Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1029/20.8T8BRG.G1
Relator: VERA SOTTOMAYOR
Descritores: PER
ACÇÃO PARA COBRANÇA DE DÍVIDAS
EXTINÇÃO DA INSTÂNCIA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 11/04/2021
Votação: MAIORIA COM * VOT VENC
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO SOCIAL
Sumário:
I - Resulta do disposto no art.º 17.º-E do CIRE, que a aprovação e homologação do plano de recuperação no âmbito do Processo Especial de Revitalização obsta à instauração de quaisquer acções para cobrança de dívidas contra o devedor e, durante todo o tempo em que perdurarem as negociações, suspende, quanto ao devedor, as acções em curso com idêntica finalidade, extinguindo-se aquelas logo que seja aprovado e homologado plano de recuperação, salvo quando este preveja a sua continuação.
II – Na expressão “acções para cobrança de dívidas” estão abrangidas quer as acções executivas para pagamento de quantia certa, quer as acções declarativas em que se discute o pagamento de um crédito que se pretende ver reconhecido.
III Não permitindo a factualidade apurada saber se o crédito peticionado no âmbito dos presentes autos está abrangido pelo plano de revitalização, designadamente se consta da lista provisória de credores, se foi ou não impugnado, qual a decisão que incidiu sobre tal impugnação, se a mesma transitou ou não em julgado, se o crédito do Autor consta da lista definitiva de credores e por fim não sendo possível apurar o que consta do plano de revitalização, nomeadamente se ficou ou não determinada a continuação da presente acção, é de concluir que o tribunal não estava apto a proferir a decisão recorrida.

Vera Sottomayor
Decisão Texto Integral:
Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Guimarães

APELANTE: J. P.
APELADA: X – AVIAÇÃO EXECUTIVA, SA.
Tribunal Judicial da Comarca de Braga, Juízo do Trabalho de Braga – Juiz 2

I – RELATÓRIO

J. P., residente na Rua ..., n.º .., freguesia de ..., concelho de Braga, instaurou a presente acção declarativa de condenação, com processo comum, contra X – AVIAÇÃO EXECUTIVA, SA., com sede no Centro Logístico …, Lote …, Aeroporto …, pedindo a sua condenação a pagar-lhe as seguintes quantias:

1) 32 999, 44€ a título de indemnização pela resolução do contrato de trabalho por justa causa, realizado pelo autor, nos termos do artigo 396.º n.º 1 do Código do Trabalho, à razão de 30 dias de retribuição por cada ano completo de antiguidade.
2) 13 293,58€ a título de retribuições vencidas e não pagas, relativas aos meses de Novembro e Dezembro de 2018 e Janeiro e Fevereiro de 2019.
3) 2 637, 62 € a título de subsídio de natal de 2018, vencido e não pago na sua totalidade.
4) 705,19€ a título de juros de mora vencidos pelo não pagamento das retribuições vencidas, assim como juros de mora vincendos até efectivo e integral pagamento.
5) 38 822,47€ a título de trabalho suplementar prestado pelo autor nos anos de 2016, 2017 e 2018.
6) 104,80 € a título de subsídio de transporte, integrado em ajudas de custo.
7) 188,25 € a título de subsídio de deslocação, integrado em ajudas de custo.
8) 1 573,93€ a título de férias não gozadas no ano de 2019.
9) 3 462,93 € a título de subsídio de férias do ano de 2019.
10) 1 451,46€ a título de proporcionais de férias, subsídio de férias e subsídio de natal do ano de cessação do contrato (2019).

A Ré foi citada, realizou-se a audiência de partes no âmbito da qual não foi possível obter o entendimento entre as partes, o processo prosseguiu e a ré contestou a acção.
Em 15/097/2021 em face da informação prestada de que no Tribunal Judicial da Comarca do Porto, Juízo de Comércio de Santo Tirso – Juiz 7, tramitavam os autos de Processo Especial de Revitalização n.º 1896/20.5T8STS, no âmbito do qual havia sido proferido despacho inicial com nomeação de administrador judicial provisório em 10/09/2020, nos termos do disposto no art. 17º-E nº1 do Cód. da Insolvência e da Recuperação de Empresas, o juiz a quo declarou suspensa a instância.
Os autos de processo especial de revitalização prosseguiram os seus trâmites e por fim foi aprovado pelos credores um plano de recuperação, tendo sido proferida sentença de homologação do plano no dia 25-04-2021.
No dia 26-04-2021 foi junta aos presentes autos cópia da sentença que homologou o plano de recuperação da Recorrida.

No dia 27-04-2021 foi proferida decisão pelo juiz a quo a julgar «extinta a instância, por impossibilidade legal de prosseguimento» a qual aqui transcrevemos:
“Tendo em conta a informação de que foi homologado o plano de revitalização da aqui Ré, nos termos do disposto nos artigos 17º-E, nº 1 do CIRE e 277º, alínea e) do CPC (ex vi artigo 1º, nº 2, alínea a) do CPT) julgo extinta a instância, por impossibilidade superveniente da lide, na presente acção com processo comum que J. P., residente na Rua ..., nº .., freguesia de ..., concelho de Braga, intentou contra “X – AVIAÇÃO EXECUTIVA, S.A.”, com sede no Centro Logístico …, Lote .., Aeroporto ….
Custas a cargo da Ré (artigo 536º, nº 3 do CPC.
Registe e notifique.
Valor da acção: 95.239,67 €.”
*
Inconformado, o A. interpôs recurso de tal decisão, formulando as seguintes conclusões:

“1. Consta do artigo 17.º-E, n.º 1 do CIRE que “A decisão a que se refere o n.º 4 do artigon17.º-C obsta à instauração de quaisquer ações para cobrança de dívidas contra a empresa e, durante todo o tempo em que perdurarem as negociações, suspende, quanto à empresa, as ações em curso com idêntica finalidade, extinguindo-se aquelas logo que seja aprovado e homologado plano de recuperação, salvo quando este preveja a sua continuação.”
2. As ações declarativas, em qualquer das suas modalidades (simples apreciação; condenação e constitutivas — cfr. artigo 10.º n.º 2 e 3 do CPC), têm sempre como finalidade estabelecer/fixar o direito e não realizar coativamente o direito.
3. Pelo contrário, a realização coativa do direito está inserida na expressão “cobrança de dívidas”, a qual está intrinsecamente ligada à efetiva realização do direito e não à discussão da existência do direito.
4. A expressão “(...) ações para cobrança de dívidas (...)” não abarca as ações declarativas de condenação, na qual se inclui a ação que o recorrente intentou contra a ré.
5. A ação emergente de contrato de trabalho, enquanto ação declarativa comum de condenação (cfr. artigos 48.º n.os 1 e 2 e 49.º n.º 1 do Código do Processo de Trabalho), não se destina a cobrar uma dívida, mas sim, para obter o reconhecimento judicial da sua existência e obrigatoriedade do seu pagamento
6. A interpretação da norma realizada pelo Tribunal a quo desprotege o recorrente (o autor), impedindo-o de ver dirimido um litígio, que atempadamente suscitou a sua resolução (cfr. artigo 2.º n.os 1 e 2 do Código do Processo Civil (doravante apenas CPC)).
7. A interpretação do Tribunal a quo violou o princípio inscrito no artigo 20.º, n.os 1 e 4 da Constituição da República Portuguesa.
8. Admitir que ação de ”(...) cobrança de dívidas (...)” prevista no artigo 17.º-E, n.º 1 do CIRE abarca a ação declarativa, tal como fez Tribunal a quo, significa para o credor ficar inteiramente desprotegido, pois a ação declarativa que havia intentado extinguir-se-ia por força da lei após aprovação e homologação do PER, ficando o credor impedido de exercer seu direito, tal como se encontra plasmado no artigo 20.º da CRP.
9. Contudo, e por mera hipótese académica, ainda que se entenda que o n.º 1 do artigo 17.º-E do CIRE compreende tanto as ações executivas como as ações declarativas, a ação declarativa do recorrente não deveria ter sido julgada extinta pelo Tribunal a quo, por inutilidade superveniente da lide.
10. A ação declarativa deveria prosseguir os seus trâmites processuais por estarmos perante um crédito “(...) que continua carecido de definição jurisdicional.” (cfr. acórdão do Supremo Tribunal Judicial de Justiça, proferido no processo n.º 190/13.2TBVNC.G1.S1, datado de 18/09/2018, disponível em www.dgsi.pt)
11. O crédito do recorrente, para lá da parte que foi reconhecido pela ré em sede de PER, contínua a carecer de tutela jurisdicional uma vez que se mantém a controvérsia subjacente, a qual terá que ser apreciada jurisdicionalmente.
12. O que quer dizer que a interpretação realizada pelo Tribunal a quo consubstanciada na sentença, impede definitivamente o recorrente de ver dirimido um litígio que atempadamente suscitou ao Tribunal.
13. “Admitir a extinção da instância nos termos do artigo 17º-F, nº 1 parte final, de outras ações que não as executivas, implicaria que os créditos litigiosos em causa ficariam sem proteção, o que viola as mais elementares regras e princípios do Estado de Direito.” (acórdão do STJ citado)

Nestes termos, e nos mais de direito que V. Ex.cias doutamente suprirão, deve ser dado provimento ao RECURSO, revogando-se a decisão proferida pelo Tribunal a quo e, consequentemente, determinar o prosseguimento dos autos, ASSIM SE FAZENDO, JUSTIÇA..”
O recorrido/apelado não apresentou resposta ao recurso.
Admitido o recurso na espécie própria e com o adequado regime de subida e efeito, foram os autos remetidos a esta 2ª instância.
Foi determinado que se desse cumprimento ao disposto no artigo 87º n.º 3 do C.P.T., tendo o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitido douto parecer, no sentido da improcedência do recurso.
Devidamente notificados recorrente e recorrida do parecer emitido pelo Ministério Público, o recorrente veio responder, concluindo pela procedência do recurso.
Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

II – OBJECTO DO RECURSO

Delimitado o objeto do recurso pelas conclusões do Recorrente, não sendo lícito ao tribunal ad quem conhecer de matérias nele não incluídas, salvo as de conhecimento oficioso, que aqui se não detetam, no recurso interposto pelo Autor/Apelante a única questão que se coloca é a de saber se se verificam os pressupostos para a extinção da instância por impossibilidade superveniente da lide.

III – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Os factos relevantes para a decisão são os que constam do relatório que antecede.

IV - APRECIAÇÃO DO RECURSO

Da extinção da instância por impossibilidade superveniente da lide

A questão a decidir consiste em apurar se à acção de condenação que o aqui apelante intentou contra a aqui apelada se aplica o disposto no art.º 17.º-E n.º 1 da Lei nº 16/2012, de 20/04 (doravante CIRE) e se deve ser julgada extinta a instância como decidiu a primeira instância, ou se deve prosseguir os seus termos.

Prescreve o art.º 17.º-E n.º 1 do CIRE, o seguinte:

“A decisão a que se refere a alínea c) do n.º 3 do art.º 17.º-C obsta à instauração de quaisquer ações para cobrança de dívidas contra o devedor e, durante todo o tempo em que perdurarem as negociações, suspende, quanto ao devedor, as ações em curso com idêntica finalidade, extinguindo-se aquelas logo que seja aprovado e homologado plano de recuperação, salvo quando este preveja a sua continuação.”
O n.º 1 do citado artigo 17.º-E do CIRE não faz qualquer
distinção entre a acção declarativa e/ou executiva, a significar, em nossa opinião, que nele estão incluídos estes dois tipos de acções, desde que visem a cobrança de dívidas contra o devedor, na medida em que são estas que atingem o património do devedor.

Acolhemos assim a posição, que aliás tem sido a dominante, quer no entendimento assumido pelos diversos Tribunais da Relação e pelo Supremo Tribunal de Justiça, quer na doutrina, ao defender que na expressão “acções para cobrança de dívidas” estão abrangidas não só as acções executivas para pagamento de quantia certa, mas também as declarativas em que se discute o pagamento de um crédito que se pretende ver reconhecido.
Na doutrina salientamos a posição de Ana Prata e outros, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, Anotado, Almedina, 2013, a pág. 64, onde se escreve: “Cabem neste conceito quer as acções declarativas de condenação quer acções executivas.”; João Labareda e outro, Código de Insolvência e da Recuperação de Empresas, Anotado, Quid Juris, 2ª edição, pág. 164 onde se escreve “...a paralisação aqui determinada abrange todas as acções para cobrança de dívidas e não apenas as executivas, incluindo-se, assim, as acções declarativas condenatórias.” E Catarina Serra, Lições de Direito da Insolvência, a pág. 389, “…o argumento literal torna quase indefensável um entendimento que exclua liminarmente as acções declarativas. Não há, de facto, sinais da vontade do legislador em delimitar o efeito às ações executivas. Pelo contrário, foi deliberadamente escolhida uma expressão alternativa (“acções de cobrança de dívida”), que mostra que não é desejável uma redução - pelo menos uma redução sistemática ou por princípio - às acções de tipo executivo. Tendo em mente a necessidade de propiciar à empresa a estabilidade necessária ao bom curso do processo, o legislador terá formulado a norma justamente com a intenção de estender o efeito a todas as acções directa ou indirectamente dirigidas a fazer valer direitos ou a exigir o seu cumprimento, independentemente da sua classificação como declarativas ou executivas no Código de Processo Civil.”
Na jurisprudência e a título meramente exemplificativo, referimos o Acórdão da Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça de 26.11.2015 proferido no processo 1190/12.5TTLSB.L2.S1, consultável em www.dgsi.pt/jstj no qual se decidiu que “no conceito de “acções para cobrança de dívidas” estão abrangidas não apenas as acções executivas para pagamento de quantia certa, mas também as acções declarativas em que se pretenda obter a condenação do devedor no pagamento de um crédito que se pretende ver reconhecido”, que “nos termos do art. 17º-E do CIRE, a aprovação e homologação do plano de recuperação no âmbito do Processo Especial de Revitalização obsta à instauração de quaisquer acções para cobrança de dívidas contra o devedor e, durante todo o tempo em que perdurarem as negociações, suspende, quanto ao devedor, as acções em curso com idêntica finalidade, extinguindo-se aquelas logo que seja aprovado e homologado plano de recuperação, salvo quando este preveja a sua continuação.
Acresce dizer que o critério predominante para a qualificação de uma acção, como acção para cobrança de dívidas utilizado pelo Supremo Tribunal de Justiça e o qual subescrevemos, é a susceptibilidade de o fim da acção ser a condenação do devedor no pagamento de um quantitativo monetário ou com expressão monetária ou, de a acção ter reflexos directos no património do devedor. Este entendimento encontra-se consolidado na Secção Social do STJ, designadamente nos acórdãos de 17.11.16 proc. 43/13.4TTPRT.P1.S1, de 31.05.16, proc. 7976/14.9T8SNT.L1.S1, de 17.03.16 proc. 33/13.7TTBRG.P1.G1.S2 e de 26.11.2005 proc. 1190/12.5TTLSB.L2.S1 todos consultáveis em www.dgsi.pt/jstj
É também esta a posição que sustentamos e que tem vindo a ser defendida por este Tribunal da Relação (cfr. Acórdãos de 29-01-2015, proc. n.º 5632/12.1T8BRG e de 21-03-2019, proc. n.º 3110/16.9T8BRG.G1), pois que conhecendo o legislador o tipo de acções previstas no Código de Processo Civil, ao referir-se, no artigo 17.º-E, nº1, do CIRE às acções que têm por fim a cobrança de dívidas, pretendeu aí incluir quer as acções declarativas de condenação, quer as acções executivas, desde que atinjam o património do devedor.
Assim sendo, entendemos que a presente acção está abrangida pelo disposto no n.º 1 do artigo 17.º-E do CIRE, já que os pedidos formulados contra a empregadora (indemnização por resolução do contrato com justa causa e pagamento demais créditos salariais ou com eles conexos), se julgados procedentes, refletem-se obrigatoriamente no seu património. Estamos perante o reconhecimento de créditos emergente de contrato de trabalho ou conexos com ele o que justifica a sua inserção no conceito de acções para “cobrança de dívidas contra o devedor”.
Cumpre agora apreciar se a presente acção deve ser julgada extinta, por impossibilidade superveniente da lide, como decidiu a 1ª instância ou se deve prosseguir os seus termos, uma vez que estamos perante créditos cujo fundamento foi conhecido antes da reclamação de créditos nos autos de PER, uma vez que quando aquela acção foi instaurada, já esta se encontrava pendente.

Resulta do prescrito no artigo 17.º E, n.º 1 do CIRE, que a decisão de nomeação do administrador judicial provisório no âmbito do PER pode conduzir a três distintas situações a saber:
- obsta à instauração de quaisquer acções para cobrança de dívidas contra o devedor;
- suspende quanto ao devedor, as acções em curso com idêntica finalidade;
- extingue aquelas acções logo que seja aprovado e homologado plano de recuperação.

Por outro lado, resulta ainda do citado art.º 17°-E, n.º 1, do CIRE, que para ser decretada a extinção da acção (declarativas ou executivas), destinadas à cobrança de créditos de devedores sujeitos a processo especial de revitalização, é necessário o preenchimento de dois requisitos cumulativos:
- que seja aprovado e homologado plano de recuperação;
- que não se preveja no plano de recuperação a continuação das acções em questão.

Daqui resulta que desde que não existam razões que obstem à homologação do plano de recuperação este deve ser homologado e uma vez homologado tem de produzir os respectivos efeitos que não respeitam apenas ao processo especial de revitalização, mas que se estendem a “quaisquer acções para cobrança de dívidas contra o devedor” e “às acções em curso com idêntica finalidade”, exceptuando as situações em que no próprio plano se preveja a sua continuação.

A este propósito, escreveu-se, em sumário, no Acórdão desta Relação de Guimarães de 3 de Março de 2016, proferido no processo n.º 500/14.5TTBRG.G1 (disponível em www.dgsi.pt):
“A extinção das acções previstas no n.º 1, do artigo 17-E, do CIRE, não abrange aquelas cuja continuação esteja prevista no plano de recuperação.”
Como tem sido entendimento da jurisprudência, não se pode atribuir à homologação do plano de revitalização o efeito automático de extinção de todas as acções declarativas destinadas à cobrança de crédito do devedor, pois nestas haverá que distinguir aquelas que se referem a créditos totalmente reconhecidos no processo de revitalização e que não foram objecto de qualquer controvérsia – situação em que efectivamente a acção perde utilidade, por não existir conflito que deva ser dirimido pelo tribunal – e aquelas outras nas quais se discutem créditos que ou não chegaram a ser considerados no processo de revitalização (créditos litigiosos não reclamados no PER nem regulados no plano de recuperação aprovado e homologado), ou aquelas outras em que o plano de revitalização prevê a sua continuação.
Em suma, a questão do prosseguimento ou não da acção declarativa deve ser respondida tendo em atenção a situação factual em que as partes ficam colocadas e quanto a esta apraz dizer que dos autos não resulta factualidade suficiente que nos permita avaliar tal situação.
Conforme resulta do Relatório que antecede foi proferido despacho a julgar extinta a instância da presente acção em face da junção de cópia da sentença, que homologou plano de revitalização da R., sem que esta tivesse transitado em julgado, uma vez que a informação prestada pelo Tribunal Judicial da Comarca do Porto, Juízo do Comércio de Santo Tirso, com cópia da sentença foi prestada no dia seguinte aquela ter sido prolatada, tendo seguidamente o Mmº Juiz a quo proferido decisão a julgar extinta a instância.
Acresce dizer que a factualidade apurada não nos permite saber se o crédito peticionado no âmbito dos presentes autos está abrangido pelo plano de revitalização, designadamente se consta da lista provisória de credores, se foi ou não impugnado, qual a decisão que incidiu sobre tal impugnação, se a mesma transitou ou não em julgado, se o crédito do autor consta da lista definitiva de credores e por fim também não é possível apurar o que consta do plano de revitalização, nomeadamente se ficou ou não determinada a continuação da presente acção.
De tudo isto resulta que o tribunal a quo não estava apto a proferir a decisão recorrida, pois não dispunha de elementos probatórios para poder apreciar se o crédito peticionado na presente acção, vencido à data da apresentação do PER, foi reclamado e jurisdicionalmente apreciado, no âmbito daquele processo, ou se ficou em tal processo expressamente prevista a continuação desta acção.
Toda esta factualidade se nos afigura de essencial para que de forma segura se possa decidir sobre o prosseguimento ou extinção da acção declarativa.
Em face do exposto e ao abrigo do disposto noa al. c) do n.º 2 do art.º 662.º do CPC. mais não resta do que proceder à anulação da decisão recorrida para ampliação da matéria de facto, determinando que em 1ª instância se apure a factualidade em falta, de forma a permitir a verificação dos requisitos que conduzem ou não à extinção da instância nos termos previstos na al. a) do n.º 1 do art.º 17.º do CIRE.
Procede, pois, o recurso.

V – DECISÃO

Pelo exposto, e ao abrigo do disposto nos artigos 87.º do C.P.T. e 663.º do CPC., acordam os Juízes da Secção Social do Tribunal da Relação de Guimarães em conceder parcial provimento ao recurso e consequentemente em anular a decisão recorrida e determinar o prosseguimento dos autos com a realização dos actos necessários para que constem dos autos todos os elementos probatórios relevantes que permitam verificar os requisitos que conduzam ou não à extinção da presente acção por força do disposto no n.º 1 do art.º 17.º, do CIRE.
Sem custas.
Notifique
4 de novembro de 2021

Vera Maria Sottomayor (relatora)
Maria Leonor Barroso

Voto vencido
Vencido. Daria razão ao recorrente nos termos sustentados no Ac. por nós relatado de 19/1/2017, processo n.º 823/13.0TTBCL.G1, disponível na net. No PER não há em sentido próprio uma verificação e graduação de créditos, isto é, não há um procedimento tendente a fazer reconhecer judicialmente os direitos, com a produção da prova pertinente. Visa-se tão só o quórum deliberativo.
O procedimento aí previsto não constitui nem responde às exigências de um processo equitativo e justo, desde logo pelos prazos a que está sujeito e pelos constrangimentos quanto à produção da prova.
O procedimento de reconhecimento do crédito previsto no PER, quando exista controvérsia, não tem a virtualidade de garantir o cabal acesso à justiça, não constitui um “procedimento equitativo e justo” para efeitos de dirimir em termos definitivos o conflito.
No PER apenas os créditos não controvertidos se consideram definitivamente assentes.
A extinção das ações referida no art. 17.º-E, n.º 1 parte final refere-se às ações executivas, e às declarativas mas apenas se relativas a créditos que tenham sido admitidos definitivamente no PER, os que neste não foram contraditados.

Antero Dinis Ramos Veiga