Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
122/20.0TACBC.G1
Relator: FÁTIMA BERNARDES
Descritores: DECISÃO PENAL CONDENATÓRIA
TRÂNSITO EM JULGADO
FIXAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
EFEITO NÃO SUSPENSIVO
REGIME DE PERMANÊNCIA DA HABITAÇÃO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 12/15/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: JULGADO IMPROCEDENTE
Sumário: I) Transitada em julgado a decisão condenatória penal, passa-se de imediato à sua execução, dando-se início, designadamente, ao cumprimento da pena de prisão que tenha sido aplicada ao arguido.
II) Significa isto, que o facto de estar pendente recurso extraordinário, para fixação de jurisprudência, interposto pelo arguido/recorrente, não constitui circunstância impeditiva a que se inicie a execução da pena de prisão efectiva em que foi condenado no processo de que os presentes autos constituem translado.
Decisão Texto Integral: 1 – RELATÓRIO

No processo nº. 122/10.0TACBC, da Comarca de Braga – Cabeceiras de Basto – Instância Local – Sec. Comp. Gen. – J1, o arguido Albino J., melhor identificado nos autos, foi julgado e condenado, por sentença proferida em 11/07/2013, pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de abuso de confiança contra a segurança social, p. e p. pelos artigos 105º, n.ºs 1, 2 e 4 e 107º, n.ºs 1 e 2, do Regime Geral das Infrações Tributárias, na pena de 1 (um) ano e 10 (dez) meses de prisão efetiva.
Em 12/02/2016, o arguido apresentou requerimento, junto do tribunal a quo, requerendo que até que seja proferido Acórdão pelo STJ, tendo interposto recurso para fixação de jurisprudência, ao abrigo do disposto no nº. 2 do artigo 437º do C.P.P., que seja substituída a pena de prisão efetiva que lhe foi aplicada pelo regime de permanência na habitação, com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância.
Apreciando o aludido requerimento, a 1ª instância indeferiu-o, por despacho proferido em 15/02/2016.
Inconformado, o arguido recorreu de tal despacho, apresentado a respetiva motivação e extraíndo dela as seguintes conclusões (transcrição):
«PRIMEIRA: Sem se ignorar que o entendimento perfilhado no despacho recorrido consiste num entendimento jurisprudencial e até doutrinal quase unânime, a verdade é que, e sempre com o devido respeito, a questão em apreço nos autos não se limita apenas ao regime a aplicar em sede de execução da medida de prisão efetiva.
SEGUNDA: Com efeito, sabendo-se estar pendente recurso do Acórdão que havia confirmado a prisão efetiva ao arguido para o Supremo Tribunal de Justiça, ao abrigo do disposto no n.º 2 do artigo 437º do CPP; sabendo-se que a decisão que vier a ser proferida tem eficácia no processo, podendo o STJ rever a decisão recorrida ou reenviar o processo. (artigo 445º/1 e 2 do CPP).
TERCEIRA: O que se coloca no caso em apreço é evitar-se, adotando uma medida de prevenção, que o arguido possa ser submetido, ilegítima e ilegalmente, ao cumprimento da pena privativa de liberdade mais gravosa.
QUARTA: E sabendo-se que o aqui recorrente foi condenado na pena de prisão efetiva com fundamento numa suposta mas inexistente condenação anterior, que determinou, inclusive, não ser de aplicar ao arguido a eventual suspensão da execução da pena, os presentes autos, e com o aludido recurso interposto para o STJ, ainda se encontram na fase da permanência da habitação requerida poder ser aplicada em sede de sentença ou Acórdão.
QUINTA: Daí que se diga que, ao contrário do que sucedeu nos casos cujos Acórdãos foram mencionados no despacho recorrido, no caso em apreço a questão da substituição da prisão requerida não se esgota no regime aplicável em sede de execução da aludida pena de prisão.
SEXTA: E sabendo-se que o nosso regime jurídico-penal tem como objetivo primordial afastar o cumprimento de penas de prisão efetivas de curta e média duração e da prossecução da ressocialização em liberdade do arguido;
SÉTIMA: Tomando em particular as considerações de que a prevalência não pode deixar de ser atribuída a considerações de prevenção especial de socialização, por serem sobretudo elas que justificam, em perspectiva político-criminal, todo o movimento de luta contra a pena de prisão; e de que o tribunal só deve negar a aplicação de uma pena alternativa ou de uma pena de substituição quando a execução da prisão se revele … provavelmente mais conveniente do que aquelas penas;
OITAVA: haveremos de concluir que, no caso dos autos, a pena de substituição requerida se revela mais conveniente do que a pena de prisão efetiva, atendendo à eficácia que a decisão que venha a ser proferida pelo STJ terá no processo.
NONA: Até porque, como assim também foi alegado pelo arguido, no caso em apreço a substituição requerida, por manter inalterada a privação de liberdade do arguido, continua a realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição e não colide, nem põe em causa, o decidido pelo tribunal da Relação.»
Conclui o arguido/recorrente pugnando pela revogação do despacho recorrido e para que seja ordenada a substituição, provisória, até que seja decidido o recurso apresentado pera o STJ, da pena de prisão efetiva pelo regime de permanência na habitação na habitação, com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância.
O recurso foi regularmente admitido.
O Ministério Público, junto da 1ª Instância, apresentou resposta ao recurso, nos termos constantes de fls. 56 a 58 deste translado, que aqui se dão por reproduzidos, concluindo no sentido de dever ser negado provimento ao recurso.
Neste Tribunal, o Exmº. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer, que se mostra inserto a fls. 66 a 68, cujo teor aqui se dá por reproduzido, aderindo à posição defendida pelo Ministério Público junto da 1ª Instância, na resposta que o mesmo ofereceu e concluindo nos mesmos termos, no sentido de o recurso dever ser julgado improcedente.
Foi cumprido o disposto no art.º 417.º, n.º 2, do Cód. Proc. Penal, tendo o arguido/recorrente respondido, nos termos que constam de fls. 82 a 85, reiterando que o recurso deverá ser julgado procedente.
Efetuado exame preliminar e colhidos os vistos, vieram os autos à conferência, cumprindo agora apreciar e decidir.

2 – FUNDAMENTAÇÃO
É o seguinte o teor do despacho recorrido:

«(…)
Veio ainda o arguido requerer a substituição da pena de prisão efectiva que lhe foi aplicada por regime de permanência na habitação.
Porém, tal requerimento não pode ser admitido.
Na verdade, é entendimento jurisprudencial unânime (e resulta claramente da própria letra da lei, bem como da sua respectiva organização sistemática) que a obrigação de permanência na habitação corresponde a uma pena de substituição da prisão efectiva, que pode apenas ser aplicada em sede de sentença, e não um regime aplicável em sede de execução da aludida pena de prisão.
Veja-se, a título de exemplo, o Acórdão do Venerando Tribunal da Relação de Guimarães de 18 de Novembro de 2013, proc. n.º 2441/12.1PBBRG-A.G1, disponível in www.dgsi.pt, “De facto o regime de permanência na habitação a que alude o art. 44º CP constitui uma verdadeira pena de substituição da pena de prisão, como bem refere o MP na respectiva resposta e tem sido salientado amiúde por doutrina e jurisprudência. Não se trata, pois, de um mero regime de cumprimento da pena de prisão, que possa ser aplicado em momento posterior ao da condenação e sendo em exclusivo competente para a respectiva aplicação o Tribunal do julgamento no preciso momento em que o efectua”.
Em idêntico sentido, entre vários outros, vejam-se ainda os Acs. da Relação de Coimbra de 23/05/2012, proc. n.º 492/10.0GAILH.C1; de 27/06/2012, proc. n.º 81/10.9GBILH.C1; de 10/12/2013; proc. n.º 157/10.2GBSVV-A.C1, da Relação de Guimarães de 18/11/2013, proc. n.º 2441/12.1PBBRG-A.G1; da Relação do Porto, de 07/03/2012, proc. n.º 403/10.2GAVLC-A.P1; de 18/09/2013, proc. n.º 1781/10.9JAPRT-C.P1; e da Relação de Lisboa, de 01/09/2011, proc. n.º 44/08.4PTAGH-3.
O mesmo entendimento é perfilhado por Paulo Pinto de Albuquerque, in Comentário do Código Penal, 2.ª Edição, 2010, nota 2 ao art.º 44.º, págs. 212 e 213.
Deste modo, atento tudo o que se expôs, indefere-se a requerida substituição da pena de prisão efectiva por regime de permanência na habitação.
Notifique.

*
Oportunamente proceda à emissão dos mandados de detenção para cumprimento da pena de prisão a que o arguido foi condenado, conforme doutamente promovido.»

As conclusões da motivação recursiva balizam ou delimitam o respetivo objeto do recurso (cfr. artºs. 402º, 403º e 412º, todos do C.P.P.), delas se devendo extrair as questões a decidir em cada caso.
Tal não impede o conhecimento, também oficioso, dos vícios enumerados nas als. a), b) e c), do nº. 2 do artigo 410º do C.P.P., mas tão somente quando os mesmos resultem do texto da decisão recorrida por si só ou em sua conjugação com as regras da experiência comum (cfr. Ac. do STJ nº. 7/95 – in DR I-Série, de 28/12/1995, ainda hoje atual), bem como das nulidades principais, como tal tipificadas por lei.
No caso vertente, atentas as conclusões extraídas pelo recorrente da motivação de recurso apresentada, são suscitadas as seguintes questões:
1ª – Saber se é admissível a substituição, provisória, da pena de prisão efetiva em que o arguido foi condenado no processo, pelo regime de permanência na habitação, com fiscalização por meios de controlo à distância, até que seja proferido Acórdão, pelo STJ, no âmbito do recurso para a fixação de jurisprudência, nos termos do artigo 437º, nº. 2, do C.P.P., que o arguido interpôs, sendo uma das decisões objeto de tal recurso a sentença condenatória proferida no processo de onde foi extraído este translado;
2ª – Saber se a pendência do recurso mencionado em 1ª obsta a que se inicie o cumprimento da pena de prisão em que o arguido foi condenado, questão que se prende com os efeitos do recurso extraordinário para fixação de jurisprudência.
Cumpre, pois, apreciar e decidir:
Sob a epígrafe “Regime de permanência na habitação”, dispõe o artigo 44.º, do Código Penal, na redação da Lei n.º 59/2007, de 04 de Setembro;
1. Se o condenado consentir, podem ser executados em regime de permanência na habitação, com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância, sempre que o tribunal concluir que esta forma de cumprimento realiza de forma adequada e suficiente as finalidades da punição:
a) A pena de prisão aplicada em medida não superior a um ano;
b) O remanescente não superior a um ano da pena de prisão efectiva que exceder o tempo de privação da liberdade a que o arguido esteve sujeito, em regime de detenção, prisão preventiva ou obrigação de permanência na habitação em regime de detenção, prisão preventiva ou obrigação de permanência na habitação.
2. O limite máximo previsto no número anterior pode ser elevado para dois anos, quando se verifiquem, à data da condenação, circunstâncias de natureza pessoal ou familiar do condenado que desaconselham a privação da liberdade em estabelecimento prisional (…).
Tal como se faz notar no despacho recorrido, na resposta ao recurso apresentada pelo Ministério Público junto da 1ª instância e no parecer emitido pelo Exmº. PGA, que citam jurisprudência e doutrina nesse sentido, pode considerar-se hoje pacífico que a prisão em regime de permanência na habitação assume natureza de pena de substituição da pena de prisão.
O arguido/recorrente, pese embora, manifestando não ignorar ser esse o entendimento, nas suas palavras “quase unânime” da jurisprudência e até da doutrina, sustenta que a questão que está aqui em discussão, não se limita apenas ao regime a aplicar em sede de execução da pena de prisão efetiva, prendendo-se, na eventualidade da procedência do recurso para fixação de jurisprudência que interpôs e que se encontra pendente no STJ, com os efeitos que essa decisão terá em relação à decisão condenatória proferida nos presentes autos, acautelando-se, através dessa medida de prevenção, que o arguido/recorrente possa ser submetido, ilegítima e ilegalmente, ao cumprimento de uma pena privativa da liberdade mais gravosa.
Desde já, importa fazer notar que perfilhamos o entendimento, que se crê uniforme, não se conhecendo decisão dos nossos Tribunais Superiores em sentido contrário, de que o regime de permanência na habitação, previsto no artigo 44º do C.P., é uma pena autónoma, com natureza de pena de substituição da pena de prisão efetiva e que, por isso, só pode ser aplicada na sentença condenatória.
Assim sendo, no caso de, na sentença condenatória, ter sido aplicada pena de prisão efetiva, não pode, após o trânsito em julgado dessa sentença, vir a pena a ser alterada, o que, na prática, aconteceria, se se permitisse que a(o) execução/cumprimento da pena de prisão efetiva aplicada, tivesse lugar em regime de permanência na habitação.
E, neste âmbito, não poderá colher quaisquer considerações que possam ser tecidas acerca das finalidades das penas, dos efeitos negativos do cumprimento das curtas pena de prisão e das vantagens e/ou desvantagens que, para o condenado, poderá acarretar o cumprimento de uma ou de outra das penas, ou seja, da prisão da prisão efetiva e do regime de permanência na habitação, com meios de fiscalização por meios de controlo técnico à distância. A este propósito, merece a nossa concordância a argumentação expendida no Ac. da R.C. de 10/12/2013, proferido no proc. 157/10.2GBSVV-A.C1 e acessível no endereço www.dgsi.pt.
Cabe então perguntar:
Poderá este entendimento ser afastado ante a circunstância de se encontrar pendente no STJ, um recurso extraordinário para fixação de jurisprudência, interposto pelo arguido/recorrente, nos termos do disposto no artigo 437º, nº. 2 do CPP, sendo uma das sentenças, transitadas em julgado, objeto do recurso, a sentença condenatória proferida nos presentes autos?
Nesta situação, será legalmente admissível que, até que à prolação de Acórdão, pelo STJ, no âmbito de recurso extraordinário, o condenado, em pena de prisão efetiva, inicie o cumprimento da pena, em regime de permanência na habitação?
Entendemos que a resposta a qualquer das enunciadas questões é, necessariamente, negativa, pelas razões que passamos a explicitar.
Neste domínio, há que entrar em linha de conta com o efeito do recurso para fixação de jurisprudência, previsto no artigo 438º, nº. 3, do C.P.P. e com a força executiva da sentença condenatória, transitada em julgado, nos termos do disposto no artigo 467º, nº. 1, do C.P.P.
Assim:
Nos termos do disposto no nº. 3 do artigo 438º, o recurso para fixação de jurisprudência não tem efeito suspensivo.
A este propósito, escreve Paulo Pinto de Albuquerque, in Comentário do Código de Processo Penal, UCP, 3ª edição, pág. 1173, anotação 6: “A interposição do recurso para fixação de jurisprudência não tem efeito suspensivo, apesar de o recurso poder ter eficácia no processo em que foi interposto e, por essa via, poder determinar a ilegalidade da prisão sofrida pelo arguido condenado. A norma não viola, contudo, o direito de acessos aos tribunais, nem as garantidas de defesa, uma vez que o sujeito processual, já teve a oportunidade para discutir os seus argumentos jurídicos, em três, eventualmente, quatro, diferentes instâncias.”
Estando, como está in casu, transitada em julgado, a sentença condenatória, a pendência de um recurso extraordinário, para fixação de jurisprudência, não impede que se dê inicio à execução da pena de prisão aplicada ao arguido/recorrente.
Com efeito, relativamente às decisões com força executiva, dispõe o artigo 467º, nº. 1, do C.P.P.: As decisões penais condenatórias transitadas em julgado têm força executiva em todo o território português e ainda em território estrangeiro, conforme os tratados, convenções e regras de direito internacional.
Ou seja, transitada em julgado a decisão penal condenatória, passa-se de imediato à sua execução, dando-se início, nomeadamente, ao cumprimento da pena de prisão que tenha sido aplicada ao arguido. - Ac. da R.L. de 22/05/2012, proferido no proc. 88/09.9PJSNT-G.L1-5, acessível no endereço www.dgsi.pt.
Significa isto, que o facto de estar pendente recurso extraordinário, para fixação de jurisprudência, interposto pelo arguido/recorrente, não constitui circunstância impeditiva a que se inicie a execução da pena de prisão efetiva em que foi condenado no processo de que os presentes autos constituem translado.
Na hipótese de o recurso extraordinário para fixação de jurisprudência, ser julgado procedente, tendo essa decisão eficácia no processo em que o recurso foi interposto, conforme decorre do disposto no nº. 3 do artigo 443º do C.P.P., se o sentido da decisão do STJ contender com a pena de prisão efetiva, em que o arguido/recorrente, se mostra condenado e no caso de já se ter iniciado a execução dessa pena, cumprindo-se o que tiver sido decidido pelo STJ, será aplicada a jurisprudência fixada, não havendo qualquer ilegalidade da prisão sofrida pelo condenado, até esse momento.
Ante o exposto, impõe-se concluir que carece de total falta de fundamento legal, a pretensão do arguido/recorrente de substituição provisória, até que seja decidido o recurso extraordinário para fixação de jurisprudência, que apresentou, perante o STJ, da pena de prisão efetiva em que foi condenado nos autos, por sentença, já transitada em julgado, pelo regime de permanência na habitação, com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância.
Nesta conformidade, julga-se improcedente o recurso.

3 – DISPOSITIVO
Nestes termos, em face do exposto, acordam os Juízes que compõem a Secção Penal deste Tribunal da Relação de Guimarães em julgar improcedente o recurso, confirmando-se o despacho recorrido.
Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 4 UC´s (arts. 513º, nº. 1, do Código de Processo Penal e 8º, n.º 9, do Regulamento das Custas Processuais, e Tabela III anexa a este último diploma.
Notifique.

Guimarães, 15 de dezembro de 2016