Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
607/10.8TBFLG.G1
Relator: MANUEL BARGADO
Descritores: CONTRATO DE SEGURO
SEGURO AUTOMÓVEL
SEGURO FACULTATIVO
PRIVAÇÃO DO USO DE VEÍCULO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 12/05/2013
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário: I – Não estando coberta pelo seguro facultativo a privação do uso do veículo, apenas seria possível condenar a ré seguradora a pagar uma indemnização a esse título se a mesma tivesse demorado mais do que o necessário e razoável para a reparação do veículo, violando dessa forma o equilíbrio contratual e quebrando a colaboração inter-subjectiva que o princípio da boa fé impõe, tal como consagrado no artigo 762.º, n.º 1, do Código Civil.
II – Provando-se, pelo contrário, uma conduta diligente da ré em todo o processo de resolução do litígio, nomeadamente na ordem de reparação do veículo, não pode a mesma ser condenada pela privação do uso do veículo, sabendo-se, ademais, que foi a autora com o seu comportamento, ao não aceitar a culpa na produção do acidente, que contribuiu de forma decisiva para o atraso na reparação do veículo.
Decisão Texto Integral: Proc. nº 607/10.8TBFLG.G1

Acordam nesta Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães

I - RELATÓRIO.
M…, intentou a presente acção declarativa de condenação, com processo sumário, contra E…, pedindo que a ré seja condenada a pagar-lhe as seguintes quantias:
- € 1.407,03, relativa ao valor necessário para a reparação dos danos da viatura, acrescida de juros vincendos a contar desde a citação e até efectivo e integral pagamento;
- € 17.232,96 como consequência dos danos causados pela imobilização e privação do uso do veículo desde o dia 9 de Fevereiro de 2009 (data do sinistro) até ao dia 28 de Setembro de 2009 (data da entrega da viatura reparada), acrescida de juros vincendos a contar da citação e até efectivo e integral pagamento;
- € 1.000,00 a título de danos não patrimoniais, acrescida de juros vincendos a contar da citação e até efectivo e integral pagamento.
Alegou, em síntese, que no dia 9 de Fevereiro de 2009, pelas 19h 15m, na Rua dos Bombeiros, Freguesia de Vila Cova da Lixa, concelho de Felgueiras, ocorreu um acidente no qual foram intervenientes o veículo ligeiro de mercadorias com a matrícula …-CQ-…, propriedade da autora (com reserva de propriedade a favor da S…, S.A.) e conduzido por A…, e o veículo ligeiro de passageiros com a matrícula …-CV-…, propriedade de J… Unipessoal Lda. e conduzido por L…, e quer a Companhia de Seguros da Autora (E… aqui Ré), quer a Companhia de Seguros em que o veículo CV estava seguro (A…) atribuíram a responsabilidade do sinistro ao condutor do veículo CQ.
Mais alegou que nunca se conformou com a atribuição da responsabilidade pelo acidente ao condutor que conduzia o seu veículo, tendo enviado, em 8 de Abril de 2009, para a M… – que é a entidade que assegura a protecção jurídica contratada com a ré - a documentação destinada ao accionamento da cobertura de Protecção Jurídica, mas aquela, por carta de 12/06/2009, comunicou à autora o arquivamento do processo em virtude da análise dos elementos que o instruíam, a culpa do acidente caber ao condutor do CQ.
Por último, alegou que só em 30 de Julho de 2009 solicitou junto da ré a activação dos danos próprios para poder reparar a sua carrinha, tendo as partes chegado a um acordo de reparação, mas o veículo só veio a ser entregue à autora em 28 de Setembro de 2009.
A ré contestou, excepcionado e impugnando.
Por excepção arguiu a ineptidão da petição inicial, pois constituindo a causa de pedir no cumprimento defeituoso de um contrato de seguro celebrado entre a ré e a S…, não sendo, portanto, a autora a proprietária do CQ, nem a tomadora do seguro, ainda que houvesse incumprimento do contrato de seguro, nunca assistiria à autora o direito de perceber as quantias em cuja condenação se traduziu o pedido, além de que o bom ou mau funcionamento da protecção jurídica jamais poderia constituir facto causal da alegada paralisação do veículo.
Por impugnação, contrapôs que os factos alegados pela autora não constituem obrigações contratuais, nem no âmbito da protecção jurídica nem sequer no âmbito do seguro automóvel, sendo certo que a M…, tal como confessa a autora, solicitou-lhe elementos para analisar a pretensão daquela e uma vez analisados tais elementos, comunicou à autora o seu entendimento, traduzido no facto de a responsabilidade pela produção do acidente ser imputável ao condutor do CQ, o qual não ficou impedido de circular, sendo de todo imputável à autora o facto de não ter accionado a garantia coberta pelo seguro.
Houve resposta, concluindo a autora pela improcedência da excepção dilatória da nulidade de todo o processo e pela procedência da acção como na petição inicial.
Foi proferido despacho saneador, no qual se julgou improcedente a excepção da ineptidão da petição inicial, com subsequente enunciação dos factos tidos por assentes e organização da base instrutória, sem reclamação.
Instruído o processo, seguiram os autos para julgamento, sendo a matéria de facto decidida nos termos do despacho de fls. 317 a 325, sem reclamações.
Por fim, foi proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente e condenou a ré a pagar à autora a quantia de € 2.376,96 (dois mil, trezentos e setenta e seis euros e noventa e seis cêntimos), acrescida de juros de mora devidos à taxa legal para os juros civis, a contabilizar desde a data da citação da Ré para os termos da presente acção até efectivo e integral pagamento.
Inconformada, apelou a ré[1], que encerrou a respectiva alegação com as seguintes conclusões:
«1ª Ora, a Autora veio intentar esta acção alegando – e nisto fundamentando seu pedido – o cumprimento defeituoso pela aqui Ré da garantia da Protecção Jurídica que com ela contratou e assegurada pela referida M…;
2ª Para tanto, a Autora invocou que a M… (logo a Ré) teve uma actuação morosa e deficiente em todo o desenrolar do processo de Protecção Jurídica, designadamente, não realizou a peritagem ao local pedida pela Autora e, no fundo, não intentando acção judicial contra o terceiro, como a Autora pretendia e a M… entendeu infundado;
3ª A sentença recorrida decidiu que Do elenco dos factos julgados como provados não resulta qualquer facto que demonstre que a Ré incumpriu tal dever, bem pelo contrário;
4ª Refere a sentença recorrida que: Em primeiro lugar impõe-se constatar o óbvio o condutor do veículo com a matrícula …-CQ-… na altura do acidente conduzia numa via de sentido proibido. É preciso ter juízo quanto ao que se pede numa circunstância destas.
O acidente que se discute nestes autos, ocorreu no dia 9 de Fevereiro de 2009 (facto provado c)). Em 12 de Março de 2009, o que parece um período muito razoável, para apuramento das circunstâncias de um acidente, a Companhia de Seguros A… declinava a responsabilidade do seu segurado na eclosão do acidente já que o condutor do veículo com a matrícula …-CQ-… circulava numa faixa de sentido proibido (facto assente n)). Em 23 de Março de 2009, a Ré também comunica à Autora que entende que a condutor do veículo por si seguro é o responsável pela eclosão do acidente (facto assente p)).
Passado pouco mais de 1 mês da eclosão do acidente, a Autora já tinha um veredicto e sabia que o condutor do seu veículo circulava em sentido proibido. O que queria mais? Queria a todo o custo que as companhias de seguros tivessem a mesma opinião que ela. Vejam-se os factos provados o), q), s), t) e v).
Sempre a Autora obteve resposta e em períodos de tempo muito razoáveis, veja-se os factos provados r), u), x), e tratam-se de cartas que explicam tudo à Autora e de forma clara. A Autora não tem do que se queixar. Se entendia que tinha razão deveria ter proposto a acção em Juízo para discutir a responsabilidade do acidente, tal como foi informada para o fazer.
As respostas dadas à Autora foram rápidas e esclarecedoras. Por isso, do elenco dos factos julgados como provados não resultam factos que permitam demonstrar qualquer violação do contrato por parte da Ré, o que não só não fundamenta o ressarcimento do dano pela privação do uso de veículo para além do período supra fixado, para além, de logicamente não fundamentar o direito a uma compensação por danos não patrimoniais, pois se inexiste facto ilícito a imputar à Ré.
De todo o modo, os factos julgados como provados em an) e em ao) não permitiriam o efeito pretendido pela Autora. Com efeito, afigura-se evidente que em caso de um sinistro, o sinistrado tem sempre de contactar a companhia de seguros e, para isso perde tempo ao telefone e a deslocar-se aos correios para enviar cartas, e como se viu nestes autos, a Ré respondia prontamente e de forma esclarecedora. O cansaço, as arrelias, angústias e frustração que a Autora sofreu, muito provavelmente terão tido a sua origem na circunstância do condutor do veículo a quem a Autora o emprestou ter sofrido um acidente a conduzir em sentido proibido e a Autora apesar de todos os seus esforços não ter conseguido convencer as Companhias de Seguros que uma pessoa que conduz em sentido proibido não é responsável pelo acidente;
5ª Ficando decidido que não há qualquer facto ilícito a imputar à Ré nem se mostra incumprida ou defeituosamente cumprida (na expressão da Autora) a obrigação da garantia de protecção jurídica a cargo da Ré, impunha-se a absolvição desta de todos os pedidos, visto que, como referido, é única e exclusivamente com fundamento em tal incumprimento que a Autora deduz os pedidos desta acção, inclusivamente os dos danos de paralisação
6ª Ficou provado que a viatura dos autos não se mostrava impedida de circular, pelo que a Autora não pode invocar danos de paralisação.
7ª É a própria Autora que confessa que continuou a circular com a carrinha. Na carta que se identifica em z) dos factos provados, a própria Autora refere que a carrinha se encontra “praticamente imobilizada” e não totalmente imobilizada.
8ª Como resulta dos factos provados e referidos em aa), o tempo previsto para a reparação desta viatura era de cinco dias. Resulta igualmente da matéria de facto provada que foi a Autora quem escolheu esta oficina – cfr. V) – onde teria grande confiança, porque daria assistência aos veículos “dos pais e dos irmãos”.
9ª Não se sabe o que teria demandando que a reparação excedesse o referido período de cinco dias – nem a Autora o alega – mas o excesso não pode certamente ser imputado à Ré, que, como ficou provado, deu ordem de reparação da viatura da Autora mesmo antes desta ter accionado a cobertura dos danos próprios [alínea aa) dos factos provados].
10ª Se a Autora, ou porque não lhe dava jeito não levou de imediato a viatura à oficina, atrasando o início da reparação ou quis fazer mais reparações do que as necessárias por virtude do sinistro em causa [com ficou provado que foi o caso – ah) dos factos provados] exigindo a permanência da viatura na oficina por mais do que cinco dias ou qualquer outra circunstância se verificou certo é que não pode ser imputada à Ré.
11ª Conforme resulta do documento a fls. dos autos, a que alude a alínea aa) dos factos provados, a Autora e a Ré acordaram que, com o pagamento da quantia que a Ré liquidou á oficina, a Autora nada mais teria a reclamar da Ré, libertando-a de toda a responsabilidade relativa ao referido sinistro”.
12ª Este documento, com resulta do mesmo, trata-se de uma transacção extrajudicial, tal como se mostra previsto nos artºs 1248º e seguintes do Código Civil, pelo que, face à mesma, a Autora sempre se haveria de considerar impedida de vir reclamar outros danos da Ré.
13ª Por último, no âmbito da responsabilidade civil obrigatória, a indemnização terá de cobrir a reparação do veículo sinistrado e os danos de paralisação; a isso se chama a reconstituição natural e só assim é possível indemnizar, tornar sem dano o lesado.
14ª Contudo, nos presentes autos, a aqui Ré não responde perante a Autora ao abrigo da responsabilidade civil obrigatória automóvel mas sim pela cobertura de danos próprios.
15ª Assim, como, aliás, a sentença recorrida menciona, “a Autora a ser indemnizada pela privação do uso de veículo será ao abrigo do contrato de seguro na cláusula de cobertura de danos próprios (…)”. Contudo, a sentença recorrida – irrepreensível na decisão dos demais pedidos – considerou que a paralisação da viatura se considerava incluída na cobertura de danos próprios, o que não é o caso, como resulta evidente do elenco das coberturas a que alude a alínea a) dos factos provados.
16ª Neste sentido, respondendo a Ré apenas por danos próprios, não tendo contratado com a Autora danos de paralisação ou viatura de substituição e não, igualmente, a Ré assumido qualquer comportamento ilícito, não pode esta ser condenada a pagar à Autora qualquer quantia a título de imobilização
17ª A decisão recorrida violou o disposto nos artºs 349º, 362º e segºs, 562º e segºs, 570º, 572º, 798º e segºs e 428º, todos do Código Civil e artº 661º do CPC, pelo que deverá ser revogada na parte em que condena a Ré a indemnizar a Autora pela paralisação e, nessa parte, substituída por outra que conceda integral provimento ao presente recurso, absolvendo a Ré na totalidade dos pedidos deduzidos pela Autora.»
A autora contra-alegou, batendo-se pela confirmação do julgado, tendo formulado na respectiva alegação as seguintes conclusões:
«1- Por douta sentença proferida pela Meritíssima Juiz do Tribunal “ a quo”, foi fixada à Autora/Recorrida uma indemnização no valor de 2.376,96€, pelo dano de privação do uso do veículo, a quantia acrescida de juros de mora devidos à taxa legal para os juros civis, a contabilizar desde a data da citação da Ré até efectivo e integral pagamento.
2- A Ré/Recorrente veio apresentar recurso de apelação, o qual no modesto entender da Autora/Recorrida carece de qualquer fundamento de facto e de direito.
3- Antes de mais, cumpre dizer-se que atento o disposto no 678º do C.P.C., deverá recair despacho de indeferimento sobre o requerimento de interposição do recurso apresentado
4- Ora se é facto que o valor da causa sub judice é de valor ao superior à alçada do Tribunal de que se recorre, o mesmo não sucede quanto ao critério da sucumbência, não sendo a decisão recorrida desfavorável à recorrente em valor superior a metade da alçada do Tribunal de 1ª Instância,
5- Pelo que, não se verificando os pressupostos exigidos para a admissibilidade do presente recurso, deverá recair despacho de indeferimento sobre o requerimento de interposição do recurso apresentado, ao abrigo do disposto no artigo 685 - C nº 2 a) do C.P.C.
6- Se assim não se entender, sempre se diz que, da análise da fundamentação do recurso apresentado pela ré/recorrente resulta inequívoco que o mesmo versa somente sobre matéria de facto.
7- Atendendo ao preceituado no artigo 685-B nº 1 a) e b) do C.P.C que se transcreve: “ Quando se impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados; b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida.”
8-Salvo o devido respeito por opinião diversa, resulta que a Ré/Recorrente não observou o preceituado na disposição legal supra transcrita, como era seu ónus e se lhe impunha.
9- Não procedendo a Ré/Recorrente a tal especificação, quer quanto aos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, quer quanto aos concretos meios probatórias que impunham decisão diversa, deverá o recurso interposto ser rejeitado.
10- Para o caso de assim não se considerar, o que não se concede mas por mera cautela de patrocínio se admite, sempre o recurso apresentado deverá ser julgado improcedente nos termos que infra se expõem.
11- Sucintamente, a Ré/Recorrente interpôs recurso da douta decisão proferida pela Meritíssima Juiz do Tribunal “a quo”, alegando que “ficou provado que a viatura dos autos (da recorrida) não se mostrava impedida de circular, pelo que a Autora/Recorrida não pode invocar danos de paralização”.
12- Considerando a Ré/Recorrente que à Autora/Recorrida não assiste direito a qualquer tipo de indemnização, uma vez que, o tempo previsto para a reparação do veículo era de cinco dias, além de que, foi a recorrida quem escolheu a oficina, onde teria confiança e que o excesso de tempo para a reparação do veículo não lhe pode ser imputado, julgando ser a única responsável pela demora, a aqui Autora/Recorrida.
13- Suporta ainda a sua fundamentação no facto de a Meritíssima Juiz do Tribunal “a quo”, ter considerado que a paralisação da viatura se considerava incluída na cobertura de danos próprios, da apólice de seguro cuja recorrida é titular, “o que não é o caso”.
14- Não partilha a Autora/Recorrida de tal entendimento.
15- - De facto, a posição assumida pela Ré/Recorrente não tem qualquer acolhimento, aliás no segmento do raciocínio formulado pela Meritíssima Juiz do tribunal “a quo”, de que “se o veículo poderia ou não circular, não tem grande relevo, uma vez que nenhum condutor é obrigado a conduzir com o veiculo amolgado.”.
16- No que concerne ao invocado facto de a paralisação da viatura não se considerar incluída na cobertura de danos próprios e que deveria ser objecto de responsabilidade civil, também considera-se não assistir razão à Ré/Recorrente.
17- Pois que, conforme refere a douta sentença, “a Autora a ser indemnizada pela privação do uso de veículo será ao abrigo do contrato de seguro na cláusula de cobertura de danos próprios”, citando-se nesta matéria o Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Guimarães, em 09/02/2012, com o nº de processo 1129/09.5TBBCL.G1.
18-Resulta dos factos provados da douta sentença recorrida, no seu ponto ai), e da qual não foi feita qualquer reclamação, a efectiva imobilização do veículo da Autora/recorrida, sendo que, por causa do acidente em causa, a Autora/Recorrida teve o veículo imobilizado, e o período de imobilização que se impõe fixar das responsabilidade da Ré, aqui Recorrente, terá se de ser da data em que a Autora accionou a clausula que assegura a cobertura dos danos próprios -30 de Julho de 2009- conforme facto provado z) e o mês de Setembro de 2009, facto provado ae), desde 09/02/2009 até Setembro de 2009.
19- Conforme enuncia Abrantes Geraldes (Indemnização do Dano da Privação do Uso, p. 39], a privação do uso, desacompanhada da sua substituição por um outro ou do pagamento de uma quantia bastante para alcançar o mesmo efeito, reflecte o corte definitivo e irrecuperável de uma "fatia" dos poderes inerentes ao proprietário. Deste modo, a simples privação do uso é causa adequada de uma modificação negativa na relação entre o lesado e o seu património que pode servir de base à determinação da indemnização.
20- A este propósito, cita-se ainda o douto acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra (Ac. de 26.11.2002, CJ, V, p. 19).
21- Pelo que, salvo o devido respeito, não assiste qualquer razão à recorrente, nos argumentos por si usados para considerar as suas alegações de que a sentença aqui em causa violou o disposto nos artigos 349º, 362º, e seguintes, 562º e seguintes, 570º, 572º, 798º e seguintes e 428º, todos do Código Civil, e no artigo 661º do Código de Processo Civil, sendo imerecida a sua pretensão.
22- Socorrendo-nos dos factos provados e conjugada toda a prova produzida em audiência, juntamente com os demais elementos probatórios juntos aos autos outra não poderia ser a decisão a proferir senão a de atribuição à recorrida de uma indemnização pela privação do uso do seu veículo.
23- Bem andou a Meritíssima Juiz “ a quo” ao fixar à recorrida uma indemnização pelo dano de privação de uso do veículo, revelando-se uma decisão justa, equitativa.
24- Assim, deverá a condenação contida na douta sentença recorrida manter-se na íntegra, devendo julgar-se improcedente o recurso interposto.»

Corridos os vistos legais, cumpre decidir.

II - ÂMBITO DO RECURSO
Sendo pelo teor das conclusões das alegações da recorrente que, em regra, se delimita o objecto do recurso – afora as questões de conhecimento oficioso – a questão essencial decidenda consiste em saber se é ou não devida indemnização à autora pela privação do uso do veículo na sequência do acidente de viação dos autos, considerando ainda a particularidade de estar em causa um seguro automóvel facultativo e a responsabilidade pelo acidente ser atribuída pelas seguradoras dos veículos envolvidos ao condutor do veículo da autora.

III - FUNDAMENTAÇÃO
A) - OS FACTOS
Na 1ª instância foram dados como provados os seguintes factos[2]:
a) Em 03.01.2007, foi celebrado um acordo no qual M… assina como Cliente, com o seguinte conteúdo:
Condições de Seguro Automóvel
Contrato de Locação Associado n.º 5864415
Tomador do Seguro: S…, S.A.
Proponente: Nome: M…
Veículo: Marca/Modelo: Opel/Vivaro
Matrícula …-CQ-…
Seguro: Contratado com a Companhia de Seguros Fidelidade Mundial, S.A.
Tipo de Seguro: VIP-2
Periodicidade: Mensal
Prémio: 80,36€
Coberturas:
Responsabilidade Civil Limitada a 50.000.000,00€
Assistência em viagem 24 horas por dia (franquia 0 km)
Protecção jurídica em caso de sinistro automóvel
Seguro de acidentes pessoais de todos os ocupantes da viatura (…).
Seguro de danos próprios, garantindo os riscos de choque, colisão, capotamento, incêndio, raio ou explosão, fenómenos da natureza e actos maliciosos com uma franquia de 2%
Seguro de danos próprios, garantindo os riscos de furto ou roubo ou quebra isolada de vidros
Seguro de danos próprios, garantindo a cobertura de viatura de substituição em novo. Esta cobertura garante que, na eventualidade de perda total resultante de sinistro garantido pela apólice e aceite pela seguradora, o veículo será substituído por outro novo, igual ou de idênticas características ao do sinistrado, cujo valor não ultrapasse o capital seguro sem o respectivo IVA e deduzido da franquia contratada, das despesas de reabertura do processo e restante anuidade do seguro, desde que à data efectiva da substituição o contrato de adesão ou de financiamento ainda esteja activo.* A diferença entre a quantia dispendida pela Seguradora e a quantia necessária para aquisição de um novo veículo será dispendida pelo Cliente. Esta cobertura só é válida durante os três primeiros anos de vigência do contrato de aluguer ou de financiamento e quando se verifiquem cumulativamente os seguintes casos: (i) veículos até 3.500 kg PB; (ii) veículos novos à data do início do contrato; (iii) veículos que não tenham sido já substituídos anteriormente ao abrigo da presente cobertura de viatura de substituição em novo. Caso não se verifique qualquer uma das condições identificadas no parágrafo anterior e na eventualidade de perda total resultante de sinistro garantido pela apólice e aceite pela seguradora, a indemnização é calculada com base no valor da viatura determinado pela aplicação da tabela de desvalorização praticada pela seguradora. Para viaturas com mais de oito anos a franquia a aplicar nos riscos de choque, colisão e capotamento, incêndio raio ou explosão, fenómenos da natureza ou actos maliciosos será no mínimo 3% do valor seguro, com um mínimo de 124,70€.
* O contrato de locação ou financiamento considera-se activo enquanto houver, pelo menos, uma renda a pagar pelo cliente relativa ao período normal de duração do contrato, e não se tenha verificado uma rescisão antecipada quer por iniciativa do cliente quer por incumprimento do contrato. (…)
O prazo do seguro é coincidente com o contrato de Leasing, Locação ou Crédito associado. (…)
O Cliente pode requerer o cancelamento antecipado do seguro, devendo para o efeito solicitar ao tomador o referido cancelamento com uma antecedência de 30 dias.
Para efeitos do número anterior, só será válido o cancelamento solicitado, mediante a apresentação ao tomador de comprovativo que o Cliente contratou um novo seguro nas condições do contrato de leasing /ALD/Locação ou Crédito, com entrada em vigor a partir do termo do seguro a cancelar. O número anterior não se aplica ao caso do contrato de financiamento ser de crédito ao consumo. (documento junto aos autos a fls. 130, cujo conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido) (Facto Assente A)).
b) Em Dezembro de 2008, foi remetido à Autora na qualidade de Cliente no acordo referido em A) uma carta com o seguinte conteúdo: Junto remetemos Certificado Internacional de Seguro Automóvel (Carta Verde) para a anuidade de 2009. Informamos ainda que a partir de 01/01/2009, o seguro automóvel passará a ser coberto pela Seguradora E…, mantendo-se inalteradas todas as coberturas actualmente contratadas (documento junto aos autos a fls. 131/132, cujo conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos) (Facto Assente B)).
c) No dia 09 de Fevereiro de 2009, pelas 19:15, na Rua dos Bombeiros, freguesia de Vila Cova da Lixa, Concelho de Felgueiras, ocorreu um acidente (Facto Assente C)).
d) Neste acidente de viação, foram intervenientes as seguintes viaturas:
- o veículo ligeiro de mercadorias, matrícula …-CQ-…, conduzido por A…;
- o veículo ligeiro de passageiros, matrícula …-GV-…, propriedade de J…Unipessoal, Lda., e conduzido por L… (Facto Assente D)).
e) O veículo CQ seguia no sentido Lixa – Felgueiras (Facto Assente E)).
f) Era noite (19h 15m), sendo a via iluminada (Facto Assente F)).
g) Chovia intensamente pelo que a visibilidade era reduzida (Facto Assente G)).
h) O piso estava molhado e escorregadio (Facto Assente H).
i) O veículo GV vinha da Rua Aníbal Ferreira Bastos para a Rua dos Bombeiros (Facto Assente I)).
j) O veículo CQ circulava na Rua dos Bombeiros, após ter contornado a praça dos Carvalhinhos, e circulava no sentido Lixa – Felgueiras (Facto Assente J)).
k) O veículo GV, vindo da Rua Aníbal Ferreira Bastos, surgiu do lado direito do veículo CQ (Facto Assente K)).
l) Em consequência, o veículo GV embateu com a parte da frente na lateral direita do veículo CQ (Facto Assente L)).
m) Quer a Companhia de Seguros do veículo CQ (a E…), quer a Companhia de Seguros do veículo GV (A…) atribuíram a responsabilidade do sinistro ao condutor do veículo CQ (Facto Assente M)).
n) Em 12 de Março de 2009, a Companhia de Seguros A… (veículo GV) enviou um fax à S… (que em 12.03.2009 o remeteu à Autora) com o seguinte conteúdo: finalizada a instrução do nosso processo e dada a forma como o acidente ocorreu, concluímos que a responsabilidade não é imputável ao nosso Segurado, uma vez que a condução do veículo em epígrafe […-CQ-…] era feita em contravenção ao disposto na sinalização vertical existente no local (sentido proibido).
Deste modo, lamentamos não poder atender à reclamação que nos foi formulada. Contudo, se existirem elementos que permitam provar o contrário, agradecemos que no-los facultem para conveniente apreciação e eventual revisão da posição tomada. Ficaremos a aguardar uma resposta durante os próximos 30 dias, prazo findo o qual encerraremos o nosso processo sem mais expediente (documento junto aos autos a fls. 53/54, cujo conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido) (Facto Assente N)).
o) Em 20 de Março de 2009, e em resposta ao fax referido em N), a Autora, por intermédio de A…, solicitou à Companhia de Seguros A… que averiguasse melhor a responsabilidade pelo acidente, (…) porque o GV não parou no sinal Stop e seguia a alta velocidade (documento junto aos autos a fls. 55 cujo conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido) (Facto Assente O)).
p) Em 23 de Março de 2009, a Companhia de Seguros E… enviou à Autora uma carta com o seguinte conteúdo: Relativamente ao sinistro em referência [processo nº C0902760 e matrícula …-CQ-…], com base nos documentos que constituem o nosso processo, a responsabilidade pela produção do sinistro cabe ao veículo seguro, por desrespeito ao artigo 6.° do Código da Estrada e infracção do sinal C1 (Sentido Proibido) conforme disposto no Artigo 21.° do Regulamento de Sinalização de Trânsito.
Caso disponha de elementos probatórios adicionais que permitam uma reapreciação do processo, agradecemos que nos faculte. (documento junto aos autos a fls. 63, cujo conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido) (Facto Assente P)).
q) Em resposta à carta referida em P), a Autora remeteu à Ré uma carta na qual refere que a condutora do veículo CQ também cometeu uma infracção ao desrespeitar o sinal de paragem obrigatório (Facto Assente Q)).
r) Em 27 de Abril de 2009, a M… enviou uma carta à Autora da qual consta: Acusamos recepção da documentação enviada por V. Exa., em 08-04-2009, destinada ao accionamento da cobertura de Protecção Jurídica, a qual mereceu a nossa melhor atenção. Na sequência do seu pedido, registamos o nosso processo supra identificado, o qual agradecemos que seja indicado em qualquer contacto que estabeleça com os nossos serviços. No entanto, para que possamos proceder à correcta instrução do mesmo é imprescindível que, no decorrer dos próximos 30 dias, nos sejam remetidas as seguintes informações e/ou documentos:
- Cópia da carta verde;
- Cópia de toda a correspondência trocada com Seguradoras ou quaisquer outros envolvidos e que se relacione com o processo, especificamente reclamação e tomada de posição da companhia de Seguros Açoreana;
- o Segurado deverá informar a Entidade Gestora sobre “os danos que, em concreto, pretende reclamar, assim como fornecer uma descrição de todas as circunstâncias que possam contribuir para uma correcta análise e reclamação do processo, sob pena de poderem não vir a ser considerados”, N.º de telefone ou telemóvel onde o possamos contactar durante o horário de expediente (das 9:00 às 16:00), caso seja necessário.
Desta forma, aguardamos o envio da documentação solicitada, de forma a que possamos proceder à análise e reclamação deste processo. Desde já informamos que este tipo de processos, porque representam litígios, podem não ser tão céleres quanto gostaríamos. No entanto, tentaremos ser tão céleres quanto possível e, mantemo-nos disponíveis por telefone para o(a) apoiar sempre que necessário”.
Mais informamos que, uma vez recebidas as informações e documentos supracitados, o procedimento seguido nos processos de Protecção Jurídica é o seguinte:
1. Validação da apólice subscrita pelo segurado e recolha de informações relevantes para a análise do processo.
2. Apreciação dos documentos constantes do processo, seguida de informação ao Segurado sobre a integração nas garantias da apólice e/ou sobre probabilidades de êxito.
3. Caso a participação seja aceite, segue-se a promoção das diligências adequadas a uma resolução extrajudicial do litígio.
4. Não sendo possível chegar a acordo extrajudicial, e caso entendamos viável e necessário o recurso à via judicial, transmitiremos o nosso parecer para que o Segurado escolha livremente um advogado para o defender e representar. A partir desse momento, garantimos o pagamento das despesas previstas nas condições complementares da Condição Especial de Protecção Jurídica, até aos limites contratuais.
Informamos, também, que nos termos da Condição Especial da apólice, incumbem à Pessoa Segura diversas obrigações de que depende o funcionamento da garantia, designadamente:
1. Transmitir à Seguradora ou à Entidade Gestora, no prazo máximo de 48 horas após a sua recepção, os avisos, citações, requerimentos, cartas, notificações e, em geral, os documentos judiciais ou extrajudiciais relacionados com o sinistro;
2. Consultar a Seguradora ou a Entidade Gestora sobre eventuais propostas de transacção que lhe sejam dirigidas, sob pena de, não o fazendo, perder os direitos relativos às coberturas de Protecção Jurídica garantidos pela Condição Especial;
3. Não suscitar a intervenção de qualquer advogado ou profissional habilitado sem disso informar previamente a Seguradora ou a Entidade Gestora e sem obter a respectiva anuência destas;
4. Contactar a Seguradora ou a Entidade Gestora após verificação de um litígio (no caso de reclamação de danos) e enviar em simultâneo os elementos de que disponha, a fim de accionar a respectiva garantia;
5. Reembolsar a Seguradora ou a Entidade Gestora, dentro dos prazos estabelecidos neste contrato, de todo e qualquer adiantamento concedido ao abrigo das garantias da Apólice.» (documento junto aos autos a fls. 72 cujo conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido) (Facto Assente R)).
s) Em resposta à carta referida em R), a Autora enviou para a M… uma carta na da qual consta: envio todos os documentos de que disponho e a respeito dos danos que acho que devo reclamar. A culpa do acidente é do veículo que não respeitou o sinal Stop e o sinal que proíbe virar à esquerda, a condutora do veículo …-GV-… transgrediu a alta velocidade (…). Peço a V.ª Excias. (…) de se efectuar uma peritagem de averiguação, é por esse motivo que a minha carrinha está por reparar e que ainda continua imobilizada (documento junto aos autos a fls. 74/75 cujo conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido) (Facto Assente S)).
t) Em 08 de Junho de 2009, a Autora enviou carta para a M… com o seguinte conteúdo: em relação ao pedido de protecção jurídica (…) ainda continuo à espera de resposta e como a carrinha continua imobilizada acho que este é um assunto urgente, agradecia mais rapidez porque a carrinha faz-me falta para trabalhar, foi para esse fim que eu a comprei e se este caso não for resolvido o mais rápido possível não vou poder pagar à S…, devido a este acidente já tenho bastantes dívidas, já não sei onde ir buscar dinheiro para pagar à S… este mês. Exmo. Senhor Director o meu seguro foi aumentado logo após o acidente, a carta verde tem início em Janeiro, também pedia o favor de me informar se esse aumento em 08.04.2009 está dentro da legalidade (documento junto aos autos a fls. 75/76 cujo conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido) (Facto Assente T)).
u) Em 12/06/2009, a M… enviou uma carta à Autora da qual consta: Após apreciação cuidada do seu pedido, adiantamos, desde logo, que a questão relativa ao agravamento do prémio não pode ser tratada no âmbito desta cobertura, uma vez que quaisquer diferendos relacionados com o seu contrato de seguro encontram-se excluídos, pelo que devem ser tratados directamente com a sua seguradora.
Relativamente à definição de responsabilidade, concluímos, pela análise dos elementos que instruem o processo, que, efectivamente, coube ao condutor do veículo seguro a acção causal e determinante para que o acidente ocorresse ao contrariar a sinalização de trânsito proibido existente no local (artigo 24.º R.S.T.).
Acresce, contudo, que a posição da A… ou da Entidade Gestora de protecção jurídica em nada colide com os direitos que assistem ao Segurado da E…, em termos de cobertura de protecção jurídica, pelo que, não se conformando com ela, poderá, por sua iniciativa, recorrer a arbitragem ou prosseguir para lide judicial, com direito a ser reembolsado das despesas que tenha feito, nos termos e limites da apólice, sempre que alcançar um resultado mais favorável do que aquele a que se pretendiam conformar a Seguradora ou a Entidade Gestora.
Pelo exposto, informamos que procedemos ao arquivamento do presente processo. (documento junto aos autos a fls. 77 cujo conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido) (Facto Assente U)).
v) Em 19 de Junho de 2009, a Autora enviou à M… uma carta com o seguinte conteúdo: (…) antes que este processo seja arquivado queria pedir duas coisas. A minha carrinha ainda não foi reparada para ser vista por uma peritagem de averiguação, mas no meu caso, até hoje, nem peritagem nem resposta porque não essa dita peritagem. 2. Queria pedir outra peritagem para a minha carrinha na oficina Auto … na Lixa porque essa oficina dá assistência aos meus veículos, dos meus pais e dos meus irmãos (…). Agradecia mais rapidez porque a minha carrinha continua imobilizada (…) – documento junto aos autos a fls. 78/79 cujo conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido (Facto Assente V)).
x) Em 22 de Junho de 2009, a M…, na sequência da carta referida em R), enviou à Autora uma carta com o seguinte conteúdo: . Na sequência da carta de V. Exa. de 19/06, informamos que o pedido de peritagem deve ser endereçado à seguradora do terceiro, ou seja, à A….
No caso de recusa, aconselhamos a obter dois orçamentos devidamente discriminados de duas oficinas, bem como de fotografias dos danos no veículo seguro, a fim de poder comprovar os danos em sede judicial caso entenda seguir esta via.
Deste modo, poderá posteriormente proceder à reparação do veículo, não obstante a recusa da A… em efectuar a peritagem (documento junto aos autos a fls. 80/75 cujo conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido) (Facto Assente X)).
z) Em 30 de Julho de 2009, a Autora enviou à Ré uma carta com o seguinte conteúdo: venho por este meio solicitar a activação dos danos próprios para reparação da minha carrinha em virtude de a responsabilidade do acidente em causa caber à E…. Mais peço ainda, a reparação vai se efectuada na Oficina Auto …, Vila Cova da Lixa, mas como há diferenças na questão da cobertura dos danos causados (pára-choques, tablier, etc.) entre as duas peritagens efectuadas, sugiro valer a peritagem que foi feita na A…, em Amarante. Agradeço a resolução deste caso o mais rápido possível, porque a minha carrinha continua praticamente imobilizada e logo que seja possível contactem-me para levar a carrinha à oficina. (documento junto aos autos a fls. 81 cujo conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido) (Facto Assente Z)).
aa) M…, S…, C… (perito) e Auto … assinaram um documento intitulado Relatório de Peritagem do qual consta:
Data do acidente: 2009-02-09
Data início reparação: 2009-02-23
N.º dias de reparação: 5
Data 1.ª Vistoria: 2009-02-20
Data de Vistoria Final: 2009-02-20
MANDANTE:
Euro Insurances
N.º da apólice: …
VEÍCULO:
Tipo: Comercial ligeiro
Matrícula: …-CQ-…
OFICINA:
Empresa: Auto Alves
RESUMO DA AVALIAÇÂO:
Total a liquidar: € 2.082,97
Declaro que me foi entregue por esta oficina, em conformidade com o presente orçamento elaborado pela S.G.S. Portugal, o veículo em referência devidamente reparado dos danos sofridos no sinistro ocorrido no dia 2009.02.09.
Mais declaro que tendo o dito veículo sido reposto no estado anterior ao do sinistro, nada mais tenho a reclamar da mandante, libertando-a de toda a responsabilidade relativa ao referido sinistro, subrogando-a em todos os direitos, acções e recursos contra os responsáveis por este. (documento junto aos autos a fls. 83 cujo conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido) (Facto Assente AA)).
ab) Em 1 de Julho de 2009, a Ré comunicou à Oficina Auto … o seguinte: na sequência de peritagem ao veículo em referência […-CQ-…] informamos que a mesma se encontra definitiva. Agradecemos que procedam à facturação do valor da reparação, no montante de 2.082,97€, já deduzido o valor da franquia contratual a liquidar pelo cliente no valor de 393,00€. (documento junto aos autos a fls. 101, cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido) (Facto Assente AB)).
ac) A Ré pagou 2.082,97€ à Oficina Auto … pela reparação do veículo …-CQ-… (Facto Assente AC)).
ad) A M…, com sede na Rua …, Paço de Arcos, é a entidade gestora da cobertura da protecção jurídica da E…, aqui Ré (Facto Assente AD)).
ae) O veículo CQ foi reparado e entregue à Autora em Setembro de 2009 (resposta ao artigo 1.º da base instrutória).
af) Não foi realizada peritagem no local do acidente (resposta ao artigo 2.º da base instrutória).
ag) A Autora accionou o seguro de danos próprios, nos termos referidos em Z) e AA) (resposta ao artigo 3.º da base instrutória).
ah) A Autora entregou a quantia de € 1.400,00 à Oficina Auto … (resposta ao artigo 4.º da base instrutória).
ai) Devido aos danos sofridos, o veículo …-CQ-… ficou imobilizado desde 09/02/2009 até Setembro de 2009 (resposta ao artigo 5.º da base instrutória).
aj) O veículo …-CQ-… era utilizado para a deslocação diária para o local de trabalho, em Macieira da Lixa (resposta ao artigo 6.º da base instrutória).
ak) Para passear e ir às compras aos fins-de-semana (resposta ao artigo 7.º da base instrutória).
al) A Autora pediu emprestados automóveis de familiares e amigos (resposta ao artigo 8.º da base instrutória).
am) O preço médio de aluguer de um veículo de classe idêntica ao …-CQ-… é de € 74,28 por dia (resposta ao artigo 9.º da base instrutória).
an) A Autora despendeu tempo ao telefone e ao deslocar-se aos correios para contactar com a Ré (resposta ao artigo 10.º da base instrutória).
ao) A Autora sentiu cansaço, arrelias, angústias e frustração (resposta ao artigo 11.º da base instrutória).

B) O DIREITO
Vimos já, quando procedemos à delimitação do âmbito do recurso, que a única questão a decidir respeita ao saber se é devida indemnização à autora pela privação do uso do veículo na sequência do acidente em que esteve envolvido o veículo da autora, em relação ao qual existe reserva de propriedade a favor de S…, S.A., tal como confessado pela ré no artigo 2º da petição inicial e como resulta do próprio contrato de seguro, em que figura como tomador esta sociedade.
Ora, quer a ré, quer a seguradora do outro veículo interveniente no acidente (GV), a Companhia de Seguros A…, no final do respectivo processo de averiguações, concluíram que a culpa do acidente se ficou a dever exclusivamente ao condutor do veículo da autora (CQ).
Todos os pedidos formulados pela autora na acção improcederam, com excepção do pedido relativo à privação do uso do veículo durante o período que mediou entre 9 de Fevereiro e 28 de Setembro de 2009, o qual procedeu em parte, uma vez que a autora peticionava € 17.232,96 e a sentença condenou apenas a ré no pagamento da quantia de € 2.376,96.
Para tanto, ponderou-se na sentença que tendo a indemnização pela privação do uso suporte na cláusula do contrato de seguro de cobertura de danos próprios, tal significava que a ré só seria responsável por este prejuízo, desde a data do accionamento daquela cláusula.
Convocou-se, outrossim, na sentença, o acórdão desta Relação de 09.02.2012[3], onde se afirmou, na esteira de vasta jurisprudência e doutrina, que a privação do uso implica um prejuízo automático para o dono do veículo, não carecendo este de alegar e provar que durante o período da privação esteve impossibilitado de utilizar outro veículo.
De seguida, escreveu-se na sentença que «por causa do acidente descrito do facto c) ao facto l), a autora teve o veículo imobilizado desde a data do acidente até á data da reparação. Se o veículo poderia ou não circular, nenhum condutor é obrigado a conduzir com um veículo amolgado».
Por isso, concluiu-se que a questão a dirimir era a de saber qual o período de imobilização do veículo, cujo início se entendeu ser a data em que a autora accionou a cláusula de danos próprios, ou seja, 30 de Julho de 2009 e o mês de Setembro desse mesmo ano (cfr. factos provados sob as alíneas z) a ae) supra).
Ora, como a autora não logrou provar qual o dia de Setembro em que o veículo lhe foi entregue, considerou-se logicamente que o período de imobilização decorreu entre 30 de Julho e o primeiro dia de Setembro, ou seja um período de 32 dias, pelo que tendo resultado provado que o preço médio de aluguer de um veículo de classe idêntica ao …-CQ-… é de € 74,28 por dia [al. am) dos factos provados], concluiu-se que o valor a arbitrar pela privação do uso do veículo correspondia a € 2.376,96.
Entendemos, porém, que a questão não foi devidamente equacionada na sentença recorrida.
Desde logo porque não se pode afirmar que a cláusula de danos próprios cubra a privação do uso do veículo.
Na verdade, se atentarmos bem nas condições da apólice do contrato de seguro junta a fls. 130 e reproduzidas na alínea a) do elenco dos factos provados supra, não se encontra aí contemplada a cobertura da privação do uso do veículo.
Também das condições gerais e particulares não resulta entendimento diferente, pois como consta do parágrafo 2º do nº 2 das condições particulares, sob a epígrafe “Descrição das coberturas contratáveis especiais e particulares”, a S…, sociedade que tem registada a seu favor a propriedade do veículo e é a tomadora do seguro, «poderá, em cada momento, escolher qual/quais das coberturas estarão disponíveis para serem oferecidas aos Clientes aderentes», no caso a autora.
Ora, constando do elenco das coberturas contratáveis, entre outras, a «Privação de Uso/Viatura de Substituição», o certo é que nas condições especiais da apólice apenas constam as coberturas mencionadas na dita alínea a) dos factos provados, onde não figura, a privação do uso.
Assim, aceitando que a privação do uso de um veículo é, em si mesma, um dano indemnizável, desde logo por impedir o proprietário (ou, eventualmente, o titular de outro direito, diferente do direito de propriedade, mas que confira direito a utilizá-lo) de exercer os poderes correspondentes ao seu direito[4], não é menos verdade que a ré, ao abrigo do seguro de danos próprios dos autos, só estaria obrigada a ressarcir tal dano se a sua conduta consubstanciasse a violação de um dever acessório da prestação, nomeadamente por ter atrasado inexplicavelmente a ordem de reparação da viatura.
Tal dever, não resultando do contrato, resulta sem dúvida do princípio da boa fé, tal como plasmado no art. 762º, nº 1, do CC, representando uma transferência, para o campo contratual, do princípio neminem laedere[5].
Assim, quem venha a incorrer em responsabilidade contratual, por esta via, deve indemnizar o dano positivo que resultou para a contraparte, previsto no art. 798º, nº 1, do CC[6].
Só que não é esta a situação dos autos, como, aliás, resulta da própria fundamentação da sentença ao apreciar outro dos pedidos formulados pela autora.
Na verdade, escreveu-se o seguinte na sentença:
«Diz a Autora que a Ré não cumpriu uma obrigação emergente do contrato de seguro identificado nos factos a) e b), no que tange à garantia de protecção jurídica.
Do elenco dos factos julgados como provados não resulta qualquer facto que demonstre que a Ré incumpriu tal dever, bem pelo contrário.
Em primeiro lugar impõe-se constatar o óbvio o condutor do veículo com a matrícula …-CQ-… na altura do acidente conduzia numa via de sentido proibido. É preciso ter juízo quanto ao que se pede numa circunstância destas.
O acidente que se discute nestes autos ocorreu no dia 9 de Fevereiro de 2009 (facto provado c)). Em 12 de Março de 2009, o que parece um período muito razoável para apuramento das circunstâncias de um acidente, a Companhia de Seguros A… declinava a responsabilidade do seu segurado na eclosão do acidente já que o condutor do veículo com a matrícula …-CQ-… circulava numa faixa de sentido proibido (facto assente n)). Em 23 de Março de 2009, a Ré também comunica à Autora que entende que a condutor do veículo por si seguro é o responsável pela eclosão do acidente (facto assente p)).
Passado pouco mais de 1 mês da eclosão do acidente, a Autora já tinha um veredicto e sabia que o condutor do seu veículo circulava em sentido proibido. O que queria mais? Queria a todo o custo que as companhias de seguros tivessem a mesma opinião que ela. Vejam-se os factos provados o), q), s), t) e v).
Sempre a Autora obteve resposta e em períodos de tempo muito razoáveis, veja-se os factos provados r), u), x), e tratam-se de cartas que explicam tudo à Autora e de forma clara. A Autora não tem do que se queixar. Se entendia que tinha razão deveria ter proposto a acção em Juízo para discutir a responsabilidade do acidente, tal como foi informada para o fazer.
As respostas dadas à Autora foram rápidas e esclarecedoras. Por isso, do elenco dos factos julgados como provados não resultam factos que permitam demonstrar qualquer violação do contrato por parte da Ré, o que não só não fundamenta o ressarcimento do dano pela privação do uso de veículo para além do período supra fixado, para além, de logicamente não fundamentar o direito a uma compensação por danos não patrimoniais, pois se inexiste facto ilícito a imputar à Ré.»
Concorda-se, no essencial, com estes fundamentos, apenas não se podendo acompanhar a referência feita no trecho da sentença transcrito ao ressarcimento do dano «para além do período supra fixado”, pois como já se deixou demonstrado, a cláusula de danos próprios a que se alude na sentença e transcrita na alínea a) do elenco dos factos provados, não cobre a privação do uso do veículo.
Assim sendo e porque nenhuma censura merece a conduta da ré em todo o processo de resolução do sinistro em causa, não é possível atribuir qualquer indemnização à autora pela privação do uso do veículo.
O recurso merece, pois, provimento.

Sumário:
I – Não estando coberta pelo seguro facultativo a privação do uso do veículo, apenas seria possível condenar a ré seguradora a pagar uma indemnização a esse título, se a mesma tivesse demorado mais do que o necessário e razoável para a reparação do veículo, violando dessa forma o equilíbrio contratual e quebrando a colaboração inter-subjectiva que o princípio da boa fé impõe, tal como consagrado no artigo 762.º, n.º 1, do Código Civil.
II – Provando-se, pelo contrário, uma conduta diligente da ré em todo o processo de resolução do litígio, nomeadamente na ordem de reparação do veículo, não pode a mesma ser condenada pela privação do uso do veículo, sabendo-se, ademais, que foi a autora com o seu comportamento, ao não aceitar a culpa na produção do acidente, que contribuiu de forma decisiva para o atraso na reparação do veículo.

IV - DECISÃO
Termos em que acordam os Juízes desta Secção Cível em julgar procedente a apelação, revogando a decisão recorrida, com a consequente absolvição da ré de todos os pedidos formulados pela autora.
Custas da acção e da apelação a cargo da autora, atento o seu decaimento, sem prejuízo do apoio judiciário que lhe foi concedido.
*
Guimarães, 5 de Dezembro de 2013
Manuel Bargado
Helena Gomes de Melo
Heitor Gonçalves
__________________________________
[1] O recurso, rejeitado na 1ª instância, veio a ser admitido na sequência da reclamação apresentada pela ré.
[2] Mantém-se a sequência dos factos constantes da sentença.
[3] Proc. 1129/09.5TBBCL.G1 (Manso Rainho), in www.dgsi.pt. .
[4] Cfr., inter alia, o Ac. do STJ de 08.05.2013 (Maria Beleza), proc. 3036/04.9TBVLG.P1.S1, in www.dgsi.pt.
[5] Cfr. o Ac. da RP de 25.01.2011 (Vieira e Cunha), proc. 3322/07.6TJVNF.P1, in www.dgsi.pt. No mesmo sentido, o voto de vencido do aqui relator no Ac. da RG de 10.10.2013, relatado pela aqui 1ª adjunta, proc. 598/12.0TBVCT.G1, in www.dgsi.pt.
[6] Cfr., neste sentido, Menezes Cordeiro Da Boa Fé… cit., pp. 594 e ss. e Paulo Mota Pinto, Interesse Contratual Negativo e Interesse Contratual Positivo, II, pp. 1697 e 1698, este último autor citado no Ac. da RP de 25.01.2011.