectivos deveres ocorrida no caso dos autos, outra conclusão não cabia retirar por parte do Tribunal a quo que não fosse o preenchimento do referido preceito mediante a inequívoca existência do absoluto interesse em contradizer a presente acção por parte do Apelado B.
C. Tanto mais que, seguindo até a linha de raciocínio vertido na decisão objecto de recurso, atento o disposto no art. 30º, nº 3 do CPC, interpretado o sentido do mesmo, verificando-se que é a própria lei quem estabelece o sentido da legitimidade processual no âmbito de determinada relação controvertida, e tendo em conta o facto de as sobreditas medida de resolução e deliberações do Banco de Portugal, de acordo com a decisão recorrida, estabelecerem a responsabilidade atinente às questões decidendas ao Apelado B, fazendo-o em decorrência do RGIF, do art. 282º do Tratado de Lisboa e da Directiva 2014/59/EU, quando menos por interpretação extensiva, o interesse em demandar o Apelado B existe, assim como o próprio interesse deste em contradizer, constituindo-se o Apelado B em parte legítima passiva nos presentes autos.
D. Em todo o caso, constitui doutrina pacífica que as partes tal como o autor as determina ao propor a ação devem ser aquelas que, perante os factos narrados na petição inicial apresentada em juízo, o direito substantivo considera como as que podem ocupar-se do objecto do processo; desta feita, conforme descrito na p.i., o contrato de depósito bancário (depósito irregular), formalizado através da abertura da conta dos autos, foi inicialmente ajustado entre o Apelante e o Apelado B, tendo sido somente posteriormente, aliás sem o conhecimento ou consentimento do Apelado B que foi transferido para o Apelado N, determinado, portanto, tal factualidade, a inclusão deste último como Réu nos presentes autos, assim como, neste enfiamento, também a factualidade aduzida em sede de p.i, respeitante ao investimento feito no produto financeiro dos autos, particularmente a relativa à inobservância da forma do contrato de intermediação financeira e à violação dos deveres ínsitos à actividade de intermediação financeira que, sem margem para dúvidas, tiveram como interveniente ao seu tempo desde logo o Apelado B.
E. Aliás, o Apelante pediu a condenação solidária dos Réus seja face à circunstância do incumprimento contratual na falta de devolução do montante investido e respectivos juros a respeito do produto financeiro dos autos, como igualmente atenta a falta de forma do contrato de intermediação financeira e violação dos respetivos deveres juridicamente devidos, que, na realidade, como dito, faz relevar a legitimidade processual passiva dos Réus, incluindo o Apelado B, assim devendo ser julgada como totalmente improcedente a excepção de ilegitimidade passiva do Apelado B.
F. Nos termos supra expostos, não corresponde à verdade que não se verifique a dedução de matéria fáctica susceptível de consubstanciar uma violação da convenção de depósito atinente à conta bancária dos autos.
G. Com efeito, em síntese, conforme expendido na p.i., a relação estabelecida entre o Apelante e o Apelado B consubstancia-se num contrato de depósito bancário (depósito irregular), tendo este sido formalizado mediante a abertura da referida conta bancária e, em tal contexto, simultaneamente e em decorrência deste facto, subscrito o produto financeiro dos autos, nunca tendo tanto o Apelado B como o Apelado N procedido à devolução do montante aplicado, assim como os juros respectivos, materializando a conduta destes uma violação da relação contratual de depósito bancário (irregular) estabelecida originariamente entre o Apelante e o Apelado B e, subsequentemente, o Apelado N.
H. Ou seja, o Apelante celebrou um contrato de depósito irregular, tendo-se verificado uma violação do mesmo nos termos expostos, sendo certo que a medida de resolução e deliberações do Banco de Portugal acima referidas não estabeleceram qualquer limitação/contingência quanto à transferência dos depósitos bancários respectivamente em causa, operando uma efectiva sucessão no que diz respeito às relações contratuais estabelecidas originariamente com o Apelado B e, atenta tal medida e deliberações, subsequentemente, com o Apelado N, pelo que ocorrendo, como dito, uma efectiva violação do dito contrato de depósito irregular subsequentemente transferido para o Apelado N, este mesmo Apelado é desde logo responsável pela devolução do montante investido pelo Apelante e, bem assim, pelo pagamento dos juros respectivamente devidos.
I. O entendimento perfilhado pelo Tribunal recorrido relativo à intermediação financeira e à violação dos respectivos deveres legalmente estabelecidos, baseando-se na dita medida de resolução e deliberações emitidas pelo Banco de Portugal, particularmente na referida deliberação de 29 de Dezembro de 2015, conduz a um vazio de responsabilização, visto que, a coberto de ditas «clarificações» estabelecida por tal deliberação, o crédito do Apelante, segundo aquele entendimento, foi retransmitido para a esfera de responsabilidade do Apelado B com a consequência de a satisfação do mesmo se ter dificultado consideravelmente atenta a conhecida situação financeira e patrimonial deste Apelado, tanto mais que, nos termos da decisão recorrida, o Apelado B foi julgado parte ilegítima e consequentemente absolvido da instância, tudo levando, portanto, a um vazio de responsabilização no caso dos autos.
J. Inclusivamente, tal entendimento preconizado pelo Tribunal a quo de acordo com o qual a presente acção deve ser julgada improcedente tendo em conta tal medida de resolução e deliberações emitidas pelo Banco de Portugal viola o princípio da protecção dos credores consagrado no art. 145º-D al. c) do RGIF, segundo o qual nenhum accionista ou credor da instituição de crédito objecto de resolução pode suportar um prejuízo superior ao que suportaria caso essa instituição tivesse entrado em liquidação, verificando-se, portanto, em consequência, da solução dada pelo douto Tribunal recorrido, como dito, um vazio de responsabilização.
K. Em todo o caso, a este respeito, cumpre referir que designadamente a referida deliberação do Banco de Portugal de 29 de Dezembro de 2015 com base na qual o Tribunal a quo julgou improcedente a presente acção foi impugnada judicialmente por diversas razões legais e constitucionais e até por violação de vários preceitos da Carta de Direitos Fundamentais da União Europeia, correndo tal acção presentemente perante o Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa 3.a Unidade Orgânica (Proc. nº 883/16.2BELSB), pelo que, embora somente a título subsidiário, no caso de não procedência dos fundamentos anteriores respeitantes à impugnação da improcedência da presente acção, entende o Apelante que, atento o disposto no art. 92º do CPC, a decisão a tomar nos presentes autos, quando menos no que diz respeito à referida questão decidenda respeitante à actividade de intermediação financeira e violação dos respectivos deveres legalmente estabelecidos verificada no caso dos autos, por depender da decisão a tomar no âmbito da referida acção a correr termos perante a jurisdição administrativa, deve sobrestar até esta se encontrar resolvida com a consequente suspensão dos presentes autos até tal ocorrer, requerendo o Apelante tal, ainda que a título subsidiário nos termos referidos [269º, nº 1, al. c) e 276º, nº 1, al. c) do CPC].
L. O Apelado Fundo de Resolução dispõe de uma vinculação superveniente com a relação contratual exarada entre o Apelante e o Apelado B por se tratar do accionista único do Apelado N (tendo como intervenientes o Banco de Portugal e o Ministério das Finanças), tendo por objecto principal apoiar o financiamento da aplicação da medida de resolução determinada pelo Banco de Portugal.
Nestes termos, como nos demais de Direito aplicáveis, deve esse Colendo Tribunal julgar o presente recurso de apelação procedente por provado, com as legais consequências, tudo como é de lídima JUSTIÇA
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Notificado do recurso apresentado pelo A., o Réu N apresentou as suas contra-alegações, que se encontram finalizadas com a apresentação das seguintes conclusões:

1. Argui o Recorrente que, contrariamente ao entendimento do Meritíssimo Juiz do Tribunal a quo no douto Saneador Sentença, não foi alegada na petição inicial a aplicabilidade alternativa da responsabilidade extracontratual no que concerne à aplicação do montante de € 100.000,00 (cem mil euros).
2. O Meritíssimo Juiz do Tribunal a quo não sugere no douto Saneador Sentença a aplicabilidade alternativa da responsabilidade extracontratual, porquanto, no seu entendimento, somente deve ser tida em consideração a responsabilidade contratual, designadamente a factualidade referente ao contrato de depósito e de intermediação financeira.
3. Não obstante, o Recorrente chama efetivamente à colação na petição inicial, nomeadamente no artigo 6.54, a responsabilidade extracontratual.
Sem prescindir,
4. O Recorrente não pode negar a subscrição do produto financeiro Euro Aforro 8 01/13 24RE04, no montante de € 100.000,00 (cem mil euros), tal como não pode atestar que pretendia efectuar um depósito a prazo.
5. O Recorrente conhecia os riscos inerentes ao investimento efetuado, em virtude da assinatura do “Contrato de Registo e Depósito de Instrumentos Financeiros”, assim como da subscrição das “Operações sobre Instrumentos Financeiros”.
6. Não sucedeu a celebração de um contrato de depósito bancário, mas antes a celebração de um contrato de investimento direto, através do preenchimento de uma ordem de compra de valores mobiliários.
7. Advém dos documentos carreados para os autos, remetidos periodicamente ao Recorrente, que o B sempre foi absolutamente claro na informação prestada ao Recorrente, inexistindo qualquer referência a um depósito a prazo, porquanto a terminologia utilizada é alusiva a valores imobiliários.
8. Em momento algum o Recorrente questionou a clareza ou incompatibilidade dos documentos remetidos, porquanto tinha amplo conhecimento do investimento por si ordenado.
9. Porquanto foram prestadas ao Recorrente todas as informações necessárias aquando da subscrição do produto financeiro, inexistiu a violação da obrigação de informação, constante do artigo 312º do Código de Valores Mobiliários.
10. Somente as entidades autorizadas pela Comissão do Mercado de Valores Mobiliários podem operar directamente na Bolsa, motivo pelo qual a aquisição do produto financeiro em causa jamais poderia ter sido efetuada pelo Recorrente diretamente.
11. A ordem de compra dada pelo Recorrente ao B constitui, inegavelmente, um investimento direto, inexistindo qualquer poder discricionário por parte do B.
12. O Recorrente somente poderia reclamar o crédito de que se arroga, salvo melhor entendimento, perante a autoridade que emitiu as acções preferenciais, designadamente a Euro Aforro Investments, gerida pela Sanne Group.
13. Inexistiu a violação do princípio da proteção dos credores, constante do artigo 145º-D, al. c), RGICSF, porquanto, por questões exclusivamente comerciais, a Recorrida apresentou uma solução comercial através da qual os titulares de acções preferenciais, dentre os quais o Recorrente, teriam o direito a exercer uma opção de liquidação em espécie recebendo, em contrapartida, e na proporção do seu investimento, as obrigações seniores do Novo Banco, S.A. de que os referidos veículos eram titulares.
14. Tendo em consideração que a solução comercial apresentada não consubstanciava qualquer reconhecimento de responsabilidades ou uma confissão de dívida, até porque foi previamente aprovada pelo Banco de Portugal, partiu somente do Recorrente a recusa da solução apresentada, tendo a hipótese de eliminar parte dos danos alegados, optando em contrapartida por uma conduta que somente os agravou.
Sem prescindir,
15. O Banco de Portugal, na qualidade de autoridade de supervisão, exerce atribuições e competências determinadas na sua Lei Orgânica e no RGICSF, configurando de igual modo uma pessoa coletiva de direito público, titular de poder administrativo que se traduz nas suas competências regulamentares legalmente atribuídas, cujo exercício é sindicável pelos meios próprios estabelecidos.
16. O artigo 145º-E RGICSF determina quais as medidas de resolução susceptíveis de aplicação pelo Banco de Portugal.
17. O Banco de Portugal, no uso dos poderes que o RGICSF lhe confere, aplicou uma medida de resolução ao B que passou pela constituição do N, enquanto banco de transição, tendo de igual modo aprovado os respectivos estatutos (cfr. Ponto 1 da Deliberação do Banco de Portugal de 3 de Agosto de 2014).
18. Do mesmo modo, determinou inequivocamente quais as responsabilidades e contingências do Banco Espírito Santo, S.A. que não deveriam ser transferidas para o N, não obstante a transferência de determinados ativos, passivos, elementos extrapatrimoniais e ativos sob a sua gestão (cfr. Ponto 2 da Deliberação do Banco de Portugal de 3 de Agosto de 2014).
19. Não obstante as Deliberações do Banco de Portugal de 3 e 11 de Agosto de 2014 permitirem, desde logo, afastar as alegadas responsabilidades da Recorrida, as Deliberações publicadas em 13 de Janeiro de 2016 comprovaram que a responsabilidade peticionada pelo Recorrente integra a categoria dos “Passivos Excluídos”.
20. As subalíneas v) a viii), da al. b), do n.º 1 do Anexo 2 da Deliberação do Banco de Portugal de 3 de Agosto de 2014, na versão consolidada que consta em anexo à Deliberação “Perímetro” de 29 de Dezembro de 2015, esclareceram que existem responsabilidades que não podem, nem devem, ser imputadas ao N, dentre as quais a peticionada pelo Recorrente.
21. Não estamos perante uma situação classificável como depósito bancário, nem tão pouco estamos perante uma responsabilidade imputável à Recorrida.
22. A alínea c), do n.º 1, do Anexo 2 da Deliberação do Banco de Portugal de 3 de Agosto de 2014, na versão consolidada que consta em anexo à Deliberação “Perímetro” de 29 de Dezembro de 2015, esclareceu que as responsabilidades que não são objeto de transferência para o N permanecem na esfera jurídica do B.
23. O Meritíssimo Juiz do Tribunal a quo julgou e bem no douto Saneador Sentença que a Recorrida, enquanto instituição de transição, não titula qualquer posição jurídica na relação negocial positivada entre as partes, não se afigurando vinculada a qualquer dever contratual, nenhuma censura merecendo tal entendimento.
Sem prescindir,
24. Estabelece o artigo 272º, nº 1 do CPC, assim como o Acórdão da Relação do Porto de 7 de Janeiro de 2010, que o Tribunal somente pode ordenar a suspensão da instância quando a decisão da causa estiver dependente do julgamento de outra já proposta, existindo, portanto, uma causa prejudicial.
25. A ação judicial, a correr termos na Unidade Orgânica 3 do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, sob o número de processo 883/16.2BELSB, não configura uma causa prejudicial, susceptível de suspender a instância, porquanto a eventual decisão não contende com os presentes autos.
26. A questão sub judice concerne à alegada efetivação, pelo Recorrente, e utilização indevida, pelos Recorridos, do depósito bancário, sendo certo que a decisão da presente lide depende somente da apreciação da causa de pedir invocada pelo Recorrente, a qual se reporta única e exclusivamente ao ato de entrega e consequente investimento dos referidos € 100.000,00 (cem mil euros), que em nada contende com a dita causa prejudicial.
27. A ação administrativa irá seguramente estender-se durante longos anos, porquanto peticionaram os Autores que também aquela instância fosse suspensa, nos termos dos artigos 269º e 272º CPC, com vista ao reenvio prejudicial das questões suscitadas para o Tribunal de Justiça da União Europeia, constituindo um sacrifício injustificado que a Recorrente e demais Réus fiquem a aguardar durante longos anos a pronúncia do Tribunal de Justiça da União Europeia.
28. Assim, e em conclusão improcede a peticionada suspensão da instância, porquanto a ação administrativa invocada não configura uma causa prejudicial.
29. Conclui-se, pelo exposto, que nenhuma censura merece a douta Sentença recorrida que fez a melhor interpretação e aplicação das normas jurídicas pertinentes.
Nestes termos, e nos que V. Exªs muito doutamente suprirão,
Deve ser negado provimento ao recurso, mantendo-se o douto Saneador Sentença recorrido, com as legais consequências.
Assim se fazendo JUSTIÇA

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Também notificado do recurso apresentado pelo A., o Réu FR apresentou as suas contra-alegações requerendo igualmente, nos termos do art. 636º/1 do mesmo Código, a ampliação do objecto do recurso, que se encontram finalizadas com a apresentação das seguintes conclusões:

a. Decidiu bem o Tribunal a quo ao absolver o FR do pedido, por não haver qualquer vinculação originária ou superveniente entre ele e o Autor;
b. A circunstância de o FR ser “accionista único” do N não o torna responsável pelas dívidas e obrigações deste, sendo-lhe inaplicável, pelas várias razões invocadas acima, o regime constante dos arts. 84º, 491º e 501º do Código das Sociedades Comerciais, bem como de qualquer outro regime jurídico de direito privado que permita ou preveja a responsabilidade do accionista único;
c. Por outro lado, decidiu bem o Tribunal a quo ao absolver o N do pedido, por considerar que o direito de crédito cuja titularidade o Recorrente se arroga permaneceu na esfera jurídica do B;
d. Efectivamente, os factos alegados pelo ora Recorrente como constitutivos de uma hipotética responsabilidade do B subsumem-se na subalínea (v) da alínea (b) do Anexo 2 da Medida de Resolução, não tendo as contingências ou responsabilidades deles eventualmente decorrentes sido transferidas para o N com aquela Medida, pelo que no polo passivo do direito de crédito que o Autor se arroga estará o B, não o banco de transição;
e. É que, enquanto os depósitos constituídos junto do B foram transferidos para o N, as consequências da eventual violação de disposições legais ou contratuais nesse quadro – designadamente as que resultariam da movimentação ilícita de fundos depositados – permaneceram na esfera jurídica daquele primeiro banco;
f. Não há, na não transferência para o N das responsabilidades e contingências do B referidas naquela subalínea (v) da alínea (b) do Anexo 2 da Medida de Resolução qualquer violação do princípio contido na alínea c) do nº1 do art. 145º-B do RGICSF;
g. Não correspondendo, por outro lado, a sentença recorrida a “um vazio de responsabilidade”, porque as pessoas que viram os seus créditos ou alegados créditos ficar na esfera jurídica do BES continuaram na mesma posição que teriam se não tivesse ocorrido a resolução do BES, destinada precisamente a evitar uma sua liquidação desordenada, gozando, além do mais, da garantia, prevista no art. 145º-B/3 do RGICSF, de que nunca poderão assumir, no processo de liquidação, um prejuízo superior àquele que assumiriam se o banco resolvido tivesse entrado em liquidação no momento imediatamente anterior à medida de Resolução;
h. Para o caso de o presente recurso vir a ser julgado procedente, o que só por cautela de patrocínio se equaciona, formulou o Recorrido um pedido de ampliação do respectivo objecto, nos termos do art. 636º/1 do CPC, requerendo-se a este Tribunal que, nesse cenário, conheça da sentença recorrida também na parte em que julgou improcedente a excepção dilatória de incompetência absoluta, revogando-a e substituindo-a por outra que absolva o FR da instância;
i. Com efeito, a qualidade em que o FR vem demandado na presente acção – a de “accionista único” do N – é uma qualidade que lhe advém de normas de direito administrativo, não de direito privado, não agindo ele, portanto, nesse âmbito, numa esfera de direito privado e ao decidir, consequentemente, pela procedência da excepção dilatória de incompetência dos tribunais judiciais para conhecerem do pedido formulado contra o FR;
j. Sendo a responsabilidade assacada ao FR uma responsabilidade extracontratual, então os tribunais competentes para o respectivo conhecimento e julgamento são os da jurisdição administrativa, nos termos da alínea f) do art. 4º/1 do ETAF, aplicável independentemente de se tratar de uma responsabilidade decorrente de um acto praticado ou de uma abstenção verificada no domínio da gestão pública ou no âmbito da gestão privada;
k. Em qualquer dos casos, e independente da qualificação que se desse à responsabilidade que o Recorrido imputa ao FR, a sua suposta qualidade de “accionista único” do N – e é esse o único fundamento invocado pelo Recorrente para demandar o ora Recorrido – é uma qualidade que sempre lhe assistiria enquanto pessoa colectiva de direito público, advindo-lhe de normas e de actos de direito administrativo, não de actos ou de normas de direito civil ou comercial;
l. Não foi ao abrigo de normas da lei comercial que a relação jurídica entre o FR e o N se criou e estabeleceu, nem foi, na continuação de actos desses, que ela passou a ser disciplinada;
m. A participação do FR no capital social dos bancos de transição, como o N, é imposição de normas de direito administrativo (arts. 145º- G/4 e 153º-M do RGICSF), encontrando-se a respectiva actividade extensa e exclusivamente regulada no RGICSF e, ainda, nos regulamentos emitidos ao seu abrigo, normas, todas essas, manifesta e tipicamente, de natureza administrativa;
n. Vindo o FR responder nestes autos como “accionista único” ou enquanto entidade que “controla” o N, essa sua qualidade e as respectivas consequências jurídicas só podem ser aferidas em função das referidas normas de direito administrativo e da relação jurídico-administrativa estabelecida entre ele o N, pelo que a pretendida responsabilidade do ora Recorrido há-de entender-se como sendo sempre matéria da competência exclusiva dos tribunais administrativos, aos quais cabe conhecer, como se sabe, das relações jurídico-administrativas [cf. art. 212º/3 da Constituição, arts. 1º/1 e 4º/1, alínea a), e 2 do ETAF].
Nestes termos, sempre com o mui douto suprimento de V. Exas., que respeitosamente se roga, deve
(i) O recurso ser julgado improcedente;
(ii) se for concedido provimento ao recurso, deve então admitir-se e julgar-se procedente o pedido de ampliação do objecto do mesmo ao conhecimento e julgamento da excepção dilatória de incompetência material, com os efeitos acima mencionados.
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O Exmº Juíz a quo proferiu despacho a admitir o recurso interposto pelo A. F.
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Facultados os vistos aos Exmºs Adjuntos e nada obstando ao conhecimento do objecto do recurso, cumpre apreciar e decidir.
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2QUESTÕES A DECIDIR

Como resulta do disposto no art. 608º/2, ex. vi dos arts. 663º/2; 635º/4; 639º/1 a 3; 641º/2, b), todos do CPC, sem prejuízo do conhecimento das questões de que deva conhecer-se ex officio, este Tribunal só poderá conhecer das que constem nas conclusões que, assim, definem e delimitam o objecto do recurso.
Consideradas as conclusões formuladas pelo apelante, este pretende que:
- se reaprecie a questão da falta de legitimidade passiva do Réu B;
- se reaprecie a decisão de mérito da acção.
Para o caso do recurso vir a ser julgado procedente, requer o Recorrido FR nos termos do art. 636º/1 do mesmo Código a ampliação do objecto do recurso, pretendendo que:
- se reaprecie a questão da por si arguida e julgada improcedente excepção dilatória de incompetência material.
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3 – OS FACTOS

Os pressupostos de facto a ter em conta para a pertinente decisão são os que essencialmente decorrem do relatório que antecede.
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4 – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

Não estando em causa na apelação recurso da matéria de facto, passemos de imediato à apreciação das questões a decidir, seguindo a ordem elencada supra (cfr. ainda art. 608º/1 do CPC):

I) Questão da falta de legitimidade passiva do Réu B

Quanto à questão da legitimidade passiva do B, o A. alegou sinteticamente na p.i. que:
(i) Em 11/01/2013, o A. abriu uma conta junto do B, sendo titular da conta de depósito à ordem com o nº 0001 37 2582 3357, aberta na agência do 1º R. em Valpaços;
(ii) Aquando da abertura de conta de depósito, em 11/01/2013, o A. foi aconselhado pelo seu gestor de conta do B, a investir em alegados depósitos a prazo denominados por “Euro Aforro”, o montante de € 100.000,00 com maturidade de 24 meses;
(iii) O produto era qualificado como EuroAforro 8 01/13 24RE04, com o código ISIN nº SCBES0AE0247, com taxa fixa de 4,5%, com capital e juros garantidos pelo BES, conforme lhe foi assegurado;
(iv) Por força de uma medida de resolução aplicada pelo Banco de Portugal ao B (bem como empresas do B) em 3 de agosto de 2014, a conta do A. no BES passou para o N, de que é único accionista o Fundo de Resolução, a qual manteve o mesmo número;
(v) Deste modo, considerando que, no presente litígio não está manifestamente em causa matéria objecto das excepções contidas na referida deliberação, a responsabilidade que se deveria imputar ao B transmitiu-se por esta via para a nova entidade constituída, ou seja, para o 2º Réu, N, razão pela qual o 2º Réu é a entidade bancária dotada de legitimidade passiva;
(…)
Atento o modo como o A. configurou a acção, o Réu B arguiu na sua contestação, designadamente, a respectiva ilegitimidade processual, requerendo a sua absolvição da instância.
Tendo quanto a esta questão da falta de legitimidade passiva do Réu B, decidido o tribunal a quo que
(…)
No que se atém à invocada ilegitimidade passiva, afere-se que as alegações do Autor imputam a titulação da situação jurídica passiva na relação material controvertida conexa com o contrato de depósito e com o contrato de intermediação financeira ao Réu N, i.e., o poder de disposição da mesma, estribando-se na transferência para a referida instituição da responsabilidade litigada nos autos (vd. fls. 11, 26, 28, 60, 64-69).
Em decorrência, à luz da mencionada premissa plasmada na petição inicial, conclui-se que o Autor sustenta que o Réu B já não titula qualquer posição na relação material controvertida.
Destarte, sob o crivo da causa de pedir explicitada na petição inicial, afere-se de forma cristalina que o Réu B não se adstringe à situação jurídica controvertida brandida pelo Autor, i.e., o mesmo não titula interesse em demandá-lo e o mencionado Réu não titula interesse em contradizer, afigurando-se desprovido de legitimidade ad causam.
Cura-se de uma excepção dilatória que obsta ao conhecimento do mérito da causa, tal-qualmente o estatuído nos artigos 576.º/1 e 2, 577.º/, al. i) e 578.º, do Código de Processo Civil.
Pelo supra exposto:
(…)
B) Julga-se a excepção de ilegitimidade passiva totalmente procedente e, consequentemente, absolve-se o Réu B da instância, em consonância com o plasmado nos artigos 576.º/1 e 2, 577.º/, al. e) e 578.º, do Código de Processo Civil.”.
Decisão com a qual não se conforma o A., ora apelante, que entende que
B.O interesse em demandar exprime-se pela utilidade derivada da procedência da acção e o interesse em contradizer pelo prejuízo que dessa procedência advenha conforme estabelece o nº 2 do art. 30º do CPC, sendo certo que, partindo até do próprio entendimento vertido na decisão recorrida, quando menos, na parte atinente à intermediação financeira e violação dos respectivos deveres ocorrida no caso dos autos, outra conclusão não cabia retirar por parte do Tribunal a quo que não fosse o preenchimento do referido preceito mediante a inequívoca existência do absoluto interesse em contradizer a presente acção por parte do Apelado B.
C. Tanto mais que, seguindo até a linha de raciocínio vertido na decisão objecto de recurso, atento o disposto no art. 30º, nº 3 do CPC, interpretado o sentido do mesmo, verificando-se que é a própria lei quem estabelece o sentido da legitimidade processual no âmbito de determinada relação controvertida, e tendo em conta o facto de as sobreditas medida de resolução e deliberações do Banco de Portugal, de acordo com a decisão recorrida, estabelecerem a responsabilidade atinente às questões decidendas ao Apelado BES, fazendo-o em decorrência do RGIF, do art. 282º do Tratado de Lisboa e da Directiva 2014/59/EU, quando menos por interpretação extensiva, o interesse em demandar o Apelado B existe, assim como o próprio interesse deste em contradizer, constituindo-se o Apelado B em parte legítima passiva nos presentes autos.
D. Em todo o caso, constitui doutrina pacífica que as partes tal como o autor as determina ao propor a ação devem ser aquelas que, perante os factos narrados na petição inicial apresentada em juízo, o direito substantivo considera como as que podem ocupar-se do objecto do processo; desta feita, conforme descrito na p.i., o contrato de depósito bancário (depósito irregular), formalizado através da abertura da conta dos autos, foi inicialmente ajustado entre o Apelante e o Apelado B, tendo sido somente posteriormente, aliás sem o conhecimento ou consentimento do Apelado B que foi transferido para o Apelado N, determinado, portanto, tal factualidade, a inclusão deste último como Réu nos presentes autos, assim como, neste enfiamento, também a factualidade aduzida em sede de p.i, respeitante ao investimento feito no produto financeiro dos autos, particularmente a relativa à inobservância da forma do contrato de intermediação financeira e à violação dos deveres ínsitos à actividade de intermediação financeira que, sem margem para dúvidas, tiveram como interveniente ao seu tempo desde logo o Apelado B.
E. Aliás, o Apelante pediu a condenação solidária dos Réus seja face à circunstância do incumprimento contratual na falta de devolução do montante investido e respectivos juros a respeito do produto financeiro dos autos, como igualmente atenta a falta de forma do contrato de intermediação financeira e violação dos respetivos deveres juridicamente devidos, que, na realidade, como dito, faz relevar a legitimidade processual passiva dos Réus, incluindo o Apelado B, assim devendo ser julgada como totalmente improcedente a excepção de ilegitimidade passiva do Apelado B.
Quid iuris?

Apreciando a excepção dilatória de ilegitimidade passiva, temos que na sentença recorrida foi considerada procedente a excepção de ilegitimidade passiva do réu B.
No direito substantivo, o conceito de legitimidade reporta-se à relação entre o sujeito e o objecto do acto jurídico, postulando em regra a coincidência entre o sujeito do acto jurídico e o titular do interesse por ele posto em jogo.
Como pressuposto processual (geral), ou condição necessária à prolação de decisão de mérito, no direito adjectivo o mesmo conceito exprime a relação entre a parte no processo e o objecto deste (a pretensão ou pedido) e, portanto, a posição que a parte deve ter para que possa ocupar-se do pedido, deduzindo-o ou contradizendo-o.
Tal como no direito substantivo, haverá que a aferir, em regra, pela titularidade dos interesses em jogo (no processo), de acordo com o critério enunciado nos n.º 1 e 2 do artigo 30º do CPC, ou seja, em função do interesse directo (e não indirecto ou derivado) em demandar, expresso pela vantagem jurídica que resultará para o autor da procedência da acção, e do interesse directo (e não indirecto ou derivado) em contradizer, expresso pela desvantagem jurídica que resultará para o réu da sua perda (ou, considerado o caso julgado material formado pela absolvição do pedido, pela vantagem jurídica que dela resultará para o réu)(1).
Ainda dentro da regra enunciada nos citados nºs 1 e 2 do art. 30º do CPC, a titularidade do interesse em demandar e do interesse em contradizer apura-se, sempre que o pedido afirme (ou negue) a existência duma relação jurídica, pela titularidade das situações jurídicas (direito, dever, sujeição, etc.) que a integram.
Dispõe o nº 3 do artigo 30º do CPC: «Na falta de indicação da lei em contrário, são considerados titulares do interesse relevante para o efeito da legitimidade os sujeitos da relação controvertida, tal como é configurada pelo autor.»
O normativo transcrito visou pôr termo à clássica discussão no nosso direito processual civil, entre Alberto dos Reis e Barbosa de Magalhães, sobre se a averiguação da titularidade dos interesses (ou das situações jurídicas integradas na relação material afirmada ou negada em juízo) deve, para o apuramento da legitimidade processual, fazer-se em termos objectivos, isto é, abstraindo apenas da efectiva existência do direito ou interesse material, ou em termos subjectivos, isto é, com abstracção também da sua efectiva titularidade.
Se é verdade que o legislador perfilhou a segunda tese, também cumpre referir, como o faz Lopes do Rego(2), que o Professor Barbosa de Magalhães nunca considerou que a legitimidade das partes tenha de ser aferida sempre e apenas pelo que o autor alegue na petição que formula - mas que, na medida em que a legitimidade deva ser determinada apenas em função da titularidade da relação material controvertida, esta deve ser tomada com a configuração que lhe foi dada unilateralmente na petição inicial.
De acordo com a tese prevalecente, como bem sintetizam Lebre de Freitas, João Redinha e Rui Pinto(3), ao apuramento da legitimidade interessa apenas a consideração do pedido e da causa de pedir, independentemente da prova dos factos que integram a última.
Na situação sub judice, como já supra referido, é o próprio autor na petição inicial que sustenta que o R. B já não titula qualquer posição na relação material controvertida (cfr. fls. 9: “Deste modo, considerando que, no presente litígio não está manifestamente em causa matéria objecto das excepções contidas na referida deliberação, a responsabilidade que se deveria imputar ao B transmitiu-se por esta via para a nova entidade constituída, ou seja, para o 2º Réu, N, razão pela qual o 2º Réu é a entidade bancária dotada de legitimidade passiva”). E apesar de referir – numa alegação sem substância, como alega o R. B em 12º a fls. 151 – que o R. BES tem legitimidade por ser parte da relação material controvertida, conclui nunca ser exigível ao B que respondesse civilmente perante o A. (cfr. 1º § de fls. 11), dado ter sido extorquido do seu património, que se dissipou, sendo agora o A. cliente forçado do N (cfr. último § de fls. 12 e os três primeiros parágrafos de fls. 13). Não, podendo, pois, o A. pretender beneficiar de “sol na eira e chuva no nabal”.
Assim, sem necessidade de mais considerações, por serem desnecessárias, entende-se que não nos merece qualquer censura esta decisão da 1.ª instância, que aqui se confirma.
Improcede, pois, nesta parte o recurso.
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II) Reapreciação da decisão de mérito da acção

Identificada como questão a decidir na acção a responsabilidade civil contratual e extra-contratual dos Réus N e FR, relativamente aos negócios alegados pelo A. - contrato de depósito bancário e contrato de intermediação financeira -, depois de escalpelizados estes e a medida de resolução bancária decretada pelo Banco de Portugal, decidiu-se na sentença pela absolvição daqueles. Isto porque, quanto ao primeiro, seja porque o direito de crédito exercitado nos autos pelo A., seja porque o produto financeiro adquirido pelo A., não foram transmitidos para o N, perdurando na esfera jurídica da instituição de crédito objecto de resolução (o B), não titulando o Novo Banco/instituição de transição qualquer posição jurídica na relação negocial positivada entre as partes; quanto ao segundo, porque sendo o Fundo de Resolução uma pessoa colectiva de direito público, dotada de autonomia administrativa e financeira, que tem por objecto principal apoiar o financiamento da aplicação de medidas de resolução que sejam determinadas pelo Banco de Portugal, nos termos do Decreto-Lei n.º 31-A/2012, de 10 de Fevereiro, não titula qualquer vinculação originária ou superveniente com a relação contratual exarada entre o Autor e o B.
Inconformado, o apelante entende que com a medida de resolução e deliberações do Banco de Portugal houve violação da convenção de depósito atinente à conta bancária dos autos e que o entendimento perfilhado pelo Tribunal recorrido relativo à intermediação financeira e à violação dos respectivos deveres legalmente estabelecidos, baseando-se na dita medida de resolução e deliberações emitidas pelo Banco de Portugal, particularmente na referida deliberação de 29 de Dezembro de 2015, conduz a um vazio de responsabilização. Sendo certo que a referida deliberação do Banco de Portugal de 29 de Dezembro de 2015 com base na qual o Tribunal a quo julgou improcedente a presente acção foi impugnada judicialmente por diversas razões legais e constitucionais e até por violação de vários preceitos da Carta de Direitos Fundamentais da União Europeia, correndo tal acção presentemente perante o Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa 3.a Unidade Orgânica (Proc. nº 883/16.2BELSB). Requerendo, a título subsidiário, a suspensão dos presentes autos, nos termos dos arts. 269º/1, c) e 276º/1, c), ambos do CPC, até decisão daquela acção.
Defendendo o recorrido N a assertividade da sentença a quo, que o recorrente não celebrou um contrato de depósito bancário, tendo antes celebrado um contrato de investimento directo, através do preenchimento de uma ordem de compra de valores mobiliários. Isto é, o recorrente não pode negar a subscrição do produto financeiro Euro Aforro 8 01/13 24RE04, no montante de € 100.000,00 (cem mil euros), tal como não pode atestar que pretendia efectuar um depósito a prazo. Conhecendo os riscos inerentes ao investimento efectuado, em virtude da assinatura do “Contrato de Registo e Depósito de Instrumentos Financeiros”, assim como da subscrição das “Operações sobre Instrumentos Financeiros”. Pelo que, deve reclamar o crédito de que se arroga, perante a autoridade que emitiu as acções preferenciais, designadamente a Euro Aforro Investments, gerida pela Sanne Group.
E entendendo o recorrido FR, defendendo a sentença a quo que a circunstância de ser “accionista único” do N não o torna responsável pelas dívidas e obrigações deste. Tendo o direito de crédito cuja titularidade o Recorrente se arroga permanecido na esfera jurídica do B. E inexistindo “um vazio de responsabilidade”, porque as pessoas que viram os seus créditos ou alegados créditos ficar na esfera jurídica do B continuaram na mesma posição que teriam se não tivesse ocorrido a resolução do B, destinada precisamente a evitar uma sua liquidação desordenada, gozando, além do mais, da garantia, prevista no art. 145º-B/3 do RGICSF, de que nunca poderão assumir, no processo de liquidação, um prejuízo superior àquele que assumiriam se o banco resolvido tivesse entrado em liquidação no momento imediatamente anterior à medida de Resolução.
Quid iuris?

Começamos desde já por dizer, antecipando a decisão, que a solução do tribunal a quo merece também nesta parte, o nosso integral acolhimento.
A censura do apelante à medida de resolução e deliberações do Banco de Portugal, para concluir ter havido violação da convenção de depósito atinente à conta bancária dos autos, não é objecto destes autos mas, como referido, da acção que corre presentemente perante o Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa 3.a Unidade Orgânica (Proc. nº 883/16.2BELSB). Sendo certo que o A. na p.i. invocou a dita medida de resolução e deliberações do Banco de Portugal para demandar os RR., supondo a sua validade. Acresce que tal medida de resolução se configura formalmente válida e conforme com o estatuído no RGIF, no art. 282º do Tratado de Lisboa e na Directiva 2014/59/EU, pelo que produziu os seus efeitos típicos na ordem jurídica.
Temos, assim, que o recorrente não celebrou um contrato de depósito bancário, tendo antes celebrado um contrato de investimento directo, através do preenchimento de uma ordem de compra de valores mobiliários(4).
Classificado o negócio celebrado pelo A. com o B, verifica-se que com a medida de resolução aplicada pelo Banco de Portugal ao mesmo, em que ocorre a transferência parcial da actividade do B para o N, o qual sucedeu ex lege nas relações jurídicas transmitidas, exclui dessa transferência o produto financeiro adquirido pelo A. Logo, não foi o mesmo transmitido para o N. Pelo que os direitos titulados pelo autor com referência ao contrato de intermediação financeira celebrado com o B perduram na esfera jurídica da instituição de crédito objecto de resolução. Revelando-se, pois, assertiva, a absolvição do R. N. E sendo igualmente assertiva a absolvição do FR, dado não titular qualquer vinculação originária ou superveniente com a relação contratual exarada entre o A. e o B.
E não se diga que esta solução conduz a um vazio de responsabilização, pois, como bem refere o FR nas suas contra-alegações, as pessoas que viram os seus créditos ou alegados créditos ficar na esfera jurídica do B continuaram na mesma posição que teriam se não tivesse ocorrido a resolução do B, destinada precisamente a evitar uma sua liquidação desordenada, gozando, além do mais, da garantia, prevista no art. 145º-B/3 do RGICSF, de que nunca poderão assumir, no processo de liquidação, um prejuízo superior àquele que assumiriam se o banco resolvido tivesse entrado em liquidação no momento imediatamente anterior à medida de Resolução.
Só uma última referência à pretensão subsidiária aflorada pelo apelante nas conclusões das suas alegações, da suspensão da instância face à existência de causa prejudicial, identificada no processo 883/16.2BELSB. Ora, como bem refere o recorrido Novo Banco nas suas contra-alegações, a acção judicial, a correr termos na Unidade Orgânica 3 do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, sob o número de processo 883/16.2BELSB, não configura uma causa prejudicial, susceptível de suspender a instância, porquanto a eventual decisão não contende com os presentes autos. É que a questão sub judice concerne à alegada efectivação, pelo Recorrente, e utilização indevida, pelos Recorridos, do depósito bancário, sendo certo que a decisão da presente lide depende somente da apreciação da causa de pedir invocada pelo Recorrente, a qual se reporta única e exclusivamente ao acto de entrega e consequente investimento dos referidos € 100.000,00 (cem mil euros), que em nada contende com a dita causa prejudicial.
Improcede, assim, a apelação, nesta parte.
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III) Reapreciação da questão da incompetência material do tribunal em relação ao Réu FR
Sendo o conhecimento desta questão a título subsidiário, não tendo sido concedido provimento ao recurso, resulta prejudicado o conhecimento do pedido de ampliação do objecto requerido pelo Recorrido FUNDO DE RESOLUÇÃO nos termos do art. 636º/1 do CPC.
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5 – SÍNTESE CONCLUSIVA (art. 663º/7 CPC)

I – Dispõe o nº 3 do artigo 30º do CPC: «Na falta de indicação da lei em contrário, são considerados titulares do interesse relevante para o efeito da legitimidade os sujeitos da relação controvertida, tal como é configurada pelo autor.».
II – Na situação sub judice, é o próprio autor na petição inicial que sustenta que o R. BES, S.A. já não titula qualquer posição na relação material controvertida, razão pela qual foi considerada procedente a excepção de ilegitimidade passiva do réu BES, S.A.
III – O recorrente celebrou com o BES um contrato de investimento directo, através do preenchimento de uma ordem de compra de valores mobiliários.
IV – Com a medida de resolução aplicada pelo Banco de Portugal ao BES, em que ocorre a transferência parcial da actividade deste para o Novo Banco, o qual sucedeu ex lege nas relações jurídicas transmitidas, excluiu dessa transferência o produto financeiro adquirido pelo A.
V – O Fundo de Resolução não titula qualquer vinculação originária ou superveniente com a relação contratual exarada entre o A. e o BES.
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6 – DISPOSITIVO

Pelo exposto, acordam os Juízes desta secção cível em julgar a presente apelação improcedente, assim se confirmando a decisão recorrida.
Custas pelo recorrente.
Notifique.

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Guimarães, 08-06-2017

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(José Cravo)

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(António Figueiredo de Almeida)

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(Espinheira Baltar)

1- Lebre de Freitas, João Redinha e Rui Pinto, in Código de Processo Civil Anotado, Volume 1.º, 2.ª edição, Coimbra Editora, pág. 52.
2- Comentários ao Código de Processo Civil, 2.ª edição, 2004, Almedina, pág. 59.
3- Obra citada, pág. 52.
4- Como supra verificado, o A. afectou € 100.000,00 num produto financeiro denominado “Euro Aforro 8 01/13 24RE04” com o ISIN nº SCBES0AE0247, que se reconduz a acções preferenciais.