Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
470/15.2PBGMR.G1
Relator: JORGE BISPO
Descritores: ASSISTENTE
ADMISSÃO CONSTITUIÇÃO
TEMPESTIVIDADE
NOMEAÇÃO PATRONO
COMUNICAÇÕES ELECTRÓNICAS
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 04/09/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO PENAL
Sumário:
I) Quanto ao julgamento sobre a legitimidade, efetuado no despacho de admissão da constituição como assistente, a decisão apenas forma caso julgado rebus sic stantibus, só se mantendo enquanto permanecerem inalterados os pressupostos em que se sustentou.

II) O mesmo já não acontece com os restantes requisitos da constituição de assistente, designadamente a tempestividade do requerimento, relativamente ao qual não se verifica qualquer alteração de condicionantes que permita e imponha uma nova apreciação que afaste o valor do caso julgado.

III) Porém, se o despacho for meramente tabelar, limitando-se a declarar a tempestividade do requerimento, pressupondo-a em termos genéricos ou tabelares, mas sem apreciar e sem se pronunciar diretamente sobre os respetivos fundamentos, não terá a virtualidade de conduzir à formação de caso julgado formal sobre essa questão, podendo esta ser posteriormente suscitada perante o tribunal, que poderá livremente alterar a decisão anteriormente proferida.

IV) A decisão sobre uma irregularidade em instrução, quer na decisão instrutória, quer em decisão prévia a esta, não forma caso julgado se essa questão contender com a afirmação da responsabilidade penal.

V) A notificação da nomeação de patrono, efetuada por comunicação eletrónica da Ordem dos Advogados, presume-se feita no 3º dia posterior ao da sua elaboração ou no 1º dia útil seguinte a esse, quando o não seja.
Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência, os Juízes na Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães:

I. RELATÓRIO

1. No processo comum, com intervenção de juiz singular, com o NUIPC 470/15.2PBGMR, que corre termos no Tribunal Judicial da Comarca de Braga, no Juízo Local Criminal de Guimarães - J2, foi proferida sentença, em 10-10-2017, depositada na mesma data, a condenar a arguida, E. M., pela prática de um crime de injúria, previsto e punido pelo art. 181º, n.º 1, do Código Penal, na pena de 50 dias de multa, à taxa diária de € 6, bem como a julgar parcialmente procedente o pedido de indemnização civil deduzido pela demandante, A. S., condenando a demandada e arguida a pagar-lhe a quantia de € 300 (trezentos euros), acrescida de juros de mora, à taxa legal, a contar da data da sentença até integral pagamento, absolvendo-a do demais peticionado.
2. Não se conformando com essa decisão, a arguida interpôs o presente recurso, concluindo a respetiva motivação nos termos que a seguir se transcrevem [1]:

«CONCLUSÕES

É na data em que se deduz a acusação particular que se verifica se a assistente tem ou não legitimidade para a deduzir. Os atos praticados posteriormente não relevam para a sanação da falta de legitimidade. Assim, quando a assistente deduziu a acusação particular não tinha legitimidade, pelo que, por este motivo, deve ser extinto o procedimento criminal.

Pelo exposto a sentença recorrida, por erro de interpretação e aplicação, violou o disposto nos arts 50º, 68º, 107º-A e 246º do CPP e artº 139º do CPC, pelo que deve ser revogada e substituída por outra que declare extinto o procedimento criminal.
Caso, assim, não se entenda,
Nos presentes autos não se podia atender à circunstância da falta de arrependimento para determinar a medida da pena, pois não resulta dos factos provados e, além disso, a recorrente, não podia demonstrar arrependimento se não confessou o crime.
Pelo exposto a sentença recorrida, por erro de interpretação e aplicação, violou o disposto no artº 71º do CP, pelo que deve a pena aplicada à arguida ser alterada para 40 (quarenta) dias de multa à taxa diária de € 6,00 (seis) euros.

ASSIM SE FARÁ JUSTIÇA E SE DECIDIRÁ CONFORME O DIREITO.»

3. O Exmo. Procurador Adjunto na primeira instância respondeu à motivação da recorrente, nos seguintes termos:

- Quanto à (i)legitimidade da assistente para deduzir acusação particular, com fundamento em esta ter solicitado a sua constituição como tal no 2º dia útil posterior ao termo do prazo para o efeito e não ter liquidado imediatamente a multa processual prevista no art.º 139º do Código de Processo Civil, entende que, tal como a sentença recorrida o refere, essa questão fez parte do objeto da instrução e já foi decidida nessa sede, pelo que é questão respeitante a caso julgado formal que não pode ser reapreciada. De todo o modo, não tendo a multa prevista no art. 139º do Código de Processo Civil sido liquidada espontaneamente pela assistente ao requerer a sua constituição como tal, tinha a secretaria a obrigação tê-la notificada para efetuar esse pagamento, acrescido da penalização legal, sendo que o incumprimento dessa obrigação provocou que a assistente só tenha podido pagar a multa processual após o despacho judicial a ordenar aquela notificação, pelo que têm razão a decisão instrutória e a sentença recorrida em considerar que a falta de pagamento imediato da multa, sendo imputável à secretaria, não pode prejudicar a assistente, retirando-lhe o estatuto como sujeito processual.
- Quanto à questão da impossibilidade de relevância da falta de arrependimento, o Exmo. Magistrado do Ministério Público sustenta que esta não podia fazer parte do rol dos factos provados, uma vez que não é um facto, mas uma conclusão/dedução, e, por outro lado, que a arguida pretende fazer-se valer da falta de confissão para impedir que o tribunal possa relevar a falta de arrependimento, quando é manifesto que a falta daquela implica, sempre, a demonstração da falta deste.
Conclui, assim, que a sentença recorrida deve ser mantida.
4. Também a assistente apresentou contra-alegações, nas quais conclui que (transcrição):

«CONCLUSÕES

I. Com o devido respeito, a alegação da Recorrente é desprovida de qualquer sentido, carece de uma leitura integral da lei, concretamente do artigo 4º, do artigo 107º-A do Código de Processo Penal e do nº 6 do artigo 139º do Código de Processo Civil (e não só do nº 5) e ainda do nº 6 do artigo 157º do Código de Processo Civil.
II. A Recorrente, beneficiando de apoio judiciário, apresentou requerimento de constituição de assistente, no 2º dia útil posterior ao termo do prazo para o efeito.
III. Assim, de acordo com o disposto no artigo 107º-A do Código de Processo Penal, ficou sujeita às sanções aí previstas – pagamento de multa.
IV. Não tendo efetuado pagamento imediato da sanção prevista no artigo 107º-A do Código de Processo Penal, em conformidade com o previsto nesse mesmo normativo deve ser aplicado o previsto nos nº 5 a 7 do artigo 139º do Código de Processo Civil (de resto já aplicável por força do disposto no artigo 4º do Código de Processo Penal).
V. Pois bem prescrevem os nº 5 a 7 do artigo 139º do Código de Processo Civil: “5 -Independentemente de justo impedimento, pode o ato ser praticado dentro dos três primeiros dias úteis subsequentes ao termo do prazo, ficando a sua validade dependente do pagamento imediato de uma multa, fixada nos seguintes termos:
(…)
6 - Praticado o ato em qualquer dos três dias úteis seguintes sem ter sido paga imediatamente a multa devida, logo que a falta seja verificada, a secretaria, independentemente de despacho, notifica o interessado para pagar a multa, acrescida de uma penalização de 25 % do valor da multa, desde que se trate de ato praticado por mandatário.
7 - Se o ato for praticado diretamente pela parte, em ação que não importe a constituição de mandatário, o pagamento da multa só é devido após notificação efetuada pela secretaria, na qual se prevê um prazo de 10 dias para o referido pagamento.
(…)” (sublinhado nosso)
VI. Extrai-se assim deste normativo que, efetivamente, o nº 5 determina o pagamento “imediato” da multa, mas vem logo no nº 6 determinar que na ausência de pagamento imediato a secretaria deve notificar o interessado para pagar a multa acrescida de 25%.
VII. A secretaria não notificou a Assistente nos termos do nº 6 do artigo 139º do Código de Processo Civil.
VIII. Entende a Recorrente que “tudo está perdido” para a Assistente, esquecendo-se completamente do disposto no nº 6 do artigo 157º do Código de Processo Civil:“6 - Os erros e omissões dos atos praticados pela secretaria judicial não podem, em qualquer caso, prejudicar as partes.”
IX. O que se verificou foi uma omissão da secretaria que não cumpriu o disposto no nº 6 do artigo 139º do Código de Processo Civil, omissão que o despacho de fls. e o respetivo cumprimento por parte da Assistente retificou.
X. Alega ainda a Recorrente a falta de legitimidade da Assistente para deduzir acusação, decorrente da falta de pagamento da multa na data em que a mesma foi apresentada.
XI. Esta alegação da Recorrente é tão ou mais forçada do que a supra refutada.
XII. A Recorrente não vê a questão do seu início, talvez porque não lhe convém, mas a sua essência reside sempre no não cumprimento do prazo de 10 dias para a constituição de assistente.
XIII. E diga-se desde já, que seria incompreensível que o simples não cumprimento do prazo para a constituição como assistente tivesse consequência tão severa como o arquivamento do autos (pretensão inicial da Arguida/Recorrente) quando é certo que tal omissão nem é catalogada como nulidade.
XIV. E, se por acaso se entender que se trata de um mera irregularidade (cf. artigo 118º, nº 1 e 2 do Código de Processo Penal), ela caberia na previsão do artigo 123º do Código de Processo Penal e assim, deveria a Arguida tê-la arguido nos três dias posteriores à notificação do despacho de 04.11.2015 que admitiu a constituição de assistente.
XV. A legitimidade para a dedução de acusação pela Assistente arguida provém do próprio despacho de admissão de constituição como assistente, que a legitima à prática daquele ato processual, ainda que não tenha sido efetuado o pagamento da multa, que como já vimos resulta apenas da omissão de um ato por parte da secretaria, que por sua vez, como também já foi explanado não pode afetar as partes.
XVI. Não se verifica assim, qualquer falta de legitimidade da Assistente para a dedução de acusação, verifica-se apenas uma irregularidade, sanada em sede de instrução.
XVII. A falta de legitimidade apenas se verificaria no caso de a posição da Assistente/Recorrida não se adequar a qualquer uma das alíneas do nº 1 do artigo 68º do Código de Processo Penal, normativo que rege a legitimidade para a constituição como assistente no processo penal, o que não é o caso, nem a Arguida invoca.
Termos em que não deverá ser dado provimento ao presente
recurso, mantendo-se a Decisão proferida assim fazendo V.(as) Ex.(as) a costumada JUSTIÇA!»

5. Nesta instância, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de concordar "integralmente com a brilhante resposta do Ministério Público, em que se desmontou por completo todo o argumentário da recorrente e se demonstrou com proficiência a sua falta de razão, em qualquer das suas vertentes", acompanhando na íntegra o seu teor e abstendo-se de acrescentar o que quer que seja, dada a inutilidade de que se revestiria, termos em que o recurso deve ser julgado improcedente, mantendo-se a sentença recorrida.
5. No âmbito do disposto no artigo 417º, n.º 2, do Código de Processo Penal, não houve qualquer resposta a esse parecer.
6. Colhidos os vistos, o processo foi presente à conferência, de harmonia com o preceituado no art. 419º, n.º 3, al. c) do citado código.

II. FUNDAMENTAÇÃO

1. DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO

Em conformidade com o disposto no art. 412º, n.º 1, do Código de Processo Penal, o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões extraídas da motivação pelo recorrente, não podendo o tribunal ad quem conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que sejam de conhecimento oficioso [2].

No caso presente, as questões a apreciar são as seguintes:

- A extemporaneidade do pedido de constituição de assistente, com a consequente falta de legitimidade do Ministério Público para exercer a ação penal.
- A excessividade da medida da pena, com fundamento na impossibilidade de se atender à circunstância de falta de arrependimento.

2. DA SENTENÇA RECORRIDA

Para apreciar as questões supra elencadas, importa ter presente o teor da sentença recorrida, na parte em que, a título de questão prévia, apreciou a questão da falta de legitimidade da assistente suscitada na contestação, e na parte relativa à fundamentação de facto (transcrição):

«Da falta de legitimidade da assistente:

Alegou a arguida que a assistente quando deduziu acusação particular não tinha legitimidade porquanto por despacho de fls. 125, foi considerado extemporâneo o requerimento de fls. 28.
Por despacho de fls. 32, a ofendida foi admitida a intervir como assistente. Levantada que foi a questão em sede de instrução, foi determinado o pagamento da multa e após prolatado despacho que sanou tal falta de pagamento atempado.
Neste jaez, a ofendida interveio nos autos na qualidade de assistente desde 27.10.2015, isto é, antes da dedução da acusação, pelo que quando a deduziu tinha legitimidade.
Com efeito, a falta de notificação para pagamento do 2º dia de multa, só pode ser assacado à secretaria, não podendo a ofendida ser prejudicada pela omissão da prática de atos do tribunal.
Improcede, assim, o alegado pela arguida.
*
Não existem quaisquer outras questões prévias ou incidentais que obstem ao conhecimento do mérito da causa e que cumpra conhecer, mantendo-se a validade e regularidade da instância que determinaram a prolação do despacho de recebimento da acusação.
*
II – Fundamentação:

1. Factos Provados:
Da discussão da causa e produção da prova vieram a resultar provados os seguintes factos com interesse para a boa decisão da causa:

1. A assistente frequenta a Escola EB 2/3 (…), sita na Rua (…).
2. No dia 22.01.2015, pelas 17.40 horas, a assistente saiu da escola EB 2/3 (…), acompanhada por A. F..
3. Nas imediações da escola, encontrava-se a arguida dentro de um veículo automóvel.
4. Quando a assistente passou pelo veículo automóvel onde se encontrava a arguida, esta saiu do mesmo e dirigiu à assistente as expressões “És como a tua mãe, és uma puta, uma vacona” e “És uma otária”.
5. Após ouvir as expressões que lhe foram dirigidas, a assistente não respondeu e seguiu o seu caminho.
6. As expressões foram proferidas pela arguida em voz alta para que as várias pessoas que se encontravam no local tivessem oportunidade de ouvir.
7. O que efetivamente veio a acontecer.
8. A arguida embora soubesse que a sua conduta era proibida e punida, não se coibiu em levá-la a cabo, diante de todas as pessoas que se encontravam no local.
9. A arguida ao dirigir à assistente tais expressões pretendeu de forma inequívoca e consciente atingir a sua honra, dignidade e reputação, como veio a acontecer.
10. A demandante é pessoa calma, honesta, educada, respeitadora e respeitada por todos.
11. Era menor de idade à data dos factos.
12. As palavras aludidas em 1), causaram vergonha à demandante, uma vez que foram proferidas em tom alto e ouvidas por membros da comunidade escolar onde se inseria.
13. E deixaram a demandante triste e angustiada, e preocupada que a situação se repetisse.
14. A arguida é empregada de balcão.
15. Vive com 3 filhos menores.
16. Recebe pensão de alimentos no valor de €160,00, 130,00 e €150,00, e abono no valor de €80,00.
17. Vive em casa arrendada, pagando €250,00 de renda mensal.
18. Frequentou a escola até ao 7º ano.
19. A arguida não tem antecedentes criminais.
***
2. Factos não Provados:

a. Não satisfeita a arguida seguiu a assistente por poucos metros.
b. A demandante passou a inspecionar as imediações da escola sempre que as aulas terminavam antes de seguir o seu caminho.
***
Da discussão da causa e produção da prova não vieram a resultar outros factos não provados com interesse para a boa decisão da causa.
***
III – Motivação da decisão de facto:

O tribunal formou a sua convicção com base na valoração da prova produzida e examinada em audiência de discussão e julgamento, designadamente:

- nas declarações da arguida, a qual, em suma, referiu que nas circunstancias de tempo e lugar aludidas na acusação foi buscar a filha à escola.
Estava no seu carro e viu a assistente a passar. Nega os insultos.
Na altura tinha uma relação extraconjugal com o pai da assistente, o qual vivia com a mãe desta, mas também estava com ela, e até teve um filho dele.
Já teve vários processos judiciais contra a mãe da assistente e vice-versa.
- nas declarações do assistente, a qual em suma, relatou que ia a sair da escola e a arguida saiu do carro e disse-lhe “ que era uma puta e uma vacona como a mãe, e que era uma otária”, e continuou a falar, mas ela seguiu o seu caminho.
Seguia acompanhada da sua amiga R. e do seu amigo H..
Já tinham tido discussões as duas, porque a arguida tinha um relacionamento com o seu pai.
Estavam a sair mais pessoas da escola quando a arguida a insultou.
- nos depoimentos das testemunhas:

- A. F., a qual prestou um depoimento que se revelou verosímil por si e entre si e quando conjugado com a demais prova, referindo, em síntese, que estava a sair da escola acompanhada do R. e da assistente, e a arguida saiu do carro e insultou aquela dizendo “és uma puta, uma vacona como a tua mãe”, e elas seguiram o seu caminho.
- R. G., a qual prestou um depoimento que se revelou verosímil por si e entre si e quando conjugado com a demais prova, embora alguma falta de lembrança, normal atento o tempo entretanto decorrido, referindo, em síntese, que saiu da escola acompanhado da assistente, e a arguida chamou aquela “puta e vacona”, e eles seguiram o seu caminho.
Também estavam a sair os outros alunos nessa altura.
- L. C., filha da arguida, a qual prestou um depoimento que se revelou verosímil por si e entre si e quando conjugado com a demais prova, referindo, em suma, que frequentava a escola (…), e a mãe foi buscá-la.
A mãe tinha uma relação com o pai da assistente na altura.
- G. R., a qual prestou um depoimento que se revelou verosímil por si e entre si, referindo, em suma, que havia problemas entre o pai da assistente e a arguida porque ele era casado.
- V. C., a qual prestou um depoimento que se revelou coerente por si e entre si e quando conjugado com a demais prova, referindo, em suma, a arguida teve conflitos com a mãe da assistente, e recebia SMS desta a provocá-la.
*
Feita esta breve súmula da prova produzida em audiência de julgamento, há que concluir que merecem resposta positiva os factos dados como provados.
Na verdade, toda a prova por declarações e testemunhal vai no sentido de que a arguida esteve à porta da escola nas circunstâncias de tempo aludidas nos factos provados, à espera da sua filha (hora de saída dos alunos), escola, esta, também frequentada pela assistente, a qual tinha cerca de 16 anos de idade.
Acresce que a própria arguida referiu que viu a assistente a passar, e que existem conflitos entre ela e a assistente e sua mãe. Apenas nega que a tenha insultado.
Não obstante, o tribunal ficou convencido que a versão da assistente efetivamente aconteceu, porquanto se mostrou credível a prova produzida nesse sentido. Vejamos. A arguida tinha um relacionamento extraconjugal com o pai da assistente. Este apesar de ter um filho pequeno com ela, vivia com a esposa. A arguida estava zangada com a assistente e mãe desta. Como referiu a assistente já antes tinha havido discussões entre elas. E como referiu a testemunha V. C., a arguida recebia SMS da mãe da assistente a provocá-la. Assim está demonstrada a motivação que levou à prática dos factos, nomeadamente percebe-se que a arguida quis insultar a assistente mas o alvo principal era a sua mãe, nomeadamente com a expressão “ és puta” “e vacona como a tua mãe” ou expressão muito semelhante.
Ademais foram produzidos os depoimentos, totalmente coerentes, imparciais e sinceros, quando conjugados com a demais prova, das testemunhas A. F. e R. G., as quais souberam relatar ao tribunal que efetivamente a arguida insultou a assistente nos termos dados como provados, e que estavam os alunos a sair quando tudo ocorreu. É certo que a testemunha R. não disse exatamente o que referiu no inquérito (foram lidas as suas declarações em julgamento), todavia tendo em conta a sua idade e o facto de ter ido acompanhado do pai, pode ter-se querido afastar do problema e dizer menos do que ouviu na altura.
Neste jaez, mereceu credibilidade a versão da assistente.
Já no que concerne ao aspeto subjetivo da conduta, ponderou-se o iter criminis da arguida, ou seja a ação objetiva apurada, apreciada à luz de critérios de razoabilidade e bom senso e das regras de experiência da qual se extrai a sua intenção, sendo certo que não foi produzida qualquer prova suscetível de contrariar tal entendimento.
As consequências da conduta da arguida/demandada, estão explanadas de forma clarividente nas declarações da assistente/demandante e depoimentos das testemunhas quanto aos danos não patrimoniais, nomeadamente da vergonha e intranquilidade que sentiu, o que decorre, também, do normal acontecer e juízos de experiência comum, sem prejuízo do exagero da alegação.
O facto dado como não provado, mereceu resposta negativa, por tudo o explanado e porque não foi feita prova segura e credível da sua ocorrência, quer documental, quer testemunhal.
As condições pessoais e económicas da arguida, resultaram das declarações da mesma, e documentos juntos aos autos.
A inexistência de antecedentes criminais, resultaram do CRC junto aos autos.»

3. APRECIAÇÃO DO RECURSO

3.1 – Da extemporaneidade do pedido de constituição de assistente e da consequente falta de legitimidade do Ministério Público para exercer a ação penal

Em primeiro lugar, a recorrente insurge-se contra a sentença recorrida na parte em que o Mº. Juiz conheceu da questão prévia, por si suscitada na contestação escrita, de falta de legitimidade da assistente para deduzir acusação particular, julgando-a improcedente.
3.1.1 - Antes de mais importa clarificar que embora a questão em apreço surja qualificada na sentença recorrida e na motivação do recurso como “falta de legitimidade da assistente para deduzir acusação particular”, em rigor, o que está em causa e se discute é a invocada extemporaneidade do pedido de constituição de assistente por parte da ofendida e a consequente falta de legitimidade do Ministério Público para exercer a ação penal, o que, a verificar-se, acarretará a extinção do procedimento criminal, por falta desse pressuposto processual, como é pretensão da recorrente.

Com efeito, de acordo com o disposto no art. 219º, n.º 1 do art. 219º da Constituição da República Portuguesa, o Ministério Público é o órgão do Estado a que compete "exercer a ação penal orientada pelo princípio da legalidade".

Essa definição constitucional da competência do Ministério Público para o exercício da ação penal está estatutariamente prevista nos arts. 1º e 3º, n.º 1, al. c), do Estatuto do Ministério Público, aprovado pela Lei n.º 47/86, de 15 de outubro, ao disporem, respetivamente, que "o Ministério Público (…) exerce a ação penal orientada pelo princípio da legalidade" (…), nos termos da Constituição, do presente Estatuto e da lei" e que " compete, especialmente, ao Ministério Público: (…) exercer a ação penal orientada pelo princípio da legalidade".

Por seu lado, tal competência é concretizada na lei processual, através da definição dos poderes, atribuições e funções processuais enunciados, em termos gerais, no art. 53º do Código de Processo Penal, diploma a que pertencem os demais preceitos citados sem qualquer referência, e exercidos no quadro definido pelo pressuposto da legitimidade.

Em conformidade com essa atribuição da função relativa ao exercício da ação penal, decorre do art. 48º que a legitimidade para promover o processo penal cabe ao Ministério Público, com as restrições dos artigos 49º a 52º, sendo, pois, a natureza do ilícito que delimita a promoção da ação penal.

Assim, é ao Ministério Público que cabe a promoção do processo, enquanto titular da ação penal, promovendo-a oficiosamente nos crimes públicos, mediante apresentação de queixa nos crimes semipúblicos (art. 49º) e dependente de queixa, constituição de assistente e dedução de acusação particular nos crimes particulares (art. 50º).

Significa isto que em certas circunstâncias, por motivos de política criminal, o exercício da ação penal depende da verificação de determinados pressupostos que constituem condições de integração da legitimidade do Ministério Público.
Uma dessas situações diz respeito aos crimes de natureza particular, como é o caso do ilícito em apreço nos presentes autos, em que é imputada à arguida a prática de atos suscetíveis de integrarem o crime de injúria (cf. arts. 181º e 188º do Código Penal).

Nesses casos, em que o procedimento criminal depende de acusação particular do ofendido ou de outras pessoas, dispõe o art. 50º, n.º 1, que é necessário que essas pessoas se queixem, se constituam assistentes e deduzam a acusação particular.
A aquisição da qualidade processual de assistente constitui, assim, um pressuposto de legitimidade do Ministério Público para o exercício da ação penal por crime de natureza particular, atenta a obrigatoriedade da constituição do ofendido como assistente para que possa ter lugar o procedimento criminal.
Quanto ao prazo de exercício do direito de constituição de assistente nos casos em que o procedimento depender de acusação particular, dispõe o art. 68º, n.º 2, que “o requerimento tem lugar no prazo de 10 dias a contar da advertência referida no n.º 4 do art. 246º”.
Segundo este artigo, “o denunciante pode declarar, na denúncia, que deseja constituir-se assistente. Tratando-se de crime cujo procedimento depende de acusação particular, a declaração é obrigatória, devendo, neste caso, a autoridade judiciária ou o órgão de polícia criminal a quem a denúncia for feita verbalmente advertir o denunciante da obrigatoriedade de constituição de assistente e dos procedimentos a observar”.

Assim, o titular do direito de queixa pode requerer a constituição de assistente conjuntamente com a denúncia escrita, integrando, nesse ato, a legitimidade do Ministério Público para o exercício da ação penal no caso específico dos crimes particulares (art. 50º). Sendo a denúncia efetuada verbalmente ou por escrito desacompanhada do requerimento para a constituição de assistente, o denunciante tem de declarar obrigatoriamente que pretende constituir-se assistente, sendo dever funcional da autoridade que recebeu a denúncia informá-lo da obrigatoriedade dessa constituição (art. 246º, n.º 4). O prazo para o requerer é de 10 dias, a contar dessa advertência, sob pena de preclusão do exercício do direito de constituição como assistente [3].
3.1.2 - No caso vertente, estando em causa procedimento por crime de natureza particular, aquando da apresentação da denúncia, a ofendida declarou pretender constituir-se assistente, tendo nesse mesmo ato sido advertida pela autoridade policial, da obrigatoriedade de requerer tal constituição, no prazo de 10 dias, e informada dos procedimentos a observar (cf. auto de denúncia de fls. 3 a 4 e notificação de fls. 5 a 6).
Nessa sequência, e após lhe ter sido concedido o benefício de apoio judiciário, nas modalidades de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo e nomeação e pagamento da compensação de patrono, a ofendida, em 02-10-2015, requereu a sua constituição como assistente (fls. 28), tendo sido proferido despacho, em 04-11-2015, a admiti-la a intervir nos autos nessa qualidade, "porque tem legitimidade, requereu em tempo, está devidamente representado(a) por advogado(a) e está dispensada do pagamento da taxa de justiça devida" (fls. 35).
Nessa sequência, e uma vez realizadas as diligências de inquérito tidas por convenientes, em cumprimento do disposto no art. 285º, n.º 1, o Ministério Público notificou a assistente para deduzir acusação particular (fls. 71), o que ela fez, em 01-04-2016 (fls. 75 a 78), imputando à arguida a prática de um crime de injúria, p. e p. pelo art. 181º do Código Penal.
Com o deferimento do pedido de constituição de assistente, ficou integrada a legitimidade do Ministério Público para promover o procedimento criminal.
Isso não significa, porém, que a questão tenha ficado definitivamente resolvida, impedindo que, posteriormente, viesse a ser suscitada, como fez a arguida, quer no requerimento de abertura de instrução, quer novamente em sede de contestação escrita.
É sabido que o caso julgado formal, em que a decisão recai unicamente sobre a relação jurídica processual, tem um efeito de vinculação intraprocessual e de preclusão, o que significa que toda e qualquer decisão (incontestável ou tornada incontestável) implica necessariamente tanto um efeito negativo, de precludir uma reapreciação, como um efeito positivo, de vincular o juiz a que, no futuro (isto é, no decurso do processo), se conforme com a decisão anteriormente tomada.
A questão do trânsito em julgado e da formação de caso julgado formal do despacho de admissão como assistente tem sido debatida, com dá conta Paulo Pinto de Albuquerque [4], manifestando-se no sentido de que «a decisão de admissão como assistente tomada durante o inquérito faz caso julgado rebus sic stantibus, isto é a decisão é tomada em função do objeto do processo tal como ele se configura na data da decisão e pode ser modificada caso se verifique uma alteração do objeto do processo.»
Ficar o trânsito em julgado sujeito à condição rebus sic stantibus significa que a decisão só se mantém enquanto permanecerem inalterados os pressupostos em que a mesma se sustentou.
A justificação da possibilidade de alteração do despacho radica, pois, no facto de na fase de inquérito se estar perante circunstâncias meramente indiciárias, não se encontrando ainda fixado o objeto do processo, e de poderem ocorrer alterações posteriores que contendam com o estatuto do assistente já admitido.
Para o mesmo autor, diferentemente, «a decisão de admissão como assistente tomada depois da acusação ou do arquivamento pelo MP faz caso julgado formal strictu sensu, se não for impugnada ou for impugnada sem sucesso».

Como refere a esse propósito José António Barreiros [5], «contrariamente com o que se passa com o estatuto do arguido, o do assistente é caracteristicamente dinâmico e reversível. Daí que possa acontecer que um indivíduo seja admitido como tal e em momento subsequente a essa admissão ver revogada essa qualidade por verificação da não existência de requisitos formais para tanto. Tal despacho apenas faz caso julgado rebus sic stantibus».

No entanto, como decorre do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 03-10-2002 [6], isso apenas sucede em relação ao requisito da legitimidade do ofendido para se constituir assistente, que pode efetivamente depender dos concretos factos que venham a ser apurados, não fazendo sentido que a respetiva constituição defina definitivamente a legitimidade do assistente quando posteriormente se pode vir a constatar a ausência da mesma face ao teor da acusação ou da qualificação do crime. Assim, sendo o estatuto do assistente dinâmico e reversível, o julgamento sobre a legitimidade do ofendido, efetuado no despacho de admissão da constituição como assistente, só garante o exercício formal dos poderes e direitos que lhe são cometidos por tal qualidade, não dispensando ou impossibilitando o julgamento que a lei processual penal prescreva, designadamente no momento em que o mesmo deduz acusação, requer a instrução ou interpõe recurso da decisão final.

O mesmo já não acontece com os restantes requisitos da constituição de assistente, mormente a tempestividade do requerimento, relativamente à qual não se coloca a mesma hipótese de volatilidade que funda a posição expressa na cláusula rebus sic stantibus, não se verificando qualquer alteração de condicionantes que permita e imponha uma nova apreciação que afaste o valor do caso julgado.

Porém, no caso dos autos, o despacho de admissão da assistente foi meramente tabelar, limitando-se, na parte em apreço, a declarar a tempestividade do requerimento, pressupondo-a em termos genéricos ou tabelares, mas sem apreciar e sem se pronunciar diretamente sobre os respetivos fundamentos, razão pela qual não deverá ter a virtualidade de conduzir à formação de caso julgado formal sobre essa questão, podendo esta ser posteriormente suscitada perante o tribunal, que poderá livremente alterar a decisão anteriormente proferida [7].
Como preceitua o art. 621º do Código de Processo Civil, aplicável ex vi do art. 4º do Código de Processo Penal, o caso julgado forma-se nos precisos limites e termos em que se julga. E, a propósito do despacho saneador, o art. 595º, n.º 3, do mesmo diploma preceitua que só constituiu caso julgado formal quanto às questões concretamente apreciadas.

Assim, a própria definição de caso julgado formal constante daquele primeiro preceito importará a conclusão de que o despacho de admissão de constituição de assistente não forma caso julgado formal em relação a questões de que não conhece diretamente, como é a situação em análise.
Acresce que, para além de não se ter verificado tal apreciação em concreto, a arguida nem sequer foi chamada a pronunciar-se nos termos do art. 68, n.º 4, bem como também não foi notificada do aludido despacho, uma vez que à data ainda não tinha sido constituída nessa qualidade, não tendo, assim, funcionado o princípio do contraditório.
Pelas razões supra expostas, afigura-se-nos que o despacho proferido nos autos a admitir a constituição da ofendida como assistente era suscetível de ser alterado por decisão posterior que apreciasse, em concreto, a verificação da tempestividade do respetivo requerimento.
Foi com essa finalidade que a arguida, na contestação escrita que apresentou, invocou que quando a assistente deduziu a acusação particular, em 01-04-2016, não tinha legitimidade para o efeito, uma vez que, pelo despacho judicial proferido a fls. 125 [na fase de instrução], foi considerado extemporâneo o respetivo requerimento de constituição de assistente, sendo irrelevante, para esses efeitos, os atos praticados após a dedução da referida acusação particular, pugnando, assim, pela declaração de extinção do procedimento criminal.
Conforme resulta do excerto da sentença recorrida supra transcrito, o Mº. Juiz apreciou essa questão prévia, julgando-a improcedente.
Para tanto, considerou que, levantada que foi a questão em se de instrução, foi determinado o pagamento da multa [a que alude o art. 139º, n.º 5, do Código de Processo Civil, ex vi do art. 107º-A do Código de Processo Penal] e, após, prolatado despacho que sanou tal falta de pagamento atempado, pelo que a ofendida interveio nos autos na qualidade de assistente desde 27-10-2015, isto é, antes da dedução da acusação, para o que tinha legitimidade, mais considerando que a falta de notificação para esse pagamento só pode ser assacada à secretaria, não podendo a ofendida ser prejudicada pela omissão da prática de atos do tribunal.
A recorrente insurge-se contra este segmento da sentença recorrida, sustentando que quando foi deduzida a acusação particular, o pedido de constituição de assistente era extemporâneo e, consequentemente, a condição de assistente não era válida, passando apenas a sê-lo após o despacho proferido em sede de instrução, o que não releva para efeitos de sanação da falta de legitimidade, uma vez que esta tem de se verificar aquando da prática do ato, ou seja, na data da dedução da acusação.
Não cremos, porém, que lhe assista razão.
De acordo com os elementos fornecidos pelo processo e os dados do calendário, verifica-se que o requerimento de constituição de assistente foi efetivamente apresentado já depois de findo o prazo de 10 dias previsto no art. 68º, n.º 4, mais concretamente no 1º dia subsequente ao termo do mesmo.
Com efeito, tendo a advertência referida no n.º 4 do art. 246º tido lugar a 19-05-2015 (fls. 5 a 6), a ofendida juntou aos autos, no dia 25 seguinte, documento comprovativo de ter requerido, nessa mesma data, pedido de apoio judiciário, na modalidade de dispensa de pagamento de taxa de justiça e demais encargos com o processo e de nomeação e pagamento de compensação de patrono, pelo que, nos termos do art. 24º, n.ºs 4 e 5, al. a), da Lei n.º 34/2004, de 29 de julho, o referido prazo para requerer a constituição como assistente interrompeu-se com a apresentação daquele documento, iniciando-se a partir da notificação ao patrono nomeado da sua designação.
Essa notificação foi efetuada por comunicação eletrónica da Ordem dos Advogados, em conformidade com o disposto no art. 29º da Portaria n.º 10/2008, de 03 de janeiro, que procedeu à regulamentação da Lei n.º 34/2004, segundo o qual "todas as notificações, pedidos de nomeações e outras comunicações entre a Ordem dos Advogados e os tribunais, as secretarias ou serviços do Ministério Público, os órgãos de polícia criminal, os profissionais forenses participantes no sistema de acesso ao direito, os serviços da segurança social e o IGFIJ, I. P., devem realizar-se por via eletrónica, através de sistema gerido pela Ordem dos Advogados."

Assim, as notificações entre a Ordem dos Advogados e, designadamente, os profissionais forenses participantes no sistema de acesso ao direito, fazem-se através de correio eletrónico, não sendo realizadas através do sistema informático CITIUS, pelo que haverá que apurar em que data se deve considerar efetuada a notificação ao patrono nomeado da sua designação.
A dita Portaria, dispondo embora quanto à forma de comunicação, nada dispõe quanto à data em que a notificação se presume feita.
No entanto, dispõe o seu art. 13º, sob a epígrafe "Utilização de meios eletrónicos", que "os profissionais forenses participantes no sistema de acesso ao direito devem utilizar todos os meios eletrónicos disponíveis no contacto com os tribunais, designadamente no que respeita ao envio de peças processuais e documentos por transmissão eletrónica de dados, nos termos definidos no artigo 150.º [atual art. 144º] do Código de Processo Civil e na portaria prevista no n.º 1 do artigo 138.º-A [atual art. 132º] do mesmo Código", ou seja, atualmente a Portaria n.º 280/2013, de 26 de agosto, sendo que na contagem de prazos processuais previstos na Lei que regula o Regime Jurídico do Acesso ao Direito e aos Tribunais "se aplicam as disposições legais da lei processual civil" (art. 38º da Lei n.º 34/2004).
Assim, perante a apontada omissão e por se tratar de uma situação análoga, ao abrigo do disposto no art. 10º do Código Civil, afigura-se-nos ser de aplicar as regras previstas no Código de Processo Civil para as comunicações eletrónicas, concretamente no seu art. 248º, que regula as formalidades das notificações eletrónicas efetuadas pela secretaria aos mandatários judiciais, dispondo que a notificação se presume feita no 3º dia posterior ao da sua elaboração ou no 1º dia útil seguinte a esse, quando o não seja.

Com efeito, atenta a identidade das razões justificativas para o que aí se estatui, esse artigo regula um caso análogo ao dos autos [8].

Assim sendo, tendo sido remetido e-mail ao Exmo. patrono nomeado à ofendida, datado de 18-09-2015 (fls. 30), notificando-o dessa nomeação, deverá considerar-se a notificação como efetuada no dia 21-09-2015, donde decorre que o prazo de 10 dias para aquela requerer a sua constituição como assistente terminou no dia 01-10-2015.

Atendendo a que o respetivo requerimento foi apresentado no dia 02-10-2015 (fls. 28), conclui-se que tal sucedeu no 1º dia subsequente ao termo do prazo.

Como tal, a ofendida devia ter procedido imediatamente ao pagamento da multa a que alude o art. 139º, n.º 5, do Código de Processo Civil, ex vi do art. 107º-A, al. a), do Código de Processo Penal, o que não fez.
Perante isso, devia a secretaria, independentemente de despacho, tê-la notificado para proceder ao pagamento omitido, acrescido de uma penalização de 25% da multa, conforme dispõe o n.º 6 daquele preceito, o que também não foi feito.
Não obstante essa omissão, foi proferido despacho a admitir a ofendida a intervir como assistente, por se considerar, além do mais, que o tinha requerido em tempo (cf. fls. 35), despacho esse que, pelas razões supra expostas, não formou caso julgado formal, permitindo que fosse posteriormente suscitada a questão da extemporaneidade do requerimento de constituição de assistente.
Assim fez a arguida, logo num primeiro momento, ao requerer a abertura da instrução.

Sucede que, o Mmº. Juiz, em apreciação dessa questão, e constatando efetivamente a apontada omissão da secretaria, determinou a notificação da ofendida para, no prazo de cinco dias, proceder ao pagamento da multa e da sanção legalmente estabelecida para a prática de ato fora de prazo, nos termos dos arts. 107º-A, al. a), do Código de Processo Penal e 139º do Código de Processo Civil, sob pena de indeferimento do pedido de constituição de assistente (despacho de fls. 125 a 127).
Comprovado esse pagamento, foi então proferido despacho (a fls. 148), em que, conhecendo da questão prévia da extemporaneidade do pedido de constituição de assistente, o Mmº. Juiz decidiu que «(…) a questão da admissibilidade da ofendida intervir nos autos como assistente, apreciada nos despachos judiciais de fls. 35 e 125, mostra-se perfetibilizada, nada havendo a alterar ao referido despacho judicial de fls. 35, que ora se renova», após o que pronunciou a arguida pelos factos e disposições normativas constantes da acusação particular de fls. 75.
Como vimos, no segmento em apreciação da decisão recorrida, o Mmº. Juiz a quo, sancionando esse entendimento do Mmº. Juiz de instrução, considerou sanada a falta de pagamento atempado da multa, com o argumento adicional de que a falta de notificação para o efeito só pode ser assacado à secretaria, não podendo a ofendida ser prejudicada pela omissão da prática de atos do tribunal.
Afigura-se-nos acertada essa decisão.

Dispõe efetivamente o art. 157º, n.º 1, do Código de Processo Civil, aplicável por força do art. 4º do Código de Processo Penal, que "os erros e omissões dos atos praticados pela secretaria judicial não podem, em qualquer caso, prejudicar as partes".
Este normativo não afasta o regime geral das nulidades nem transforma qualquer erro ou omissão em nulidade de conhecimento oficioso, à revelia daquele regime geral [9].
Sucede que a referida omissão da secretaria traduziu-se na inobservância de uma disposição da lei do processo penal, concretamente o art. 107º-A, que remete para o art. 139º, n.ºs 5 a 7, do Código de Processo Civil.

Foi, pois, omitido um ato que a lei prescreve e que era suscetível de influir na decisão da causa, posto que a sua prática era indispensável para a integração da legitimidade do Ministério Público para o exercício da ação penal, através da constituição da ofendida como assistente.

De acordo com o princípio da tipicidade ou da legalidade consagrado em matéria de nulidades no art. 118º, n.º 1, “a violação ou infração das leis de processo penal só determina a nulidade do ato quando esta for expressamente cominada na lei”, dispondo o n.º 2 que “nos casos em que a lei não cominar a nulidade, o ato ilegal é irregular”.
Significa isto que só são nulidades as expressamente previstas na lei como tal, ficando submetidas ao regime previsto nos art.s 119º a 122º, sendo os demais casos de violação ou inobservância das normas processuais meras irregularidades, sujeitas ao regime previsto no art. 123º.

Posto isto, não constituindo o vício em apreço uma nulidade, traduziu-se numa mera irregularidade processual.
Pese embora o regime regra da declaração da irregularidade é o de que esta seja feita a requerimento do interessado, nos estritos termos e prazos previstos no n.º 1 do art. 123º, questão que não se colocava no caso vertente, porquanto, apesar da omissão do ato pela secretaria, a ofendida foi admitida a intervir como assistente, o certo é que o n.º 2 do mesmo preceito prevê uma válvula de escape, admitindo a declaração e reparação oficiosa de irregularidades que possam afetar o valor do ato praticado, obviamente limitadas pelo campo de proteção da norma que deixou de observar-se.

Assim, se a norma se destina a proteger unicamente interesses de determinado interveniente/sujeito processual e este não se tiver prevalecido da faculdade de invocar o vício, a irregularidade fica definitivamente sanada, não sendo possível declará-la oficiosamente.

Porém, se estiver em causa norma ordenadora ou que tenha subjacente a concretização no processo penal de valores inerentes a um Estado de Direito material, já a irregularidade pode ser declarada oficiosamente sem qualquer restrição.

Conforme refere Maia Gonçalves [10], apesar de as irregularidades serem consideradas em geral vícios de menor gravidade do que as nulidades, a grande variedade de casos que na prática se podem deparar impõe que se não exclua a priori a possibilidade de ao julgador se apresentarem irregularidades de muita gravidade, mesmo suscetíveis de afetar direitos fundamentais dos sujeitos processuais.
Daí a grande margem de apreciação que se dá ao julgador, nos n.ºs 1 e 2 do art. 123º, que vai desde considerar a irregularidade inócua e inoperante, até à invalidade do ato inquinado pela irregularidade e dos atos subsequentes que possa afetar, passando pela reparação oficiosa da irregularidade. Trata-se de questões a decidir pontualmente pelo julgador, com muita ponderação pelos interesses em equação, máxime as premências de celeridade e de economia processual e os direitos dos interessados.

No caso em apreço a irregularidade traduziu-se na omissão, pela secretaria, do ato de notificação da ofendida para proceder ao pagamento da multa e penalização devidas pela formulação tardia, no 1º dia após o termo do prazo, do pedido de constituição de assistente, sendo esta obrigatória para integrar a legitimidade do Ministério Público para o exercício da ação penal, por se tratar de procedimento por crime de natureza particular.

Apesar dessa omissão e do consequente não pagamento da multa, foi, ainda assim, proferido despacho a admitir a constituição da ofendida como assistente, pelo que não se coloca a questão de o interessado não se ter prevalecido da faculdade de invocar o vício.
Uma vez que, atenta a não formação de caso julgado daquele despacho e tendo a arguida, no seu requerimento de abertura de instrução, suscitado a questão da extemporaneidade do pedido de constituição de assistente, a irregularidade cometida contendia com a verificação de um pressuposto processual, retirando ao Ministério Público a legitimidade para promover o procedimento criminal, pondo assim em causa direitos fundamentais da ofendida.
Como tal, a irregularidade era suscetível de conhecimento oficioso, como corretamente fez o Mmº. Juiz de instrução, ordenando a notificação omitida pela secretaria. Nessa sequência, tendo a assistente procedido ao pagamento da multa e da penalização devidas, ficou regularizada a sua intervenção nessa qualidade ab initio, ou seja, a partir do momento em que requereu esse estatuto processual, por ser esse o efeito necessário da sanação, com a consequente improcedência da questão da respetiva extemporaneidade, como decidiu o Mmº. Juiz de instrução e, posteriormente, também o Mmº. Juiz a quo, ao conhecer, na sentença recorrida, dessa questão prévia novamente suscitada pela arguida na contestação.
A este propósito, na sua resposta à motivação do recurso, o Ministério Público sustenta que a questão em apreço fez parte do objeto da instrução e já foi decidida nessa sede, pelo que se formou caso julgado formal quanto a ela, não podendo ser reapreciada pelo juiz de julgamento.
Não se nos afigura, porém, que assim seja.
A revisão do Código de Processo Penal operada pela Lei n.º 48/2007, de 29 de agosto, estendeu a irrecorribilidade do despacho de pronúncia prevista no art. 310º, n.º 1, também à parte da decisão instrutória em que sejam apreciadas nulidades e outras questões prévias ou incidentais.
Com esta alteração, o legislador pretendeu, por razões de economia processual, evitar a proliferação de recursos do despacho de pronúncia sobre questões de menor importância, como nulidades dependentes de arguição e outras questões prévias ou incidentais conhecidas nesse despacho.

O Tribunal Constitucional sempre entendeu que essa ausência de recurso não viola as garantias de defesa, estando sedimentada a jurisprudência de que a norma do art. 310º, n.º 1, não padece de inconstitucionalidade, não ofendendo o art. 32º, n.º 1, da Constituição.

Porém, como é afirmado em vários arestos desse Tribunal, nomeadamente no acórdão n.º 482/2014 [11], pressuposto essencial desse entendimento foi sempre a consideração da subsistência da possibilidade de reapreciação da questão pelo tribunal de julgamento em decisão, esta sim, suscetível de reapreciação por um tribunal superior, porquanto passível de recurso.

Como refere Maia Costa [12], «(…) essa decisão não forma caso julgado sobre as questões relacionadas com a responsabilidade penal do arguido, questões essas que o juiz de julgamento deve sempre apreciar.»

No mesmo sentido se pronuncia Nuno Brandão [13], referindo que «a decisão instrutória não forma caso julgado sobre questões que possam contender com a afirmação da responsabilidade penal do arguido em julgamento, como a amnistia do crime ou a prescrição do procedimento criminal, não só porque a decisão do juiz de instrução que se debruce sobre estas questões é irrecorrível e como tal não pode assumir carácter definitivo, como ainda porque a última palavra sobre essas questões, atenta a sua natureza, deve caber sempre ao juiz de julgamento (ou, eventualmente, de recurso).»
Citando este último autor, a Relação do Porto [14] decidiu que «a decisão de uma irregularidade em instrução, quer na decisão instrutória, quer em decisão prévia à decisão instrutória, não forma caso julgado se essa questão contender com a afirmação da responsabilidade penal, não só porque a decisão dessa questão é irrecorrível e como tal não pode assumir carácter definitivo nem ficar ao abrigo do caso julgado, sob pena de flagrante violação das garantias de defesa, mas principalmente porque a decisão – definitiva – cabe sempre ao juiz ou tribunal do julgamento e, em última instância, ao tribunal de recurso que vai julgar a decisão final.»

Pelo exposto, a sentença recorrida, quer ao apreciar (novamente) a questão (prévia) da extemporaneidade do pedido de constituição de assistente, quer nos termos e com os fundamentos em que o fez, não merece censura, assim improcedendo este segmento do recurso.

3.2 – Da excessividade da medida da pena, com fundamento na impossibilidade de valoração da falta de arrependimento

Na segunda conclusão, a recorrente alega que o tribunal recorrido, na determinação da medida concreta da pena, não podia atender à circunstância da falta de arrependimento, pois esta não resulta dos factos provados e, além disso, não podia ter demonstrado arrependimento se não confessou o crime, pugnando, em consequência, pela redução da pena de 50 para 40 dias de multa.

3.2.1 - A determinação concreta da pena de multa, que se inicia com a fixação do respetivo número de dias, deve ser feita de acordo com os critérios estabelecidos no art. 71º, n.º 1, conforme prevê o art. 47º, n.º 1, ambos do Código Penal.
Nos termos daquele primeiro preceito, “a determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção”, acrescentando o n.º 2 que “ … o tribunal atende a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo, depuserem a favor ou contra ele …”, nomeadamente as previstas nas várias alíneas desse número.
A culpa consiste no juízo de reprovação que se faz sobre uma pessoa, censurando-a em face do ordenamento jurídico-penal, por o seu comportamento traduzir uma atitude interna, pessoal e juridicamente desaprovada, pela qual tem de responder perante as exigências do dever ser sociocomunitário.
Por seu lado, as exigências de prevenção têm a ver com a proteção dos bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade, as quais, nos termos do disposto no art. 40º, n.º 1, do Código Penal, constituem as finalidades da aplicação das penas e das medidas de segurança.
A proteção dos bens jurídicos consubstancia-se na denominada prevenção geral, ou seja, na utilização da pena como instrumento para manter e reforçar a confiança da comunidade na validade e na força de vigência das normas do Estado na tutela de bens jurídicos e, assim, no ordenamento jurídico-penal (prevenção geral positiva ou de integração). Já a prevenção geral negativa ou de intimidação da generalidade apenas pode surgir como um efeito lateral da necessidade de tutela dos bens jurídicos.
A reintegração do agente na sociedade, ou seja, o seu retorno ao tecido social lesado, reporta-se à chamada prevenção especial, isto é, à ideia de que a pena é um instrumento de atuação preventiva sobre a pessoa do agente, com o fim de evitar que, no futuro, ele cometa novos crimes.
A individualização da pena assenta ainda no pressuposto irrenunciável, de matriz constitucional, por respeito à dignidade da pessoa humana, de que “em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa”, conforme dispõe o n.º 2 do mesmo art. 40º, designadamente por razões de prevenção.

Em suma, o limite mínimo da pena deve corresponder às exigências e necessidades de prevenção geral que no caso se façam sentir, de modo a que a sociedade continue a acreditar na validade da norma punitiva, ao passo que o limite máximo não deve exceder a medida da culpa do agente revelada no facto, sob pena de degradar a condição e dignidade humana do mesmo; e, dentro desses limites mínimo e máximo, a pena deve ser individualizada no quantum necessário e suficiente para assegurar a reintegração do agente na sociedade, com respeito pelo mínimo ético a todos exigível, sendo, pois, as razões de prevenção especial que servem para encontrar o quantum de pena a aplicar [15].
As várias alíneas do n.º 2 do art. 71º do Código Penal elencam, a título exemplificativo, as seguintes circunstâncias, agravantes e atenuantes, a atender na determinação concreta da pena, devendo o tribunal abster-se de considerar aquelas que já fazem parte do tipo de crime cometido:

- O grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente (al. a);
- A intensidade do dolo ou da negligência (al. b);
- Os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram (al. c);
- As condições pessoais do agente e a sua situação económica (d);
- A conduta anterior ao facto e a posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime (al. e);
- A falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena (al. f).

3.2.2 - No caso dos autos, o Mmº. Juiz fundamentou da seguinte forma a determinação da medida concreta da pena (transcrição):

«Atender-se-á ao médio grau de ilicitude face às consequências dos factos, ao dolo direto, uma vez que a arguida agiu com consciência da ilicitude da sua conduta e ainda assim persistiu em praticá-la, a falta de arrependimento demonstrada em audiência de julgamento, o contexto apurado e o facto da vítima ser uma menor de idade, e inexistência de antecedentes criminais.
Tudo visto e ponderado, entende-se justa, adequada e proporcional à culpa e às exigências de prevenção, a aplicação à arguida de uma pena de 50 (cinquenta) dias de multa nos termos das disposições conjugadas nos arts. 47º, n.º 1 e 71º do Código Penal.»
Foi, efetivamente, feita alusão à falta de arrependimento demonstrada em audiência de julgamento por parte da arguida, sem que, no entanto, a sentença recorrida seja clara quanto ao sentido que o Mmº. Juiz lhe atribuiu, se é que o fez.
Sendo o arrependimento um ato interior, a sua demonstração tem de ser ativa e visível, de modo a revelar que o arguido rejeitou o mal praticado, o que poderá se feito, nomeadamente, através da reparação do eventual dano causado, da manifestação do propósito sério da sua reparação ou da apresentação de um pedido de desculpas ao ofendido, não pressupondo nem exigindo a confissão dos factos, contrariamente ao sustentado pela recorrente.
O arrependimento sincero, objetivado em atos que inequivocamente o demonstrem, quando não conduza a uma atenuação especial da pena ao abrigo do disposto no art. 72º, n.ºs 1 e 2, al. c), do Código Penal, é suscetível de ser valorado como circunstância atenuante geral na determinação da pena concreta.

Com efeito, a confissão e o arrependimento são importantes para o tribunal poder fazer um juízo de prognose favorável sobre o comportamento futuro do arguido, o que tem importância a nível, nomeadamente, da prevenção especial.
Já a falta de manifestação de arrependimento é, apenas, isso mesmo, ou seja, a ausência de uma circunstância atenuante que, naturalmente, não pode ser valorada contra o arguido, que, aliás, tem o direito de se remeter ao silêncio, sem que tal o possa desfavorecer (cf. art. 343º, n.º 1).
Limitando-se a aludir "à falta de arrependimento demonstrada em audiência de julgamento", a sentença recorrida não é clara no sentido de revelar que o Mmº. Juiz tenha ido além da não valoração da circunstância atenuante que resultaria de um eventual arrependimento, que não se verificou.
Com efeito, o que geralmente sucede e frequentemente se vê mencionado na determinação da medida concreta da pena é que, não tendo o arguido demonstrado arrependimento, não está em condições de beneficiar dessa circunstância atenuante. O que não significa nem tem como efeito que se esteja a valorar conta ele essa ausência de contrição.
Mas, ainda que se pretenda ver na transcrita fundamentação uma valoração desfavorável da ausência de arrependimento, sempre será de concluir que, numa moldura abstrata de 10 a 120 dias, a medida concreta da pena encontrada (50 dias) se apresenta inteiramente adequada e proporcional às circunstâncias atendíveis, mormente o considerável grau de ilicitude dos factos, o censurável modo de execução destes e a gravidade das suas consequências, bem como a intensidade do dolo (direto).

Com efeito, para além da elevada carga pejorativa das expressões dirigidas pela arguida à assistente ("és uma puta, uma vacona, uma otária"), os factos tiveram lugar nas imediações da escola frequentada por esta, que era menor de idade, e na presença de membros da comunidade escolar onde se inseria, deixando-a triste, angustiada e preocupada.

Acresce que não são despiciendas as exigências de prevenção geral, atenta a frequência com que é cometido este tipo de crime.
Assim, considerando ainda que a pena de multa tem de representar uma censura suficiente do facto e, simultaneamente, uma garantia para a comunidade da validade e vigência da norma violada, afigura-se-nos que a concreta medida encontrada pelo tribunal a quo não se apresenta de modo algum desproporcionada.
Nestes termos, igualmente nesta parte improcede o recurso.


III. DISPOSITIVO

Nos termos e pelos fundamentos expostos, acordam os Juízes na Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães em negar provimento ao recurso interposto pela arguida, E. M., confirmando a sentença recorrida.

Custas a cargo da recorrente, fixando-se a taxa de justiça em quantia correspondente a quatro unidades de conta (arts. 513º, n.º 1, do Código de Processo Penal e 8º, n.º 9, do Regulamento das Custas Processuais, e Tabela III anexa a este último diploma).
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(Elaborado pelo relator e revisto por ambos os signatários - art. 94º, n.º 2, do CPP)

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Guimarães, 09 de abril de 2018

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(Jorge Bispo)
(Pedro Miguel Cunha Lopes)



[1] - Todas as transcrições efetuadas respeitam o respetivo original, salvo a correção de gralhas evidentes, a ortografia e a formatação, que são da responsabilidade do relator.
[2] - Cf. o acórdão de uniformização de jurisprudência n.º 7/95 do STJ, de 19-10-1995, in Diário da República – I Série-A, de 28-12-1995.
[3] - Vd. Henriques Gaspar, Código de Processo Penal Comentado, 2014, Almedina, pág. 242.
[4] - In Comentário do Código de Processo Penal, 3ª edição atualizada, Universidade Católica Editora, pág. 206.
[5] - In Sistema e Estrutura do Processo Penal Português, II, pág. 164.
[6] - Proferido no processo n.º 02P2519, disponível em http://www.dgsi.pt.
[7] - Neste sentido cf., nomeadamente, os acórdãos do TRC de 29-05-2013 (processo n.º 762/10.7TAFIG.C1), do TRL de 20-11-2007 (processo n.º 8112/2007-5) e do TRP de 09-07-2014 (processo n.º 5072/12.2TAVNG.P1).
[8] - Neste sentido, cf. os acórdãos do TRG de 30-11-2016 (processo n.º 233/14), disponível em http://jusnet.wolterskluwer. pt, e do TRL de 07-04-2016 (processo n.º 6248-15.6T8LSB-A.L1-6), disponível em http://www.dgsi.pt.
[9] - Cf. o acórdão do STJ de 28-02-2002 (processo n.º 02A2230), disponível em http://www.dgsi.pt.
[10]- In Código de Processo Penal Anotado, 9ª Edição Revista e Atualizada, Almedina, Coimbra, 1998, pág. 312.
[11] - Processo n.º 663/2013, disponível em http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20140482.html.
[12] - In Código de Processo Penal Comentado, 2014, Almedina, pág. 1026.
[13] - No artigo "A Nova Face da Instrução", in Revista Portuguesa de Ciência Criminal, Ano 18, n.ºs 2 e 3, pág. 239.
[14] - Na reclamação de 10-12-2014 (processo n.º 200/04.4IDAVR-A), disponível em http://www.dgsi.pt.
[15] - Vd. Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, 1993, Aequitas - Editorial Notícias, págs. 227 e ss..