Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1137/21.8T8VCT.G1
Relator: JOSÉ ALBERTO MOREIRA DIAS
Descritores: AÇÃO ESPECIAL DE INQUÉRITO JUDICIAL
SOCIEDADE POR QUOTAS
DIREITO À INFORMAÇÃO
ÓNUS DA ALEGAÇÃO E PROVA
PRESUNÇÃO DE RECUSA
NATUREZA EXCECIONAL
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 11/18/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
Sumário (elaborado pelo relator – art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil).

1- No âmbito das sociedades por quotas, o art. 214º do CSC, confere a todos os sócios, independentemente de serem detentores de um capital social mínimo, um direito à informação, que pode ser exercido a todo o tempo e que se desdobra numa tripla vertente: a) o direito à informação em sentido estrito, que confere aos sócios o direito de, a todo o tempo, obterem informação verdadeira, completa e elucidativa sobre a gestão da sociedade; b) o direito a consultarem os livros de escrituração e documentos descritivos da atividade da sociedade; e c) o direito a inspecionarem os bens da sociedade.
2- O sócio que requeira aquela informação à gerência da sociedade, em qualquer uma daquelas três vertentes, não tem de motivar/justificar o seu pedido e, em sede de informação em sentido estrito, não vê esse seu direito subjetivo limitado quanto à quantidade da informação solicitada ou quanto ao número de pedidos de informação efetuados em cada exercício.
3- Perante o pedido do sócio em lhe ser prestada aquela informação em qualquer uma das referidas três vertentes, a gerência da sociedade apenas pode recusar a prestação da informação solicitado pelo sócio quando for objetivamente de recear que este a utilize para fins estranhos à sociedade e com prejuízo desta, ou quando a prestação dessa informação ocasione violação de segredo profissional imposto por lei, no interesse de terceiro.
4- No âmbito da ação especial de inquérito judicial, incumbe ao sócio demandante, o ónus da alegação e da prova de facticidade demonstrativa da: i) sua qualidade de sócio da sociedade demandada; e ii) da recusa da informação solicitada, ou iii) que a informação que lhe foi prestada é presumivelmente falsa ou iv) não é esclarecedora; por sua vez incumbe à sociedade demanda, que tenha recusado a informação solicitada pelo sócio, o ónus da alegação e da prova de facticidade demonstrativa em como recusou a informação porque: a) existe o receio objetivo de que o sócio a utilize para fins estranhos à sociedade e em prejuízo desta, ou b) que a prestação da informação solicitada pelo sócio acarreta violação de segredo imposto por lei, no interesse de terceiro.
5- A presunção de recusa de prestação da informação solicitada pelo acionista, prevista no n.º 5 do art. 291º do CSC, no âmbito das sociedades anónimas, tem natureza excecional, não comportando aplicação analógica em relação à informação solicitada pelos sócios de sociedades por quotas, no âmbito do art. 214º do CSC.
6- Estando apurado que o sócio solicitou, por carta, enviada à gerência da sociedade, informação sobre a gestão da sociedade por quotas, no exercício do direito subjetivo à informação permanente, que lhe é reconhecido pelo art. 214º, n.º 1 do CSC, e que, passado mais de um mês sobre a receção dessa carta, essa informação não lhe foi prestada, nem sequer foi dada qualquer resposta a essa carta, esse comportamento, longa e reiteradamente omissivo, equivale à recusa tácita da gerência da sociedade demandada em prestar a informação solicitada pelo sócio.
Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência, os Juízes do Tribunal da Relação de Guimarães, no seguinte:

I. RELATÓRIO.

S. I., residente na Rua …, instaurou a presente ação especial de inquérito judicial contra X Investimentos, Lda., com sede no Lugar …, pedindo que se ordene a realização de inquérito judicial à sociedade requerida, para averiguação dos pontos de facto (que identifica) e nomeando-se o perito ou peritos que devem realizar a investigação.

Para tanto alega, em síntese, ser sócia da sociedade Requerida, com uma quota de mil euros, correspondente a 10% do capital social desta, a qual tem como gerente, desde a sua constituição, o também sócio M. C., que é titular de uma quota de 4.500,00 euros, correspondente a 45% do capital social da sociedade, sendo o restante capital social detido pela mulher do último, Maria, a qual, por sentença transitada em julgado, é beneficiária de medida de acompanhamento, por razões de saúde, sendo seu acompanhante o identificado sócio e gerente M. C.;
Por carta de 15 de março de 2021, enviada para a sede da sociedade Requerida, e nela rececionada no dia seguinte, a Requerente notificou o gerente da sociedade Requerida para que lhe prestasse diversa informação (que discrimina), a fim de esclarecer as relações que se estabeleceram entre a Requerida e a sociedade HabiY, Lda., de que são sócios os sócios da sociedade Requerida e de que é único gerente M. C., atento o risco de os negócios por este celebrados, em nome das sociedades suas representadas, configurarem negócios consigo mesmo, com os riscos daí advenientes, a que acresce o facto da sociedade Requerida possuir um estabelecimento de alojamento local, instalado em imóvel pertencente à sócia Maria, em condições desconhecidas pela Requerente, que terão sido estabelecidas em negócio consigo mesmo, uma vez que a sócia Maria está impossibilitada de gerir autonomamente os seus interesses desde, pelo menos, 2013;
Acontece que, até ao presente, o gerente da sociedade Requerida não deu qualquer resposta àquela carta, considerando-se recusada a informação solicitada;
A recusa daquela informação ocorre em contexto em que a assembleia geral anual da sociedade Requerida, convocada para 31/03/2021, foi adiada sine die, depois de a Requerente ter pretendido, sem sucesso, aceder aos documentos de prestação de contas da sociedade.
A Requerida contestou, defendendo-se por impugnação e por exceção.
Impugnou parte da facticidade alegada pela Requerente;
Excecionou alegando que a Requerente não alegou que aquela tivesse efetivamente recusado a informação solicitada, limitando-se a alegar que a informação não lhe foi prestada e que não foi dada qualquer resposta à carta em que solicitava a prestação da informação, o que não equivale a qualquer recusa de sua parte em prestar essa informação;
Acresce que a Requerente se limitou a realizar junto daquela um pedido de informação absolutamente genérico e vago de toda a vida da sociedade Requerida dos últimos cinco anos, seja porque pretende conhecer, ponto por ponto, todos os valores, faturas, pagamentos, recibos, garantias, funcionários inerentes a tais contratos e negócios, seja que entidade for, vindo apenas agora, na petição inicial, a justificar a sua pretensão, uma vez que, na carta em que solicitou a informação, não apresentou qualquer justificação para o pedido de informação aí formulado;
Atendendo à generalidade e ambiguidade do pedido de informação solicitada pela Requerente, a Requerida, em 19/03/2021, informou-a que não seria possível reunir toda a informação requerida, no tempo que lhe foi exigido e, bem assim, que estava a analisar a possibilidade de aquela poder aceder a toda a informação pretendida, porquanto verifica-se justo receio da Requerente usar a informação que solicitou para fins estranhos à sociedade e em prejuízo desta;
A Requerente criou várias sociedades (identificadas pela contestante), que têm um objeto social coincidente com o da sociedade Requerida, de que é gerente e sócia maioritária, e através das quais configurou e logrou realizar contratos de empreitada e realizar projetos com clientes da sociedade Requerida e da HabiY, clientes esses que foram angariados pelas últimas, e com os quais a Requerente travou conhecimento no âmbito da atividade realizada nessas sociedades, tendo acesso e conhecimento ao segredo do negócios entre aquelas sociedades, incluindo à informação que concretiza;
A Requerente valeu-se do conhecimento adquirido na HabiY e na sociedade Requerida para, através das empresas criadas para o efeito, passar a contratar diretamente com estas, excluindo a HabiY e a sociedade Requerida do negócio, o que causou prejuízos às últimas;
Acresce que as sociedades constituídas pela Requerente, foram-no com recurso a verbas investidas pela HabiY e pela sociedade Requerida para expansão do seu negócio para o mercado externo, tendo a Requerente mascarado a constituição dessas sociedades enquanto sociedades/parceiros locais da HabiY e da sociedade Requerida, quando após a Requerente ter deixado de ser remunerada enquanto diretora de projetos, esses supostos parceiros locais deixaram de contactar com a HabiY e com a sociedade Requerida, que veio a descobrir tratar-se de sociedades comerciais da Requerente, constituídas com recurso a verbas próprias da HabiY e da sociedade Requerida.
Conclui pela improcedência da ação.
Por requerimento entrado em juízo em 25/05/2021, a Requerente pronunciou-se quanto aos documentos juntos pela Requerida em anexo à contestação, concluindo que com a junção e invocação dos referidos documentos, a Requerida “altera dolosamente a verdade dos factos, de forma a influir na decisão da causa, numa clara litigância de má fé, que não poderá deixar de ser sancionada com multa exemplar, que satisfaça as exigências de prevenção geral e especial”.
Por despacho proferido em 26/05/2021, convidou-se a Requerente a concretizar especificamente quais os pontos concretos das informações que solicitou e cuja informação lhe foi efetivamente recusada, qual a relevância concreta de tais informações e, bem assim para esclarecer se, alguma vez, solicitou ou consultou a escrituração, livros e documentos da sociedade em causa.
Por requerimento entrado em juízo em 04/06/2021, a Requerente informou que todas as informações especificadas no art. 9º da petição inicial e que se traduzem nos pontos de facto a averiguar, foram recusadas, uma vez que não foram prestadas nos 15 dias a contar da receção da carta, nem sequer até hoje; que essas informações visam permitir à Requerente conhecer a vida da sociedade Requerida, relevando para aquilatar da eficiência da gestão desta, pela análise das relações contratuais mais relevantes que esta estabelece, em particular, com a HabiY, cujo gerente é o mesmo, e com entidades públicas, e ainda pela análise do quadro de pessoal da sociedade Requerida e das condições de remuneração dos seus trabalhadores e gerente e, bem assim, dos termos em que se processa a exploração do estabelecimento “House ...”, o que se torna especialmente relevante dado que a Requerente não solicita nem consulta a escrituração, livros e documentos da sociedade Requerida desde, pelo menos, 2017.
Por sua vez, a Requerida respondeu ao pedido de condenação daquela como litigante de má fé, concluindo pela improcedência desse pedido.
Designou-se data para inquirição das testemunhas arroladas pelas partes, “designadamente, com vista a aferir da efetiva recusa e/ou da licitude da recusa, antes de ordenar que a requerida preste informações ou a realização de qualquer inquérito”.
Inquiridas as testemunhas, em 22/07/2021 proferiu-se sentença em que se proferiu despacho saneador tabelar, fixou-se o valor da presente causa em 5.001,00 euros, e em que se julgou o pedido de informação solicitado pela Requerente totalmente procedente e condenou-se a sociedade Requerida como litigante de má fé e, após trânsito, determinou-se o arquivamento dos autos, constando essa sentença da seguinte parte dispositiva:
Em conformidade com o exposto, julga o Tribunal totalmente procedente o pedido de informações solicitado por S. I. à sociedade X Investments, Ld.ª, ao abrigo do disposto no artigo 1049º, n.º 1, do Cód. Proc. Civil, termos em que se determina que, no prazo de 30 [trinta] dias aquela última preste/disponibilize à primeira, na qualidade de sócia, as seguintes informações:---
Discriminação dos contratos celebrados entre a sociedade e quaisquer autarquias locais ou outras entidades públicas, nos últimos 5 anos, com indicação da data de celebração, entidade adjudicante, objeto do contrato, designadamente da obra a que respeita, se esse for o caso, do seu valor e do tipo de procedimento que conduziu à adjudicação;---
Discriminação dos contratos celebrados entre a sociedade e a HabiY – Construções, Lda., nos últimos 5 anos, com indicação da respetiva data de celebração, objeto, designadamente da obra a que respeitam, se esse for o caso, e do seu valor;---
Discriminação, com indicação do respetivo número, valor, data de emissão, data de vencimento e data de pagamento, das faturas emitidas pela sociedade a quaisquer autarquias locais ou outras entidades públicas;---
Discriminação de todos os contratos celebrados pela sociedade, nos últimos cinco anos, que correspondam a subcontratação, total ou parcial, de obras que lhe tenham sido adjudicadas por autarquias locais ou outras entidades públicas;-
Discriminação, com indicação do respetivo número, valor, data de emissão, data e vencimento e data de pagamento, das faturas emitidas pela sociedade à HabiY – Construções, Lda.;---
Discriminação, com indicação do respetivo número, valor, data de emissão, data de vencimento e data de pagamento, das faturas emitidas pela HabiY – Construções, Lda. à sociedade;---
Discriminação, com indicação do respetivo número, valor, data de emissão, data de vencimento e data de pagamento, das faturas emitidas por quaisquer subempreiteiros à sociedade;
Discriminação das garantias bancárias emitidas a solicitação da sociedade, com a indicação da respetiva data, valor, beneficiário e obrigações garantidas;---
Discriminação dos contratos de trabalho que a sociedade manteve em vigor em cada um dos cinco últimos exercícios, com indicação das respetivas datas de celebração e de cessação, nome, local de trabalho, salário e categoria do trabalhador, e ainda dos que foram celebrados com e sem termo;---
Indicação dos trabalhadores que, tendo estado ao serviço da sociedade nos últimos cinco exercícios, também estiveram, no mesmo período, coincidentemente ou não, ao serviço da HabiY – Construções, Lda.;---
Indicação dos trabalhadores afetos, a tempo integral ou parcial, à atividade da “House ...” explorada pela sociedade;---
Identificação do contrato ao abrigo do qual a sociedade mantém o seu estabelecimento “House ...” instalado no prédio sito no Lugar ..., em ..., com indicação da sua natureza, de quem o assinou em representação da proprietária, da data da celebração, da renda paga pela sociedade e do seu prazo de vigência;---
Indicação dos períodos de inatividade da “House ...” no ano de 2020, das taxas mensais de ocupação e do valor da faturação em cada um dos meses do referido ano;---
Discriminação, por tipos de prestação devidas ao gerente e trabalhadores (fixas, variáveis, prémios, subsídios, ajudas de custo, indemnizações, compensações, etc.) da rúbrica 63 (gastos com o pessoal) e das remunerações a liquidar incluídas na conta ....22 (acréscimo de custos) no final do exercício de 2020.---
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Ademais, julga-se procedente o incidente de litigância de má-fé suscitado nos autos pela Requerente contra a Requerida, termos em que se condena esta em multa, que se fixa em 5 [cinco] UC’s.---
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Não tendo entretanto sido requerida qualquer providência ao abrigo do disposto no art.º 1050.º nem outras no âmbito da jurisdição voluntária de acordo com a previsão do art.º 1051.º, n.º 2, ambos do CPC, não se procedendo à realização do inquérito à sociedade, com nomeação de perito/s, uma vez cumprido o desiderato dos presentes autos, declaram-se findos os mesmos logo que transite a decisão ora proferida.---
Custas pela Requerida”.

Inconformada com o assim decidido, a sociedade Requerida interpôs o presente recurso de apelação, em que formula as seguintes conclusões:

(i) Resulta manifesto do pedido de informação enviado pela Recorrida à Recorrente (cf. doc. 3 junto com a petição inicial e ponto 3.5 dos factos dados como provados na sentença recorrida) que aquela limita-se a realizar um pedido de informação absolutamente genérico e vago de toda a vida da sociedade nos últimos cinco anos, seja porque pretende saber todos os contratos e/ou negócios celebrados com todas as hipotéticas entidades públicas ou com uma sociedade comercial, seja porque pretende conhecer, ponto por ponto, todos os valores, faturas, pagamentos e recibos, garantias e funcionários inerentes a tais contratos e negócios seja que entidade for;
(ii) Absolutamente nada é dito ou referido a título de justificação de tal pedido de informação (ao contrário do que é propugnado pela jurisprudência que versa sobre a matéria), sendo que somente em sede de litígio é que camuflou tal pedido com o propósito que tal informação “releva, nomeadamente, para esclarecer as relações que se estabelecem entre a requerida e a sociedade HabiY – Construções, Lda. / de que são também sócios da requerida e de que M. C. é também o único gerente / pelo que atua, necessariamente, nos contratos que se celebram entre as duas sociedades, em negócio consigo mesmo, com os riscos que daí advêm para as suas representadas”.
(iii) Assim, salvo o devido respeito, é manifesto que a Recorrida apresentou um pedido de informação global e indeterminado sobre toda a vida societária, sem indicar concretamente os atos que em relação entidades públicas ou à sociedade HabiY - Construções, Lda. estão em causa e muito a menos a justificar a razão ou a necessidade de obtenção de tais informações, limitando-se a referir genericamente a existência de contratos celebrados pela sociedade, mas cujo objeto não concretiza.
(iv) Atendendo à generalidade e ambiguidade do pedido formulado pela Recorrida, a Recorrente, por conta de contactos que manteve com a Requerente a propósito da realização da assembleia geral da sociedade HabiY Construções, Lda. (conforme, aliás, confirmaram as testemunhas I. S., J. B. e C. C.) informou — veja-se o doc. 1 junto com a contestação —, quer através da sua contabilista certificada, quer do gerente da sociedade que, no tempo que lhe foi exigido não seria possível reunir toda a informação pretendida, para além de que se estaria a analisar a possibilidade de Recorrida poder aceder a toda a informação pretendida, porquanto verifica-se o justo receio que a sócia as usasse para fins estranhos à sociedade e em prejuízo desta;
(v) A Recorrida praticou e evidenciou comportamentos desleais para com a sociedade Recorrente, bem como para com a sociedade HabiY – Construções, Lda., os quais causaram elevados prejuízos a estas sociedades, pois, através da criação e constituição de várias sociedades comerciais (como sejam a W – Engenharia & Consultoria, Lda., constituída no ano de 2017, com o objeto social coincidente com o da HabiY e o da R., designadamente Construção Civil, onde a Recorrida tem uma participação social de 95% do capital, sendo a gerente designada e atualmente em funções, ou a ainda a W Construção Civil & Obras Públicas, Lda., constituída no ano de 2020, com o objeto social coincidente com o da HabiY e o da Recorrente designadamente “Construção de Edifícios (Residenciais e Não Residenciais)”, onde a Recorrida tem uma participação social de 90% do capital, sendo a gerente designada e atualmente em funções, ou ainda a sociedade K, com sede em ..., Moçambique ou a W Engenharia & Consultoria, Lda., com sede na Rua ..., n.º .., Angola), factos estes que são do conhecimento público e que o tribunal não podia, como o fez, ter ignorado ou subvalorizado;
(vi) Neste contexto, é por demais evidente que não só a Recorrente não olvidou o pedido de informações formulado pela Recorrida, como teve o cuidado de dar a conhecer a esta a legitimidade inerente à recusa na prestação de tal informação, ao abrigo aliás do que dispõe o artigo 215º, nº 1, do Código das Sociedades Comerciais, até porque, conforme já tivemos oportunidade de evidenciar, o seu pedido de informações é manifestamente ambíguo, generalizado e pouco ou nada conciso e concreto, sem qualquer especificação dos atos que em concreto relevam para os fins por si pretendidos e, portanto, ao contrário do que é propugnado pela Jurisprudência que versa sobre a matéria, vazio do ponto de vista da sua justificação e/ou necessidade ou melhor dizendo, como referiu o tribunal, sequer possibilita que a informação seja esclarecedora, dado que se não se conhecem os motivos do pedido, também não é possível saber se a informação prestada é ou não apta a dissipar tais motivos.
(vii) Como tal, ao decidir em sentido diverso, incorre a douta sentença recorrida em manifesto erro de julgamento, por errónea interpretação e consequente violação do disposto nos artigos 214º, nº 1, e 215º, nº 1, do Código das Sociedades Comerciais (CSC), motivo pelo qual deve ser revogada e substituída por outra que determine, com os fundamentos supra expostos, a absolvição da Recorrente do pedido;
(viii) No caso sub judice, e face aos ensinamentos supra expostos, salvo o devido respeito não vislumbramos em que medida é que a Recorrente pode ser condenada como litigante de má-fé.
(ix) A oposição apresentada pela Recorrente na presente lide assenta, por um lado, no facto de, em seu entender, ser manifesto que a Recorrida apresentou um pedido de informação global e indeterminado sobre toda a vida societária, sem indicar concretamente os atos que em relação entidades públicas ou à sociedade HabiY - Construções, Lda. estão em causa e muito a menos a justificar a razão ou a necessidade de obtenção de tais informações, limitando-se a referir genericamente a existência de contratos celebrados pela sociedade, mas cujo objeto não concretiza, e, por outro lado, atendendo à generalidade e ambiguidade do pedido formulado pela Recorrida, pelo facto de a Recorrente, por conta de contactos que manteve com a Requerente a propósito da realização da assembleia geral da sociedade HabiY Construções, Lda. (conforme, aliás, confirmaram as testemunhas I. S., J. B. e C. C.) informou — veja-se o doc. 1 junto com a contestação —, quer através da sua contabilista certificada, quer do gerente da sociedade que, no tempo que lhe foi exigido não seria possível reunir toda a informação pretendida, para além de que se estaria a analisar a possibilidade de Recorrida poder aceder a toda a informação pretendida, porquanto verifica-se o justo receio que a sócia as usasse para fins estranhos à sociedade e em prejuízo desta (conforme, aliás, resulta de factos que são do conhecimento público e que o tribunal não podia, pura e simplesmente, ignorar);
(x) Estamos, assim, perante um caso em que a sentença recorrida confunde a litigância de má-fé com uma lide meramente temerária ou ousada, com pretensão de dedução ou oposição cujo decaimento sobreveio por (alegada) mera fragilidade da sua prova e de não ter logrado convencer da realidade por si trazida a julgamento, pelo que, ao decidir como decidiu, neste seu segmento decisório, enferma a sentença recorrida de manifesto erro de julgamento, por errónea interpretação e aplicação do disposto no artigo 542º do CPC, razão pelo qual deverá ser revogada e substituída por outra que, reconhecendo a ausência de motivos bastantes para o preenchimento dos pressupostos da litigância de má-fé, determine a absolvição da Recorrente de tal pedido.

Termos em que deve ser dado provimento ao recurso, com as legais consequências, com o que V. Exas., Venerandos Desembargadores, farão a devida JUSTIÇA!

A apelada contra-alegou pugnando pela improcedência da apelação.
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Corridos os vistos legais, cumpre decidir.
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II- FUNDAMENTOS

O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação da apelante, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso - cfr. artigos 635.º, nº 4, e 639.º, nºs 1 e 2, do CPC.

No seguimento desta orientação, as questões que são colocadas pela apelante à consideração deste tribunal resumem-se ao seguinte:

a- se a sentença recorrida, ao julgar procedente o pedido de informação solicitado pela apelada e ao determinar que a apelante preste/disponibilize àquela, no prazo de 30 [trinta] dias, na qualidade de sócia, as informações que discrimina, padece de erro de direito, impondo-se a sua revogação e a absolvição da apelante desse pedido;
b- se essa sentença, ao condenar a apelante como litigante de má fé, padece de erro de direito, impondo-se a sua revogação e a absolvição da apelante desse pedido.

Note-se que do objeto da presente apelação não faz parte a impugnação do julgamento da matéria de facto julgada provada e não provada pela 1ª Instância, uma vez que a apelante não impugna o julgamento da matéria de facto realizado pelo tribunal a quo, e muito menos o faz mediante o cumprimento dos ónus impugnatórios previstos no art. 640º, n.ºs 1 e 2, al. a), do CPC, pelo que, salvo o devido respeito por opinião contrária, não faz qualquer sentido a alegação da apelante vertida nas conclusões IV, V e IX das suas alegações de recurso.
Na verdade, na conclusão IV, a apelante alega que “através da sua contabilista certificada, quer do gerente da sociedade que, no tempo que lhe foi exigido”, comunicou à apelada que “não seria possível reunir toda a informação pretendida, para além de que se estaria a analisar a possibilidade da Recorrida poder aceder a toda a informação pretendida, porquanto verifica-se o justo receio que a sócia as usasse para fins estranhos à sociedade e em prejuízo desta”.
Na conclusão V a apelante alega que a apelada “praticou e evidenciou comportamentos desleais para com a sociedade Recorrente, bem como para com a sociedade HabiY – Construções, Lda., os quais causaram elevados prejuízos a estas sociedades, pois, através da criação e constituição de várias sociedades comerciais (como sejam a W – Engenharia & Consultoria, Lda., constituída no ano de 2017, com o objeto social coincidente com o da HabiY e o da R., designadamente Construção Civil, onde a Recorrida tem uma participação social de 95% do capital, sendo a Gerente designada e atualmente em funções, ou a ainda a W Construção Civil & Obras Públicas, Lda., constituída no ano de 2020, com o objeto social coincidente com o da HabiY e o da Recorrente, designadamente “Construção de Edifícios (Residenciais e Não Residenciais)”, onde a Recorrida tem uma participação social de 90% do capital, sendo a Gerente designada e atualmente em funções, ou ainda a sociedade K, com sede em ..., Moçambique, ou a W Engenharia & Consultoria, Lda., com sede na Rua ..., n.º …, Angola), factos estes que são do conhecimento público e que o tribunal não podia, como o fez, ter ignorado ou subvalorizado”.
E já na conclusão IX dessas suas alegações de recurso a apelante reafirma que informou a apelada “quer através da sua contabilista certificada, quer do gerente da sociedade que, no tempo que lhe foi exigido não seria possível reunir toda a informação pretendida, para além de que se estaria a analisar a possibilidade de Recorrida poder aceder a toda a informação pretendida, porquanto verifica-se o justo receio que a sócia as usasse para fins estranhos à sociedade e em prejuízo desta (conforme, aliás, resulta de factos que são do conhecimento público e que o tribunal não podia, pura e simplesmente, ignorar).
Acontece que toda essa facticidade foi julgada não provada pela 1ª Instância – veja-se alíneas a) a f) da facticidade julgada não provada – e esta, inclusivamente, julgou provado que: “3.10. Nos dias 19.03.2021 e 22.03.2021, foram trocados entre requerente e requerida (esta, na pessoa da respetiva contabilista) emails, tendo designadamente a segunda informado a primeira que “não tenho a informação solicitada pronta para que seja possível o envio atempado e previsto na lei, de 15 dias de antecedência da data da assembleia geral” e, bem assim, que: “3.11. A troca de correspondência em sujeito é inteiramente alheia ao pedido de informação insatisfeito que está na origem dos presentes autos, do que a requerida tem conhecimento, pese embora a sua alegação em contrário”.
Neste contexto, caso a apelante pretendesse que o tribunal ad quem reapreciasse esse julgamento da matéria de facto realizado pela 1ª Instância, em que julgou não provada aquela facticidade reafirmada pela apelante nas sobreditas conclusões, e em que, inclusivamente, julgou provada facticidade que contradiz essa facticidade (julgada não provada), a mesma teria impreterivelmente de impugnar aqueles pontos da facticidade julgada provada e não provada pela 1ª Instância, o que não fez e, bem assim, sob pena de imediata rejeição dessa impugnação do julgamento da matéria de facto, teria de dar cumprimento cabal aos ónus impugnatórios elencados no art. 640º, n.ºs 1 e 2, al. b) do CPC, isto é, indicando, nas conclusões de recurso, quais os concretos pontos da facticidade julgada provada e não provada pela 1ª Instância que impugna; teria de indicar, na motivação do recurso, a decisão que, no seu entender deverá ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, bem como que teria, na motivação de recurso, de indicar os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nela realizada que impunham esse julgamento de facto diverso que propugna, fazendo uma análise crítica desses meios de prova, de modo a demonstrar o porquê destes imporem o julgamento de facto que propugna, não consentindo o julgamento de facto realizado pela 1ª Instância e, quanto aos meios probatórios indicados como fundamento do erro na apreciação das provas gravadas, teria, na motivação do recurso, de indicar com exatidão o início e o termo dos excertos que considera relevantes (1), o que tudo igualmente não fez.
Note-se, aliás, que contrariamente ao pretendido pela apelante, a facticidade julgada provada pela 1ª Instância nos pontos 3.10 e 3.11 e, bem assim a por esta julgada não provada nas alíneas a) a f) não respeita a factos notórios, posto que por “factos notórios” entende-se exclusivamente aqueles que são do conhecimento geral, ou seja, que são do conhecimento da massa dos cidadãos portugueses regularmente informados, isto é, com acesso aos meios normais de informação e que, por isso, obtiveram uma difusão pela grande maioria dos cidadãos nacionais, de modo que o juiz, tal como o cidadão comum, teve conhecimento desses factos (2), o que não é indiscutivelmente o caso da facticidade aqui em discussão.
Destarte, porque a apelante não impugna o julgamento da matéria de facto realizado pela 1ª Instância, este tem-se como transitado em julgado, sendo certo que ainda que o tivesse feito, sempre se teria de, nos termos do n.º 1 do art. 640º do CPC, rejeitar essa impugnação, por incumprimento de todos os ónus impugnatórios do art. 640º, n.ºs 1 e 2, al. a) do mesmo Código.
Deste modo e, em síntese, reafirma-se, a impugnação do julgamento da matéria de facto não faz parte do objeto da presente apelação, pelo que dessa impugnação não se conhecerá.
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A- FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

A 1ª Instância julgou provada a seguinte facticidade:
3.1. A requerida é uma sociedade por quotas, com o capital social de 10.000,00 €, que se dedica à atividade de posto de abastecimento para venda de combustíveis, lubrificantes e outros, construção civil e obras públicas, alojamento mobilado para turistas, comércio a retalho em outros estabelecimentos não especializados, com predominância de produtos alimentares, bebidas ou tabaco.---
3.2. A requerente é sócia da requerida, sendo titular de uma quota do valor nominal de 1.000,00 €, correspondente a 10 % do seu capital social.---
3.3. Desde a sua constituição, a gerência da requerida é assumida por M. C., simultaneamente sócio titular de quota do valor nominal de 4.500,00 €, representativa de 45% do capital social da requerida; sendo ainda cônjuge da sócia M. A., titular de quota do valor nominal de 4.500,00 €, representativa de 45% do capital social da requerida.---
3.4. No processo de maior acompanhado, que corre termos sob o n.º 62/20.4T8MNC, no Juízo de Competência Genérica de Monção, foi decretado, por sentença proferida em 07.12.2020, já transitada em julgado, o acompanhamento, da sócia M. A., por razões de doença, nomeando-se como seu acompanhante o sócio M. C..---
3.5. Em 15 de março de 2021, a requerente enviou ao gerente da requerida uma carta, na qual solicitava que lhe fossem prestadas informações sobre diversos assuntos sociais ao abrigo do artigo 214º n.º 1 do Código das Sociedades Comerciais, designadamente:---
Discriminação dos contratos celebrados entre a sociedade e quaisquer autarquias locais ou outras entidades públicas, nos últimos 5 anos, com indicação da data de celebração, entidade adjudicante, objeto do contrato, designadamente da obra a que respeita, se esse for o caso, do seu valor e do tipo de procedimento que conduziu à adjudicação;---
Discriminação dos contratos celebrados entre a sociedade e a HabiY –Construções, Lda., nos últimos 5 anos, com indicação da respetiva data de celebração, objeto, designadamente da obra a que respeitam, se esse for o caso, e do seu valor;---
Discriminação, com indicação do respetivo número, valor, data de emissão, data de vencimento e data de pagamento, das faturas emitidas pela sociedade a quaisquer autarquias locais ou outras entidades públicas;---
Discriminação de todos os contratos celebrados pela sociedade, nos últimos cinco anos, que correspondam a subcontratação, total ou parcial, de obras que lhe tenham sido adjudicadas por autarquias locais ou outras entidades públicas;---
Discriminação, com indicação do respetivo número, valor, data de emissão, data de vencimento e data de pagamento, das faturas emitidas pela sociedade à HabiY – Construções, Lda.;---
Discriminação, com indicação do respetivo número, valor, data de emissão, data de vencimento e data de pagamento, das faturas emitidas pela HabiY – Construções, Lda. à sociedade;---
Discriminação, com indicação do respetivo número, valor, data de emissão, data de vencimento e data de pagamento, das faturas emitidas por quaisquer subempreiteiros à sociedade;---
Discriminação das garantias bancárias emitidas a solicitação da sociedade, com a indicação da respetiva data, valor, beneficiário e obrigações garantidas;
Discriminação dos contratos de trabalho que a sociedade manteve em vigor em cada um dos cinco últimos exercícios, com indicação das respetivas datas de celebração e de cessação, nome, local de trabalho, salário e categoria do trabalhador, e ainda dos que foram celebrados com e sem termo;----
Indicação dos trabalhadores que, tendo estado ao serviço da sociedade nos últimos cinco exercícios, também estiveram, no mesmo período, coincidentemente ou não, ao serviço da HabiY – Construções, Lda.;---
Indicação dos trabalhadores afetos, a tempo integral ou parcial, à atividade da “House ...” explorada pela sociedade;---
Identificação do contrato ao abrigo do qual a sociedade mantém o seu estabelecimento “House ...” instalado no prédio sito no Lugar ..., em ..., com indicação da sua natureza, de quem o assinou em representação da proprietária, da data da celebração, da renda paga pela sociedade e do seu prazo de vigência;---
Indicação dos períodos de inatividade da “House ...” no ano de 2020, das taxas mensais de ocupação e do valor da faturação em cada um dos meses do referido ano;---
Discriminação, por tipos de prestação devidas ao gerente e trabalhadores (fixas, variáveis, prémios, subsídios, ajudas de custo, indemnizações, compensações, etc.) da rúbrica 63 (gastos com o pessoal) e das remunerações a liquidar incluídas na conta ....22 (acréscimo de custos) no final do exercício de 2020.---
3.6. A carta remetida pela requerente foi recebida pela requerida na sua sede em 16 de março de 2021.-
3.7. As informações solicitadas tinham por finalidade esclarecer as relações que se estabelecem entre a requerida e a sociedade HabiY – Construções, Lda., de que são também sócios os sócios da requerida e de que M. C. é também o único gerente.---
3.8. A requerida possui um estabelecimento de alojamento local instalado em imóvel pertencente à sócia M. A..---
3.9. Volvido mais de um mês sobre a receção da referida carta, o gerente da requerida não deu qualquer resposta à requerente.---
3.10. Nos dias 19.03.2021 e 22.03.2021, foram trocados entre requerente e requerida (esta, na pessoa da respetiva contabilista) emails, tendo designadamente a segunda informado a primeira que “não tenho a informação solicitada pronta para que seja possível o envio atempado e previsto na lei, de 15 dias de antecedência da data da assembleia geral”.---
3.11. A troca de correspondência em sujeito é inteiramente alheia ao pedido de informação insatisfeito que está na origem dos presentes autos, do que a requerida tem conhecimento, pese embora a sua alegação em contrário.---
*
Por sua vez, a 1ª Instância julgou como não provada a facticidade que se segue:

a) Em resposta à solicitação da requerente nos termos descritos em 3.5. dos factos provados, a requerida, por email datado de 19 de março de 2021 informou-a que, atendendo à generalidade e ambiguidade do pedido formulado, não seria possível reunir toda a informação solicitada.---
b) Ainda, a requerida informou a requerente que estaria a analisar a possibilidade de aquela poder aceder a toda a informação pretendida, na medida em que se verificava o justo receio que a sócia as usasse para fins estranhos à sociedade e em prejuízo desta.---
c) A requerente praticou e evidenciou comportamentos desleais para com a sociedade requerida, bem como para com a sociedade HabiY – Construções, Lda., os quais causaram elevados prejuízos a estas sociedades, designadamente através da criação e constituição de várias sociedades comerciais (como sejam a W – Engenharia & Consultoria, Lda. ou a ainda a W Construção Civil & Obras Públicas, Lda.).-
d) Através das referidas sociedades, a requerente configurou e logrou a realização de contratos de empreitada e realização de projetos a clientes quer da HabiY, quer da requerida, angariados por estas, com os quais travara conhecimento no âmbito da atividade realizada nestas sociedades, tendo acesso e conhecimento ao segredo de negócio entre aquelas sociedades.---
e) A requerente valeu-se do conhecimento adquirido na HabiY e na sociedade ora requerida para, através das empresas criadas para o efeito, passar a contratar diretamente com estas, excluindo a HabiY e a requerida do negócio, o que causou graves prejuízos à R. e à sociedade HabiY.---
f) As sociedades comerciais constituídas pela A. foram-no com recurso às verbas investidas pela HabiY e a R. para a expansão para o mercado externo, designadamente K e W, tendo a requerente mascarado a constituição destas sociedades, enquanto sociedades/parceiros locais da HabiY e da requerida.---
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B- FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA

B.1- Do erro de direito da decisão condenatória da apelante a prestar a informação nela discriminada à apelada.
A apelante imputa erro de direito à decisão de mérito constante da sentença recorrida que a condenou a disponibilizar, no prazo de trinta dias, à apelada, enquanto sua sócia, as informações que discrimina, que esta solicitou ao gerente daquela, por carta de 15 de março de 2021, rececionada no dia seguinte, mas que esse gerente, volvidos mais de um mês sobre a receção dessa carta, não satisfez, nem sequer respondeu a essa carta, alegando como fundamento dessa sua irresignação em relação ao decidido que a apelada “se limitou a alegar (e a provar) a falta de cumprimento de prazo para a prestação de informação, ignorando e olvidando requisito essencial que legitime o seu pedido de inquérito judicial à Recorrente, ou seja, a Recorrida limitou-se a alegar a falta de cumprimento de prazo, sem que, contudo, tivesse alegado e demonstrado que a prestação de informação foi efetivamente recusada”; acresce que o pedido de informação que lhe foi apresentado consubstancia “um pedido de informação global e indeterminado sobre toda a vida societária, sem indicar concretamente os atos que em relação entidades públicas ou à sociedade HabiY - Construções, Lda. estão em causa” e, bem assim, sem “justificar a razão ou a necessidade de obtenção de tais informações, limitando-se a referir genericamente a existência de contratos celebrados pela sociedade, mas cujo objeto não concretiza” e, finalmente, sustenta que “atendendo à generalidade e ambiguidade do pedido formulado pela Recorrida”, aquela informou-a, “quer através da sua contabilista certificada, quer do gerente da sociedade que, no tempo que lhe foi exigido não seria possível reunir toda a informação pretendida, para além de que se estaria a analisar a possibilidade de Recorrida poder aceder a toda a informação pretendida, porquanto verifica-se o justo receio que a sócia as usasse para fins estranhos à sociedade e em prejuízo desta”.

Assim, de acordo com a apelante, o erro de direito que a mesma imputa à decisão de mérito proclamada naquela sentença decorre da circunstância de:
a- a apelada não ter alegado (e portanto, não ter provado) que tivesse existido uma efetiva recusa da parte daquela em prestar a informação solicitada pela apelada, mas apenas que apesar de a ter interpelado para que lhe prestasse essa informação, está decorrido mais de um mês sem que essa informação lhe tivesse sido prestada, o que, na perspetiva da apelante, contrariamente ao decidido pela 1ª Instância, não pode ser havido como ato de recusa de prestação da informação solicitada;
b- a informação que a apelada lhe solicitou ser global e indeterminada sobre toda a vida societária nos últimos cinco anos e, portanto, fora dos condicionalismos legais;
c- a apelada não ter justificado esse pedido de informação (vindo-o a fazer apenas no requerimento inicial com que instaurou a presente ação especial de inquérito judicial);
e- não ter existido recusa nenhuma da sua parte em prestar à apelada a informação por esta solicitada, uma vez que aquela, quer através da sua contabilista, quer através do seu gerente, informou a apelada que não lhe era possível, dentro do prazo fixado pela última, reunir toda a informação pretendida e que estaria a analisar a possibilidade de lhe recusar legitimamente o acesso a essa informação atento o justo receio daquela a usar para fins estranhos à sociedade e em prejuízo desta; e, finalmente,
f- se recusa de informação de sua parte houvesse perante a apelada, essa recusa seria sempre legítima atendendo ao fundado receio da apelante de que a apelada usasse a informação solicitada para fins estranhos à sociedade e em prejuízo desta.
Vejamos se assiste razão à apelante nas críticas que assaca à sentença recorrida.
A apelada instaurou a presente ação especial de inquérito judicial à sociedade apelante, alegando a sua qualidade de sócia dessa sociedade e, bem assim, que apesar de ter notificado o gerente da apelante, por carta de 15 de março de 2021, rececionada no dia seguinte na sede da apelante, solicitando a informação que se encontra discriminada no ponto 3.5 da facticidade apurada, volvidos mais de um mês sobre esse pedido, nenhuma dessa informação lhe foi prestada, sequer o gerente da apelante deu qualquer resposta a essa carta, o que a leva a concluir presuntivamente que a apelante recusou-lhe prestar essa informação, com o que lhe conferiu o direito a intentar a presente ação.
No âmbito das sociedades comerciais, o direito à informação dos sócios constitui um dos princípios basilares em que assenta o Código das Sociedades Comerciais (CSC), sendo esse direito um elemento estrutural do status ou qualidade de sócio, isto é, que tem a sua raiz no facto do requerente da informação ser proprietário de uma participação social, consubstanciando, portanto, o direito à informação do sócio sobre a vida da sociedade um verdadeiro direito subjetivo do sócio, que é inerente e conatural à sua qualidade de sócio.
A importância angular da salvaguarda do direito subjetivo do sócio à informação sobre a vida da sociedade justifica, aliás, que o incumprimento desse direito acarrete para o inadimplente responsabilidade criminal (arts. 518º e 519º do CSC) e civil (arts. 79º, n.º 1, 81º e 82º do mesmo Código).
O direito à informação encontra-se consagrado em termos gerais e independentemente do tipo de sociedade no art. 21º, n.º 1, al. c) do CSC, em que se estabelece que “todo o sócio tem direito a obter informações sobre a vida da sociedade, nos termos da lei e do contrato”.
O direito à informação é, portanto, um direito subjetivo que assiste a todo e qualquer sócio seja qual for o tipo de sociedade, que decorre de ser detentor de uma participação social e que, portanto, é conatural e inerente à sua qualidade de sócio, na medida em que o direito à informação permite-lhe a reclamação de dados essenciais à salvaguarda da sua posição financeira e social na sociedade, “funcionando como ferramenta de controlo social” e que está associado ao elemento do contrato de sociedade, enquanto “atividade em comum, uma vez que independentemente do grau de participação na gestão, o sócio necessita de conhecer todos os factos que sejam imprescindíveis ao exercício dessa sua função” (3) e, bem assim, para garantir que o mesmo possa exercer outros direitos sociais que lhe assistem, nomeadamente, o direito aos lucros, de voto e de impugnação de deliberações sociais.
Com efeito, o sócio apenas pode exercer cabalmente a sua atividade de sócio, nomeadamente, salvaguardar a sua posição económica e financeira na sociedade e, bem assim, exercer os demais direitos sociais inerentes à sua qualidade de sócio que lhe são reconhecidos por lei e pelo contrato societário, quando a sociedade funcione para com aquele numa situação de total transparência, o que pressupõe necessariamente que lhe seja reconhecido um direito subjetivo a obter informação verdadeira, completa e elucidativa sobre a vida da sociedade, com a inerente obrigação de quem se encontra obrigado a prestar essa informação, que lhe preste efetivamente informação verdadeira, completa e elucidativa, compreendendo-se, por isso, que o direito à informação seja reconhecido a todo e qualquer sócio, nos termos da lei e do contrato, independentemente do tipo de sociedade, como direito subjetivo do sócio inerente e conatural a essa sua qualidade pela al. c), do n.º 1, do art. 20º.
Neste sentido escreve Menezes Cordeiro que a informação é um “pressuposto de voto em assembleia”, é um “meio de legitimação dos investimentos e dos mercados”, é uma “forma de fiscalização da administração” e é uma “tutela das minorias” (4).
Esse direito geral do sócio à informação sobre a vida da sociedade é um direito que não é absoluto, isto é, não lhe é concedido ilimitadamente, mas que antes lhe é reconhecido “nos termos da lei e do contrato”, o que se compreende uma vez que a extensão desse direito do sócio à informação está, por um lado, condicionado pelo tipo de sociedade, justificando-se que o âmbito do direito à informação nas sociedades anónimas, dada a preponderância nestas do elemento capital, seja mais restrito do que nas sociedades por quotas, que são sociedades capitalistas, embora de estilo mais personalístico, devido à relevância das pessoas dos sócios e aos poderes de influência da assembleia geral sobre a gestão da sociedade, em que o art. 259º do CSC condiciona o desempenho da gerência à realização do objeto social e à vontade dos sócios, e por outro lado, esse direito esteja condicionado ao ato fundador da sociedade, que é o contrato de sociedade, em que os sócios fundadores poderão regulamentar validamente o direito à informação devida aos sócios, quanto ao exercício e à sua extensão.
Decorre do que se vem dizendo que o direito geral do sócio à informação, consagrado no art. 21º, n.º 1, al. c) do CSC, carece de ser, e é, legalmente regulamentado em função do tipo de sociedade.
Essa regulamentação específica do direito de informação que assiste aos sócios encontra-se fixada, no que respeita às sociedades por quotas, nos arts. 214º a 216º do CSC, e quanto às sociedades anónimas nos arts. 288º a 293º do mesmo Código.
Tal como se extrai do cotejo desses preceitos legais, o direito à informação que consagram pode ocorrer a três níveis ou momentos distintos, a saber: 1º) a denominada informação permanente (que se encontra regulada no art. 214º, n.ºs 1 a 5 do CSC para as sociedades por quotas, e nos arts. 288º e 291º do mesmo Código para as sociedades anónimas); b) a denominada informação intercalar, que é prestada como ato preparatório de cada assembleia geral (que se encontra regulada no art. 289º para as sociedades anónimas); e a denominada informação em assembleia geral (regulada para as sociedades anónimas no art. 290º, mas cujo regime jurídico é aplicável às sociedades por quotas, por força do n.º 7 do art. 214º).
Pondo de parte a informação preparatória de cada assembleia geral e a prestada em assembleia geral, sobre a qual não versam os presentes autos, dir-se-á que, conforme decorre do n.º 1 do art. 214º, nas sociedades por quotas, a denominada informação permanente pode manifestar-se em quatro vertentes distintas, a saber: a) o direito à informação em sentido estrito; b) o direito de consulta de livros e documentos; c) o direito de inspeção dos bens sociais e, finalmente, d) o direito a requerer inquérito judicial à sociedade (5).
Nas sociedades por quotas, o direito fundamental dos sócios à informação permanente, na vertente de direito à informação em sentido estrito, é um direito pleno, mas que se encontra delimitado, nos termos do n.º 1 do art. 214º do CSC, aos atos de “gestão da sociedade”, o que significa que a lei reconhece aos sócios um direito de formular à gerência da sociedade, a todo o tempo, questões sobre a vida da sociedade, contanto que essas questões/informações respeitem à gestão da sociedade.
O objeto da informação permanente em sentido estrito dos sócios encontra-se, assim, limitado e condicionado nas sociedade por quotas, exclusivamente aos “atos de gestão da sociedade”, isto é, apenas abrange “atos de gestão da sociedade”, conceito esse que abrange “todos os procedimentos e atuações de gestão, de execução e desenvolvimento da vida social, nomeadamente os factos relacionados com a gestão comercial, gestão financeira, gestão de recursos humanos, gestão de produção, etc., abrangendo também os particulares eventos que compõem a sociedade, sejam estes atos dos gerentes, ou até alguns atos de terceiros, desde que tenham evidentemente repercussão na esfera da própria sociedade e na sua dinâmica empresarial” (6).
Em sede de informação permanente, nas sociedades por quotas, assiste a todos os sócios, independentemente da participação social que detenham no capital da sociedade, um direito à informação em sentido estrito, que lhes confere o direito subjetivo de requerer à gerência da sociedade, por qualquer um dos meios legalmente admissíveis, nomeadamente, verbalmente ou por escrito, a todo o tempo, informações sobre a gestão da sociedade e a obter, na sequência desse pedido, informação verdadeira, completa e elucidativa (7), podendo exigir que essa informação lhes seja prestada por escrito.
Essa informação solicitada pelo sócio sobre a gestão da sociedade, para além de poder ser requerida por todo e qualquer sócio a todo o tempo, nos termos do n.º 3 do art. 214º, pode ter por objeto atos já praticados (isto é, atos passados, atinentes à gestão da sociedade), ou atos futuros, contanto que, quanto a estes, a sua prática seja esperada e sejam suscetíveis de fazerem incorrer o seu autor em responsabilidade, nos termos da lei.
Acresce que esse direito dos sócios à informação em sentido estrito não se encontra quantitativamente ou numericamente delimitado, posto que, conforme põe em destaque Raúl Ventura, a lei não impõe “qualquer limitação quer quanto à quantidade da informação pedida quer quanto ao número de pedidos efetuados em cada exercício, ao contrário do que se verifica noutros ordenamentos jurídicos, designadamente o francês, sem que, naturalmente, se vá ao ponto de admitir que ao acionista assista a realização de um inquérito privado à sociedade” (8).
O sócio, requerente da informação permanente em sentido estrito (o mesmo se diga para o requerimento de informação na dimensão de consulta de escrituração, livros ou documentos, bem como na dimensão de inspeção dos bens sociais), também não se encontra obrigado a motivar, isto é, a justificar esse seu pedido de informação.
Assim, desde que o pedido de informação strictu sensu respeite a informação relativa à gestão da sociedade, ou que se trate do sócio exercer o seu direito à informação na vertente de consulta da escrituração, livros ou documentos da sociedade, ou na vertente de inspeção de bens sociais, não é lícito à gerência da sociedade condicionar a prestação da informação ou a disponibilização dos livros ou documentos para consulta, ou a apresentação dos bens sociais solicitada pelo sócio para inspeção, à indicação, por parte deste, dos motivos porque deseja obter essa informação, fazer a consulta ou a inspecção (9), muito embora, seja conveniente fazê-lo, porquanto, conforme se expande no aresto do STJ de 16/03/2011, anteriormente citado, no caso de solicitação de informação em sentido estrito, a completude ou incompletude dessa informação prestada ao sócio, assim como saber se esta é ou não elucidativa, terá que ser aferida em função do teor do requerimento por este apresentado, solicitando a prestação da informação.
Acresce que nas sociedades por quotas, para além de assistir a todos os sócios, independentemente da sua participação social no capital da sociedade de que é sócio, um direito subjetivo permanente à informação em sentido estrito, com o sentido e alcance que se acabam de enunciar, nos termos do art. 214º, n.ºs 1 e 4 do CSC., também lhes assiste um direito de informação, na dimensão de consulta de escrituração, livros e documentos, no âmbito do qual lhes assiste o direito subjetivo de solicitar, a todo o tempo, à gerência da sociedade que lhes exiba, para exame, os livros de escrituração e outros documentos descritivos da atividade social.
Mais uma vez, à semelhança do que acontece com a informação em sentido estrito, o pedido de informação permanente, na dimensão de consulta de livros e documentos em poder da sociedade, pode ser requerido pelo sócio à gerência desta, verbalmente ou por escrito, a todo o tempo, muito embora, por razões de prova, seja conveniente ao sócio solicitar essa consulta por escrito.
Esse pedido, relembra-se, não tem de ser motivado ou justificado pelo sócio requerente.
Trata-se de um direito subjetivo que é reconhecido ao sócio na sua dimensão mais ampla possível, contanto que se trate de escrituração, livros e documentos atinentes à atividade da sociedade.
Essa consulta deve ser efetuada pessoalmente pelo sócio, na sede da sociedade, o qual, no entanto, poderá fazer-se assistir de um revisor oficial de contas ou de outro perito, bem como usar da faculdade reconhecida pelo art. 576º do CC, ou seja, tirar fotocópias, fotografias, ou usar de outros meios destinados a obter a reprodução da coisa ou do documento, mas esta última faculdade é condicionada a mostrar-se necessária a reprodução e a gerência da sociedade não alegue motivo grave para se lhe opor (n.º 4 do art. 214º do CSC).
Também assiste ao sócio das sociedades por quotas, um direito à informação permanente, na dimensão de inspeção dos bens sociais, de modo a poder vistoriar os bens pertencentes à sociedade.
Mais uma vez, trata-se de um direito subjetivo pleno que assiste ao sócio, o qual poderá requerer, verbalmente ou por escrito, a inspeção desses bens da sociedade à gerência, a todo o tempo, que terá de lhe facultar o acesso aos mesmos para vistoria, tendo esta de ser efetuada pessoalmente pelo próprio sócio, na sede da sociedade, o qual, no entanto, se poderá fazer acompanhar por perito (n.º 5 do art. 214º do CSC).
Sintetizando, nas sociedades por quotas o direito à informação permanente, naquela tripla dimensão, é concedido a todos os sócios, sem discriminações, isto é, sem dependência de serem titulares de uma participação mínima no capital social da sociedade (contrariamente ao que acontece nas sociedades anónimas, em que o exercício pelos acionistas do direito à informação, naquelas várias dimensões, está dependente destes serem detentores de uma participação social mínima no capital social da sociedade – arts. 288º, n.º 1 e 291º, n.º 1 do CSC), não tendo esse pedido de ser motivado, estando, no entanto, esse direito à informação, na dimensão de informação em sentido estrito, limitado à informação respeitante à gestão da sociedade.
Note-se que o direito subjetivo do sócio à informação permanente, em qualquer uma dessas três dimensões, nos termos do n.º 2 do art. 214º, pode ser regulamentado quanto ao seu âmbito e ao modo de exercício, no contrato de sociedade, mas se essa regulamentação pode ampliar o direito à informação reconhecido pelo art. 214º a todo e qualquer sócio, essa regulamentação não pode restringir injustificadamente o âmbito do direito à informação conferido legalmente, através deste dispositivo legal, ao sócio, nem pode impedir o exercício efetivo desse direito legal à informação pelo sócio. Acresce que as disposições do contrato social que regulam o direito do sócio à informação, não podem ser invocadas quando o sócio, requerente da informação, alegue, como fundamento do seu pedido à informação solicitada, a suspeita de práticas suscetíveis de fazerem incorrer o seu autor em responsabilidade, nos termos da lei, ou quando a consulta tenha por fim julgar da exatidão dos documentos de prestação de contas ou habilitar o sócio a votar em assembleia geral já convocada (art. 214º, n.º 2, in fine, do CSC) (10).
Deriva do exposto que o n.º 2 do art. 214º fixa o conteúdo mínimo do direito à informação que é legalmente conferido a todo e qualquer sócio. Esse conteúdo mínimo do direito do sócio à informação é um direito inderrogável e irrenunciável, que, como tal, está subtraído à soberania da assembleia geral e dos sócios, em que nem o consentimento dos seus titulares no contrato de sociedade, nem por deliberação, pode ser afastado ou modificado para além do apontado limite fixado pelo n.º 2, sendo nula a deliberação que o ofenda (art. 56º, n.º 1, al. d) do CSC) (11)
Precise-se que a recusa de informação permanente ao sócio, naquelas três dimensões em que esta se desdobra, ou a prestação dessa informação requerida presumivelmente falsa, incompleta ou não elucidativa, nos termos do disposto no art. 216º do CSC, confere ao sócio o direito a requerer ao tribunal inquérito à sociedade, nos termos do art. 292º, n.º 2 e segs..
Note-se, contudo, que embora o direito subjetivo do sócio, nas sociedades por quotas, a obter informação permanente, nas várias dimensões em que esse direito se desdobra, seja um direito pleno dos sócios, a recusa da sociedade em lhe prestar a informação nem sempre é ilícita e, portanto, nem sempre confere ao sócio o direito de obter provimento na ação de inquérito judicial que venha a intentar com fundamento na recusa da informação permanente que solicitou, ou de que a informação que lhe foi prestada, na sequência do requerimento que apresentou à gerência da sociedade, é presumivelmente falsa ou não elucidativa.
Com efeito, nos termos do n.º 1 do art. 215º do CSC, salvo disposição em contrário do contrato de sociedade, nas sociedades por quotas, a recusa da prestação de informação é lícita quando for de recear que o sócio, requerente da informação, a utilize para fins estranhos à sociedade e com prejuízo desta e/ou quando a prestação da informação ao sócio ocasionar violação de segredo imposto por lei no interesse de terceiros.
Nas sociedades por quotas, a gerência pode, assim, recusar validamente a prestação da informação permanente solicitada pelo sócio quando, em termos objectivos (12), receie que o sócio, requerente da informação, a vai utilizar para fins estranhos à sociedade e, acrescidamente, com prejuízo desta, ou quando a prestação da informação ao sócio da informação que solicita ocasionar a violação de segredo imposto por lei, no interesse de terceiro, como é o caso, por exemplo, do segredo profissional.
Essas duas possibilidades legais que conferem à gerência das sociedades por quotas o direito a recusar licitamente a informação permanente devida ao sócio que lha solicite, no exercício do direito subjetivo que lhe é conferido pelo art. 214º do CSC, consubstancia matéria impeditiva a esse direito subjetivo, pelo que, como matéria de natureza de exceção que é, nos termos do disposto nos arts. 5º, n.º 1 do CPC e 342º, n.º 2 do CC, cumprirá à sociedade demandada, no âmbito da ação de inquérito judicial instaurada pelo sócio, com fundamento no incumprimento do direito subjetivo que lhe assiste à informação, o ónus da alegação e da prova da facticidade integrativa da verificação daqueles pressupostos legais previstos no n.º 1 do art. 215º do CSC, que conferem à gerência o direito a recusar validamente a informação solicitada pelo sócio.
Destarte, na ação especial de inquérito judicial a uma sociedade por quotas, enquanto sobre o sócio, requerente do inquérito, impende o ónus da alegação e da prova de facticidade de onde decorra demonstrada: (i) a sua qualidade de sócio da sociedade requerida; e (ii) a recusa da informação solicitada ou (iii) que a informação que lhe foi prestada é presumivelmente falsa ou (iv) não esclarecedora (13), recusando a sociedade a informação permanente, numa daquelas três dimensões, ao sócio, com fundamento no n.º 1 do art. 215º, n.º 1 do CSC, impende sobre a sociedade, o ónus da alegação e da prova de facticidade de onde resulte demonstrado que a mesma recusou a informação que lhe foi solicitada pelo último porque: (i) existe o receio objetivo de que este utilize essa informação (solicitada e recusada) para fins estranhos à sociedade e em prejuízo desta, ou (ii) a prestação dessa informação ao sócio requerente, acarreta violação de segredo imposto por lei, no interesse de terceiro (14).
Assente nas premissas que se acabam de enunciar, revertendo ao caso dos autos, nele apurou-se que a apelada (requerente da presente ação especial de inquérito judicial) é detentora de uma quota de valor nominal de mil euros, correspondente a 10% do capital social da apelante, que é uma sociedade por quotas (cfr. ponto 3.2) da facticidade apurada), de onde resulta linearmente que a apelada é sócia da sociedade apelante e, como tal, é titular do direito subjetivo à informação permanente, nas três modalidades acima enunciadas: direito à informação em sentido estrito, de consulta e de inspeção, que lhe é conferido pelo art. 214º do CSC.
Mais se apurou que a apelada enviou em 15 de março de 2021, ao gerente da apelante uma carta, na qual lhe solicitava, ao abrigo do disposto no art. 214º, n.º 1 do CSC, a informação que se encontra discriminada no ponto 3.5 dos factos apurados, carta essa que foi rececionada na sede da apelante, em 16 de março de 2021, mas que volvidos mais de um mês sobre a receção dessa carta, aquele gerente não deu resposta à requerente (cfr. pontos 3.5, 3.6 e 3.9 dos factos apurados), pelo que, através dessa carta, a apelada exerceu o seu direito subjetivo a obter informação permanente sobre a gestão da sociedade apelante, direito esse que lhe é conferido pelo art. 214º, n.ºs 1 a 3 do CSC..
Na perspetiva da apelante, do facto de o seu gerente não ter dado qualquer resposta à solicitação da apelada em lhe prestar a dita informação, não se pode inferir, como inferiu, a 1ª Instância, que aquela recusou a informação solicitada pela apelada, mas, antecipe-se desde já, sem qualquer razão.
Neste conspecto, incumbe precisar que não se comunga da posição sufragada pela apelada, na petição inicial, segundo a qual a presunção de recusa da informação solicitada, estatuída no art. 291º, n.º 5 do CSC, no âmbito das sociedades coletivas, que reconhece individualmente ao acionista que seja detentor de, pelo menos, 10% do capital social, ou a um grupo de acionista que, em conjunto, sejam detentores de, pelo menos, 10% do capital social, o direito a solicitar, por escrito, informação permanente, também por escrito, ao conselho de administração ou à direção da sociedade sobre assuntos da sociedade, isto é, sobre a gestão da sociedade (15), tendo-se essa informação por recusada caso não seja prestada nos quinze dias seguintes à receção do pedido, seja igualmente aplicável analogicamente à sociedade por quotas, quanto à informação permanente (em qualquer uma das suas três dimensões) reconhecida aos sócios pelo art. 214º.
Com efeito, quer se entenda que a presunção contida no n.º 5 do art. 291º do CSC., é uma presunção iuris tantum, e por isso, ilidível mediante prova em contrário (16), quer se entenda que se está perante uma presunção iuris et de iure, e portanto, inilidível (17), trata-se de uma presunção legal em que basta ao beneficiário dessa presunção alegar e fazer prova dos factos base da presunção – o decurso do prazo de 15 dias sobre a receção do pedido de informação – para, automaticamente, se ter por demonstrado o facto a que conduz a presunção – a recusa da informação solicitada.
Porque assim é, as presunções legais, como é o caso da contida naquele n.º 5 do art. 291º “constituem uma derrogação das regras sobre o ónus da prova, sendo, portanto, excecionais e, por isso, as disposições que as estabelecem não podem aplicar-se por analogia, na medida em que o não possam ser as leis excecionais” (18).
Ora, estando a presunção de recusa contida no n.º 1 do art. 291º do CSC, prevista para o direito coletivo à informação que assiste aos acionistas, no âmbito das sociedades anónimas, é apodítico que face à natureza excecional dessa norma, não contendo o art. 214º do CSC norma equivalente para a informação permanente que reconhece aos sócios, no âmbito das sociedades por quotas, nos termos do art. 9º do CC., aquela presunção não é suscetível de ser aplicada analogicamente à informação permanente reconhecida aos sócios no âmbito do art. 214º.
No entanto, do que se acaba de dizer não resulta que perante os factos alegados pela apelada, na petição inicial, e que se quedaram como provados, não se imponha concluir que a apelante recusou efetivamente a informação permanente, na vertente de informação em sentido estrito, que se encontra discriminada no ponto 3.5 dos factos apurados à apelada.
Com efeito, sendo a recusa, tal como a aceitação, declarações negociais, nos termos do disposto no art. 217º do CC, estas podem ser expressas ou tácitas.
A declaração negocial de aceitação ou de recusa da informação solicitada pela apelada à gerência da apelante será expressa quando é feita por palavras, escrito ou qualquer outro meio direto de manifestação da vontade; e será tácita quando se deduza de factos que, com toda a probabilidade, a revelam (art. 217º do CC).
Ora, assim sendo, o comportamento omissivo da apelante, que perante a receção da carta, em que a apelada lhe solicitava que lhe fosse prestada a informação discriminada no ponto 3.5 dos factos apurados na sentença, durante mais de um mês, não lhe prestou essa informação, nem sequer lhe deu qualquer resposta à carta em que essa informação lhe era pedida, não pode ter outro sentido ou significado declarativo que não seja a de uma recusa tácita de prestar essa informação à apelada, posto que se assim não fosse, nomeadamente, caso a gerência da apelante entendesse que o pedido de informação que lhe foi enviado, por escrito, pela apelada, era um pedido global e indeterminado, que não lhe permitia apreender qual a concreta informação que a mesma pretendia, ou caso entendesse que esta não tinha direito a essa informação porque não motivara esse seu pedido, ou porque lhe assistia validamente o direito de recusar essa informação à apelada por existir o receio objetivo de que esta utilizasse essa informação para fins estranhos à sociedade e com prejuízo desta (conforme alega na contestação e insiste agora, nas suas alegações de recurso, acontecer), ou porque à apelada, pura e simplesmente, não assistia o direito a obter essa informação que solicitou, era esperável que a gerência da apelante tivesse solicitado esclarecimentos à apelada ou tivesse manifestado essa sua posição de recusa perante a última, o que contudo não fez, mantendo-se silente, numa atitude que não pode ter outro significado declarativo que não seja o de recusa (tácita) em prestar à apelada a informação por esta solicitada.
De resto, nos termos do n.º 6 do art. 292º do CSC., o inquérito judicial pode ser requerido sem precedência de pedido de informações à sociedade se as circunstâncias do caso fizerem presumir que a informação não será prestada ao acionista, nos termos da lei.
Logo, ainda que se entendesse que aquele longo e reiterado silêncio da apelante, que durante mais um mês sobre a data da receção da carta em que a apelada lhe solicitava aquela informação, não cuidou em facultar à última a informação solicitada, nem sequer em dar qualquer resposta a essa carta, não podia ser tido como recusa tácita da apelante em prestar essa informação à apelada (o que não se subscreve), por aplicação do disposto no n.º 6 do art. 292º do CSC, sempre se tinha de julgar procedente a presente ação nos termos determinados pela 1ª Instância, já que aquela atitude, longa e reiteradamente omissiva da apelante, não permite retirar outra ilação que não seja que esta não pretende prestar a dita informação à apelada, não obstante se tratar de um direito subjetivo que o art. 214º, n.º 1 reconhece à última.
Deste modo, ao concluir que a apelante recusou prestar à apelada a informação por esta solicitada, por escrito, à administração da apelante, informação essa que se encontra discriminada no ponto 3.5 dos factos apurados, a 1ª Instância não incorreu em nenhum dos erros de direito que a apelante imputa à decisão de mérito por esta proferida.
Continua a apelante, advogando que o pedido de informação que lhe foi apresentado pela apelada consubstancia um pedido de informação global e indeterminado sobre toda a vida societária, sem indicar concretamente os atos que, em relação às entidades públicas ou à sociedade HabiY – Construções, Lda.”, estão em causa, e sem justificar a razão ou a necessidade de obtenção de tais informações, limitando-se a referir genericamente a existência de contratos celebrados pela sociedade, mas cujo objeto não concretiza, mas, antecipe-se desde já, sem manifesta razão.
Na verdade, compulsada a facticidade apurada sob o ponto 3.5 dos fatos apurados, dir-se-á que toda a informação que aí se encontra discriminada e que foi solicitada pela apelada, apesar de extensa, encontra-se concretizada, pelo que qualquer observador externo que se visse confrontado com esse pedido escrito, não só não teria quaisquer dúvidas em apreender qual a concreta informação pretendida pela apelada, como logo teria concluído que a mesma releva para efeitos de apreciação da gestão que vem sendo feita pela gerência em relação à sociedade apelante.
De resto, cumpre relembrar à apelante que, nos termos dos n.ºs 1 e 3 do art. 214º do CSC, a lei confere, no âmbito das sociedades por quotas, a todos os sócios, independentemente do capital social que detenham na sociedade, um direito subjetivo à informação em sentido estrito quanto a atos passados e, inclusivamente, futuros, contanto que a prática destes seja esperada e sejam suscetíveis de fazer incorrer o seu autor em responsabilidade, nos termos da lei, desde que se reportem à gestão da sociedade, sem que o sócio, requerente dessa informação, diversamente do pretendido pela apelante, tenha de justificar, isto é, de motivar esse seu pedido e sem que a lei imponha qualquer limite quanto à quantidade da informação solicitada.
Ora, conforme resulta da facticidade apurada sob o ponto 3.5 dos factos apurados, a informação solicitada pela apelada à gerência da apelante, apesar de extensa, reporta-se e releva indiscutivelmente em sede de gestão da sociedade apelante; a apelada não tinha de motivar/justificar esse pedido de informação e esse pedido de informação mostra-se, perfeita e cabalmente, concretizado, de modo a não permitir quaisquer dúvidas à apelante (e a quem quer que fosse) sobre a informação efetivamente pretendida pela apelada junto da gerência desta, tendo a apelada, nos termos do n.º 1 do art. 214º do CSC, direito que a gerência lhe preste essa informação de forma verdadeira, completa e elucidativa.
Mais uma vez, ao assim decidir, a 1ª Instância não incorreu em nenhum dos erros de direito que a apelante imputa à decisão de mérito, que determinou que esta prestasse essa informação à apelada no prazo de trinta dias.
Continua a apelante, sustentando que, quer através da sua contabilista, quer do seu gerente, informou a apelada que não lhe era possível, dentro do prazo por esta fixado, reunir toda a informação pretendida e, bem assim, que estava a analisar a possibilidade de lhe recusar legitimamente o acesso a essa informação, atento o justo receio da apelada a usar para fins estranhos à sociedade e em prejuízo desta.
Acontece que essa facticidade alegada pela apelante foi julgada não provada (cfr. alíneas a) e b) da facticidade apurada), antes se apurou que apesar de ter recebido a carta em que a apelada lhe solicitava a informação discriminada no ponto 3.5 dos factos apurados, volvidos mais de um mês sobre a receção daquela carta, o gerente da apelante não deu qualquer resposta à requerente e, bem assim, que os emails trocados nos dias 19 e 22/03/2021, entre apelante e apelada são totalmente alheios ao pedido de informação insatisfeito solicitado pela apelada (pontos 3.9, 3.10 e 3.11 dos factos apurados), sem que a apelante tivesse impugnado a facticidade assim julgada não provada e provada pela 1ª Instância.
Decorre do exposto, que a apelante não só não logrou fazer prova daquela sua alegação, como, inclusivamente, se provou que a mesma se manteve efetivamente silente perante o pedido de informação que lhe foi apresentado pela apelada sobre a gestão da sociedade apelante (o que, reafirma-se, não tem outro sentido declarativo, que não seja a recusa tácita em lhe prestar essa informação), isto apesar de entre elas terem existido contactos sobre outros assuntos, o que, aliás, não pode deixar de reforçar aquela declaração tácita de recusa da apelante em prestar a informação solicitada pela apelada.
Improcede este fundamento de recurso.
Finalmente, sustenta a apelante que a sua recusa em prestar a informação solicitada pela apelada é legítima, atento o fundado receio de que esta última usasse essa informação para fins estranhos à sociedade e em prejuízo desta.
Acontece que, conforme acima se expôs, embora o art. 215º, n.º 1 do CSC, confira à apelante o direito de recusar legitimamente a informação strictu sensu (ou nas outras modalidades de consulta e de inspeção) que lhe foi solicitada pela apelada, enquanto sua sócia, que é conferido pelo n.º 1 do art. 214º, sempre que exista receio (objetivo) desta utilizar essa informação para fins estranhos à sociedade e com prejuízo desta, ou quando a prestação dessa informação ocasione violação de segredo imposto por lei no interesse de terceiros, esses fundamentos de recusa legítima em prestar a informação à apelada consubstancia facto impeditivo do direito à informação que é reconhecido à última pelo n.º 1 do art. 214º, pelo que, nos termos dos arts. 5º, n.º 1 do CPC e 342º, n.º 2 do CC, o ónus da alegação e da prova dos factos integrativos dos pressupostos legais desses factos impeditivos impende sobre a apelante.
Ora, conforme resulta das respostas negativas dadas às alíneas c), d), e) e f) da facticidade julgada não provada na sentença recorrida, também ela não impugnada pela apelante, esta não logrou fazer prova de nenhuma facticidade em que ancorou o pretenso receio da apelada em utilizar a informação que solicitou para fins estranhos à sociedade e com prejuízo desta, pelo que bem andou a 1ª Instância em concluir pela improcedência da exceção invocada pela apelante e, consequentemente, ao concluir que a recusa da informação solicitada pela apelada à gerência da apelante, era ilegítima, e ao condenar a última a prestar essa informação no prazo de trinta dias.
Aqui chegados, resulta do que se vem dizendo que a decisão de mérito constante da sentença recorrida, que julgou procedente o pedido de informações apresentado pela apelada e que determinou que a apelante lhe preste a informação solicitada no prazo de trinta dias, não padece de nenhum dos erros de direito que a apelante lhe imputa, impondo-se confirmar o decidido.

B.2- Da condenação da apelante como litigante de má fé.

A 1ª Instância condenou a apelante como litigante de má fé, no pagamento de cinco UC de multa, decisão essa com a qual não se conforma a apelante, imputando erro de direito ao assim decidido, advogando que a “sentença recorrida confunde litigância de má fé com lide meramente temerária ou ousada”, além de que a condenou como litigante de má fé por ter decaído na oposição que apresentou, quando esse “decaimento sobreveio por mera fragilidade da prova e de não ter logrado convencer (o tribunal) da realidade por si trazida a julgamento”.
Que dizer?
Como é sabido, o instituto da litigância de má fé encontra-se regulado nos arts. 542º a 545º do CPC, distinguindo-se entre a litigância de má fé substantiva ou material, a que se reportam as als. a) e b) do n.º 2 do art. 542º, e a litigância de má fé instrumental ou substantiva, sobre as quais regem as restantes alíneas do n.º 2.
A má fé substancial ou material relaciona-se com o mérito da causa, isto é, a parte, não tendo razão, atua no sentido de conseguir uma decisão injusta ou realizar um objetivo que se afasta da função processual, pelo que nesta modalidade de má fé sanciona-se a conduta da parte que sabendo, ou tendo obrigação de saber, que não tem razão, infringe o dever de não formular pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não ignorava, ou não devia ignorar, altera a verdade dos factos ou omite factos relevantes para a decisão da causa.
Por sua vez, na má fé instrumental abstrai-se da razão que a parte possa ter quanto ao mérito da causa e qualifica-se o comportamento processual desta ao longo da ação, por essa sua conduta processual consubstanciar uma violação grave ao dever de cooperação (al. c), do n.º 2 do art. 542º) ou se traduzir na utilização dos meios processuais para os fins ilegítimos que constam da al. d) do n.º 2 do art. 542º.
Conforme é bom de ver, embora a parte vencedora não possa incorrer na modalidade de má fé material, pode incorrer em má fé instrumental (19).
A condenação da parte como litigante de má fé é estritamente processual, uma vez que nela condena-se o litigante por ter desviado os meios processuais que a lei adjetiva coloca ao seu dispor para um uso indevido, isto é, contrário ao fim para que o legislador lhos concedeu, representando a condenação como litigante de má fé uma das modalidades do dolo processual, que consiste na utilização maliciosa e abusiva do processo.
Na base da condenação como litigante de má fé não está, portanto, a violação pelo litigante de posições de direito substantivo, mas antes ofensas cometidas no exercício da atividade processual a posições também elas processuais ou ao processo em si mesmo considerado (20).
Dito por outras palavras, condena-se a parte como litigante de má fé, não porque ao demandante não assista o direito substantivo a que se arroga titular, ou porque o demandado, com a oposição/contestação que apresentou, ter colocado em crise o direito substantivo que assiste efetivamente ao demandante, mas antes porque os mesmos, ao exercerem o direito de ação ou de defesa, incorreram no cometimento de um ilícito processual.
Neste sentido, já sustentava Alberto dos Reis que na base da condenação como litigante de má fé “(…) está o princípio da responsabilidade subjetiva: a culpa e o dolo do litigante. Se a parte procedeu de boa fé, sinceramente convencida de que tinha razão, a sua conduta é perfeitamente lícita; por isso, em caso de insucesso, suporta unicamente o peso das custas, como risco inerente à sua atuação. Mas se procedeu de má fé ou com culpa, se sabia que não tinha razão ou se não ponderou com prudência as pretensas razões, a sua conduta assume o aspeto de conduta ilícita. Demandando ou contestando em tais circunstâncias, pratica um facto ilícito, um facto contrário à ordem jurídica; daí a sua responsabilidade subjetiva, emergente precisamente do seu estado de consciência – do dolo ou da culpa. Quer dizer, o que inquina o facto da parte, o que lhe imprime a mancha ou o vício, o que transforma de facto lícito em facto ilícito, é justamente o dolo ou a culpa com que ela se conduziu em juízo. (…). A ordem jurídica põe a tutela jurisdicional à disposição de todos os titulares de direitos; que no caso concreto o litigante tenha ou não razão, é indiferente: num e noutro caso goza dos mesmos poderes processais. Mas ao princípio da licitude do exercício dos meios processuais a mesma ordem jurídica põe uma limitação: que o exercício seja sincero, que a parte esteja convencida da justiça da sua pretensão. Quando falta este requisito, o ato passa a ter o caráter de ilícito. Estamos perante um ilícito processual (…). Por outras palavras, uma coisa é o direito abstrato de ação ou de defesa, outra o direito concreto de exercer a atividade processual. O primeiro não tem limites; é um direito inerente à personalidade humana. O segundo sofre limitações, impostas pela ordem jurídica; e uma das limitações traduz-se nesta exigência de ordem moral: é necessário que o litigante esteja de boa fé ou suponha ter razão. Portanto, revelada a má fé, torna-se patente que ele exerceu atividade ilícita. Há, em tal caso, segundo alguns, abuso de direito; parece-nos mais rigoroso dizer que não há direito” (destacado nosso) (21).
Acresce precisar que antes da revisão ao CPC, operada pelo DL n.º 329-A/95, de 12/11, apenas se sancionava como litigância de má fé a lide dolosa, sendo necessário que a parte tivesse conhecimento da sua falta de razão e, ainda assim, quisesse propositadamente assumir, e assumisse, uma das condutas processuais tipificadas no n.º 2 do art. 542º (dolo direto), ou previsse estas como uma consequência necessária da sua conduta processual, mas ainda assim, não se absteve dessa conduta (dolo necessário), ou prevendo essas condutas processuais tipificadas naquele n.º 2 como resultado possível dessa sua conduta processual, não se absteve de a adotar, conformando-se com esse possível resultado (dolo eventual), mas já não integrava litigância de má fé a lide temerária ou a litigância imprudente.
Acontece que, na sequência da revisão operada ao CPC, com o objetivo de implementar uma maior responsabilização das partes, o legislador ampliou o conceito de litigância de má fé também à negligência grave, bastando agora, para que a parte incorra em litigância de má fé, que esta desconhecesse da sua falta de razão por “negligência grave”, isto é, por não ter adotado as precauções mínimas exigidas pelas mais elementares regras da prudência ou de previsão, que devem ser observadas nos usos correntes da vida (22).
Na base da litigância de má fé por negligência grave está, portanto, uma questão de exigibilidade, isto é, para aferir se a parte agiu (ou não) como litigante de má fé por negligência grave é necessário verificar se desconhecendo a parte que não lhe assiste razão, lhe era ou não exigível que tivesse conhecimento dessa sua falta de razão, afirmando-se a negligência quando esse juízo seja positivo.
No entanto, porque a mera negligência é insuficiente para que se possa condenar a parte em litigância de má fé, torna-se necessário indagar se, sendo exigível à parte que não desconhecesse que não tinha razão, essa falta de previsão em que incorreu se deveu a uma situação de negligência grave, isto é, a uma falta de cuidado grosseira, por não ter cuidado em adotar as regras mínimas de cuidado, da mais elementar prudência ou previsibilidade.
Para esses efeitos, o parâmetro a considerar para efetuar esse juízo de exigibilidade é o recurso ao padrão de cuidado que teria sido adotado pela “generalidade das pessoas ou de todas as pessoas, pertencentes à mesma categoria social e intelectual da parte real, colocada naquela situação em concreto”, impondo-se concluir pela negligência grave da parte real quando, uma vez feito esse juízo, por referência às circunstâncias concretas do caso, se conclua que qualquer pessoa da categoria social e intelectual da parte real, quando colocada nas concretas situações em que esta agiu, se teria abstido de litigar, porquanto, cumpridos com os seus deveres de indagação, teria concluído que a sua pretensão ou defesa não tinham fundamento ().
Assente nas premissas que se acabam de enunciar, sustenta a apelante que não se encontram preenchidos os pressupostos legais necessários à sua condenação como litigante de má fé, mas sem razão.
Na verdade, conforme se extrai linearmente da leitura da sentença recorrida, contrariamente ao pretendido pela apelante, esta não foi condenada como litigante de má fé por ter deduzido oposição à ação intentada pela apelada e por não ter logrado fazer prova da versão dos factos que apresentou nessa contestação, nomeadamente, devido à fragilidade da prova produzida, mas sim devido ao facto de, em sede de contestação, ter alegado que, na sequência da carta que a apelada enviou à sua gerência, solicitando que lhe fosse prestada a informação que se encontra discriminada no ponto 3.5 dos factos apurados, em “19 de março de 2021 informou a Autora que não seria possível reunir toda a informação requerida, pelo menos, no tempo que lhe foi exigido, sendo certo que estaria a analisar a possibilidade de a Autora poder aceder a toda a informação pretendida, porquanto verifica-se o justo receio que a sócia as usasse para fins estranhos à sociedade e em prejuízo desta (cfr. ponto 19º da contestação) e ter junto aos autos, em anexo a essa contestação, para prova dessa versão dos factos, a prova documental que dominou de “Doc. n.º 1”, que consubstanciam vários mails trocados entre a apelada e a contabilista da apelante, quando se veio a apurar que esses mails são inteiramente alheios ao pedido de informação solicitado pela apelada, facto esse que é do conhecimento da apelante, pese embora a sua alegação em contrário (cfr. pontos 3.10 e 3.11 dos factos apurados).
Destarte, no caso dos autos não se está perante qualquer situação em que a apelante não tenha logrado fazer prova da versão dos factos que apresentou na contestação, designadamente, devido à fragilidade da prova produzida, mas perante uma situação em que a prova produzida evidenciou que a apelante alegou uma versão dos factos (no ponto 19º da contestação) e para prova dessa sua versão fáctica juntou aos autos prova documental tendente a demonstrar essa sua versão, apesar de ter perfeito conhecimento que essa prova documental nada tinha a ver com o pedido de informação que lhe tinha sido apresentado pela apelante.
Isto é, a apelante propositadamente, com o objetivo de induzir o tribunal em erro e, portanto, dolosamente, juntou aos autos prova documental, tendente a fazer prova em como deu resposta à carta que a apelada enviou à sua gerência, solicitando-lhe a informação sobredita, quando essa prova documental é totalmente alheia ao pedido de informação solicitado pela apelada.
Ao assim agir, é indiscutível que a apelante fez dos meios processuais, que lhe são concedidos pela lei processual civil – que lhe reconhece o direito à prova - um uso manifestamente reprovável, com o fim de impedir a descoberta da verdade e de conseguir um objetivo ilegal, na medida em que juntou aquele meio de prova com vista a dolosamente enganar o tribunal, com o intuito de fazer prova da versão dos factos que apresentou na contestação e, assim, levar à improcedência da presente ação, tudo quando, reafirma-se, tinha perfeito conhecimento que esse meio de prova é inteiramente alheio ao pedido de informação formulado pela apelada através da carta datada de 15 de março de 2021.
O descrito comportamento processual da apelante preenche os pressupostos da litigância de má fé, mais concretamente à má fé processual, nos termos da al. d), do n.º 2 do art. 542º do CPC.
Destarte, tal como ajuizado pela 1ª Instância, com essa sua conduta processual, a apelante litigou de má fé, não padecendo, portanto, a decisão recorrida, que assim decidiu, de nenhum dos erros de direito que a apelante lhe imputa.
Improcede este fundamento de recurso.
Aqui chegados, impera concluir que a 1ª Instância não incorreu em nenhum dos erros de direito que a apelante lhe imputa, impondo-se concluir pela improcedência da presente apelação e, em consequência, confirmar a sentença recorrida.
*
Decisão:

Nesta conformidade, os Juízes Desembargadores da 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães acordam em julgar a presente apelação improcedente e, em consequência:
- confirmam a sentença recorrida.
*
Custas pela apelante (art. 527º, n.ºs 1 e 2 do CPC).
Notifique.
*
Guimarães, 18 de novembro de 2021
Assinado eletronicamente pelos Juízes Desembargadores:

José Alberto Moreira Dias (relator)
Rosália Cunha (1ª Adjunta)
Lígia Venade (2ª Adjunta)



1. Abrantes Geraldes, “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, 2017, 4ª ed., Almedina, págs. 158 e 159.
2. Acs. STJ, de 01/07/2004, Proc. 04B228, onde se lê: “São factos notórios os que, pela sua evidência, são conhecidos pelo juiz da causa e por qualquer cidadão regularmente informado, mas não assumem essa natureza as meras ilações ou conclusões fáctico-jurídicas, designadamente a indivisibilidade de um prédio”; de 12/03/2009, Proc. 08S0602: “Um facto é notório quando o juiz o conhece como tal, colocado na posição do cidadão comum, regularmente informado, sem necessidade de recorrer a operações lógicas e cognitivas, nem a juízos presuntivos. Não podem considerar-se factos do conhecimento geral e, como tal, notórios, aqueles que se reportam a estados de consciência e a estados emocionais do foro interno da autora, como tal a carecerem, de prova, nos termos gerais”; ou Ac. RL. de 14/06/2011, Proc. 3044/08, também na base de dados da DGSI, em que se lê que: “Constitui facto notório tudo aquilo que a maioria substancial da população, sem um grande esforço de procura da informação, tem no seu dia a dia corrente por adquirido ou por certo”.
3. Margarida Costa Andrade, “Código das Sociedades Comerciais em Comentário”, coordenando por Jorge M. Coutinho de Abreu, vol. I, 2ª ed., Almedina, pág. 377.
4. Menezes Cordeiro, in “Manuel das Sociedades em Geral”, pág. 677.
5. Coutinho de Abreu, in “Curso de Direito Comercial”, vol. II, “Das Sociedades”, 2014, 4ª ed., Almedina, págs. 255 e 256.
6. Diogo Lemos da Cunha, in “O Inquérito Judicial Enquanto Meio de Tutela do Direito à Informação nas Sociedades por Quotas”, pág. 304. Ainda Raúl Ventura, in “Sociedade por Quotas”, vol. I, 2ª ed., Almedina, pág. 292, que a propósito da expressão “atos de gestão”, pondera que essa expressão” abrange os eventos que compõem a via social (…). A vida social não é composta só por atos dos gerentes, mas também por factos materiais, atos de pessoas mais ou menos ligadas à sociedade por laços contratuais permanentes, atos de terceiros com efeitos na sociedade. Por outro lado, na vida social incluem-se tanto os factos relativos à empresa social como os relativos às relações entre os sócios. Note-se que as próprias omissões fazem parte da vida duma sociedade, como fazem parte da via duma pessoa física”. Além disso, esses pedidos de informação podem incidir sobre “atos já praticados ou sobre atos cuja prática seja esperada, quando estes sejam suscetíveis de fazerem incorrer o seu autor em responsabilidade, nos termos da lei”.
7. Ac. STJ. de 16/03/2011, Proc. 1560/07.3TBOZA.P1, in base de dados da DGSI, onde se lê que: “O direito a obter informações consiste, grosso modo, na possibilidade de solicitar ao órgão habilitado para tal, esclarecimentos, dados elementos, notícias, descrições sobre factos, atuais e futuros, que integrem a vida e gestão da sociedade, incluindo de dirigir essa solicitação em assembleia geral. A informação prestada deve ser verdadeira, completa e elucidativa, exigência presente para todas as sociedades comerciais. Informação completa é aquela que contém todos os elementos necessários para corresponder a toda a plenitude da solicitação do sócio, pelo que o critério para se distinguir a completude da incompletude da informação será fornecidos pelo requerimento que desencadeia a respetiva prestação. Informação elucidativa, é aquela que remove e esclarece as dúvidas ou o desconhecimento acerca de factos ou razões ou justificações para a sua prática, tal como se contém na solicitação do sócio. Existe recusa de informação, no sentido de recusa ilícita de informação, sempre que o órgão competente para a sua prestação, face a uma solicitação feita por um ou mais sócios, nas condições de legitimidade estabelecidas na lei, ou no contrato, quando admissíveis, e nos limites fixados, denegue essa mesma prestação ou forneça informação falsa, incompleta ou não elucidativa”.
8. Raúl Ventura, “Novos Estudos Sobre Sociedades Anónimas e Sociedades em Nome Coletivo”, pág. 148.
9. Acs. STJ. de 13/04/1994, CJ, T. II, pág. 27; de 16/03/2011, Proc. 1560/08.3BAOZ.P1.S1; RG. de 10/07/2019, Proc. 734/18.3T8VCT.G1; RP. de 08/03/2018, Proc. 2929/16.5T8STS.P1, todos in base de dados da DGSI, lendo-se neste último, que “O direito à informação nas sociedades por quotas é um direito pleno dos sócios, que não depende, no seu exercício, de qualquer fundamentação ou justificação”. No mesmo sentido Pereira de Almeida, “Sociedades Comerciais, Valores Mobiliários e Mercados”, 6ª ed., Almedina, pág. 141; Ainda Raúl Ventura, in “Sociedades por Quotas”, vol. I, pág. 292, onde escreve que: “O direito à informação deve ser exercido mediante requerimento do sócio, o qual não está sujeito a forma especial. Por outro lado, nesse requerimento o sócio não está obrigado a fundamentar o pedido, embora para certos efeitos lhe convenha fazê-lo”.
10. Alexandre de Soveral Martins, “Direito dos Sócios à Informação”, in “Código das Sociedades Comerciais”, vol. III, coord. por Jorge M. Coutinho de Abreu, Almedina, pág. 302, em que sustenta que: “O contrato de sociedade pode regulamentar o direito à informação (n.º 2 do art. 214º). Essa possibilidade vale tanto para o direito à informação em sentido estrito, como para o direito de consulta e inspeção”, acrescentando a fls. 302 e 303: “Uma tal regulamentação pode dizer respeito ao procedimento (incluindo aí o horário das consultas ou o prazo para as respostas dos gerentes), como o âmbito da informação. A regulamentação em causa, porém, não pode constituir, na prática, um verdadeiro impedimento ao exercício efetivo do direito à informação. Também no que respeita ao âmbito do direito à informação (e, portanto, quanto às matérias sobre as quais pode incidir) não podem constar do contrato de sociedade limitações que não sejam justificadas”.
11. Abílio Neto, “Notas Práticas ao Código das Sociedades Comerciais”, 1989, Petrony, pág. 305.
12. Ac. STJ. de 16/03/2011, Proc. 1560/08.3TBAOAZ.P1.S1, in base de dados da DGSI: “O critério razoável para apreciar esse receio será o seguinte: a recusa haver-se-á como legítima quando as circunstâncias do caso indicam razoável probabilidade de utilização da informação, como resultado de uma apreciação objetiva”.
13. Acs. RG. de 12/10/2017, Proc. 969/09.0TYLSB.L1-6; RL. de 28/02/2019, Proc. 6786/18.9T8SNT.L1-6; R.P. de 17/12/2001, Proc. 0151616, todos in base de dados da DGSI. No mesmo sentido Paulo Olavo da Cunha, “Direito das Sociedades Comerciais”, 7ª ed., Almedina, pág. 411, onde pondera que: “Em qualquer circunstância ao exercer o direito de informação, na vertente judicial (isto é, recorrendo ao inquérito judicial), o sócio (ou acionista) deve fundamentar o seu pedido – alegando a insatisfação do seu direito e a recusa injustificada e da informação – e sustentando-o em factos concretos”. Ainda J. P. Remédio Marques, “Inquérito Judicial”, in “Código das Sociedades Comerciais”, vol. III, coord. por Jorge M. Coutinho de Abreu, Almedina, pág. 326, onde escreve: “Tendo em conta o disposto no art. 342º, n.ºs 1 e 2 do CC, sobre o requerente do inquérito recai o ónus de provar para além da sua (1) qualidade de sócio, (2) a recusa da informação que tenha sido precipuamente pedida à gerência, ou (3) a prestação de informação falsa, incompleta, prolixa, ambígua ou, em geral, não elucidativa (factos constitutivos do direito do requerente). Sobre a sociedade recai o ónus de demonstrar os factos de que se possa retirar ou inferir a licitude da recusa, já que são factos impeditivos do direito do requerente”.
14. Ac. STJ. de 29/10/2013, Proc. 3829/11.0TBVCT.G1.S1, in base de dados, em que se lê: “O direito do sócio requerer inquérito judicial releva, não apenas quanto ao não fornecimento de informações, como, também, em caso de recusa de consulta, ou de informação sobre a vida da sociedade, nomeadamente, quando lhe é negado o direito a obter informação sobre um específico evento respeitante à gestão da sociedade, como sejam, os atos ligados à sociedade, porquanto se trata, de igual modo, de uma faculdades instrumental do direito à informação, lato sensu, isto é, do direito do sócio a ser informado da vida e do giro da sociedade. (…). O pedido de inquérito judicial deve fundamentar-se em factos, concretamente alegados pelo requerente sobre a falsidade da informação solicitada ou a sua insuficiência. Como factos constitutivos do seu direito, cuja demonstração lhe cabe efetuar, enquanto que o requerido tem, em contraponto, o ónus de demonstrar os factos donde se possa retirar ou inferir a licitude da recusa, que se traduzem em factos impeditivos do direito do requerente”. Ainda Ac. RE. de 30/06/2021, Proc. 74/20.8T8SRP-A.E1, in base de dados da DGSI, em que se lê: “Impende sobre o requerente do pedido de inquérito judicial o ónus da prova da sua qualidade de sócio, bem como do impedimento da informação previamente solicitada à gerência, enquanto à sociedade incumbe provar a factualidade que possa estribar a licitude da recusa (arts. 342º, n.º 2 do CC e 215º do CSC)”.
15. Alexandre de Soveral Martins, “Direito Coletivo à Informação”, in “Código das Sociedades Comerciais”, vol. V, 2ª ed., coord. por Jorge M. Coutinho de Abreu, Almedina, pág. 241, pág. 241, em que defende que: “Um único acionista que for titular de ações que atinjam 10% do capital social, também pode solicitar a informação referida no art. 291º” (em igual sentido Menezes Cordeiro, “Código das Sociedades Comerciais”, 2ª ed., 2014, Almedina, pág. 834, e Ac. STJ de 11/06/2022, Ver. N.º 1759/02-7ª, Sumários 6/2002), acrescentando a fls. 242 que. “As informações que os acionistas podem solicitar ao abrigo do art. 291º são as que dizem respeito aos assuntos sociais. Os termos “assuntos sociais” são muito vagos. Nos arts. 181º, n.º 1 e 214º, n.º 1 o direito à informação diz respeito à “gestão da sociedade”. Este parece ser também o sentido a dar aos assuntos sociais mencionados no art. 291º”.
16. João Labareda, “Das Ações das Sociedades Anónimas”, AAFDL, 1988, págs. 185 e segs., em que além de postular que a presunção de recusa de informação contida no n.º 5 do art. 291º do CSC, é ilidível, mediante prova em contrário, defende competir “à administração ou direção demonstrar a impossibilidade de prestar atempadamente informação requerida pelo sócio; mas, se o fizer, não pode a mesma considerar-se recusada”.
17. António Menezes Cordeio, ob. cit., pág. 835 e Ac. RL. de 04/10/2005, CJ, t. 4º, págs. 117 e 118.
18. Vaz Serra, “Provas”, BMJ, 110º, pág. 188.
19. Sobresta esta distinção e respetivas consequência, José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre”, “Código de Processo Civil Anotado”, vol. 2ª, 3ª ed., Almedina, págs. 457 e 458, nota 4.
20. Ac. RP. de 13/02/2017, Proc. 3006/05.0TBGDM.P3, in base de dados da DGSI.
21. Alberto dos Reis, “Código de Processo Civil Anotado”, vol. II, 3ª ed., Coimbra Editora, págs. 260 e 261. No mesmo sentido Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, “Código de Processo Civil Anotado”, vol. I, 2ª edª, Almedina, págs. 615 e 616, nota 1. Ainda, Pais de Amaral, “Direito Processual Civil”, 2016, 12ª ed., Almedina, págs. 27 e 28: “A parte tem o dever de não formular pretensão ou oposição cuja falta de fundamento devia conhecer; de não alterar a verdade dos factos e de não omitir factos relevantes para a decisão da causa; de não fazer do processo ou dos meios processuais um uso claramente reprovável com o fim de conseguir um objetivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, atrasar a ação da justiça ou o trânsito em julgado, sem fundamento sério. Considerando o dever de cooperação, a omissão grave constitui igualmente litigância de má fé. A boa fé é um princípio fundamental em qualquer ambiente de colaboração. Para que se possa falar da litigância de má fé e se considere justificada a aplicação de alguma das sanções previstas para tal situação deverá ter-se como assente que alguma das partes atuou com dolo ou com negligência grave, não estando, portanto, abrangidas as situações em que apenas existiu erro grosseiro ou lide ousada por mera inadvertência. Exige-se que o litigante tenha consciência de que não lhe assistia razão. Não se pode considerar como litigante de má fé aquele que supõe que atua em conformidade com o direito por desconhecer ou ignorar qualquer vício ou circunstância anterior. Conforme certa jurisprudência, a defesa convicta de uma perspetiva jurídica dos factos diversa daquela que a decisão judicial acolhe não implica, por si só, litigância censurável a despoletar a atuação da norma sancionatória”. Também Teixeira de Sousa, “Estudos Sobre o Novo Processo Civil”, Lex, Lisboa 1997, págs. 62 e 63: O “princípio da cooperação destina-se a transforma o processo civil numa “comunidade de trabalho” e a responsabilizar as partes e o tribunal pelos seus resultados. Este dever de cooperação dirige-se quer às partes, quer ao tribunal (…). O dever de cooperação assenta, quanto às partes, no dever de litigância de boa fé. A infração do dever do honeste procedere pode resultar de uma má fé subjetiva, se ele é aferida pelo conhecimento ou não ignorância da parte, ou objetiva, se resulta da violação dos padrões de comportamento exigíveis”.
22. Acs. STJ. de 28/05/2009, Proc. 09B681 in base de dados da DGSI; e de 03/02/2011, Rev. 351/2000, Sumários, 2011, pág. 77, compreendendo-se que no Ac. STJ, de 23/04/2008, Proc. 97S2894, se conclua que “A sustentação de posições jurídicas porventura desconformes com a correta interpretação da lei não implica, por si só, em regra, a qualificação de má fé na espécie de lide ou temerária, porque não há um claro limite entre o que é razoável e o que é absolutamente inverosímil ou desrazoável, no que concerne à interpretação da lei e à sua aplicação aos factos.
23. Paula Costa e Silva, “A Litigância de Má Fé”, Almedina, pág. 38; Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, ob. cit., pág. 616.