Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
37/18.8T8VCT.G1
Relator: ANTERO VEIGA
Descritores: MOBBING
ASSÉDIO MORAL
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
INDEMNIZAÇÃO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 10/24/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO SOCIAL
Sumário:
I - O assédio moral evidencia-se em comportamentos indesejados que tenham por objetivo perturbar ou constranger a vítima, afetar a sua dignidade, ou criar-lhe um ambiente intimidativo, hostil, degradante, humilhante ou desestabilizador; ou sendo embora desprovidos dessa específica intencionalidade sejam de molde a causar esses efeitos.

II - Em qualquer dos casos tais comportamentos devem ter uma intenção direccionada a um determinado objetivo ilícito ou eticamente reprovável, bastando a demonstração de que o agente representou a possibilidade de ocorrência das consequências nefastas.

III - É adequado o montante indemnizatório de € 30.000 por danos não patrimoniais causados pelo assédio consistente em manter o trabalhador inactivo, colocando-o durante largo período de tempo numa sala especificamente destinada a trabalhadores na mesma situação, por ter recusado a colocação definitiva em funções não correspondentes à sua categoria profissional, tendo ficado afectado por força da situação de “perturbação depressiva major”.
Decisão Texto Integral:
Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Guimarães.

C.… intentar a presente ação de processo comum contra:

“Comunicações, S.A.”, Pedindo a condenação da R.:
- a abster-se de todos os comportamentos que vem a adotar desde o último trimestre de 2016, designadamente de manter o A. sem funções;
- a atribuir ao A. funções adequadas e compatíveis com a sua categoria e experiência profissionais e próprias de um quadro superior;
- a pagar ao A. a quantia que se vier a apurar em execução de sentença por ter deixado de auferir a remuneração correspondente à isenção de horário de trabalho e por não estar sujeito a avaliação de desempenho;
- a pagar ao A. a quantia de €45.000,00 a título de danos de natureza não patrimonial, bem como os que se vierem a apurar em execução de sentença;
- a pagar a sanção pecuniária compulsória de €500,00 por cada dia em que mantenha o A. na situação em que atualmente se encontra;
- a pagar juros de mora vincendos, até integral pagamento.
A R. apresentou a sua contestação impugnado o alegado.

Realizado o julgamento foi proferida decisão nos seguintes termos:

“Julgar a presente ação parcialmente procedente, por provada, e em consequência, condena-se a R.:

A - a abster-se dos comportamentos que vem assumindo relativamente ao A. desde Março de 2017 (inatividade e colocação no gabinete afeto à denominada “unidade de suporte”);
B - a atribuir de imediato ao A. funções compatíveis com a sua categoria profissional;
C - a pagar-lhe a quantia de €10.000,00 a título de indemnização pelos danos de natureza não patrimonial;
D - a pagar a quantia de €500,00 a título de sanção pecuniária compulsória por cada dia de atraso no incumprimento dos pontos A) e B) deste dispositivo, nos termos do artº. 829-A do C. Civil;
E) – a pagar os juros de mora vincendos, à taxa de 4%, nos termos supra expostos.
Vai a R. absolvida dos restantes pedidos contra si formulados…”

Inconformado o autor interpôs recurso apresentando as seguintes conclusões:

2ª Conclusão:
Mais concretamente o recurso cinge-se à matéria da douta sentença na parte que foi desfavorável ao ora recorrente, particularmente quando decide:
“(…) . C – a pagar-lhe a quantia de € 10 000,00 a título de indemnização pelos danos de natureza não patrimonial(…)”;

3ª Conclusão:
Ficou demonstrado, e indubitavelmente provado na douta sentença a quo e no que ao relacionado com o segmento do Direito ora colocado em crise diz respeito, o seguinte:
1. “(…)desde 13 de Março de 2017, a R. tem mantido este seu trabalhador numa situação de absoluta inatividade.
2. Desde então, sem lhe atribuir a execução de qualquer função, a R. tem mantido o A. num gabinete pelos trabalhadores ali colocados como a “sala dos queimados” ou “sala dos esquecidos”, onde apenas se encontram colegas na mesma situação, ou seja, sem qualquer tarefa atribuída.(…)”
3. “(…)O que daqui se conclui é que a R. decidiu adotou deliberadamente em relação a este trabalhador um comportamento que se traduz necessariamente num vexame e humilhação.
4. Trata-se de um exemplo claro de mobbing ou assédio moral, o qual se consubstancia numa prática de perseguição, metodicamente organizada, temporalmente prolongada, dirigida normalmente contra um só trabalhador que, por consequência se vê remetido para uma situação indefesa e desesperada, violentado e frequentemente constrangido a abandonar o seu emprego ou a aceitar as condições pretendidas pelo empregador (V. Maria Regina Gomes Redinha, Assédio Moral ou Mobbing no Trabalho, in Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Raul Ventura – citado in C.Trabalho Anotado, Abílio Neto, pág. 30.).
5. É esta, sem margem para dúvidas, a situação dos autos, podendo aliás considerar-se um exemplo paradigmático de acosso no trabalho.
6. Realce-se ainda que para tanto bastava a colocação do A. numa situação de inatividade, durante todo aquele espaço de tempo, pois que, como decorre do artº. 129, nº. 1, b), o direito à ocupação efetiva é um direito fundamental do trabalhador.(…)”
7. “(…)Mas, para além daquela simples situação de inatividade, a colocação do A. num espaço físico próprio para colegas na mesma exata situação, ou seja, de absoluta inatividade, reforça o sentimento de descriminação e vexame.
8. A circunstância do A. não estar obrigado a permanecer toda a jornada de trabalho no interior daquele espaço físico, podendo dele ausentar-se, não diminui sensivelmente a gravidade da atuação da R., o mesmo se podendo dizer da “dispensa de assiduidade” que lhe concedeu.”(…)
9. .“(…)Mas também decorre do que vimos dizendo que a R. adotou um comportamento de ilicitude num grau elevado, gerador de responsabilidade civil, na medida em que provocou danos de natureza não patrimonial no A.
10. Os danos provocados, e resultantes da atuação ilícita da R., consubstanciam-se no quadro de “perturbação depressiva major”, com sintomas ansiosos que se tendem a agravar.
11. No que respeita a estes danos, diz o art. 496º, nº1, que “na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito”, a fixar equitativamente pelo tribunal, nos termos do nº3 do mesmo artigo.
12. A este respeito, não restam dúvidas, tendo em conta o tipo de danos, que os mesmos devem ser objeto de compensação, restando encontrar o seu valor.(…)”
13. “(…)Diz a lei que o montante da indemnização deverá ter em conta o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso.
14. Quanto ao grau de culpabilidade da R. teremos que o afirmar como situando-se num patamar elevado, como resulta de toda a exposição até agora efetuada.
15. A situação económica da R., sendo, como é um facto notório que se inscreve num grupo económico dos mais prestigiados do país, não poderá deixar de ser considerada elevada.
16. Quanto à situação do A., teremos em conta que, atento o seu salário, se trata de alguém com um nível de vida acima da média.
17. Os danos morais provocados foram relativamente extensos.

4ª Conclusão:
O Código do Trabalho aprovado pela Lei 7/2009 de 12 Fevereiro (doravante CT) estabeleceu de forma clara o direito a indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais nos termos gerais - artigos. 28º e 29º n.º 3 do CT,- sendo certo, de qualquer forma, que a jurisprudência nesta matéria tem tido decisões díspares, atribuindo valores a título de danos morais que vão desde os € 5.000,00 (veja-se aresto da Relação de Lisboa de 05-11-2013 relatado por Francisca Mendes) até aos 100.000,00 (Acórdão da Relação de Guimarães de 14-05-2015, relatado por Moisés Silva).

5ª Conclusão:
Atenta a conclusão anterior é fundamental que o Tribunal avalie com rigor todos os elementos caracterizadores e referentes ao assédio moral, não podendo de modo algum e salvo o devido respeito por opinião diversa, estabelecer o quantum indemnizatório, observando apenas como “(…) critério orientador os valores atualmente atribuídos pela jurisprudência(…)”.

6ª Conclusão:
Na determinação do quantum indemnizatório, em razão de danos não patrimoniais por assédio moral no trabalho, e sem colocar em causa o poder discricionário, subjetivo, do Juiz, este deve ter em conta os seguintes critérios objetivos
a) a caraterização dos sujeitos ativo e passivo do assédio;
b) a duração da conduta assediante que atenta contra a dignidade e os direitos de personalidade;
c) a frequência e intensidade da aludida conduta;
d) a consciência ou não do assediador em querer assediar.
e) o grau de ilicitude dos atos praticados;
f) a prevenção de ocorrências de situações iguais ou similares no futuro;
g) a extensão dos danos causados pelo assediador no assediado;
h) e ainda, a capacidade financeira do sujeito ativo, ou seja do assediador.

7ª Conclusão:
Mostrando-se demonstrado e provado, nos termos em que o foram nos pontos i a viii supra, os comportamentos adotados pela Ré relativamente ao Autor e nas circunstâncias em que ainda hoje se verificam, merecem elevada censurabilidade e como tal, aquela deve ser exemplarmente punida.

8ª Conclusão:
Mostrando-se demonstrado e provado, nos termos em que o foram nos pontos i a viii supra, os comportamentos adotados pela Ré, nas circunstâncias que ainda hoje se verificam e ainda, atentos nomeadamente a intensidade, frequência e duração dos mesmos e as graves consequências daí resultantes para o Autor, este deve ser indemnizado em valor nunca inferior a € 45 000,00 (quarenta e cinco mil euros), e não apenas nos €.10.000,00 que o MM Juiz da Primeira Instância fixou

9ª Conclusão:
Considerando que a ré mantém ainda nesta data o Autor, nas mesmas condições que à data em que foi prolatada a douta sentença da primeira instância, devem os Senhores Juízes Desembargadores fixar, a título de compensação pelos danos não patrimoniais que o Autor entretanto continua a sofrer, um montante indemnizatório que o compense pela continuação do comportamento ilícito da ré desde aquela data da sentença, condenação que deve manter -se até que a ré finde a sua conduta.

10ª conclusão
Violou, pois, a douta sentença a douta sentença os artigos 28 do CT, e o nº 1 do artigo 496º do Código Civil.

A ré por sua vez recorreu apresentando as seguintes conclusões:

A. A Sentença proferida é passível de objetiva censura por ter feito uma errónea apreciação da prova produzida em sede de julgamento e, consequente, da apreciação da matéria de facto, o que originou errada interpretação e aplicação da lei substantiva;
B. O Tribunal a quo considerou que ficou suficientemente provado que pouco antes de Março de 2017, o A. tomou conhecimento que a R. pretendia coloca-lo a exercer outras funções, com uma maior vertente de suporte técnico no terreno.
C. Considerou ainda provado que por não estar interessado nesta situação o A. comunicou às suas chefias que estaria na disposição de negociar uma saída negociada da empresa, colocando-se à disposição dos recursos humanos para esse efeito.
D. Facto que veio a suceder a partir do dia 13 de Março, ficando afeto à USP-Unidade de Suporte.
E. O Tribunal a quo resolveu dar como facto não provado que o Autor não fazia serviço maioritariamente em sala, quando a sua antiga chefia “A” assegurou, no entanto deveria ter pelo menos dado como provado que seria um meio-termo (Cfr. Ata de Audiência de Julgamento de 25/06/2017 e constante do ficheiro áudio 20180625154033-1472364-2871832) uma vez que em sede de inquirição: …
F. Conclui-se, que pelo menos metade do seu período de trabalho era passado em sala e a outra metade na rua.
G. O Autor com a séria probabilidade de ter que prestar funções exclusivamente no exterior, pretendia apenas continuar a fazer serviço em sala, tal como demonstra o depoimento abaixo da mesma testemunha…
H. O Autor é que se recusou a prestar funções de cariz exclusivamente externo, contrariando as ordens da sua direção.
I. Assim, a direção de Recursos Humanos passou a ser a área de eleição do Autor para se afetar e negociar uma rescisão por mútuo acordo
J. Assim cabia também ao tribunal a quo dar como provado, que o Autor ao fazer esta escolha, se conformou com a possibilidade de ficar sem funções, uma vez que sabia que nos recursos Humanos existia esta unidade de transição em que não existia funções a desempenhar.
K. Erroneamente, e salvo o devido respeito, o tribunal a quo não deu como provado a intenção do Autor fosse ser colocado numa outra sala sem qualquer função atribuída, facto contrariado pela testemunha “A” que refere …
L. Assim, o tribunal, deveria ter concluído pelo conhecimento do Autor acerca da forte probabilidade de ficar sem quaisquer funções atribuídas.
M. O Tribunal, deveria ter dado como provado o facto de que se o Autor não se tivesse proposto para integrar para integrar a área de Recursos Humanos, o mesmo seguramente estaria hoje com (outras) funções atribuídas., cujo as quais até lhe foram propostas.
N. O tribunal deveria ter concluído que não existiu por parte do recorrente a intenção de provocar qualquer dano ao Autor.
O. Também não ficou provado que a o quadro de perturbação depressiva major diagnosticado ao Autor, tenha sido provocado exclusivamente pela inatividade a que se encontra sujeito, conforme até relatório médico junto aos autos.
P. O Tribunal a quo e bem, não deu como provado que o estado psicológico do Autor está relacionado com questões laborais e muito menos com a questão de assédio invocada por este.
Q. Logo, e não se provando a questão do assédio perante o Autor não se compreende por que razão é que a recorrente é condenada a pagar uma indemnização a título de danos não patrimoniais.
R. Até porque o dano demonstrado não foi provocado pela ré, e muito menos se deu este facto como provado.
S. Assim, mostra-se como desadequada quantia de €10.000,00, por referência a cerca de cinco salários do Autor, o que manifestamente se considera excessivo, tendo em conta que este trabalhador, apesar da sua inatividade aufere cerca de € 2.000,00 mensais.
T. Assim, nos factos dados como provados não consta nenhum comportamento praticado pela requerente passível de provocar algum dano ao Autor.
U. E ainda que assim se possa não entender, deverá ser considerado excessivo o valor de €10.000,00 por danos não patrimoniais, tendo em conta os critérios utilizados pelo tribunal a quo.
V. A requerente foi ainda condenada ao pagamento de uma sanção pecuniária compulsória de € 500,00 (quinhentos euros) /dia por cada dia de atraso no incumprimento dos pontos A) e B) da sentença em análise, sendo que está aqui em causa a atribuição de funções compatíveis com a categoria profissional do Autor.
W. As funções desempenhadas pelo Autor extinguiram-se e o mesmo recusou mudar para as funções propostas pela requerente, sendo que o tribunal a quo devia ter dado este facto como provado…
Y. O Autor reside e trabalha em …, onde não existe a falta de recursos humanos, para funções com a categoria do Autor.
Z. Conclui-se que o Requerente atribuiu funções compatíveis com a categoria do Autor, contudo, o Autor não quis.
AA. O tribunal a quo condenou também a uma sanção pecuniária compulsória, no valor diário de € 500,00 (quinhentos euros), ora choca desde logo pela desproporção sobre o bem jurídico que se pretende acautelar.
BB. Quando na verdade, as funções que o requerente tentou atribuir ao Autor o mesmo recusou categoricamente, não tendo a requerente, por ora, como atribuir-lhe funções compatíveis com a sua categoria.
CC. Se existirem funções naquela área de categoria inferior ao do Autor, o mesmo não aceitará, certamente, até porque nem sequer irá de encontro à decisão do douto tribunal.
DD. A requerente encontra-se desassossegada, por um lado porque foi condenada a uma decisão que não vai conseguir cumprir, por outro porque as funções compatíveis com a sua categoria o mesmo se recusou a desempenhá-las.
EE. A requerente, salvo melhor opinião, considera, completamente desproporcional o valor aplicado, por manifesto exagero.
FF. Um mês que tenha 22 dias e em que a requerente não consiga atribuir funções compatíveis ao Autor incorre logo na obrigação de pagar ao Autor €11.000,00 (onze mil euros), ou seja valor bem superior até ao valor da indemnização que se encontra fixado.
GG. Ora, atentos os fatores acima descritos, e à dificuldade da requerente em cumprir, face ao que já se encontra exposto, só poderemos considerar excessiva e desproporcional esta condenação
HH. Um dos critérios de razoabilidade utilizados pelo tribunal a quo, foi a situação económica da requerente, que consideramos inadequado, visto que não ficou provado qual o volume de negócios da mesma, ou sequer se nos últimos tempo te obtido ou não lucro (e que lucro).
II. Posto isto, irrazoável aplicação da sanção pecuniária compulsória, por admissível impossibilidade de atribuição de funções, é necessário discutir também o valor deveras excessivo.
JJ. O montante fixado, que por situação económica mais vantajosa que possa ter, não corresponde de todo a uma proporcionalidade e razoabilidade, uma vez que cabe ao tribunal prever que a decisão imposta pode não ser possível de cumprimento de forma imediata, e acarretar um prejuízo sério na esfera da requerente, que ainda assim tem cumprido escrupulosa e pontualmente as remunerações do Autor.

Neste tribunal, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido da improcedência de ambas as apelações.

Colhidos os vistos das Ex.mas Sras. Adjuntas há que conhecer do recurso.
***
Factualidade:

1 – A R. dedica-se à atividade de telecomunicações e multimédia.
2 – O A. foi admitido em 9/12/1981, ao serviço da empresa “C…” para, sob as suas ordens, direção e fiscalização, exercer a atividade profissional de auxiliar de telecomunicações.
3 – à “C…” sucederam as empresas “A” e “B” e, por último, a ora R.
4 – Presentemente, o A. detém a categoria profissional de “técnico superior - grau 5” e aufere, a título de retribuição base mensal e diuturnidade a quantia de €1.908,53, acrescido de €8,15/dia a título de subsídio de alimentação
5 – No Acordo de Empresa (Anexo I), estabelece-se que o know-how técnico correspondente à categoria profissional de “técnico superior - grau 5” impõe “conhecimentos técnicos complexos e variados que requerem um domínio teórico e prático adquirido normalmente através de formação superior e/ou de ampla experiência profissional” a par da capacidade para a “resolução de problemas complexos; capacidade para elaborar estudos, pareceres, análises, projetos e propostas de resolução de problemas para decisão executiva da empresa”.
6 – No âmbito das funções que exercia, o A. frequentou nos últimos anos vários cursos de formação profissional.
7 - O A., ao longo do seu percurso profissional, coordenou equipas de trabalho, procedendo à análise técnica no terreno, recebendo reclamações e dando-lhes o devido tratamento, desenvolveu tarefas de certificação – “centro de certificação de torres” -, certificando as equipas de trabalho (ET), quer da empresa Ré, quer das ET’s dos prestadores de serviços da Ré.
8 - Pouco antes de Março de 2017, o A. tomou conhecimento que a R. pretendia coloca-lo a exercer outras funções, com uma maior vertente de suporte técnico no terreno.
9 – Por não estar interessado nesta situação, o A. comunicou às suas chefias que estaria na disposição de negociar uma saída negociada da empresa, colocando-se à disposição dos recursos humanos para esse efeito.
10 – No dia 2 de Março de 2017, a R. enviou ao A. um e-mail com o seguinte teor (parte relevante):
“Caro “C.”
Venho dar-lhe conhecimento que a partir do dia 13 de Março fica afeto à USP – Unidade de Suporte.
Na sequência da sua afetação à USP – Unidade de Suporte a mesma implica alteração de posto de trabalho para o Piso…, Sala …, posto de trabalho 3, a partir do dia 13 de Março, data em que se deve apresentar ().
11 – O A. cumpriu com o ordenado nesse e-mail, tendo passado, a partir de 13 de Março de 2017, a apresentar-se ao serviço no referido Piso …, Sala …
12 – A partir dessa data, a R. nunca mais atribuiu ao A. qualquer tarefa.
13 – Na sala onde o A. passou a apresentar-se, encontravam-se outros dois colegas, que posteriormente vieram a sair da R.; estes dois colegas também não tinham qualquer tarefa atribuída.
14 - A sala referida em 13) é conhecida como a “sala dos queimados” ou “sala dos esquecidos”, pelos trabalhadores ali colocados.
15 - Nessa sala, o A. tem ao seu dispor computador, telefone, acesso à sua caixa de e-mail, à intranet e internet.
16 - O A. pode circular livremente por todo o edifício onde se situa a sala referida em 13).
17 – A R. comunicou ao A. que, a partir de 2 de Novembro de 2017, lhe havia sido atribuída “dispensa de assiduidade”.
18 – O A. não faz uso desta “dispensa”, apresentando-se diariamente ao serviço.
19 - O A., por não ter quaisquer tarefas atribuídas, não está sujeito a avaliação de desempenho.
20 – A R. já apresentou ao A. pelo menos três propostas de rescisão do respetivo contrato de trabalho por mútuo acordo, a primeira em Março de 2017 e a última em Setembro desse ano, tendo-se para esse efeito deslocado ao local de trabalho do A. um responsável dos recursos humanos da R.
21 - O A. sempre manifestou abertura para negociar a rescisão por mútuo acordo, apenas discordando dos valores propostos pela R.
22 - Por força da situação laboral em que se encontra, o A. Apresenta agora um quadro de “perturbação depressiva major”, com sintomas ansiosos, que se tendem a agravar.
***
Conhecendo do recurso:

Nos termos dos artigos 635º, 4 e 639º do CPC, o âmbito do recurso encontra-se balizado pelas conclusões do recorrente.
O autor coloca a questão do valor indemnizatório por danos morais, aludindo ao dano que ainda virá a sofrer.

A ré levanta as seguintes questões:

- Alteração da decisão relativa à factualidade. Pretende seja considerado provado:
- Pelo menos metade do período de trabalho do autor era passado em sala e a outra metade na rua.
- O autor com a séria probabilidade de ter que prestar funções exclusivamente no exterior, pretendia apenas continuar a fazer serviço em sala.
-O Autor recusou-se a prestar funções de cariz exclusivamente externo, contrariando as ordens da sua direção.
- Assim a direção de Recursos Humanos passou a ser a área de eleição do Autor para se afetar e negociar uma rescisão por mútuo acordo
J. o Autor ao fazer esta escolha, conformou-se com a possibilidade de ficar sem funções, uma vez que sabia que nos recursos Humanos existia esta unidade de transição em que não existia funções a desempenhar.
- O autor tinha conhecimento da forte probabilidade de ficar sem quaisquer funções atribuídas.
- se o Autor não se tivesse proposto para integrar para integrar a área de Recursos Humanos, o mesmo seguramente estaria hoje com (outras) funções atribuídas, as quais lhe foram propostas.
- não existiu por parte do recorrente a intenção de provocar qualquer dano ao Autor.
-Mais refere que não ficou provado que o quadro de perturbação depressiva major diagnosticado ao Autor, tenha sido provocado exclusivamente pela inatividade a que se encontra sujeito.
- Falta de fundamento para a condenação indemnizatória – não prova do nexo causal entre o estado psicológico do Autor e as questões laborais.
- Natureza excessiva do montante indemnizatório.
- Natureza irrazoável da condenação em sanção compulsória e caráter excessivo da mesma - Impossibilidade de atribuir funções compatíveis com a categoria profissional do Autor, por extinção destas.
*
Comecemos pela questão relativa à matéria de facto, porque relevante para as restantes questões.
Conquanto de forma sucinta a recorrente refere a factualidade que considera mal decidida, indica devidamente as provas em que apoia a sua pretensão e refere os factos que pretende sejam considerados.
- Pretende a ré seja desconsiderado que o quadro de perturbação depressiva major diagnosticado ao Autor, tenha sido provocado exclusivamente pela inatividade a que se encontra sujeito.

Relativamente a esta matéria foi considerado o depoimento de “J” que acompanhou o autor e confirmou o documento de fls. 24, por si subscrito, no qual dá nota de sintomatologia depressiva e ansiogénica por questões de adaptação a mudanças no local de trabalho. Alude-se ainda ao falecimento de familiares, referindo-se “ tendo em conta a sintomatologia apresentada, foram trabalhadas questões prementes, nomeadamente as abordagem às diferentes fases inerentes ao processo de luto (motivado pela morte dos seus pais, que experienciou nesta fase do ano) ”. No depoimento referiu a situação do autor, aludindo a irritabilidade, ansiedade, humor deprimido. No início fez três consultas, em junho/julho, tendo depois deixado de aparecer, regressando em novembro, com uma consulta. Depois ocorreram mais duas. Referiu a necessidade de acompanhamento e acontecer por vezes os pacientes abandonarem as consultas. De início as consultas foram motivadas pela situação profissional. O documento alude apenas ao luto como questão a trabalhar, não como motivadora da situação. Assim mantém-se o decidido.

Mais pretende seja considerado provado que:

- Pelo menos metade do período de trabalho do autor era passado em sala e a outra metade na rua.

Relativamente a esta matéria a testemunha da ré “P” referiu que o autor fazia análises no terreno, relativas a reclamações, relativas a instalações pendentes de algum impedimento e arranjava soluções, referindo que que o seu tempo decorria meio meio entre terreno e sala. O depoimento não é confirmado pelos depoimentos de outras testemunhas que claramente apontam para uma permanência no exterior a maior parte do tempo. Assim a “M” referiu que o autor estava ligado ao serviço a clientes, andando fora na “rede de clientes”. O “J” que chegou a ser chefia do autor, referiu que 90% do tempo do autor era no exterior, e que este trabalhava em tarefas relativas a comutação. Também o “G”, que foi colega, referiu que o autor estava “constantemente fora”, tendo chegado a ser coordenador. Por sua fez a testemunha “F” tentou minimizar a circunstância referindo que o autor fazia orçamentações e que trabalhava essencialmente no escritório, o que não corresponde à generalidade dos depoimentos. É de confirmar o decidido.

Pretende-se ainda seja considerado provado:

- O autor com a séria probabilidade de ter que prestar funções exclusivamente no exterior, pretendia apenas continuar a fazer serviço em sala.
-O Autor recusou-se a prestar funções de cariz exclusivamente externo, contrariando as ordens da sua direção.
- Assim a direção de Recursos Humanos passou a ser a área de eleição do Autor para se afetar e negociar uma rescisão por mútuo acordo.
- o Autor ao fazer esta escolha, conformou-se com a possibilidade de ficar sem funções, uma vez que sabia que nos recursos Humanos existia esta unidade de transição em que não existia funções a desempenhar.
- O autor tinha conhecimento da forte probabilidade de ficar sem quaisquer funções atribuídas.
- se o Autor não se tivesse proposto para integrar para integrar a área de Recursos Humanos, o mesmo seguramente estaria hoje com (outras) funções atribuídas, as quais lhe foram propostas.
- não existiu por parte do recorrente a intenção de provocar qualquer dano ao Autor.

Não resulta provado que o autor na perspetiva de fazer serviço exclusivamente externo tenha recusado por se tratar de serviço no exterior, tendo sido ele a pedir para ficar disponível para os recursos humanos, e muito menos que soubesse que iria ficar sem funções e tenha aceitado a situação.

Os depoimentos de “P” e “F”, não são de molde a convencer da veracidade sobre tal matéria, além do que se considerou demonstrado – que o autor manifestou desinteresse em exercer outras funções com vertente de suporte técnico no terreno, tendo comunicado que estaria na disposição de negociar uma saída, colocando-se à disposição dos recursos humanos mas para esse efeito. Seria aliás estranho o autor predispor-se a uma situação de colocação numa sala destinada a inativos. Que o autor tomou a iniciativa de propor à ré para negociarem a sua saída foi confirmado pela testemunha “J”, o qual referiu ainda que a partir daí a empresa marginalizou-o. O testemunho de “P” confirma que o autor o abordou no sentido de que estava disponível para que o colocasse à disposição dos recursos humanos que “não sabia desempenhar aquelas funções”. Perguntado se quando fez esse pedido o autor tinha noção que implicaria poder ficar sem funções responde, “ não posso expressar pela cabeça dele…”
A intenção do autor, não pretendendo fazer o serviço proposto, avarias de postos públicos, como referiu o “A”, pretendia negociar uma saída. O depoimento de “F” na parte relevante é do que lhe referiram. Referiu que o autor teria dito que estava disposto a aguardar que novas funções surgissem, para no decurso do depoimento referir que nunca ouviu isso da boca do autor. Note-se que não foi referido que o autor se recusou a prestar funções de cariz exclusivamente externo, antes se referindo que manifestou desagrado, e que estaria disposto a aguardar outras funções. Refira-se ainda que salvas as testemunhas indicadas pela ré, todas referiram que as tarefas se mantêm, executadas por pessoal mais novo, embora modificadas em virtude dos avanços tecnológicos. É de manter o decidido.
***
Quanto à indemnização. A ré foi condenada no montante de 10.000 euros.

Consta da sentença:

Neste âmbito, reclamava o A. o montante de €45.000,00.
Diz a lei que o montante da indemnização deverá ter em conta o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso.
Quanto ao grau de culpabilidade da R. teremos que o afirmar como situando-se num patamar elevado, como resulta de toda a exposição até agora efetuada.
A situação económica da R., sendo, como é um facto notório que se inscreve num grupo económico dos mais prestigiados do país, não poderá deixar de ser considerada elevada.
Quanto à situação do A., teremos em conta que, atento o seu salário, se trata de alguém com um nível de vida acima da média.
Os danos morais provocados foram relativamente extensos.
Assim, não perdendo de vista a impossibilidade de avaliação concreta desses danos, mas tendo em atenção, como critério orientador os valores atualmente atribuídos pela jurisprudência, entende-se adequada a quantia de €10.000,00, por referência a cerca de cinco salários do A…”
O autor refere que o valor atribuído peca por defeito, devendo ser atribuído o valor peticionado. A ré sustenta o seu carater excessivo.

Resulta da factualidade que o autor pouco antes de Março de 2017 tomou conhecimento que a R. pretendia coloca-lo a exercer outras funções, com uma maior vertente de suporte técnico no terreno. Por não estar interessado nesta situação comunicou às suas chefias que estaria na disposição de negociar uma saída. No dia 2 de Março de 2017, a R. enviou ao A. um e-mail comunicando-lhe que a partir do dia 13 de Março ficaria afeto à USP – Unidade de Suporte, o que implicaria alteração de posto de trabalho para o Piso…, Sala …, posto de trabalho 3, o que o autor cumpriu. Desde então não lhe foram atribuídas mais tarefas. Na referida sala encontravam-se outros dois colegas em idênticas condições. Tal sala é conhecida como a “sala dos queimados” ou “sala dos esquecidos”. A partir de 2 de Novembro de 2017, foi comunicado ao autor que lhe havia sido atribuída “dispensa de assiduidade”. O A. não faz uso desta “dispensa”, apresentando-se diariamente ao serviço.
A R. já apresentou ao A. pelo menos três propostas de rescisão do respetivo contrato de trabalho por mútuo acordo, a primeira em Março de 2017 e a última em Setembro desse ano, tendo-se para esse efeito deslocado ao local de trabalho do A. um responsável dos recursos humanos da R. O A. sempre manifestou abertura para negociar a rescisão por mútuo acordo, apenas discordando dos valores propostos pela R..
Por força da situação laboral em que se encontra, o A. Apresenta agora um quadro de “perturbação depressiva major”, com sintomas ansiosos, que se tendem a agravar.

Refere o autor e assim foi acolhido na decisão recorrida, que o comportamento da ré constitui assédio, nos termos do artigo 29º do CT.

Refere o normativo:
Proibição de assédio

Artigo 29.º
Assédio
1 - É proibida a prática de assédio.
2 - Entende-se por assédio o comportamento indesejado, nomeadamente o baseado em fator de discriminação, praticado aquando do acesso ao emprego ou no próprio emprego, trabalho ou formação profissional, com o objetivo ou o efeito de perturbar ou constranger a pessoa, afetar a sua dignidade, ou de lhe criar um ambiente intimidativo, hostil, degradante, humilhante ou desestabilizador.

4 - A prática de assédio confere à vítima o direito de indemnização, aplicando-se o disposto no artigo anterior.


Resulta da norma como pressuposto de uma situação de assédio, a comprovação de um comportamento não desejado, praticado no emprego, e tendo um determinado objetivo ou visando um determinado efeito perturbador, constrangedor, de afetação da dignidade da pessoa, ou se traduza na criação de um ambiente hostil, intimidativo, degradante, humilhante ou desestabilizador.
É necessária uma intenção direcionada a um determinado objetivo ilícito ou eticamente reprovável. O intento prende-se com a pressão psicológica que se pretende criar no sujeito tendo em vista levá-lo a tomar determinada atitude ou favorecer a tomada futura de determinada medida.

Sobre o assunto refere-se no Acórdão do STJ de 3/12/2014, processo nº 712/12.6TTPRT.P1.S1, disponível na net:

“15. Em linha com o preceituado no art. 15.º, do CT, segundo o qual o trabalhador goza do direito à respetiva integridade física e moral, e ainda nos arts. 23.º, 24.º, 25.º, e 129.º, n.º 1, c), estabelece o art. 29.º, n.º 1, do mesmo diploma…

Com amplitude acrescida em relação ao regime consagrado no CT/2003, as condutas neste âmbito relevantes deixam de estar necessariamente reportadas a situações de discriminação, abrangendo agora a lei, expressis verbis, a par do assédio sexual (que é uma discriminação de género, definida no nº 2 do art. 29º), as seguintes formas de assédio:

- O assédio moral discriminatório, baseado, nomeadamente, num dos fatores discriminatórios descritos no art. 24.º;
- O assédio moral não discriminatório, quando o comportamento indesejado não se baseia em qualquer fator discriminatório concreto, mas, pelo seu caráter continuado e insidioso, tem os mesmos efeitos hostis[ Cfr. Maria do Rosário Palma Ramalho, Tratado de Direito do Trabalho, II, 4ª edição, p. 152 e 161 – 162.].


Ao invés, “no comportamento humilhante ou insultante, não é preciso fazer qualquer comparação com outros trabalhadores para identificar a injustiça”, uma vez que “o comportamento é injusto em sim mesmo, e não por comparação com outros”.

Podendo resultar, pois, dos mais díspares sentimentos e motivações envolvidos nas relações interpessoais no seio da empresa … é possível distinguir, agora em função da motivação da conduta, duas modalidades de assédio moral:

- O assédio emocional/psicológico (decorrente, por exemplo, de animosidade, antipatia, inveja, desconfiança ou insegurança), em regra dirigido à obtenção de um efeito psicológico na vítima, desejado pelo assediante (animus nocendi);
- O assédio estratégico, merecedor de especial atenção e que se reconduz a uma técnica perversa de gestão, dirigida a objetivos estratégicos definidos, com frequência utilizada como meio para contornar as proibições de despedimento sem justa causa [“Transformando-se num mecanismo mais expedito e económico da empresa se desembaraçar de trabalhadores que, por qualquer razão, não deseja conservar”, na expressão de Júlio Gomes, ibidem, p. 431.] e, por outro lado, como instrumento de alteração das relações de poder no local de trabalho (por exemplo, com o fito de levar o trabalhador a aceitar condições laborais menos favoráveis) ou para implementar determinados padrões de cultura empresarial e/ou de disciplina.


Ensaiando uma interpretação “capaz de servir as finalidades operatórias” do conceito de assédio, diz-nos Monteiro Fernandes[Ibidem.]:

“Entrando em conta com o texto da lei e os contributos da jurisprudência, parece possível identificar os seguintes traços estruturais da noção de assédio no trabalho:

a) Um comportamento (não um ato isolado) indesejado, por representar incómodo injusto ou mesmo prejuízo para a vítima (…);
b) Uma intenção imediata de, com esse comportamento, exercer pressão moral sobre o outro (…);
c) Um objetivo final ilícito ou, no mínimo, eticamente reprovável, consistente na obtenção de um efeito psicológico na vítima, desejado pelo assediante (…).

A situação acima descrita, envolvendo inatividade prolongada, com colocação numa sala conhecida entre o pessoal como sala dos queimados, constitui como se refere na decisão recorrida, um ato deliberado da ré que se traduz num vexame e humilhação. A situação de inatividade de trabalhadores, ainda que usada para pressionar estes no sentido de aceitarem a rescisão, ou, já que no caso o autor se dispôs a negociar, no sentido de o pressionar para aceitar este em termos mais vantajosos para a ré, menos onerosos, não deixa de constituir uma situação de “mobbing”, enquadrando-se no normativo referido. Igualmente não deixa tal situação de constituir assédio tendo-se em vista constranger o trabalhador a aceitar funções não enquadradas na sua categoria e estatuto e que legalmente não possam ser-lhe impostas.
Concorda-se assim com a decisão no sentido do preenchimento dos requisitos plasmados no normativo.

Refere a ré a falta de intenção da sua parte. Sobre o assunto o mesmo acórdão atrás referido refere:

“A propósito da dimensão volitiva/final do conceito de assédio, a doutrina sempre se mostrou dividida, pois, “enquanto para alguns o mobbing pressupõe uma intenção persecutória ou de chicana (ainda que não necessariamente a intenção de expulsar a vítima da empresa), para outros, o essencial não são tanto as intenções, mas antes o significado objetivo das práticas reiteradas”.[ Júlio Manuel Vieira Gomes, ob. cit., p. 436]

Neste âmbito, havendo que reconhecer a necessidade de uma interpretação prudente da sobredita disposição legal, também importa ter presente que não pode ser considerado pelo intérprete um “pensamento legislativo” que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso, devendo ainda presumir-se que o legislador soube expressar o seu pensamento em termos adequados e que consagrou as soluções mais acertadas – art. 9.º, n.ºs 2 e 3, C. Civil. Incontornavelmente, a lei estipula que no assédio não tem de estar presente o “objetivo” de afetar a vítima, bastando que este resultado seja “efeito” do comportamento adotado pelo “assediante”.
No entanto, quanto aos precisos contornos desta exigência, duas observações se impõem.
Em primeiro lugar, uma vez que a esfera de proteção da norma se circunscreve, como vimos, a comportamentos que intensa e inequivocamente infrinjam os valores protegidos, não pode deixar de notar-se que é dificilmente configurável a existência de (verdadeiras) situações de assédio moral que - no plano da vontade do agente - não imponham concluir que ele, pelo menos, representou as consequências imediatas da sua conduta, conformando-se com elas.
Por outro lado, para referir que a circunstância de o legislador ter prescindido de um elemento volitivo dirigido às consequências imediatas de determinado comportamento não obsta à afirmação de que o assédio moral, em qualquer das suas modalidades, tem em regra [Em regra, mas não necessariamente, sendo – no limite - configuráveis quadros de assédio resultantes de repetidas e graves “descargas emocionais do assediador, sem qualquer intenção [específica] de sujeição da vítima” – cfr. Rita Garcia Pereira, Mobbing ou Assédio Moral no Trabalho, Coimbra Editora, 2009, p. 100. ] associado um objetivo final “ilícito ou, no mínimo, eticamente reprovável” (v.g. a discriminação, a marginalização/estigmatização ou neutralização do trabalhador, atingir a sua autoestima ou, no tocante ao “assédio estratégico”, os objetivos específicos supra expostos).”

Ainda a propósito deste elemento volitivo o Ac. STJ de 21/4/2016, processo nº 299/14.5T8VLG.P1.S1 e de 9/5/2018, processo nº 532/11.5TTSTRE.E1.S1.

No caso não se vê como pode a ré não representar as nefastas consequências da inatividade, e nas condições do autor, colocado numa sala destinada à colocação de trabalhadores colocados em tal situação. Saliente-se que a ocupação efetiva é um dos direitos do trabalhador, como um elemento constituinte da dignidade humana, enquanto componente incontornável da realização pessoal na sociedade, enquanto elemento útil, quer nesta quer para a valorização profissional através do desempenho; sendo incontestáveis os efeitos psicológicos negativos que a inatividade no seio da empresa provocam ao trabalhador, que assim se vê excluído da estrutura humana produtiva da organização. A CRP nos artigos 58º e 59º, 1 dá nota deste direito, traduzido no artigo 129, 1 b) do CT

Nos termos do nº 4º do normativo em análise o autor tem direito a uma indemnização, aplicando-se o artigo 28º.

Refere este normativo:

Indemnização por ato discriminatório

A prática de ato discriminatório lesivo de trabalhador ou candidato a emprego confere-lhe o direito a indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais, nos termos gerais de direito.
Importa assim e com recurso ao disposto nos artigos 483 ss do CC.

O artigo 496.º do CC refere:

(Danos não patrimoniais)

1. Na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito.

4 - O montante da indemnização é fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no artigo 494.º; no caso de morte, podem ser atendidos não só os danos não patrimoniais sofridos pela vítima, como os sofridos pelas pessoas com direito a indemnização nos termos dos números anteriores.

O valor indemnizatório não deve ser insignificante, devendo propiciar adequada compensação quanto ao dano sofrido, devendo ponderar-se a situação de forma equilibrada de acordo com critérios de equidade e tendo em consideração os padrões jurisprudenciais.
O autor refere dano patrimonial futuro aludindo a que a “ ré em nada alterou a sua conduta até á presente data, condenação que deve manter-se até que a ré finde àquela sua conduta.”

Os danos patrimoniais futuros devem ser indemnizados, desde que previsíveis, conforme art. 564.º, n.º 2, do CC. Assim, atender-se-á à natural repercussão no futuro dos danos psicológicos provocados. Já quanto à eventual continuação da lesão após o trânsito da decisão, não pode atender-se a ela, pois tal implicaria uma ficção.

O Ac. RE de 4/4/2018 fixa o valor de 10.000 €, relativa a trabalhadora que “passou a evidenciar sinais de ansiedade, de desconforto, nervosismo, receio, tristeza, zanga, fragilidade, vergonha pela exposição a que foi sujeita perante terceiros, tendo passado a ter dificuldade em dormir, e por tudo, a A. deixou de gerir os seus dias com tranquilidade”. A trabalhadora fora objeto de atitudes vexatórias, como ordens dadas em voz alta e forma agressiva, por vezes com referências humilhantes.

O STJ no Ac. de 21/4/2016, processo nº 79/13.5TTVCT.G1.S1, fixou a indemnização em 50.000 € (baixando o valor de 100.000 € fixado nesta relação, acórdão referido pelo recorrente), numa situação em que o trabalhador, técnico superior-nível 5”, com curto interregno foi mantido em situação de inatividade durante largo período de tempo, em salas com outros colegas na mesma situação, cerca de cinco anos, sendo depois colocado em tarefas não conforme à sua categoria - aferir se os contadores/sensores térmicos das lojas da R. contavam corretamente ou não o movimento de entrada de clientes nessas lojas – sendo colocado num local fora da loja e com linha de vista para a sua entrada para verificar o número de clientes que aí entravam; para esse efeito, foi disponibilizado ao A. um equipamento mecânico (hand tally counter) que deveria acionar manualmente, através da pressão de um manípulo, uma vez por cada cliente que entrasse na loja auditada. O autor sentia-se humilhado com tais funções.

No Ac. STJ de 21/4/2016, processo 299/14.5T8VLG.P1.S1, fixa-se em 25.000€, reduzindo o valor de 35.000€ que fora fixado na relação, por violação dos deveres previstos no art. 127.º, n.º 1, als. a) e c), envolvendo o ““esvaziamento” do cargo de direção do trabalhador não se prendeu com qualquer situação relacionada com o próprio, resultando antes de um desentendimento entre dois sócios da sociedade, envolvendo mesmo disputas judiciais, na sequência do que, tendo mudado a gerência, o A. – sem quebra da retribuição – deixou de exercer as funções de diretor comercial que até então lhe estavam acometidas, continuando, todavia, a desempenhar funções comerciais”.

No acórdão do STJ de 26/10/2017, processo nº 196/12.9TTBRR.L2.S1, fixou-se a indemnização em 30.000€, numa situação em que o trabalhador com o processo de despedimento que a empregadora lhe moveu, sofreu emocionalmente, com repercussões no seu bem-estar físico e na sua dignidade, tratando-se de empresa sólida. A situação envolvia tentativas prévias de rescisão, com ameaça de recurso a outros meios, tendo sido avaliado três vezes em dois meses, de forma negativa, avaliação que não ocorria pelo menos há mais de 10 anos.
Tendo em conta o elevado grau de ilicitude e de culpa, a duração da situação de inatividade, que se mantém, a empresa de que se trata, sendo do conhecimento geral tratar-se de empresa pertencente ao grupo “CC”, grupo economicamente sólido e com posição relevante no mercado, entendemos adequado o valor de 30.000 €.
***
Quanto à sanção pecuniária compulsória.

A ré sustenta a impossibilidade de o trabalhador executar as mesmas tarefas. Conquanto tal nem sequer resulte provado, refira-se que a condenação é no sentido de serem atribuídas ao autor funções compatíveis com a sua categoria.
Questiona ainda o valor diário da sanção. Tendo em conta as funções da sanção pecuniárias de natureza coercitiva e tendo em vista “forçar” a parte condenada ao célere cumprimento do ordenado, e em face da dimensão da ré, inserida num poderoso grupo, a categoria profissional do autor, o tempo de inatividade já transcorrido, o valor mostra-se adequado.

Decisão:

Acordam os juízes do Tribunal da Relação de Guimarães em julgar parcialmente procedente a apelação do autor, fixando-se a indemnização por danos morais de 30.000 euros e improcedente a apelação da ré.
Custas pelo autor e ré na proporção de 4/5 pela ré e 1/5 pelo autor.
24/10/19