Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
3016/18.7T8GMR-C.G1
Relator: JOSÉ ALBERTO MOREIRA DIAS
Descritores: INSOLVÊNCIA
INTERESSE EM AGIR
FACTOS ÍNDICE DE INSOLVÊNCIA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 11/15/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
Sumário (elaborado pelo relator):

1- O pressuposto processual inominado do interesse em agir relaciona-se com os princípios da indispensabilidade do recurso à via judicial e da proibição do excesso e da proporcionalidade, tendo ínsito a ideia de que o autor tem necessidade de recorrer à via judicial para fazer valer o seu direito e que o recurso a esse via e ao meio processual que escolheu para tutelar esse direito é justo, equilibrado e proporcional.

2- Não se verifica a exceção dilatória inominada da falta de interesse em agir quando o autor instaura processo de insolvência em que alega ser credor de créditos vencidos sobre a requerida de montante considerável e quando se pondera que o processo de insolvência é o único instrumento jurídico disponibilizado para dar solução à situação de insolvência do devedor, prosseguindo uma multiplicidade de interesses, incluindo, o interesse público, que não esgotam sequer se confundem com os fins de outras vias judiciais (ação declarativa ou executiva) a que o credor podia recorrer para a tutela do seu direito de crédito.

3- No âmbito do processo de insolvência vigora o ónus da impugnação especificada, pelo que, nos termos do art. 574º, n.ºs 1 e 2 do CPC, ex vi, art. 17º do CIRE, a matéria alegada pelo autor na petição inicial, que não seja impugnada pela requerida na oposição à insolvência, tem-se por provada por admissão.

4- Os factos-índice previstos no art. 20º, n.º 1 do CIRE são presunções legais, iuris tantum, de insolvência do devedor, em que ao credor basta alegar e provar a factualidade integrativa da presunção (facto base da presunção) para se presumir a insolvência do devedor.

5- Esses factos-índice são taxativos, mas não cumulativos, e são insuscetíveis de aplicação analógica.

6- O facto-índice previsto na al. f), do n.º 1 do art. 20º, apenas se aplica quando ocorra incumprimento de obrigações prevista no plano de insolvência, previsto e regulado nos arts. 192º a 222º do CIRE, ou no plano de pagamentos, previsto e regulado no art. 251º e ss. do mesmo diploma, não abrangendo incumprimento de obrigações aprovadas em plano de revitalização (PER).

7- A expressão “generalizada” que se encontra utilizada nos factos-índice de insolvência previstos nas als. a) e e), do n.º 1 do art. 20º do CIRE, significa suspensa ou incumprimento da “generalidade” das obrigações pelo devedor, isto é, pelo menos, da maioria dessas suas obrigações.
Decisão Texto Integral:
Acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Guimarães.

I. RELATÓRIO.

A. F., A. V., G. V., J. F., J. A., L. L., M. S., M. C., R. F., João, A. C., J. S., J. P., Rosa, Carmo, Manuel, Fernanda, Filomena, O. S., S. O. e A. G., instauraram a presente ação especial de insolvência contra X – Indústria Têxteis e Gráficas, S.A., com sede na Rua (…) Guimarães, pedindo que se declare a insolvência desta.

Para tanto alegam, em síntese, terem celebrado contrato de trabalho com a requerida;

Em 06/02/2016, a requerida deu entrada de PER em que todos os requerentes reclamaram os seus créditos, os quais foram aí reconhecidos, tendo, nesse processo, sido aprovado plano de recuperação da requerida, homologado por sentença transitada em julgado em 25/07/2016;

Nesse plano, a requerida ficou obrigada a pagar a todos os trabalhadores as quantias em dívida, em prestações mensais, com início em 25/08/2016, de acordo com o plano de fls. 75 verso a 77;
Acontece que a requerida não pagou a todos os requerentes as prestações vencidas de 25/09/2017 a 25/04/2018;

A requerida também não pagou aos dez primeiros requerentes as retribuições dos meses de agosto, setembro e outubro, sequer o subsídio de férias relativo ao ano de 2017;

Em consequência, os primeiros dez requerentes resolveram os respetivos contratos de trabalho, invocando justa causa;

A requerida também deve aos 11º a 20ª requerentes, as prestações aprovadas no âmbito do PER que se venceram de 25/09/2017 a 25/04/2018;
E deve ao 21º requerente as prestações que se venceram desde 25/10/2017 a 25/04/2018;
A requerida deve aos requerentes a quantia global de 438.714,17 euros.

A requerida deduziu oposição sustentando que os requerentes não teriam junto aos autos o mapa previsional que teria sido aprovado no âmbito do PER e, bem assim, que este tribunal seria materialmente incompetente para conhecer das resoluções com justa causa dos contratos de trabalho invocadas pelos requerentes;

Mais alegou que a falta de pagamento das retribuições se deveu a um período de dificuldade de tesouraria decorrente de ter encerrado a laboração para férias, bem com dificuldades em receber de clientes no período de férias, com o inerente acréscimo muito acentuado de despesas para as empresas decorrente do pagamento do subsídio de férias e contribuições para a Segurança Social;
Essas suas dificuldades momentâneas de tesouraria foram ainda incrementadas pelo facto de estar sujeita ao cumprimento do plano de recuperação;

Alegou ainda que os cálculos das indemnizações a que os requerentes se arrogam titulares estão efetuados com base em 45 dias de indemnização por cada ano de serviço;

Invocou a exceção dilatória da falta de interesse em agir dos requerentes em instaurar a presente ação, sustentando que todos os créditos que lhes pertenciam, já não lhes pertencem, uma vez que a Segurança Social ficou sub-rogada nos direitos daqueles, tendo o Fundo de Garantia Salarial já procedido à respetiva habilitação no âmbito do PER, não tendo estes qualquer interesse em que seja declarada a insolvência daquela;

Mais alegou que se encontra em laboração, a cumprir com os clientes, de quem já tem um volume considerável de encomendas, tem crédito bancário e de fornecedores, o seu passivo tem diminuído e tem um ativo bastante considerável.

Conclui pela improcedência da ação e, subsidiariamente, caso assim não se entenda, que lhe seja atribuída a administração da massa insolvente e seja admitida a apresentar um plano de insolvência, no prazo de trinta dias.

Realizada audiência final, foi proferida sentença, julgando a ação procedente e que consta da seguinte parte dispositiva:

“Face a todo o exposto, julgando procedente a presente ação:

1- Declaro a insolvência da sociedade “ X – INDÚSTRIAS TÊXTEIS e GRÁFICAS, S. A. ”, NIF ..., sociedade anónima, com sede na Rua … Guimarães.
2- Fixo a residência aos administradores da insolvente em:

- C. M. X, NIF: …, residente na Avenida … Porto.
- F. M. X, NIF: ..., residente na Rua … Guimarães.
3- Como Administrador da Insolvência nomeio o Sr. Dr. António (arts. 36º, al. d) e 56º nº2 do CIRE).
4- Desconhecendo-se a dimensão da massa insolvente, por ora, não se nomeia Comissão de Credores.
5- Determino que a insolvente proceda à entrega imediata ao administrador da insolvência dos documentos a que aludem as alínea a), b), c), d), e), f) e, sendo o caso, g) e h) do nº 1 do art. 24º (art. 36º al. f) do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresa).
6- Ordeno a imediata apreensão, para imediata entrega ao administrador da insolvência, dos elementos da contabilidade da insolvente e de todos os seus bens, ainda que arrestados, penhorados ou por qualquer forma apreendidos ou detidos (art. 36º al. g) do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresa).
7- Fixo em 30 dias o prazo para a reclamação de créditos (art. 36º al. j) do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresa).
8- Dê publicidade à sentença nos termos previstos no art. 38º nº 8 e 37º nºs 7 e 8 do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (na versão introduzida pelos Decretos Lei nº 116/08 de 04/07 e 185/2009 de 12/08).
10- Notifique a presente sentença:

a) ao administrador da insolvente referido supra em 2), pessoalmente, enviando cópia da petição inicial (art. 37º nº1 do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresa);
b) ao insolvente nos termos do disposto no nº2 do art. 37º;
c) ao Ministério Público (art. 37º nº2 do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresa);
d) à Comissão de Trabalhadores (art. 37º nº2 do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresa).
11- Cite os credores nos termos do art. 37º nºs 3 e 5 e os demais credores e outros interessados, nos termos do art. 37º nº 7 do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresa.
12- Remeta certidão à Conservatória do Registo Comercial competente, no prazo de 5 dias, nos termos e para os efeitos previstos no art. 38º nº2, al. b) e nº 5 do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresa e arts. 9º, als. i) e l) do Código de Registo Comercial.
Após trânsito em julgado desta sentença remeta certidão com nota de trânsito.
13- Cumpra o disposto no art. 38º nº 6 do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresa (na versão introduzida pelos Decreto Lei nº 116/08 de 04/07 e 185/2009 de 12/08).
14- Avoco todos os processos de execução fiscal pendentes contra a insolvente a fim de serem apensados ao presente processo (art. 181º nºs 2 e 4 do Código de Processo Tributário).
Comunique a presente sentença à DGI, à Repartição de Finanças de competente e ao IGFSS.
15- Comunique a presente decisão ao Fundo de Garantia Salarial, nos termos e para os efeitos do disposto no nº2 do art. 37º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas.
16- Nos termos dos arts. 36º, nº2 e 224º, ambos do CIRE consigna-se que a administração da massa insolvente é atribuída à requerida, atenta a possibilidade de apresentação de plano de insolvência pelo menos até à Assembleia de Credores.
17- Custas pela massa insolvente (art. 304º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresa).
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Nos termos do disposto no art. 36º, al. l) do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresa, ficam advertidos os credores do insolvente de que devem comunicar de imediato ao administrador da insolvência a existência de quaisquer garantias reais de que beneficiem.
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Nos termos do disposto no art. 36º, al. m) do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresa, ficam os devedores da insolvente advertidos de que as prestações a que estejam obrigados deverão ser feitas ao administrador da insolvência e não ao insolvente.
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Nos termos do disposto no art. 88º nº1 do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresa, com a presente sentença fica vedada a possibilidade de instauração ou de prosseguimento de qualquer acção executiva que atinja o património da insolvente.
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Para realização da Assembleia de Credores designo o próximo dia 11/09/2018, pelas 13h50.
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Notifique o Sr. Administrador nomeado para vir aos autos, no prazo de 8 dias, para efeitos de ulterior processamento de remuneração, indicar o seu nº de contribuinte fiscal e o regime de tributação a que está sujeito, bem como o seu nº de identificação bancária, para efeitos de ulterior processamento de pagamentos.
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Caso não resulte a existência de liquidez da massa insolvente, nos termos conjugados do disposto nos arts. 60º nº1 do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresa, 22º, 23º nºs 1, 29º nº10 e 30º nº1 da Lei nº 22/13 de 26/02 (Estatuto do Administrador Judicial) e dos arts. 1º nº1 e 3º nºs 1 e 2 da Portaria nº 51/2005 de 20/01, dê-se pagamento ao Sr. Administrador, logo que este manifeste a aceitação, a cargo do Instituto de Gestão Financeira e de Infra-Estruturas da Justiça, IP:
- € 250 a título de primeira prestação de provisão para despesas.
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A segunda prestação de provisão para despesas, no montante de € 250, será paga imediatamente após a elaboração do relatório previsto no art. 155º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresa.
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A 1ª prestação de remuneração devida ao Sr. Administrador, a suportar pela massa insolvente, é de € 1 000”.

Inconformada com o assim decidido, veio a requeria interpor o presente recurso de apelação, em que apresenta as seguintes conclusões:

O ponto 5. da matéria de facto dada como provada foi incorretamente julgado, pois conforme consta do ponto II. 3. do corpo destas alegações, por o segmento "deixou de cumprir esse plano de pagamento" consubstanciar um conceito de direito e por a palavra "identificadas" não ter qualquer conexão com os anteriores factos provados, impõem-se que a redação do ponto 5. dos factos provados, seja alterada, passando a constar do mesmo a seguinte redacção:

"5. A requerida é devedora a todos os requerentes de 8 prestações vencidas em: 25/09/2017; 25/10/2017; 25/11/2017; 25/12/2017; 25/01/2018; 25/02/2018, 25/03/2018 e 25/04/2018."
O ponto 6. da matéria de facto dada como provada foi incorretamente julgado, pois conforme consta do ponto II. 4. do corpo destas alegações, por o segmento "aos requerentes" ter de ser limitado "aos dez primeiros requerentes", impõe-se que a redação do ponto 6. dos factos provados, seja alterada, passando a constar do mesmo a seguinte redacção:
"6. A ora requerida também não pagou as retribuições referentes ao trabalho prestado nos meses de Agosto, Setembro, Outubro e subsídio de férias relativos ao ano de 2017 aos dez primeiros requerentes."
O ponto 7. da matéria de facto dada como provada foi incorretamente julgado, pois conforme consta do ponto II. 5. do corpo destas alegações, por falta de prova dos segmentos fácticos "Apesar de várias insistências dos requerentes" e "já que todos eles dependiam exclusivamente dos rendimentos do trabalho para fazer face às despesas e custos da sua vida pessoal e familiar", impõem-se que a redação do ponto 7. dos factos provados, seja alterada, passando a constar do mesmo a seguinte redação:
"7. A ora requerida não só não pagou as prestações em dívidas previstas no PER, como a retribuições relativas ao trabalho prestado desde Agosto de 2017 até Outubro de 2017, o que causou prejuízos aos 1º, 2º, 3, 4º, 5º, 6º, 7º, 8º, 9 º e 10º requerentes."
O ponto 12. da matéria de facto dada como provada foi incorretamente julgado, pois conforme consta do ponto II. 6. do corpo destas alegações, por o segmento "a requerida deve aos requerentes onze (11) prestações previstas no PER", estar em contradição com os pontos 5. e 13. dos factos provados, impõem-se que a redação do ponto 12. dos factos provados, seja alterada, passando a constar do mesmo a seguinte redacção:

"12. Das 24 prestações a pagar aos requerentes no âmbito do PER, a recorrente pagou 13 prestações."
Contrariamente ao que consta da sentença recorrida, a invocação dos factos - índice do nº 1 do artº 20º do CIRE, apenas serve para verificar da legitimidade dos requerentes para requerer a insolvência da recorrente.
Da análise dos factos alegados na petição, bem como, dos factos alegados na oposição, verifica-se que os requerentes não tinham qualquer interesse em agir ao requerer a insolvência da recorrente, pois com a declaração de insolvência os requerentes, bem como os outros credores da recorrente, não ficavam mais protegidos do que, na instauração das competentes ações para cobrança dos seus respetivos créditos, pelo que, a sentença recorrida deve ser revogada e substituída por outra, que absolva a recorrente da instância, com base na exceção dilatória da falta de interesse em agir.
A alínea f) do nº 1 do artº 20º do CIRE é inaplicável aos casos de incumprimento do PER, pois essa alínea não prevê esse incumprimento, nem se pode aplicar a mesma por analogia, uma vez que nesta alínea está subjacente uma convicção forte de que o devedor já beneficiou de uma oportunidade para sair da insolvência e no PER o devedor não está, nem chega a ser declarado insolvente.
Ora, como a sentença recorrida declara insolvente a recorrente, única e exclusivamente, com base na alínea f) do nº 1 do artº 20º do CIRE, e esta alínea não se aplica aos casos de incumprimento das obrigações do PER, a mesma deve ser revogada e substituída por outra que julgue a ação improcedente e absolva a recorrente do pedido.
Caso assim, não se entenda, a verdade é que nos termos da alínea a) do nº 1 do artº 218º do CIRE, não há incumprimento do PER, pois os requerentes não enviaram interpelação escrita para a recorrente, no prazo de 15 dias, cumprir as prestações que estavam em mora, acrescida dos juros moratórios.
10º Face à inexistência de incumprimento do PER, nos termos da alínea a) do nº 1 do artº 218º do CIRE, não se verifica o facto-índice da alínea f) do nº 1 do artº 20º do CIRE, bem como, não resultando dos factos provados, o preenchimento de qualquer outro facto-índice do nº 1 do artº 20º do CIRE, a sentença recorrida deve ser revogada e substituída por outra que julgue a ação improcedente e absolva a recorrente do pedido.

Assim, a sentença recorrida, por erro de aplicação e de interpretação violou, além do mais, o disposto nos arts. 20º, nº 1 e 218º, nº 1, a) do CIRE, pelo que na procedência das anteriores conclusões, deve a sentença recorrida ser revogada e substituída por outra, que absolva a recorrente da instância ou, caso assim não se entenda, que julgue a acção improcedente com as legais consequências.
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Não foram apresentadas contra-alegações.
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Corridos os vistos legais, cumpre decidir.
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II- FUNDAMENTOS

O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação da apelante, não podendo esta Relação conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso - cfr. artigos 635.º, nº 4, e 639.º, nºs 1 e 2, do CPC.

No seguimento desta orientação, as questões que são submetidas à apreciação deste tribunal são as seguintes:

a- se a sentença recorrida padece de erro de direito ao ter julgado improcedente a exceção dilatória da falta de interesse em agir dos apelados em instaurar a presente ação, requerendo a declaração de insolvência da apelante;
b- se aquele sentença padece de erro de julgamento quanto à matéria de facto que nela foi julgada como provada nos pontos 5º, 6º, 7º e 12º e se, uma vez revisitada e reponderada essa mesma prova, se impõe alterar a matéria neles julgada provada nos seguintes termos:

5- A requerida é devedora a todos os requerentes de 8 prestações vencidas em: 25/09/2017; 25/10/2017; 25/11/2017; 25/12/2017; 25/01/2018; 25/02/2018; 25/03/2018 e 25/04/2018;
6- A ora requerida também não pagou as retribuições referentes ao trabalho prestado nos meses de agosto, setembro, outubro e subsídio de férias relativos ao ano de 2017 aos dez primeiros requerentes;
7- A ora requerida não só não pagou as prestações em dívida previstas no PER, como as retribuições relativas ao trabalho prestado desde agosto de 2017 até outubro de 2017, o que causou prejuízos aos 1º, 2º, 3º, 4º, 5º, 6º, 7º, 8º, 9º e 10º requerentes;
12- Das 24 prestações a pagar aos requerentes no âmbito do PER, a recorrente pagou 13 prestações”;

c- se a sentença recorrida padece de erro de direito quanto à decisão de mérito nela proferida por:
c.1- o art. 20º, n.º 1, al. f) do CIRE não se aplicar em caso de incumprimento das obrigações do PER;
c.2- não haver incumprimento do PER, por nos termos do art. 218º, n.º 1, al. a) do CIRE esse incumprimento estar dependente do envio de interpelação escrita à apelante, no prazo de quinze dias, pelos credores para que cumpra as prestações em mora, acrescidas de juros de mora; e por
c.3- não se verificar nenhum dos factos-índice de insolvência previstos no art. 20º, n.º 1 do CIRE.
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A- FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

O tribunal a quo julgou provados e não provados os seguintes factos:

Com interesse para a decisão da causa, encontram-se provados os seguintes factos:

1. Em 06-02-2016 a requerida, deu entrada de um Processo Especial de Revitalização (PER) que correu termos na Comarca de Braga – Instância Central de Guimarães – 1ª. Secção de Comércio - J1, com o nº 849/16.2T8GMR.
2. E todos os aqui requerentes reclamaram nesse processo os seus créditos, os quais foram reconhecidos pelo Sr. Administrador Judicial Provisório nomeado.
3. Decorridas as negociações no decurso do Processo Especial de Revitalização (PER), entre todos os credores e requerida, foi aprovado o Plano de Recuperação de Empresa, o qual foi homologado por sentença judicial, que transitou em julgado em 25-07-2016.
4. Nesse Plano de Recuperação de Empresa, a requerida ficou obrigada a pagar a todos os trabalhadores/credores as quantias em dívida, em prestações mensais, com início em 25/08/2016.
5. E a requerida deixou de cumprir esse plano de pagamento, sendo devedora a todos os requerentes identificadas 8 prestações vencidas em: 25/09/2017; 25/10/2017; 25/11/2017; 25/12/2017; 25/01/2018; 25/02/2018, 25/03/2018 e 25/04/2018.
6. A ora requerida também não pagou as retribuições referentes ao trabalho prestado nos meses de Agosto, Setembro, Outubro e subsídio de férias relativos ao ano de 2017 aos requerentes.
7. Apesar de várias insistências dos requerentes, a ora requerida não só não pagou as prestações em dívidas previstas no PER, como a retribuições relativas ao trabalho prestado desde Agosto de 20 17 até Outubro de 2017, o que causou prejuízos aos 1º, 2º, 3, 4º, 5º, 6º, 7º, 8º, 9 º e 10º requerentes, já que todos eles dependiam exclusivamente dos rendimentos do trabalho para fazer face às despesas e custos da sua vida pessoal e familiar.
8. E os primeiros 10 (dez) requerentes através de carta registada com aviso de receção e de fax comunicaram à ora requerida a resolução do contrato de trabalho com efeitos imediatos nas datas a seguir indicadas, com fundamento na falta culposa de pagamento pontual das retribuições devida por um período superior a 60 dias, nos termos do n.º 5 do art.º 394.º e n.ºs 1 e 2 do art.º 395 da mesma lei, das retribuições referentes aos meses de Agosto de 2017, bem como da retribuição dos meses de setembro e outubro de 2017, o subsídio de férias de 2017 e 2 prestações conforme acordo do processo especial de revitalização (PER) – proc. nº 849/16.2T8GMR já vencidas nas seguintes datas:

- O 1º. requerente em 8/11/2017 ( cfr. doc. nº 11 e 12);
- O 2º. requerente em 8/11/2017 ( cfr. doc. nº 13 e 14);
- O 3º. requerente em 8/11/2017 ( cfr. doc. nº 15 e 16);
- O 4º. requerente em 8/11/2017 ( cfr. doc. nº 17 e 18) ;
- O 5º. requerente em 6/11/2017 ( cfr. doc. nº 19 e 20);
- O 6º. requerente em 8/11/2017 ( cfr. doc. nº 21 e 22);
- O 7º. requerente em 8/11/2017 ( cfr. doc. nº 23 e 24);
- O 8º. requerente em 8/11/2017 ( cfr. doc. nº 25 e 26);
- O 9º. requerente em 6/11/2017 ( cfr. doc. nº 27 e 28);
- O 10º. Requerente em 04/10/2017 (cfr. doc nº 29).
9. E também são credores da requerida, a título de subsídio de alimentação não pago pelo trabalho prestado nos meses de Agosto (9 dias) Setembro (21 dias), Outubro (21 dias) e Novembro (2 dias ou 5 dias) de 2017, conforme a data de resolução do contrato de trabalho referida da quantia de € 1.303,50, assim discriminada:

- Ao 1º requerente a quantia de € 140,00 = ( € 2,50 x 56d) = ( 9d + 21d + 21d + 5d);
- Ao 2º requerente a quantia de € 140,00 = ( € 2,50 x 56d) = ( 9d + 21d + 21d + 5d)
- Ao 3º requerente a quantia de € 140,00 = ( € 2,50 x 56d) = ( 9d + 21d +21d + 5d);
- Ao 4º requerente a quantia de € 140,00 = ( € 2,50 x 56d) = ( 9d + 21d + 21d + 5d);
- Ao 5º requerente a quantia de € 132,50 = ( € 2,50 x 53d) = ( 9d + 21d +21d + 2d);
- Ao 6º requerente a quantia de € 134,40 = ( € 2,40 x 56d) = ( 9d + 21d +21d + 5d);
- Ao 7º requerente a quantia de € 127,20 = ( € 2,40 x 53d) = ( 9d + 21d + 21d + 2d);
- Ao 8º requerente a quantia de € 134,40 = ( € 2,40 x 56d) = ( 9d + 21d + 21d + 2d);
- Ao 9º requerente a quantia de € 132,50 = ( € 2,50 x 53d) = ( 9d + 21d+ 21d + 2d);
- Ao 10º requerente a quantia de € 82,50 = ( € 2,50 x 33d) = ( 9d + 21d+ 3d);
10. Os 10 (dez primeiros requerentes) também são credores das retribuições vencidas e não pagas a título de férias não gozadas no ano de 2017 e subsídio se férias do ano de 2017 da quantia global de € 3.438,15, conforme se discrimina:
- Ao 1.º requerente: € 811,25 = (€ 150,25 = [(5 dias úteis) x € 30,05) + €661,00 totalidade do subsídio de férias];
- Ao 2.º requerente: € 204,02 = (€ 126,60 = [(5 dias úteis) x € 25,32) + €77,42 subsídio de férias do ano de 2017];
- Ao 3.º requerente: € 297,31 = (€ 181,80 = [(5 dias úteis) x € 36,36) + €115,51 subsídio de férias do ano de 2017];
- Ao 4.º requerente: € 238,54 = (€ 148,05 = [(5 dias úteis) x € 29,61) + € 90,49 subsídio de férias do ano de 2017];
- Ao 5.º requerente: € 314,77 = (€ 189,55 = [(5 dias úteis) x € 37,91) + € 125,22 subsídio de férias do ano de 2017];
- Ao 6.º requerente: € 204,02 = (€ 126,60 = [(5 dias úteis) x € 25,32) + € 77,42 subsídio de férias do ano de 2017];
- Ao 7.º requerente: € 683,60 = (€ 126,60 = [(5 dias úteis) x € 25,32) + € 557,00 subsídio de férias do ano de 2017];
- Ao 8.º requerente: € 204,02 = (€ 126,60 = [(5 dias úteis) x € 25,32) + € 77,42 subsídio de férias do ano de 2017];
- Ao 9.º requerente: € 240,31 = (€ 144,75 = [(5 dias úteis) x € 28,95) + € 95,56 subsídio de férias do ano de 2017];
- Ao 10.º requerente: € 240,31 = (€ 144,75 = [(5 dias úteis) x € 28,95) + € 95,56 subsídio de férias do ano de 2017];
11. Deve ainda a Insolvente aos primeiros 10 (dez reclamantes), as retribuições correspondentes às férias, subsídio de férias e subsídio de Natal proporcionais ao trabalho prestado no ano da cessação do contrato de trabalho no ano de 2017 de cada requerente, no montante de € 11.937,10, conforme aqui se especifica:

- Ao 1º requerente: € 1.694,16 = [(312 d x € 1,81) = € 564,72 x 3)], relativos a férias, subsídio de férias e Natal/2017;
- Ao 2º requerente: € 954,72 = [ (312 d x € 1,53) = € 477,36 x 2)] relativos a férias e subsídio de férias/2017;
- Ao 3º requerente: € 1.366,56 = [(312 d x € 2,19) = € 683,28 x 2)] relativos a férias e subsídio de férias/2017;
- Ao 4º requerente: € 1.110,72 = [(312 d x € 1,78) = € 555,36 x 2)] relativos a férias e subsídio de férias/2017;
- Ao 5º requerente: € 1.413,60 = [(310 d x € 2,28) = € 706,80 x 2)] relativos a férias e subsídio de férias/2017;
- Ao 6º requerente: € 954,72 = [(312 d x € 1,53) = € 477,36 x 2)] relativos a férias e subsídio de férias/2017;
- Ao 7º requerente: € 1.422,90 = [(310 d x € 1,53) = € 474,30 x 3)] relativos a férias, subsídio de férias e Natal/2017;
- Ao 8º requerente: € 954,72 = [(312 d x € 1,53) = € 477,36 x 2)] relativos a férias e subsídio de férias/2017;
- Ao 9º requerente: € 1.085,00 = [(310 d x € 1,75) = € 542,50 x 2)] relativos a férias e subsídio de férias/2017;
- Ao 10º requerente: € 980,00 = [(280 d x € 1,75) = € 490,00 x 2)] relativos a férias e subsídio de férias/2017.
12. A requerida deve aos requerentes onze (11) prestações previstas no PER, assim, tendo em conta que a requerida devia pagar a todos os requerentes acima identificadas as quantias relativas as 24 prestações e apenas pagou 13 prestações a cada requerente, encontram-se deste modo as prestações vencidas desde 25/09/2017 até integral pagamento.
13. A requerida também deve aos ex-trabalhadores aqui identificados como requerentes nºs. 11.º a 20.º, 8 prestações que se venceram em 25/09/2017, 25/10/2017, 25/11/2017, 25/12/2017, 25/01/2018, 25/02/2018, 25/03/2018, 25/04/2018, da quantia global de € 31.747,37, aqui discriminada por cada requerente:

- Ao 11.º - requerente, € 4.137,69 = (8 prestações x € 517,21; A. C.
- Ao 12.º - requerente, € 2.641,36 = (8 prestações x € 330,17; J. S.
- Ao 13.º- requerente, € 3.843,76 = (8 prestações x € 480,47);J. P.
- Ao 14.º- requerente, € 3.899,92 = (8 prestações x € 487,49));Rosa
- Ao 15.º - requerente, € 2.748,80 = (8 prestações x € 343,60);Carmo
- Ao 16.º- requerente, € 4.671,36 = (8 prestações x € 583,92);Manuel
- Ao 17.º- requerente, € 2.560,00 = (8 prestações x € 320,00); Fernanda;
- Ao 18.º- requerente, € 2.466,64 = (8 prestações x € 308,33);Filomena;
- Ao 19.º- requerente, € 2.444,48 = (8 prestações x € 305,56);O. S.
- Ao 20º.- requerente, € 2.333,36 = (8 prestações x € 291,67);S. O.
14. A requerida também deve ao requerente aqui identificado com o nº. 21 as prestações vencidas e não pagas desde 25/10/2017, 25/11/2017, 25/12/2017, 25/01/2018, 25/02/2018, 25/03/2018, 25/03/2018, 25/04/2018, conforme sentença proferida no proc. nº 6954/16.8T8GMR que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca de Braga – Juízo do Trabalho de Guimarães – Juiz 2, conforme melhor se alcança pelo doc nº 30, da quantia de € 1.760,00 = ( € 220,00 x 8).
15. O património da requerida vale no mínimo 250.000,00 €.
16. O Fundo de Garantia Salarial já procedeu à respetiva habilitação no processo especial de revitalização.
17. Na execução do plano de recuperação aprovado no âmbito do PER, o passivo da requerida tem diminuído.
18. Nomeadamente, o valor do crédito da Segurança Social que passou de 1.380.912,00 €, para 1.163.543,79 €.
19. Também, o valor do crédito do Banco A, S.A., que antes do PER estava em 150.383,83 €, ficou reduzido para 10.482,38 €.
20. Mais, se refira que o crédito do Banco B encontra-se integralmente pago.
21. A requerida tem ainda um crédito para com S., SA que ascende a € 1.017.030,35.
22. E à Autoridade Tributária é devedora da quantia de 88.889,18 euros.
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Factos não provados.

Não se provaram quaisquer outros factos com relevo para a decisão a causa.
*
B- FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA

Nos termos do disposto no art. 608º, n.º 3 do CPC, aplicável aos acórdãos da Relação por força do n.º 2 do art. 663º, a sentença conhece em primeiro lugar, das questões que possam determinar a absolvição da instância, segundo a ordem imposta pela precedência lógica.

Subjacente a este comando legal estão razões de economia e celeridade processual, uma vez que a procederem eventuais exceções dilatórias invocadas pelos recorrentes ou que incumba ao tribunal conhecer oficiosamente, obstando estas ao conhecimento do mérito da causa e dando lugar à absolvição da instância (art. 576º, n.º 2 do CPC), automaticamente ficará prejudicado o conhecimento dos restantes fundamentos de recurso suscitados pelos recorrentes.

Dita esta solução que, no caso em análise, de entre as várias questões acima elencadas que a apelante submete à apreciação desta Relação, a primeira questão que se impõe apreciar é a da exceção dilatória inominada da falta de interesse em agir dos apelados em instaurar a presente ação peticionando a declaração de insolvência da apelante, dado que se trata de exceção dilatória que, como tal, em caso de procedência, leva à absolvição daquela da instância e, em consequência, opera a imediata inutilidade do conhecimento dos restantes fundamentos de recurso aduzidos pela apelante.

B.1- Da exceção dilatória inominada da falta de interesse em agir.

Sustenta a apelante que ao julgar a exceção dilatória da falta de interesse em agir dos apelados para intentar a presente ação, em que peticionam a declaração de insolvência daquela, improcedente, a sentença recorrida padece de erro de direito uma vez que os factos índice previstos no art. 20º do CIRE apenas conferem legitimidade para o credor instaurar ação de insolvência, mas já não servem para indagar se aquele tem ou não interesse em agir.

Mais alega que é a partir dos factos alegados na petição e, bem assim na oposição que se tem de verificar se os requerentes têm ou não interesse em agir ao requererem a insolvência da apelante.

Acontece que da análise desses factos alegados, verifica-se que os apelados não têm qualquer interesse em agir, utilizando o processo apenas para pressionar a apelante no sentido de lhes pagar os valores astronómicos que invocam, sob pena desta poder vir a ser declarada insolvente.

Os apelados não têm interesse em requerer a insolvência da apelante para obter o pagamento dos seus créditos do Fundo de Garantia Salarial e não invocam qualquer outro interesse, sequer se vislumbra que os mesmos, enquanto credores da apelante, fiquem mais protegidos com a insolvência, quando no cumprimento do PER, o passivo desta está a diminuir.

No sentido de obter o pagamento dos créditos que se arrogam titulares, os apelados deveriam lançar mão das competentes ações declarativas ou executivas.

Caso se entenda que para cobrar os créditos, os credores podem lançar mão da ação de insolvência, bastando alegar que é credor e que não se obteve pagamento, então as ações de insolvência deixariam de ser exceção e passariam a ser a regra.

Conclui no sentido de se julgar procedente a exceção dilatória da falta de interesse em agir dos apelados para instaurarem a presente ação peticionando a declaração de insolvência daquela.

Vejamos se assiste razão à apelante nas críticas que aduz à sentença recorrida.

A lei processual civil nacional não faz referência expressa ao interesse em agir no elenco das exceções dilatórias, mas encontra-se emanações desse pressuposto processual em sede de custas, no art. 535º, n.ºs 1 e 2 do CPC, ao fazer recair as custas do processa sobre o autor sempre que esta proponha a ação e não haja contestação quando na ação se proponha exercer um direito potestativo que não tenha origem em qualquer facto ilícito praticado pelo autor (al. a), do n.º 2); quando a obrigação do réu só se vença com a citação ou depois de proposta a ação (al. b) daquele n.º 2); quando o autor esteja munido de título com manifesta força executiva e recorra ao processo de declaração (al. c)) ou quando o autor, podendo logo interpor recurso de revisão, faça uso sem necessidade do processo de declaração (al. d) o mesmo n.º 2).

O interesse em agir, também denominado de “interesse processual” e na doutrina germânica de “necessidade de tutela judiciária”, consiste “na necessidade de usar do processo, de instaurar ou fazer prosseguir a ação”, ou seja, o autor terá interesse em agir “quando a situação de carência em que se encontre, necessite de intervenção dos tribunais” (1).

Dito por outras palavras, o interesse em agir consiste “em o direito do demandante estar carecido de tutela judiciária. É o interesse em utilizar a arma judiciária – em recorrer ao processo” (2).

O interesse em agir está, pois, relacionado com a necessidade do autor de recorrer ao processo com vista à proteção dos seus interesses de ordem substancial e tem como pressuposto a lesão desse seu interesse e a idoneidade da providência requerida para a reintegração ou, tanto quanto possível, a integral satisfação desse seu interesse (3).

Para que esse interesse se afirme não tem o autor de ter uma absoluta necessidade de recorrer às vias judiciais, sequer este recurso tem de constituir a única ou última via aberta para a realização do seu interesse, pois “não se trata de uma necessidade estrita, nem tão-pouco de um qualquer interesse vago e remoto que seja; trata-se de algo intermédio: de um estado de coisas reputado bastante grave para o demandante, por isso tornando legítima a sua pretensão a conseguir por via judiciária o bem que a ordem jurídica lhe reconhece” (4).

Pelo pressuposto processual do interesse em agir exige-se assim, que o autor tenha uma necessidade justificada, razoável, fundada, de lançar mão do processo ou de fazer prosseguir a ação, mas não mais do que isso (5).

Trata-se, por conseguinte, de um pressuposto processual que se relaciona com os princípios da indispensabilidade do meio, da proibição do excesso e da proporcionalidade, que tem ínsita a ideia que o autor tem necessidade de recorrer à via judicial para fazer valer o seu direito e que o recurso a essa via e o meio processual que escolhe é a via e o meio justo, equilibrado e proporcional para satisfazer o mesmo (6).

Consequentemente, sempre que essa necessidade de recurso à via judicial e o processo escolhido se afirmem desnecessários, injustos, desequilibrados e/ou desproporcionais para satisfazer o direito do autor, deverá concluir-se que este não tem interesse em agir e, consequentemente, deverá absolver-se o réu da instância.

O fundamento teleológico do reconhecimento deste pressuposto processual reside, por um lado, na necessidade de tutela dos interesses do demandado, evitando-se que este seja obrigado a vir a juízo defender-se, sob pena de não o fazendo incorrer em cominações processuais graves, com os inerentes custos, perturbações e o gravame inerente à posição de demandado, e, por outro lado, visa-se a salvaguarda do interesse público, evitando-se que os tribunais, cujos custos de funcionamento são suportados pela coletividade e cujos meios são escassos, sejam desnecessariamente ocupados com a resolução de querelas inúteis, reconhecendo-se que os particulares só devem ser admitidos a tomar-lhes o seu tempo e atividade quando os seus direitos estejam efetivamente carecidos de tutela judiciária (7)

Como é bom de ver o pressuposto processual do interesse em agir não se confunde com os demais pressupostos processuais, designadamente com a ausência de personalidade e capacidade judiciárias ou com irregularidade de representação das partes em juízo, na medida em que estes se referem a qualidades ou atributos inerentes às pessoas dos litigantes, enquanto o interesse em agir se reporta à situação objetiva de necessidade do demandante de recorrer à via judicial para tutelar o seu direito.

O pressuposto em apreço também não se confunde com a legitimidade. É que embora o pressuposto processual de legitimidade assente no interesse em demandar ou contradizer (art. 30º do CPC), o autor pode ser o titular da relação material controvertida tal como a desenha e, consequentemente, ter interesse na apreciação jurisdicional dessa relação e, por conseguinte, dispor de legitimidade ativa, mas, não obstante isso, não ter interesse em agir, porque ninguém colocou em crise o direito que o mesmo se arroga titular e que pretende tutelar com a instauração da ação e, logo, não dispor de qualquer necessidade para recorrer à via judicial para tutelar esse seu direito.

Precise-se que, contrariamente ao que vem propugnado pela apelante, tal como os demais pressupostos processuais, é a partir da relação controvertida, tal como esta vem desenhada pelo autor, que se terá de atender para verificar se o mesmo se encontra necessitado de recorrer à via judicial para tutelar o seu direito e se essa via e o concreto meio processual que escolheu, se revelam justos, equilibrados e proporcionais para satisfazer esse seu direito, posto que, de contrário, já se estaria a entrar no mérito da causa, quando, como se sabe, tratando-se aqui de pressupostos processuais, do que se trata, é de aquilatar se estão recolhidas as “condições mínimas consideradas indispensáveis para, à partida, garantir uma decisão idónea e um decisão útil da causa” (8), sem o que fica vedada a possibilidade do juiz entrar, sequer, na apreciação do mérito da causa.

Revertendo ao caso sub judice, sustenta a apelante que os apelados não têm interesse em agir, uma vez que não têm necessidade de recorrer ao presente processo de insolvência para obter a satisfação dos seus créditos do Fundo de Garantia Salarial; quando os mesmos deviam lançar mão das competentes ações declarativas ou executivas com vista à satisfação dos créditos de que se arrogam titulares; quando não se vislumbra que os mesmos venham a ficar mais protegidos com a declaração da insolvência daquela; e, finalmente, quando os apelados apenas utilizam o processo de insolvência para a pressionar no sentido de lhes pagar os valores astronómicos que invocam, sob pena de prosseguirem com a presente ação e desta vir a ser eventualmente declarada insolvente, mas, antecipe-se desde já, sem manifesta razão.

Na verdade, o processo de insolvência é o único instrumento judicial disponibilizado para dar solução à efetiva situação de insolvência do devedor, constituindo o remédio legal para superar essa situação.

Embora o art. 1º, n.º 1 do CIRE qualifique o processo de insolvência como um processo de execução universal que tem como finalidade a satisfação dos credores pela forma prevista num plano de insolvência, baseado, nomeadamente, na recuperação compreendida na massa insolvente, ou, quando tal não se afigure possível, na liquidação do património do devedor insolvente e a repartição do produto obtido pelos credores, inculcando a ideia que se trata de um processo que apenas se distingue do processo executivo por ser universal, ou seja, por implicar a apreensão de todos os bens do devedor, nada consente que se reconduza este processo especial à categoria do processo executivo.

Com efeito, o processo de insolvência pressupõe a insolvência do devedor e não o cumprimento de quaisquer obrigações dos credores e, muito menos, o cumprimento coercivo dessas obrigações.

Depois, o requerimento de declaração de insolvência não configura o exercício de um poder de execução e, consequentemente, o requerente encontra-se dispensado de exibir título executivo.

Acresce que os sujeitos legitimados para instaurar a ação especial de insolvência não se resumem aos credores, posto que, para além dos credores, dispõem de legitimidade para instaurar o processo de insolvência o próprio devedor (art. 18º do CIRE), sobre quem recai, inclusivamente, a obrigação legal de se apresentar à insolvência (arts. 3º, n.ºs 1 e 2 e 18º do CIRE), bem como aqueles que forem legalmente responsáveis pelas dívidas do devedor e o Ministério Público (art. 20º, n.º1 do CIRE).

Acresce ainda que os credores poderão dispor de legitimidade para requerer a declaração da insolvência ainda que as suas dívidas não estejam vencidas ou sejam condicionais, contanto que o devedor se encontre numa situação de insolvência, esta entendida nos termos do n.º 1 do art. 3º do CIRE (conceito básico de insolvência, traduzido na impossibilidade de cumprimento pelo devedor das suas obrigações já vencidas) ou nos termos do n.º 2 desse mesmo normativo (que alarga aquele conceito básico de insolvência, quanto a pessoas coletivas e aos patrimónios autónomos por cujas dívidas nenhuma pessoa singular responda pessoal e ilimitadamente, por forma direta ou indireta, considerando estes em situação de insolvência quando o seu passivo seja manifestamente superior ao seu ativo, avaliados segundo as normas contabilísticas aplicáveis, ou seja, inclusivamente independentemente de haver créditos vencidos não pagos pelo devedor).

Ademais a sentença de declaração de insolvência é uma sentença de tipo declarativo, que constitui o devedor no estatuto jurídico de insolvente, com uma multiplicidade de consequências jurídicas, privando, designadamente, o devedor insolvente dos poderes de administração e de disposição dos bens integrantes da massa insolvente, sujeitando-o à obrigação de se apresentar ao tribunal e de colaborar com os órgãos da insolvência, de respeitar a residência fixada na sentença de declaração de insolvência, etc. (9)

Finalmente, o processo de insolvência pode até culminar com a recuperação da empresa insolvente, que é, aliás, o meio preferencialmente eleito pelo legislador para satisfazer os interesses dos credores (art. 1º, n.º 1 do CIRE), e, consequentemente, poderá até nem sequer chegar a haver liquidação do ativo.

Resulta do que se vem dizendo que embora o processo de insolvência prossiga, em primeira linha, a satisfação dos interesses dos credores, aquele também prossegue o interesse do devedor e, inclusivamente, o interesse público, designadamente “a proteção da economia, em particular dos agentes económicos que potencialmente podem agir no comércio jurídico com o insolvente, obstando ao perigo real do seu alastramento com base numa cadeia de incumprimentos” (10), além de que, como dito, a satisfação desses interesses não passa, necessariamente, pela liquidação do ativo da insolvente, existindo outras vias de satisfação de tais interesses.

Conforme realça Catarina Serra, quando é instaurado um processo de insolvência, o que o requerente pretende “é a obtenção de uma sentença judicial que declare a situação de insolvência e desencadeie o funcionamento dos mecanismos jurídicos adequados às necessidades especiais de tutela criadas pela situação. Está, portanto, sempre em causa o exercício de um direito de ação judicial-declarativa e não o exercício de um poder de execução”. É certo que “por trás do poder de iniciativa por parte de cada sujeito está uma intenção diversa: (…); por parte dos credores está a expectativa de realização dos direitos de direito de crédito”, mas “…ainda assim, (…) não é possível dizer-se que pratiquem, naquele momento, um ato executivo, tão-pouco (…) é possível dizer que esteja a fazer outra coisa que não pedir uma declaração judicial (…). Para além dos direitos de crédito ou dos interesses patrimoniais desta, há outros interesses (públicos) que lhes cabe defender e que podem constituir fundamento da sua ação. (…). Porque o pedido de declaração de insolvência não é um requerimento executivo, o credor pode requerer o início do processo independentemente do incumprimento, da mora ou mesmo do vencimento do respetivo crédito. Não há qualquer desvio ao disposto no art. 817º do CC pois não há (ainda) exercício do poder executivo. É verdade que, quando o requerente é um credor, ele deve proceder à justificação do crédito, através da menção da origem, da natureza e do montante do seu crédito (art. 25º, n.º 1). É verdade que este ato representa já uma espécie de insinuação do crédito no processo e que, de certa forma, introduz já a sua pretensão. Mas seria incorreto reconduzi-lo ao poder executivo. O que se trata, simplesmente, é de o requerente justificar a sua legitimidade processual, de demonstrar a qualidade de credor, que é requisito do seu direito de ação judicial (art. 20º, n.º 1) (11).

Assentes nestas premissas, é certo que, como refere a apelante, os apelados podiam recorrer à ação declarativa ou executiva (caso dispusessem de título executivo para tanto) para obter a satisfação dos créditos de que se arrogam titulares perante aquela e que alegam na petição inicial.

Também é certo que os apelados não têm imperiosamente necessidade de recorrer ao processo de insolvência para obter a satisfação desses seus créditos pelo Fundo de Garantia Salarial, ainda que parcial (posto que o Fundo só satisfaz os créditos dos trabalhadores até ao limite máximo global equivalente a seis meses de retribuição e com o limite máximo mensal correspondente ao triplo da retribuição mensal garantia – art. 3º do DL. n.º 59/2015, de 21/04) - cfr. art. 1º, n.º 1 do mesmo diploma.

E também é certo que, no fundo, o que certamente e verdadeiramente animará os apelados ao instaurarem a presente ação de insolvência é a sua pretensão de verem satisfeitos os créditos de que se arrogam titulares perante a apelante.

Até poderá acontecer, tal como acusa a apelante acontecer, que, eventualmente, os apelados estejam a utilizar o presente processo de insolvência como meio de a pressionar a que lhes satisfaça esses créditos ou que, independentemente desse intuito dos apelados, a apelante se sinta efetivamente pressionada a satisfazer-lhes esses créditos perante o presente processo e o risco de eventualmente nele vir a ser declarada insolvente, com as inerentes consequências gravosas que para ela advirão dessa declaração.

No entanto, como referido, ao instaurarem a presente ação, não é possível dizer-se, conforme pretende a apelante, que os apelados a estão a pressionar (ou querem pressionar) a pagar-lhe os créditos de que os mesmos se arrogam titulares sobre aquela ou que estão a utilizar o presente processo de insolvência como ato executivo, posto que no âmbito dos presentes autos, o que os apelados podem unicamente almejar obter e que manifestam querer obter (e, consequentemente, não podem ter outro ensejo, pelo menos imediato, se não esse) é que seja proferida sentença que declare a insolvência da apelante.

Essa sentença, como dito, prossegue uma multiplicidade de interesses, que não os exclusivamente dos apelados e eventuais restantes credores da apelante.

De resto, ainda que a apelante venha a ser declarada insolvente, o processo de insolvência não culmina necessariamente na liquidação do seu ativo, posto que poderá virem a ser aprovados outros meios alternativos.

A questão que se suscita nos autos, em sede de pressuposto processual do interesse de agir dos apelados para instaurarem a presente ação, é a de se saber se atenta a relação material controvertida que aqueles invocam em sede de petição inicial, independentemente dos mesmos terem outras vias judiciais para satisfazer os direitos de crédito que se arrogam titulares (ação declarativa ou executiva), vias essas que, reafirmam-se, não esgotam, sequer se confundem com os fins prosseguidos pelo processo de insolvência, aqueles se encontram numa situação de necessidade de recorrer à presente via judicial, requerendo a insolvência da apelante, e se essa via se revela justa, equilibrada e proporcional quando sopesada com os direitos de crédito de que os mesmos se arrogam titulares perante a apelante e as consequências gravosas que advirão para a apelante do presente processo e da sua eventual declaração de insolvência.

A resposta a esta questão tem de ser forçosamente positiva quando se verifica que o processo de insolvência é o único instrumento judicial disponibilizado para dar solução à eventual situação de efetiva insolvência da apelante; esse instrumento (o processo de insolvência) satisfaz múltiplos interesses, entre os quais, ficando com a declaração da sentença de insolvência, a apelante privada dos poderes de administração e de disposição dos bens integrantes da massa insolvente (art. 81º, n.º1), obsta a que aquela eventualmente contraia novas responsabilidades ou se desfaça do seu ativo; ao determinar a suspensão de quaisquer diligência executivas e ao impedir a instauração de quaisquer execuções nos três meses seguintes à declaração de insolvência (arts. 88º, n.º 1 e 89º, n.º 1), obsta a que o ativo seja atacado, em sede de executiva, pelos credores, etc.; e, finalmente, face ao montante dos créditos que os apelados se arrogam titulares em sede de petição inicial perante a insolvente (único desenho da relação material controvertida a atender para efeitos de apreciação dos pressupostos processuais), que ascendem à módica quantia de 438.714,17 euros, de modo algum se pode considerar que o recurso por eles ao processo de insolvência se revela desproporcional, desequilibrado ou injusto na contraposição com os eventuais prejuízos que desse processo são suscetíveis de advir para a apelante.

Resulta do exposto, não se verificar a exceção dilatória da falta do pressuposto inominado da ausência do interesse em agir dos apelados para instaurarem a presenta ação especial, requerendo a declaração de insolvência da apelante, improcedendo este fundamento de recurso invocado pela apelante.

B.2- Da impugnação da matéria de facto.

A apelante impugna a matéria de facto julgada provada nos pontos 5º, 6º, 7º e 12º da sentença recorrida, pretendendo que uma vez revisitada e reponderada a prova produzida se altere a matéria neles provada nos seguintes termos:

5- A requerida é devedora a todos os requerentes de 8 prestações vencidas em: 25/09/2017; 25/10/2017; 25/11/2017; 25/12/2017; 25/01/2018; 25/02/2018; 25/03/2018 e 25/04/2018;
6- A ora requerida também não pagou as retribuições referentes ao trabalho prestado nos meses de agosto, setembro, outubro e subsídio de férias relativos ao ano de 2017 aos dez primeiros requerentes;
7- A ora requerida não só não pagou as prestações em dívida previstas no PER, como as retribuições relativas ao trabalho prestado desde agosto de 2017 até outubro de 2017, o que causou prejuízos aos 1º, 2º, 3º, 4º, 5º, 6º, 7º, 8º, 9º e 10º requerentes;
12- Das 24 prestações a pagar aos requerentes no âmbito do PER, a recorrente pagou 13 prestações”

Antes de entrarmos na concreta apreciação da sindicância que a apelante faz ao julgamento realizado pela 1ª Instância quanto aos factos assim impugnados, importa ter presente que com a reforma introduzida pelos Decretos-Leis n.ºs 39/95, de 15/02 e 329-A/95, de 12/12, ao CPC, o legislador introduziu o registo da audiência de discussão e julgamento, com a gravação integral da prova produzida, e conferiu às partes o duplo grau de jurisdição em sede de matéria de facto, de modo que a alteração da matéria de facto, que no anterior regime processual era excecional, passou a ser uma função normal da Relação.

Nessa operação foi propósito do legislador que o tribunal de segunda instância realize um novo julgamento em relação à matéria impugnada, assegurando um efetivo duplo grau de jurisdição, sendo isto que resulta expressamente do estatuído no art. 662º, n.º 1 do CPC, quando nele se expressa que a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento supervenientes impuserem decisão diversa.

Com efeito, o desiderato do duplo grau de jurisdição em sede de matéria de facto pressupõe um novo julgamento e “somente será alcançado se a Relação, perante o exame e análise crítica das provas produzidas, a respeito dos pontos de facto impugnados, puder formar a sua própria convicção, no gozo pleno do princípio da livre apreciação das prova, sem estar limitada pela convicção que serviu de base à decisão recorrida, em função do princípio da imediação da prova, princípio este que tido por absoluto transformaria este duplo grau de jurisdição em matéria de facto, numa garantia praticamente inútil” (12).

Resulta do que se vem dizendo que perante as regras positivas enunciadas na atual lei processual civil, tendo o recurso por objeto a impugnação da matéria de facto, a Relação deve proceder a um novo julgamento, limitado à matéria de facto impugnada, procedendo à efetiva reapreciação da prova produzida, devendo, nessa tarefa, considerar os meios de prova indicados no recurso, assim como, ao abrigo do princípio do inquisitório, outros que entenda relevantes, tudo da mesma forma como o faz o juiz da primeira instância.

Como verdadeiro tribunal de substituição, a Relação aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto impugnado, exceto no que respeita a factos para cuja prova a lei exija formalidades especiais ou que só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados por documento, acordo ou confissão (art. 607º, n.º 5 do Cód. Proc. Civil).

Nessa sua livre apreciação, a Relação não está condicionada pela apreciação e fundamentação do tribunal recorrido uma vez que o objeto da apreciação em 2ª instância é a prova produzida, tal como na 1ª instância, e não a apreciação que a 1ª instância fez dessa mesma prova, podendo na formação dessa sua convicção autónoma, recorrer a presunções judiciais ou naturais nos mesmos termos em que o faz o juiz da primeira instância (13).

Não obstante o que se acaba de dizer, não foi propósito do legislador que o julgamento a realizar pela Relação em sede de matéria de facto se transforme na repetição do julgamento realizado em Primeira Instância, sequer permitir recursos genéricos, e daí que tenha rodeado o recurso da impugnação da matéria de facto à imposição ao recorrente de determinados ónus, que enuncia no art. 640º do CPC..

Deste modo, com vista a obstar que o recurso da matéria de facto se transforme numa repetição dos julgamentos e a rejeitar a admissibilidade de recurso genéricos, contra a errada decisão da matéria de facto, o legislador optou “por restringir a possibilidade de revisão de concretas questões de factos controvertidas relativamente às quais sejam manifestadas e concretizadas divergências por parte do recorrente”, pelo que se mantém o entendimento que, como tribunal de 2ª instância que é, este deverá ter competência residual em sede de reponderação ou reapreciação da matéria de facto (14), estando subtraída ao seu campo de cognição a matéria de facto fixada pelo tribunal a quo que não seja alvo de impugnação.

Acresce que tal como se impõe ao juiz a obrigação de fundamentar as suas decisões, também ao recorrente é imposto, como correlativo do princípio da auto-responsabilidade e dos princípios estruturante da cooperação, da lealdade e da boa-fé processuais, a obrigação de fundamentar o seu recurso, demonstrando o desacerto em que incorreu o tribunal a quo em decidir a matéria de facto impugnada em determinado sentido, quando se impunha decisão diversa, devendo no cumprimento desses ónus, indicar não só a matéria que impugna, como a concreta solução que, na sua perspetiva, reclamava que tivesse sido proferida, os concretos meios de prova que ancoram essa solução diversa, com a respetiva análise crítica.

Deste modo é que o art. 640º, n.º 1 do CPC, estabelece que “quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados; b) os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; c) a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.

Depois, caso os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes (al. a), do n.º 2 do art. 662º).

Note-se que cumprindo a exigência de conclusões nas alegações a missão essencial da delimitação do objeto do recurso, fixando o âmbito de cognição do tribunal ad quem, é entendimento jurisprudencial uniforme que, nas conclusões, o recorrente tem de delimitar o objeto da impugnação de forma rigorosa, indicando os concretos pontos da matéria de facto que considera incorretamente julgados e, bem assim, indicar o concreto julgamento que propugna para a matéria impugnada.

Já quanto aos demais ónus, os mesmos, porque não têm aquela função delimitadora do objeto do recurso, mas se destinam a fundamentar o último, não têm de constar das conclusões, mas sim das motivações.

Sintetizando, à luz deste regime, seguindo a lição de Abrantes Geraldes (15), sempre que o recurso de apelação envolva matéria de facto, terá o recorrente: a) em quaisquer circunstâncias indicar sempre os concretos factos que considere incorretamente julgados, com a enunciação na motivação do recurso e síntese nas conclusões; b) especificar, na motivação, os meios de prova constantes do processo ou que nele tenham sido registados que, no seu entender, determinam uma decisão diversa quanto a cada um dos factos; c) relativamente a pontos de facto cuja impugnação se funde, no todo ou em parte, em provas gravadas, para além da especificação obrigatória dos meios de prova em que o recorrente se baseia, cumpre-lhe indicar, com exatidão, na motivação, as passagens da gravação relevantes e proceder, se assim o entender, à transcrição dos excertos que considere oportunos; (…) e) o recorrente deixará expressa, na motivação (segundo o STJ, nas conclusões), a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.

O cumprimento dos referidos ónus tem, como adverte Abrantes Geraldes, a justificá-lo a enorme pressão, geradora da correspondente responsabilidade de quem, ao longo de décadas, pugnou pela modificação do regime da impugnação da decisão da matéria de facto e se ampliasse os poderes da Relação, a pretexto dos erros de julgamento que o sistema anterior não permitia corrigir; a consideração que a reapreciação da prova produzida em 1ª instância, enquanto garantia do duplo grau de jurisdição em sede de matéria de facto, nunca poderá envolver, pela própria natureza das coisas, a reapreciação sistemática e global de toda a prova produzida; a ponderação de que quem não se conforma com a decisão da matéria de facto realizada pelo tribunal de 1ª instância e se dirige a um tribunal superior, que nem sequer intermediou a produção da prova, reclamando a modificação do decidido, terá de fundamentar e justificar essa sua irresignação, sendo-lhe, consequentemente, imposto uma maior exigência na impugnação da matéria de facto, mediante a observância de regras muito precisas, sem possibilidade de paliativos, sob pena de rejeição da sua pretensão e, bem assim o princípio do contraditório, habilitando a parte contrária de todos os elementos para organizar a sua defesa, em sede de contra-alegações. É que só na medida em que se conhece especificamente o que se impugna e qual a lógica de raciocínio expandido na valoração/conjugação deste ou daquele meio de prova, é que se habilita a parte contrária a poder contrariá-lo em sede de contra-alegações.

A apreciação do cumprimento das exigências legalmente prescritas em sede de impugnação da matéria de facto deve ser feita à luz de um “critério de rigor” como decorrência dos referidos princípios de auto-responsabilização, de cooperação, lealdade e boa-fé processuais e salvaguarda cabal do princípio do contraditório a que o recorrente se encontra adstrito, sob pena da impugnação da decisão da matéria de facto se transformar numa “mera manifestação de inconsequente inconformismo” (16).

Por último, impõe-se ter presente que se mantêm em vigor os princípios da imediação, da oralidade, da concentração e da livre apreciação da prova, e que o julgamento humano se guia por padrões de probabilidade e não de certeza absoluta, pelo que o uso pela Relação dos poderes de alteração da decisão da 1ª Instância sobre a matéria de facto só deve ser usado quando seja possível, com a necessária segurança, concluir pela existência de erro de apreciação relativamente a concretos pontos de facto impugnados.

Deste modo, a alteração da matéria de facto só deve ser efetuada pelo Tribunal da Relação quando, depois de proceder à análise efetiva da prova produzida, conclua, com a necessária segurança, no sentido de que os depoimentos prestados em audiência, conjugados com a restante prova produzida, apontam em direção diversa, e delimitam uma conclusão diferente daquela que vingou na 1ª Instância. O que se acaba de dizer encontra sustentação na expressão “imporem decisão diversa” enunciada no n.º 1 do art. 662º, bem como na ratio e no elemento teleológico desta norma.

Tal significa que, “em caso de dúvida, face a depoimentos contraditórios entre si e à fragilidade da prova produzida, deverá prevalecer a decisão proferida pela primeira Instância em observância aos princípios da imediação, da oralidade e da livre apreciação da prova, com a consequente improcedência do recurso nesta parte” (17).

No caso, analisada a impugnação da matéria de facto operada pela apelante, impõe-se reconhecer que a mesma cumpriu com os ónus que sobre si impendiam e que acima se elencaram, na medida que indica os concretos pontos da matéria de facto que impugna, a decisão que, na sua perspetiva, devia ser tomada em relação a essa concreta matéria, quais os concretos elementos de prova que, na sua perspetiva, suportam essa solução diversa e faz uma análise crítica e conjugada desses elementos probatórios, apontando as razões pelas quais deve ser realizado o julgamento da matéria de facto que propugna.

Resulta do exposto que, na nossa perspetiva, nenhum obstáculo processual se levanta a que se conheça da impugnação da matéria de facto operada pela apelante, pelo que se vai passar à apreciação da mesma.

B.2.1 – Da impugnação da matéria do ponto 5º dos factos julgados provados.

No referido ponto 5º, o tribunal a quo julgou provado o seguinte:

E a requerida deixou de cumprir essa plano de pagamento, sendo devedora a todos os requerentes identificadas em 8 prestações vencidas em: 25/09/2017; 25/10/2017; 25/11/2017; 25/12/2017; 25/01/2018; 25/08/02/2018; 25/03/2018 e 25/04/2018”.
Sustenta a apelante que o segmento “deixou de cumprir esse plano de pagamento” não consubstancia qualquer facto sujeito a prova, mas sim um conceito de direito que se irá retirar dos factos que ficarem provados.

Sustenta ainda que a palavra “identificados” que se encontra redigida entre “requerentes” e “8” terá de ser retirada da redação daquele ponto, pois dos factos provados anteriores não se identifica qualquer uma daquelas 8 prestações.

Que dizer?

É um facto que a expressão “deixou de cumprir esse plano de pagamento” é conclusiva, posto que é pelo confronto entre o que ficou consignado no plano de revitalização homologado por sentença transitada em julgado no âmbito do PER e os comportamentos da apelante que, subsumindo ao direito aplicável, se há-de concluir se a mesma incumpriu ou não o plano de revitalização.

Também é um facto que naquele ponto 5º dos factos provados na sentença recorrida não se identifica o montante das oito prestações não pagas pela apelante.

No entanto, contrariamente ao pretendido pela apelante, a solução que o caso reclama não passa pelas simples supressões que propõe, mas antes por eliminar a matéria conclusiva que aquela resposta encerra e completá-la tendo em conta o teor da certidão do plano de insolvência e da sentença que o homologou, junta aos autos a fls. 66 a 96.

Relembra-se à apelante que o teor do plano de revitalização homologado por sentença transitada em julgado em 25/07/2016, no âmbito do processo especial de revitalização que correu termos sob o n.º 3016/18.7T8GMR-A, do Tribunal Judicial da Comarca de Braga, Juízo de Comércio de Guimarães – Juiz 2, é matéria que apenas pode ser provada através de documento autêntico, a saber: certidão desse plano e respetiva sentença homologatória, que se encontram juntas aos autos a fls. 66 a 96 e que essa matéria, nos termos do disposto no art. 607º, n.º 5, parte final, do CPC, se encontra subtraída ao princípio da livre apreciação da prova, pelo que esses factos devem ser julgados provados nos precisos termos constantes dessa certidão.

Mais se relembra à apelante que tendo o tribunal a quo incorrido na omissão sobre os montantes que, em função desse plano de revitalização homologado, incumbia à apelante pagar a cada um dos apelados em cada uma das datas de vencimento discriminadas no ponto 5º dos factos julgados como provados na sentença recorrida, nos termos do disposto no art. 662º, n.º 2 do CPC, impende sobre o tribunal ad quem fazer uso dos seus poderes de substituição, suprindo aquela omissão.

Assim procedendo, compulsada a certidão de fls. 66 a 96, verifica-se que de acordo com o plano de revitalização, homologado por sentença transitada em julgado, proferida nos autos de revitalização da apelante supra identificados, os créditos salarias seriam pagos a 100% dos créditos de capital e juros, em prestações mensais de valor igual, com início 30 dias após a homologação do plano de revitalização (cfr. fls. 74 verso), ascendendo cada prestação mensal dos requerentes:

A. F., a 200,81 euros ;
A. V., a 89,53 euros;
G. V., a 130,94 euros;
J. F., a 108,63 euros;
J. A., a 152,33 euros;
L. L., a 84,61 euros;
M. S., a 89,87 euros;
M. C., a 89,97 euros;
R. F., a 111,87 euros;
João, zero (não consta do mapa previsional)
A. C., a 517,08 euros;
J. S., a 330,17 euros;
J. P., a 480,17 euros;
Rosa, a 487,49 euros;
Carmo, a 343,60 euros:
Manuel, a 583,92 euros;
Fernanda, a 320,00 euros;
Filomena, a 308,33 euros;
O. S., a 305,56 euros;
S. O., a 291,67 euros; e
A. G., a 94,92 euros – cfr. fls. 75 verso a 76.

Nesta sequência, na parcial procedência da impugnação operada pela apelante, altera-se os factos julgados como provados no ponto 5º da sentença recorrida, julgando-se provados os seguintes factos:

“5- No âmbito do plano referido em 4), a requerida não pagou a todos os requentes as prestações vencidas em 25/09/2017; 25/10/2017; 25/11/2017; 25/12/2017; 25/01/2018; 25/08/02/2018; 25/03/2018 e 25/04/2018”, ascendendo cada uma dessas prestações aos seguintes valores:

A. F., a 200,81 euros ;
A. V., a 89,53 euros;
G. V., a 130,94 euros;
J. F., a 108,63 euros;
J. A., a 152,33 euros;
L. L., a 84,61 euros;
M. S., a 89,87 euros;
M. C., a 89,97 euros;
R. F., a 111,87 euros;
João, zero (não consta do mapa previsional)
A. C., a 517,08 euros;
J. S., a 330,17 euros;
J. P., a 480,17 euros;
Rosa, a 487,49 euros;
Carmo, a 343,60 euros:
Manuel, a 583,92 euros;
Fernanda, a 320,00 euros;
Filomena, a 308,33 euros;
O. S., a 305,56 euros;
S. O., a 291,67 euros; e
A. G., a 94,92 euros – cfr. fls. 75 verso a 76.

B.2.2- Da impugnação da matéria do ponto 6º dos factos julgados provados.

No ponto 6º o tribunal a quo considerou provados os seguintes factos:

A ora requerida também não pagou as retribuições referentes ao trabalho prestado nos meses de agosto, setembro, outubro e subsídio de férias relativos ao ano de 2017 aos requerentes”.

Alega a apelante que a matéria assim julgada como provada não corresponde ao que vem alegado na petição inicial, bem como aos documentos com esta juntos, posto que só os dez primeiros requerentes é que eram seus trabalhadores.

Conclui que se deve alterar a matéria julgada naquele ponto, por forma a julgar-se provado o seguinte: “A ora requerida também não pagou as retribuições referentes ao trabalho prestado nos meses de agosto, setembro, outubro e subsídio de férias relativos ao ano de 2017 aos dez primeiros requerentes”.

Decidindo.

A matéria em análise corresponde à alegação dos apelados no ponto 14º da sua petição inicial, em que estes alegam efetivamente que os invocados não pagamentos apenas se verificaram em relação aos primeiros dez requentes.
Nesta sequência, na procedência da impugnação da matéria de facto julgada como provada no ponto 6º da sentença recorrida, altera-se os factos nele julgados provados, que passam a constar do seguinte:

“6- A requerida não pagou aos dez primeiros requerentes as retribuições referentes ao trabalho prestado nos meses de agosto, setembro, outubro e subsídio de férias relativos ao ano de 2017”.

B.2.3- Da impugnação da matéria do ponto 7º dos factos julgados provados

Neste concreto ponto, a 1ª Instância julgou provado o seguinte:

7- Apesar de várias insistências dos requerentes, a ora requerida não pagou as prestações em dívida previstas no PER, como as retribuições relativas ao trabalho prestado desde agosto de 2017 até outubro de 2017, o que causou prejuízos aos 1º, 2º, 3º, 4º, 5º, 6º, 7º, 8º, 9º e 10º requerentes, já que todos dependiam exclusivamente dos rendimentos do trabalho para fazer face às despesas e custos da sua vida pessoal e familiar”.

Sustenta a apelante que o segmento fáctico “Apesar de várias insistências dos requerentes” não tem suporte na prova constante dos autos e que resulta da motivação vertida na sentença recorrida que os factos provados resultaram da prova documental, bem como, do que consta do PER.

Acontece que nenhum dos documentos juntos aos autos, provam que os requerentes fizeram várias insistências à recorrente, e também, tal não resulta do PER, pelo que esse segmento deve ser retirado da redação daquele ponto 7º dos factos julgados provados.

Acresce que também o segmento fáctico “já que todos eles dependiam exclusivamente dos rendimentos do trabalho para fazer face às despesas e custos da sua vida pessoal e familiar”, não tem suporte na prova constante dos autos, pois, também, nenhum dos documentos provam tal segmento, nem o mesmo resulta do PER, pelo que igualmente deve ser eliminado.

A propósito da impugnação desta concreta matéria, suscita-se a seguinte questão prévia:

A matéria julgada provada neste ponto 7º dos factos julgados provados na sentença recorrida, corresponde ao que vem alegado pelos apelados no art. 15º da petição inicial.

Acontece que na oposição apresentada pela apelante (cfr. fls. 17 a 21) esta não impugna esta concreta factualidade, pelo que, nos termos do disposto nos art. 574º, n.ºs 1 e 2 do CPC, ex vi art. 17º do CIRE, a mesma considera-se admitida por acordo (18).

Consequentemente, a matéria em apreço, porque não impugnada, nos termos do disposto no art. 607º, n.º 5 do CPC, encontra-se subtraída ao princípio da livre apreciação da prova, nada mais restando ao tribunal que a considerar como provada, sob pena de incorrer em violação de regra de direito probatório material.

Termos em que, perante os fundamentos jurídicos acabados de enunciar, improcede a impugnação da matéria de facto do ponto 7º dos factos julgados provados na sentença recorrida, que, assim, se mantém inalterado.

B.2.4- Da impugnação da matéria do ponto 12º dos factos julgados provados.

A redação deste ponto é a seguinte:

7- A requerida deve aos requerentes onze (11) prestações previstas no PER, assim tendo em conta que a requerida devia pagar a todos os requerentes acima identificados as quantias relativas às 24 prestações e apenas pagou 13 prestações a cada requerente, encontram-se deste modo as prestações vencidas desde 25/09/2017 até integral pagamento”.

Diz a apelante que o segmento “A requerida deve aos requerentes onze (11) prestações previstas no PER” está em contradição com os factos julgados provados nos pontos 5º e 13º, onde se julga provado que são 8 as prestações em dívida.
Conclui no sentido de que aquele ponto 12º seja alterado, nos seguintes termos: “Das 24 prestações a pagar aos requerentes no âmbito do PER, a recorrente pagou 13 prestações”.

Precise-se que a contradição entre os factos julgados como provados no ponto 12º com aqueles que se encontram julgados como provados nos pontos 5º e 13º é manifesta, na media em que, nestes últimos, considera-se estarem em dívida apenas 8 prestações do PER.

Essa contradição decorre claramente do facto de, no art. 25º da petição inicial, os apelados, por manifesto erro de escrita (tanto assim, que neste art. 25º escrevem:
A requerida deve as requerentes como supra se refere nos arts. 12º e 13…”, e nestes últimos alegam serem 8 as prestações vencidas e não pagas), terem alegado serem onze as prestações em dívida.

Acresce que se impõe expurgar do ponto 12º a matéria conclusiva e de direito que encerra, ou seja, o segmento: “tendo em conta que a requerida devia pagar” e “encontram-se deste modo as prestações vencidas desde 25/09/2017 até integral pagamento”.

Nesta conformidade, na procedência da impugnação da matéria de facto, altera-se os factos julgados provados no ponto 12º da sentença recorrida, que passa a constar dos seguintes factos provados:

“12- Das 24 prestações a pagar aos requerentes no âmbito do plano identificado em 4), a requerida pagou 13 prestações”.

Inseridas as alterações supra determinadas à matéria de facto julgada como provada, resta verificar se a sentença recorrida padece dos erros de direito quanto à decisão de mérito nela proferida.

B.4- Do mérito.

Como já acima se teve oportunidade de deixar enunciado, pressuposto da instauração da ação de insolvência é que o devedor, contra quem a ação é proposta, se encontre numa situação de insolvência.

O conceito básico de insolvência encontra-se consagrado no art. 3º, n.º 1 do CIRE, nos termos do qual “é considerado em situação de insolvência o devedor que se encontre impossibilitado de cumprir as suas obrigações vencidas”.

Decorre deste preceito que o que caracteriza uma situação de insolvência é a impossibilidade de cumprimento, pelo devedor, das suas obrigações já vencidas, pelo que só o incumprimento de obrigações vencidas e a impossibilidade do credor de as cumprir, é suscetível de ancorar o pedido de insolvência por outro legitimado, que não o próprio devedor (19).

No entanto, o art. 3º, n.º 4 do CIRE, equipara à situação de insolvência atual, a situação de insolvência iminente, no caso de apresentação pelo devedor à insolvência, hipótese esta que não se coloca nos autos, pelo que nos abstemos de tecer quaisquer considerações a este propósito.

Acresce que tratando-se de pessoas coletivas ou patrimónios autónomos por cujas dívidas nenhuma pessoa singular responda pessoal e ilimitadamente, por forma direta ou indireta, o art. 3º, n.º 2 do CIRE, alarga o conceito básico de insolvência, considerando aqueles insolventes, quando o seu passivo seja manifestamente superior ao ativo, avaliado segundo as normas contabilística aplicáveis.

Com este comando, o que está em causa é o “assumir que a insuficiência do ativo em relação ao passivo só deve, ela própria, constituir um índice seguro de insolvabilidade quando reveste uma expressão que, de acordo com a normalidade da vida, torna insustentável, a prazo, o pontual cumprimento das obrigações do devedor” (20).

Dito por outras palavras, para que se possa requerer a insolvência com base no n.º 2 do art. 3º, para além de se ter de estar perante devedores que sejam pessoas coletivas ou patrimónios autónomos por cujas dívidas nenhuma pessoa singular responda pessoal e ilimitadamente, por forma direta ou indireta (como acontece nas sociedades anónimas ou por quotas), é imprescindível que o diferencial entre o ativo e o passivo das mesmas, avaliados segundo as normas contabilísticas aplicáveis, assuma uma desconformidade de tal grandeza que segundo as regras normais de vida, se possa, de forma segura, concluir que a situação económico-financeira do devedor, é insustentável e que este, a breve trecho, irá necessariamente ficar numa situação de impossibilidade de cumprimento pontual das suas obrigações perante os seus credores.
Dispondo de legitimidade para instaurar o processo de insolvência para além do devedor, o qual, aliás, nos casos referidos no art. 18º do CIRE, tem mesmo o ónus legal de se apresentar à insolvência, os que forem legalmente responsáveis pelas dívidas do devedor, assim como qualquer credor, além do Ministério Público (art. 20º, n.º 1 do CIRE), naturalmente que, de acordo com as regras do ónus da prova enunciadas no art. 342º, n.º1 do CC, os legitimados a instaurar essa ação que não seja o devedor, terão de alegar e provar factualidade de onde decorra que o devedor se encontra numa situação de insolvência nos termos dos enunciados nos nºs 1 ou 2 do art. 3º, com o sentido e alcance atrás referidos.

Ciente das dificuldades com que esses legitimados a requerer a insolvência se irão, necessária e naturalmente, ver confrontados em satisfação esse ónus alegatório e probatório, o legislador consagrou no n.º 1 do art. 20º oito situações que constituem “factos índice” ou exemplos padrão” de insolvência, ou seja, “situações através das quais, normalmente, se manifesta, essa situação” de insolvência do devedor (21).

Trata-se aqui de estabelecer situações de presunções legais de insolvência do devedor, em que ao credor basta alegar e provar a factualidade base integrativa da presunção para, uma vez provada essa factualidade, se presumir legalmente a insolvência do devedor.

A enunciada presunção de insolvência, nos termos do disposto no art. 350º, n.º 2 do CC, pode no entanto ser ilidida pelo devedor, uma vez que em nenhum momento do CIRE, a lei proíbe essa ilisão, antes pelo contrário, o n.º 4 do art. 30º do CIRE é expresso caber “ao devedor provar a sua solvência”, tratando-se, por isso, de mera presunção iuris tantum, em que é consentido ao credor carrear para o processo factos e circunstâncias que, uma vez provadas por ele, são demonstrativos que o mesmo não se encontra em situação de insolvência, ilidindo aquela presunção de insolvência e obstando, assim, à sua declaração de insolvência (22).

No caso, na sentença recorrida, considerou-se que a matéria apurada não permitia concluir que a apelante se encontre numa situação de insolvência tal como esta vem caracterizada nos nºs 1 e 2 do art. 3º do CIRE, sequer que os apelados tivessem logrado fazer prova dos factos-índice enunciados nas diversas alíneas do n.º 1 do art. 20º daquele diploma, à exceção do previsto na respetiva al. f), que consta da seguinte redação: “Incumprimento de obrigações previstas em plano de insolvência ou em plano de pagamentos, nas condições previstas na al. a) do n.º 1 e no n.º 2 do artigo 218º”.
É contra este entendimento que se opõe a apelante, sustentando, por um lado, que a previsão daquela alínea não se aplica em caso de incumprimento das obrigações do PER e, por outro, ainda que assim não fosse, não existira incumprimento do PER para efeitos daquele facto-índice, uma vez que nos termos do art. 218º, n.º 1, al. a) do CIRE, esse incumprimento estava dependente do envio de interpelação escrita àquela por parte dos apelados (credores), para no prazo de quinze dias, cumprir as prestações em mora, acrescidas de juros de mora, notificação essa que não ocorreu.

Precise-se, antes de mais, que os factos-índice ou presunções de insolvência que se encontram previstas no n.º 1 do art. 20º, são taxativos, mas não cumulativos (23), pelo que, conforme bem realça a apelante, os mesmos não são suscetíveis de serem objeto de interpretação analógica (24).

Por outro lado, o facto-índice previsto na enunciada al. f), do n.º 1 do art. 20º, ao presumir a insolvência do devedor em caso de incumprimento de obrigações previstas em plano de insolvência ou em plano de pagamento, limita apenas este facto índice ao incumprimento de obrigações previstas em duas situações: a) plano de insolvência; e b) plano de pagamentos.

O plano de insolvência encontra-se previsto e regulado nos arts. 192º a 222º do CIRE e através dele é possível afastar parte do disposto no CIRE, perseguindo-se ainda finalidades liquidatárias ou não (25).

Por sua vez, o plano de pagamentos encontra-se previsto no art. 251º e segs., e traduz um regime específico da insolvência dos devedores não empresários ou titulares de pequenas empresas, conferindo-lhes a possibilidade de apresentarem e verem aprovado um plano de pagamento aos seus credores, desempenhando este uma função próxima da que, no CPEREF, cabia à concordata particular regida nos arts. 240º e segs. (26)

Destarte, como bem diz a apelante, o facto índice previsto na al. f), do n.º 1 do art. 20º, não abrange o incumprimento por parte daquela de obrigações aprovadas no âmbito do PER.

Neste sentido se pronunciam Carvalho Fernandes e João Labareda, escrevendo que “A al. f) corporiza uma manifestação particular do incumprimento de obrigações vencidas, enquanto facto-índice fundamentante da ação do credor destinada a obter a declaração de insolvência do devedor. Na vigência do CPEREF, a insatisfação de obrigações assumidas no âmbito de providências de recuperação era já assumida como causa bastante para o requerimento de falência – vd., v.g. os arts. 76º, n.º 1 e 85º e, embora num plano intermédio, o art. 166º. Dá-se agora ao incumprimento de obrigações previstas no plano de insolvência ou de pagamento um tratamento unitário e universal, independentemente de qual seja, em concreto, o conteúdo global que aquele revista e mesmo o estado de implementação em que se encontra. A solução entende-se. A aprovação e homologação de um plano de insolvência ou de um plano de pagamentos pressupõe ou implica – conforme os casos – a declaração de insolvência do devedor. A superveniência do incumprimento de obrigações assumidas pelo devedor no quadro de um deles inculca que o devedor se mantém impossibilitado de satisfazer as prestações a que está vinculado e justifica, por isso, que os credores possam agir. O plano de insolvência está previsto e regulado (…) nos arts. 192º e 222º. Por sua vez, o plano de pagamentos a que se refere o preceito em anotação é o regulado nos arts. 251º e seguintes” (27).

Acresce que ainda que assim não fosse, como é, como realça igualmente a apelante, à verificação do facto-índice de insolvência da enunciada al. f), não basta o incumprimento de obrigações previstas em plano de insolvência ou em plano de pagamentos, mas é ainda necessário que esse incumprimento ocorra nas condições previstas no art. 218º, n.ºs 1, al. a) e 2, ou seja, é necessário que o crédito em mora diga respeito a créditos reconhecidos pela sentença de verificação de créditos ou por outra decisão judicial, ainda que não transitadas em julgado (n.º 2 do art. 218º) e que, acrescidamente, o credor notifique, por escrito, o devedor em mora para, no prazo de quinze dias, lhe pague o crédito em mora e os respetivos juros moratórios (al. a), do n.º 1 do art. 218º) (28), o que não se encontra provado (sequer alegado) nos autos.

Decorre do exposto que, contrariamente ao que se sustentou na sentença recorrida, no caso, não se verifica o facto-índice de insolvência enunciado no art. 20º, n.º 1, al. f) do CIRE.

Resta verificar se se verificam os restantes factos índices previstos nas restantes alíneas deste preceito.

É apodíctico que não se verificam os factos índices enunciados nas als. c), d), e) e h) do n.º 1 do art. 20º, na medida em que não ocorre fuga do titular da empresa ou dos seus administradores ou abandono do local em que a empresa apelante tem a sua sede ou exerce a sua atividade principal, relacionados com a falta de solvabilidade da apelante e sem designação de substituto idóneo; sequer ocorre dissipação, abandono, liquidação apressada ou ruinosa de bens e constituição fictícia de créditos; sequer ocorre insuficiência de bens penhoráveis para pagamento do crédito exequente verificada em processo executivo que os apelados tenham movido à apelante; ou ocorre manifesta superioridade do passivo sobre o ativo segundo o último balanço aprovado, ou atraso superior a nove meses na aprovação e depósito das contas, tudo factos que não se provaram e que nem sequer vêm alegados pelos apelados.

Restam os factos índices previstos nas als. a), b) e c) do n.º 1 do art. 20º

Constam aquelas alíneas do seguinte:

“a) Suspensão generalizada do pagamento das obrigações vencidas;
b) Falta de cumprimento de uma ou mais obrigações que, pelo seu montante ou pelas circunstâncias do incumprimento, revele a impossibilidade de o devedor satisfazer pontualmente a generalidade das suas obrigações;
e) Incumprimento generalizado, nos últimos seis meses, de dívidas de alguns dos seguintes tipos: (…).

A suspensão ou o incumprimento “generalizado” não pode ter outro sentido que não seja, suspensão ou incumprimento da generalidade das obrigações da apelante (29), isto é, dizemos nós, pelo menos, da maioria dessas obrigações.

Ora, conforme é bom de ver, a partir de factualidade que se apurou não é possível concluir que a apelante tenha suspenso a maioria dos pagamentos das suas obrigações vencidas, sequer que tenha incumprido, nos últimos seis meses, a maioria das suas dívidas tributárias, de contribuições e quotizações para a segurança social ou emergentes de contrato de trabalho ou da sua violação ou cessação, ou, inda, de rendas.

Finalmente, embora os créditos dos apelados assumam um valor não despiciendo, face à matéria apurada, também não é possível concluir que o incumprimento dessas obrigações por parte da apelante, pelo respetivo montante ou pelas circunstâncias do incumprimento, revele a impossibilidade daquela em satisfazer pontualmente a generalidade das suas obrigações, até porque se aprovou que o passivo aprovado no PER tem diminuído, assim como o valor do crédito da Segurança Social e, bem assim o do Banco A, tendo a apelante pago o débito que tinha para com o BCP e tem um crédito sobre a S. de 1.017.030,35 euros (pontos 16º a 21º dos factos apurados).

Aqui chegados, verifica-se que os apelados não lograram fazer prova de nenhum dos factos-índice de insolvência enunciados no art. 20º, n.º 1 do CIRE, sequer lograram fazer prova em como a apelante se encontre na situação de insolvência a que alude o art. 3º, n.ºs 1 e 2 do mesmo diploma, pelo que a ação devia ter improcedido, impondo-se, em consequência, revogar a sentença recorrida e absolver a apelante do pedido.
**
Decisão:

Nestes termos, os Juízes desta secção cível do Tribunal da Relação de Guimarães acordam em julgar a apelação procedente e, em consequência:

- revogam a sentença recorrida e absolvem a apelante do pedido.
*
Custas pelos apelados (art. 527º, n.ºs 1 e 2 do CPC).
Notifique.
*
Guimarães, 15 de novembro de 2018

José Alberto Moreira Dias
António José Saúde Barroca Penha
Eugénia Maria Marinho da Cunha


1. Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, “Manuel de Processo Civil”, 2ª ed., Coimbra Editora, 1985, págs. 179 e 180.
2. Manuel Andrade, “Noções Elementares de Processo Civil”, Coimbra Editora, 1979, pág. 79.
3. Anselmo de Castro, “Direito Processual Civil Declaratório”, vol. II, págs. 251 e 153.
4. Manuel Andrade, ob. cit., págs. 79 e 80.
5. Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, ob. cit., pág. 181.
6. Ac. RP. de 11/04/2005, Proc. 0551543, in base de dados da DGSI.
7. Neste sentido Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, ob. cit., pág. 182; Manuel Andrade, ob. cit., pág. 82.
8. Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, ob. cit., pág. 104.
9. Neste sentido, Catarina Serra, “Lições de Direito de Insolvência”, Almedina, págs. 41 e 42.
10. Ac. RC. de 28/05/2013, Proc. 1275/12.8TBACB-B.C1, in base de dados da DGSI.
11. Catarina Serra, ob. cit., págs. 104 e 105.
12. Ac. STJ. de 14/02/2012, Proc. 6823/09.3TBRG.G1.S1, in base de dados da DGSI.
13. Ac. RG. de 01/06/2017, Proc. 1227/15.6T8BGC.C1, in base de dados da DGSI.
14. António Abrantes Geraldes, in “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, 4ª ed., 2017, pág. 153.
15. ob. cit., págs. 155 e 156.
16. Abrantes Geraldes, in ob. cit., pág. 159. No mesmo sentido vide Acs. S.T.J. de 18/11/2008, Proc. 08A3406; 15/09/2011, Proc. 1079/07.0TVPRT.P.S1; 04/03/2015, Proc. 2180/09.0TTLSB.L1.S2; 01/10/2015, Proc. 824/11.3TTLSB. L1. S1; 26/11/2015, Proc. 291/12.4TTLRA.C1; 03/03/2016, Proc. 861/13.3TTVIS.C1.S1; 11/02/2016; Proc. 157/12.8TUGMR.G1.S1, todos in base de dados da DGSI.
17. Ana Luísa Geraldes, “Impugnação e Reapreciação Sobre a Matéria de Facto”, in “Estudos em Homenagem ao Prof. Dr. Lebre de Freitas, vol. IV, pág. 609.
18. Acs. RC. de 15/05/2012, Proc. 817/11.0T2AVRC.C1; RP. de 22/02/2011, Proc. 5340/09.0TBVFR-B.P1, in base de dados da DGSI.
19. Carvalho Fernandes e João Labareda, ob. cit., págs. 84 e 85.
20. Carvalho Fernandes e João Labareda, ob. cit., pág. 89.
21. Ac. RC. de 20/11/2007, Proc. 1124/07.9TJCBR-B-C1, in base de dados.
22. Acs. RG. de 06/10/2011, Proc. 44/11.7TBEPS.G1; RP. de 26/10/2006; Proc. 0634582; RC. de 20/11/2007, Proc. 1124/07.9TJCBR-B.C1; RL. de 12/05/2009, Proc. 986/08.7TBRM.L1-7. Na doutrina Carvalho Fernandes, ob. cit., págs. 200 e 201, onde se lê: “O estabelecimento de factos presuntivos da insolvência tem por principal objetivo permitir aos legitimados o desencadeamento do processo, fundados na ocorrência de alguns deles, sem haver necessidade, a partir daí, de fazer a demonstração efetiva da situação de penúria traduzida na insusceptibilidade de cumprimento das obrigações vencidas, nos termos em que ela é assumida como característica nuclear da situação de insolvência (vd. Art. 3º, n.º 1). Caberá então, ao devedor, se nisso estiver interessado e, naturalmente, o puder fazer, trazer ao processo factos e circunstâncias probatórias de que não está insolvente, pese embora a ocorrência do facto que corporiza a causa de pedir. Por outras palavras, cabe-lhe ilidir a presunção emergente do facto-índice”. No mesmo sentido, Luís M. Martins, “Processo de Insolvência”, Almedina, 2016, 4ª ed., págs. 156 e 157.
23. Luís M. Martins, ob. cit., pág. 156.
24. Ac. RG. de 19/04/2018, Proc. 3714/17.2T8VNF.G1, onde se lê: “A al. f) do n.º 1 do art. 20º do CRE consagra uma regime especial, em que não cabe ao autor a prova da causa de pedir que fundamentará a procedência do pedido, pelo que a aplicação analógica de uma norma de tal natureza deverá ser encarada com cautelas especiais”.
25. Catarina Serra, ob. cit., pág. 315.
26. Carvalho Fernandes e João Labareda, ob. cit., pág. 880.
27. Ob. cit., págs. 202 e 203.
28. Neste sentido Carvalho Fernandes e João Labareda, ob. cit., pág. 203.
29. Carvalho Fernandes e João Labareda, ob. cit., págs. 199 e 200.