Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
564/14.1PBCHV.G1
Relator: AUSENDA CONÇALVES
Descritores: PROVA TESTEMUNHAL
VALORAÇÃO DE PROVA
SILÊNCIO DO ARGUIDO
USO DE DOCUMENTO FALSO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 02/06/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: JULGADO IMPROCEDENTE
Sumário: I - Com a norma do art. 356º, nº 7 do CPP, o legislador impede que, indirectamente, através de depoimentos dos órgãos de polícia criminal que tiverem recebido declarações, bem como quaisquer pessoas que, a qualquer título, tiverem participado na sua recolha, se façam valer em audiência declarações cuja leitura não seria permitida, não podendo os mesmos ser inquiridos como testemunhas sobre o conteúdo de tais declarações.
II - Todavia, é actualmente consensual o entendimento de que constitui depoimento válido e eficaz o relato de agentes de investigação (OPC´s) sobre recolha de informações ou outros dados e contribuições de que tomaram conhecimento no campo dos actos de investigação e outros meios de obtenção de prova, portanto, fora do âmbito de diligências processuais formais – como sucede com os interrogatórios ou tomadas de declarações – desde que essa recolha não devesse ter sido submetida a tal formalismo. Tal depoimento nada tem a ver com o que, vulgarmente, se tem designado por testemunho de “ouvir dizer” (art. 129º, nº 1 do CPP) ou como um relato de “conversas informais”, ou seja, conversas que não foram formalmente reduzidas a auto, devendo sê-lo, traduzindo a reprodução de uma conversa informal, que pudesse defraudar o direito do arguido ao silêncio.
III - Assim, os OPC´s não estão impedidos de depor em audiência de julgamento sobre factos que detectaram e constataram durante a fase investigatória, maxime sobre o que percepcionaram no âmbito de uma diligência cautelar, quando ainda não existia sequer inquérito pendente e num momento em que o arguido nem sequer era suspeito de qualquer acto, portanto, numa fase incipiente e até iniciada anteriormente à notícia pela autoridade policial de qualquer infracção, sendo certo que, mesmo que tal assim sucedesse, sempre lhe competiria recolher indícios da infracção noticiada bem como praticar todos os actos necessários e urgentes para assegurar os meios de prova e recolher informações que facilitassem a descoberta dos respectivos agentes.
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães:

No processo comum singular nº 564/14.1PBCHV da Instância Local, Secção Criminal, de Chaves, da Comarca de Vila Real, o arguido B. R.foi julgado, tendo sido condenado por decisão proferida e depositada a 12/07/2016, como autor material de um crime de falsificação de documento, na modalidade de uso, p. e p. pelo artigo 256º, nº 1, alínea e) e nº 3 do Código Penal, na pena de 1 (um) ano de prisão.
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Discordando dessa decisão o arguido interpôs recurso, rematando a sua motivação com as seguintes conclusões:
«A- O Tribunal a quo fundamentou-se, na apreciação dos factos, na convicção formada pela conjugação dos depoimentos prestados pelas testemunhas com a prova documental.
B- O recorrente nunca foi visto ou apanhado a conduzir o referido veículo, para além de que é facto provado, que o veículo pertence à sua ex-mulher.
C- O recorrente foi condenado pela prática, em autoria material, e na forma consumada, de um crime de falsificação de documento, na modalidade de uso, p. e p. pelo artigo 256º, n.º 1, alínea e) e n.º 3 do Código Penal, na pena de 1 (um) ano de prisão efectiva.
D- O douto Tribunal a quo julgou incorretamente os factos provados, porquanto, motivou a decisão em prova de validade duvidosa.
E- A douta sentença proferida fundou-se, para a condenação do arguido, nas declarações prestadas em sede de audiência de discussão e julgamento, em depoimento indireto ou depoimento de entidade policial, na inquirição da testemunha A. M., agente da PSP.
F- O depoimento do agente da P.S.P. foi, pois, o elemento decisivo no conjunto das provas produzidas, onde se motivou a decisão.
G- Será admissível e poderá ser valorado o depoimento de um agente policial que reproduz o que ouviu dizer a um suspeito de um crime, no momento em que já na esquadra o interroga, conforme auto de notícia de fls. 3 e 4 e constituição de arguido de fls. 5?
H- No caso em apreço, a questão coloca-se em relação às declarações formalizadas em auto prestadas perante um órgão de polícia criminal e na esquadra de polícia, sem que o ora recorrente seja ainda suspeito de nada, passando após o interrogatório à condição de detido e arguido.
I- Será admissível e poderá ser valorado o depoimento de um agente da polícia que reproduz o que ouviu dizer à pessoa e que, ato imediato, vem por este a ser constituído arguido e reduz essas mesmas declarações em auto?
J- São fecundas as decisões judiciais sobre este tema e, em particular, sobre a questão da admissibilidade dos depoimentos dos órgãos de polícia criminal, e pode dizer-se que não existe unanimidade entre a jurisprudência (quer dos tribunais comuns, quer do Tribunal Constitucional) e a doutrina portuguesa sobre esta matéria.
K- Nesta senda, afigura-se-nos que o Tribunal a quo valorizou contra a lei depoimentos indiretos, ou depoimentos de entidade policial.
L- O douto Tribunal, salvo o devido respeito, preocupou-se em assegurar a descoberta da verdade material, mas ignorou as garantias de defesa do arguido (v.g de modo a garantir o seu direito à não autoincriminação), direitos antagónicos ambos com tutela constitucional, mas que importa harmonizar.
M- Sendo certo que a busca da verdade material é, no processo penal, um dever ético e jurídico não se pretende que seja conseguida a qualquer preço. No âmbito da audiência, a produção probatória encontra-se sujeita aos limites impostos, nomeadamente, pelo art. 129º do C.P.P. e pelo art. 32º da C.R.P.
N- Nos crimes de menor gravidade, como o aqui em apreço, o princípio da descoberta da verdade material deverá ceder perante os interesses e direitos da defesa, nomeadamente o direito à não auto incriminação, valores com tutela constitucional consagrados no art. 32º n.º 1 e 5 da CRP.
O- Assim sendo, a douta sentença, optou, unilateral e exclusivamente, pela descoberta da verdade material, em total prejuízo das garantias de defesa, valor com tutela constitucional.
P- No caso vertente, o depoimento do agente não poderia ter sido valorado, não pode ser considerado válido o depoimento indireto prestado pelo agente da PSP, ao sê-lo o Tribunal a quo serviu-se de prova proibida pelos arts. 125º e 129º nº 1 do C.P.P., para fundamentar a decisão que condenou o arguido, ao arrepio do que o legislador pretendeu acautelar.
Q- Não sendo válida a prova agora em causa, na falta de testemunhas presenciais, não é possível dar como provado que o arguido praticou os factos a ele imputados, daí sendo de excluir a respetiva consequência legal.
R- É expressamente assumido na sentença recorrida que o Tribunal a quo assentou inteiramente a sua convicção no depoimento da testemunha de acusação, agente da PSP, até porque o arguido se remeteu ao silêncio em audiência.
S- A testemunha de acusação, agente da P.S.P., afirmou expressamente que a sua razão de ciência derivava única e exclusivamente de ‘confissão’ extrajudicial do recorrente, feita ao referido OPC, antes da constituição como arguido.
T- A testemunha disse expressamente que não tem conhecimento directo de nada e não viu absolutamente nada, pelo que o seu depoimento constitui, na íntegra, depoimento indirecto (art. 129.º/1 do CPP), meras reproduções de uma “conversa informal” que manteve com o recorrente.
U- O depoimento do OPC narrando “conversas informais” representam a aceitação tácita de AUTÊNTICAS CONFISSÕES EXTRA-JUDICIAIS, não-livres, inadvertidas, desavisadas, cuja mera enunciação oral — nem sequer leitura — em sede de depoimento dos agentes policiais vai frustrar contra legem as garantias de defesa do arguido.
V- Caso tal prática se generalize, quem guardará os guardas? Quem protegerá os cidadãos quando os depoimentos dos OPC sobre conversas informais passarem a constituir a norma quando não exista mais qualquer indício ou prova incriminadora contra os arguidos, como é o caso dos presentes autos?
W- Seria uma porta aberta ao arbítrio policial, algo que os Tribunais não podem sufragar.
X- O art. 357.º, n.º 1 do CPP consagra a proibição de reprodução de declarações do arguido (além da leitura), o que engloba a proibição de valoração do depoimento indirecto dos OPC sobre conversas informais — reproduções orais, low-fi, subjectivas e inexactas em comparação com reproduções mecânicas.
Y- Foram violados, do CPP, os artigos 125.º (legalidade da prova), 127.º (livre apreciação da prova) art. 129.º/1 (depoimento indirecto), art. 344.º (confissão), art. 355.º (imediação), art. 356.º/7/8/9 (inquirição de OPC sobre declarações de leitura proibida), art. 357.º (proibição de reprodução de declarações do arguido), art. 379.º/1-c) (omissão de pronúncia); da CRP, o artigo 32.º/1 (direito a processo justo e equitativo e respeito pelos limites legais à obtenção de prova incriminadora) e 32.º/8 (valoração de prova proibida).
Z- O Tribunal a quo interpretou mal esta constelação de normas, pois julgou admissível e valorou em sede probatória o depoimento indirecto de agente de polícia versando sobre “conversa informal” tida com o recorrente antes da sua constituição como arguido, quando todas as referidas normas, em conjugação, apontam para a inadmissibilidade e/ou o desvalor probatório desses depoimentos, tendo inclusivé reduzido a auto tal conversa, conforme já supra referido.
AA- Foram, assim, incorrectamente julgados os pontos 1.º, 2.º, 3.º, 4.º e 5.º da matéria de facto provada, os quais, em consequência de todo expendido, deveriam ter sido julgados não provados.
BB- Impõem decisão diversa da recorrida a seguinte prova: o depoimento da testemunha A. M., com início às 10h13m44s e fim às 10h22m32s do dia 31.03.2016.
CC- Na sentença recorrida, o Tribunal a quo não se pronunciou quanto à questão da proibição de valoração de prova, por violação do princípio da imediação, optando por valorar a prova proibida sem fazer qualquer referência à verificação ou não dessa proibição, a qual é de conhecimento oficioso, por força do art. 32.º, n.º 8 da CRP e 374.º, n.º 2 do CPP.
DD- Este vício acarreta a nulidade da sentença, por omissão de pronúncia, ex vi do art. 379.º, n.º 1, al. c), primeira parte, do CPP.
EE- A não se entender pela verificação da nulidade por omissão de pronúncia, sempre a sentença há-de padecer de erro notório na apreciação da prova, nos termos do art. 410.º, n.º 2, al. c), na medida em que foram utilizadas na formação da convicção do Tribunal provas cuja valoração era proibida, e que por isso não poderiam servir para fundamentar a decisão.».
Termina pedindo que se declare a nulidade da decisão revogando-a e substituição por outra em que se absolva o arguido do crime por que acabou por ser condenado.

O recurso foi regularmente admitido nos termos do despacho que consta a fls. 388.

O Ministério Público, em 1ª Instância, apresentou uma extensa resposta à motivação, pugnando pela improcedência do recurso, dizendo, muito em suma, que a matéria de facto encontra-se devidamente fixada e suportada em meios de prova legalmente admissíveis e que o recorrente não invoca argumentos válidos que a possam colocar em crise.
Neste Tribunal, a Exma. Sra. Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer, sustentando que os factos provados tiveram por base diligências efectuadas pela testemunha inquirida em julgamento que as relatou não integrando esse relato qualquer proibição, pugnando assim, pela improcedência do recurso.
Foi dado cumprimento ao art. 417º, nº 2, do CPP.
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Na medida em que o âmbito dos recursos se delimita pelas respectivas conclusões (arts. 402º, 403º e 412º, nº 1, do CPP), sem prejuízo das questões que importe conhecer oficiosamente, por obstarem à apreciação do seu mérito, suscita-se, no recurso, a questão de saber se foram valoradas, contra o disposto nos arts. 129º, 356º e 357º, do CPP, as declarações prestadas por um agente de órgão de polícia criminal em audiência de julgamento reproduzindo o que o arguido lhe disse no momento em que abordou o arguido e antes de o constituir como tal (arguido).
Importa apreciar tal questão e decidir. Para tanto, deve considerar-se como pertinentes ao conhecimento do objecto do recurso os factos considerados provados na decisão recorrida e respectiva motivação (transcrição):
«A. Factos provados:
Discutida a causa, resultaram provados, com interesse para a decisão a proferir, os factos seguintes:
Da acusação pública
1) No dia 06.12.2014, pelas 18h00m, na Rua F…, na freguesia de Santa Maria Maior, em Chaves, o arguido mantinha aparcado o veículo automóvel, pertencente à sua ex-companheira F. M., da marca Peugeot, modelo 206, com a matrícula 84-88-RV e com o chassis n.º VR32CHFXF41712685.
2) Nas circunstâncias de tempo e lugar supra mencionadas, o veículo que se encontrava na posse do arguido ostentava as chapas de matrícula com os dizeres: “....”, correspondentes à matrícula de um outro veículo automóvel, da marca Peugeot, modelo 206, com o n.º de quadro VF32A8HXF43364660, pertencente a A. J..
3) Por dias não concretamente apurados mas até ao dia 06.12.2014, manteve-o aparcado na Rua …, na freguesia de Santa Maria Maior, em Chaves, onde foi interceptado pela PSP.
4) Ao usar as referidas matrículas no veículo, pretendia o arguido não ser detectado na posse do veículo, prejudicando o Estado, garante da fé pública de tal documento.
5) Bem sabia o arguido que a matrícula que se encontrava no dito veículo não atestava factos verdadeiros, isto é, que a mesma não correspondia com a realidade, na medida em que não correspondia à matrícula atribuída àquele veículo pelo Instituto da Mobilidade e dos Transportes Terrestres, IP. (IMTT).
Condições socioeconómicas e antecedentes criminais
6) À data dos factos constantes na acusação, B. R. vivia com a esposa, em Chaves, mantendo o casal uma situação relacional de conflitos que deram origem a várias separações.
7) Posteriormente, o arguido voltou a residir na residência da sua primeira mulher, N. F. , que refere apoiá-lo.
8) Habitavam na antiga casa de morada de família, que é propriedade do filho R. M- (com o qual não se relaciona e que atualmente reside em Inglaterra), da qual tem o usufruto, conjuntamente com N. F. .
9) O apoio que a ex-mulher lhe pode dispensar é diminuto, dado que o ex cônjuge é doente com diagnóstico de doença bipolar, acompanhada pela Psiquiatria do Hospital de Santarém e dependente de terceiros nas suas rotinas quotidianas.
10) N. F. frequenta o Centro de Dia de ---, onde faz as refeições e obtém apoio na gestão do seu quotidiano, designadamente na prestação dos cuidados de higiene e na toma das refeições.
11) A nível profissional o arguido refere que tinha uma situação precária, realizando trabalhos ocasionais para um stand de automóveis (conduzindo as respetivas viaturas a centros de inspeção) de que, segundo refere, auferia de €20,00 a €50,00 por cada deslocação, o que perfazia um montante médio mensal de cerca de €400,00.
12) Todavia as diversas fontes contactadas não lhe conhecem hábitos regulares de trabalho.
13) Em abril de 2015, o arguido requereu a pensão de velhice na Delegação do Cartaxo do Centro Distrital de Segurança Social de Santarém, aguardando ainda o desfecho do processo.
14) Na comunidade de residência, embora o arguido apresente normalmente uma atitude educada na interação com os outros, a sua imagem social é desfavorável, uma vez que não lhe são conhecidas atividades quotidianas estruturadas e por estar associado a condenações anteriores.
15) O arguido foi condenado:
- No processo 20/01.8GBLRA do 2º Juízo Criminal de Leiria, por sentença transitada em julgado em 28.04.2003, pela prática, em 27.06.2002, de crimes de burla, falsificação de documento e furto de furto, na pena única de 3 anos e 6 meses de prisão, já declarada extinta pelo cumprimento.
- No processo 15798/95.8TDLSB do 2.º Juízo do Tribunal Judicial de Peniche, por sentença transitada em julgado em 6.06.2003, pela prática, em 6.07.1995, de um crime de emissão de cheque sem provisão, na pena de 90 dias de multa, à taxa diária de 5,00€, tendo sido declarada perdoada a pena de prisão.
- No processo 779/01.2GBAGD do 2.º Juízo do Tribunal Judicial de Águeda, por sentença transitada em julgado em 19.12.2013, pela prática, em 11.10.2001, de um crime de burla, na pena de 105 dias de multa, à taxa diária de 3,00€.
- No processo 471/96.8PBCLD do 2.º Juízo do Tribunal Judicial de Caldas da Rainha, por acórdão cumulatório transitado em julgado em 19.03.2004, na pena única de 2 (dois) anos de prisão.
- No processo 705/95.6TAVFX do 1.º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Vila Franca de Xira, por sentença transitada em julgado em 19.04.2004, pela prática, em 16.06.1995, de um crime de emissão de cheque sem provisão, na pena de 6 meses de prisão, suspensa na sua execução por 4 anos.
- No processo 237/01.5TAACN do Tribunal Judicial de Alcanena, por sentença transitada em julgado em 28.04.2004, pela prática, em 26.06.2000, de crimes de burla e falsificação de documento, na pena única de 16 meses de prisão, suspensa na sua execução por 3 anos.
- No processo 293/01.6TATMR do Tribunal Judicial de Tomar, por sentença transitada em julgado em 18.06.2004, pela prática, em 24.10.2001, de crimes de burla e falsificação de documento, na pena única 300 dias de multa, à taxa diária de 5,00€, englobada no cúmulo jurídico realizado no processo 434/01.3GBCNT.
- No processo 192/01.1GAVTD do 2.º Juízo do Tribunal Judicial de Torres Vedras, por sentença transitada em julgado em 14.12.2004, pela prática, em 20.01.2003, de crimes de burla qualificada e falsificação de documento, na pena única de 1 ano e 8 meses de prisão, englobada no cúmulo jurídico realizado no processo 434/01.3GBCNT.
- No processo 337/96.1TBCTX do 2.º Juízo do Tribunal Judicial do Cartaxo, por sentença transitada em julgado em 24.01.2005, pela prática, em 25.05.1995, de um crime de emissão de cheque sem provisão, na pena de 5 meses de prisão, a qual foi perdoada.
- No processo 434/01.3GBCNT do 1.º Juízo do Tribunal Judicial de Cantanhede, por acórdão cumulatório transitado em julgado em 2.09.2005, pela prática, na pena única de 6 anos e 6 meses de prisão e 250 dias de multa à taxa diária de 5,00€.
- No processo 434/01.3GBCNT do 1.º Juízo do Tribunal Judicial de Cantanhede, por acórdão cumulatório transitado em julgado em 26.09.2006, na pena única de 7 anos de prisão e 250 dias de multa à taxa diária de 5,00€.
- No processo 521/01.8GBMFR do 1.º Juízo do Tribunal Judicial de Mafra, por acórdão transitado em julgado em 24.11.2005, pela prática, em 20.11.2003, de crimes de burla qualificada e falsificação de documento, na pena única de 2 anos e 6 meses de prisão, englobada no cúmulo jurídico realizado no processo 434/01.3GBCNT.
- No processo 358/01.4GAMMV do Tribunal Judicial de Montemor-o-Velho, por sentença transitada em julgado em 27.04.2006, pela prática, em 22.03.2006, de um crimes de falsificação de documento, na pena de 1 ano e 3 meses de prisão.
- No processo 358/01.4GAMMV do Tribunal Judicial de Montemor-o-Velho, por acórdão cumulatório transitado em julgado em 13.03.2007, na pena única de 9 anos de prisão e 250 dias de multa à taxa diária de 5,00€.
- No processo 713/01.0PATVD do 2.º Juízo do Tribunal Judicial de Torres Vedras, por acórdão transitado em julgado em 12.06.2007, pela prática, em 01.1998, de crimes de burla simples e falsificação de documento, na pena única de 1 anos e 4 meses de prisão.
- No processo 713/01.0PATVD do 2.º Juízo do Tribunal Judicial de Torres Vedras, por acórdão cumulatório transitado em julgado em 20.04.2009, na pena única de 11 anos de prisão
- No processo 713/01.0PATVD do 2.º Juízo do Tribunal Judicial de Torres Vedras, por acórdão cumulatório transitado em julgado em 15.03.2010, na pena única de 400 dias de multa à taxa diária de 5,00€.
- No processo 516/14.1PBCHV desta Secção Criminal, por sentença transitada em julgado em 9.11.2015, pela prática, em 8.11.2014, de um crime de violência doméstica, na pena de 1 ano e 6 meses de prisão.
B. Factos não provados:
Com interesse para a boa decisão da causa, dão-se como não provados os seguintes factos:
a) Em data não concretamente apurada, mas seguramente entre o dia 13 do mês de Novembro de 2014 e o dia 6 de Dezembro de 2014, o arguido B. R. apôs no veículo automóvel, pertencente à sua ex-companheira F. M., da marca Peugeot, modelo 206, com a matrícula …. e com o chassis n.º VR32CHFXF41712685, as chapas de matrícula da frente e da retaguarda que ostentavam os dizeres 2....”, que obteve de modo não concretamente apurado.
b) Até ao dia 06.12.2014, o arguido, munido das referidas chapas de matrícula, que previamente havia colocado na frente e na retaguarda do referido Peugeot com os dizeres “....”, circulou com o veículo na via pública, designadamente:- no dia 18.11.2014 passou nas portagens/pórticos das estradas:
Amarante PV – Gens Vidago – A4 Vila Real S O/E
- no dia 19.11.2014 passou nas portagens/pórticos das estradas:
Aveiras de cima – Alverca
- no dia 21.11.2014 passou nas portagens/pórticos das estradas:
Vila Real – Chaves Alverca PV – IC 24 Sul Argoncelhe – Amarante PV Vila Real S O/E
c) O veículo havia sido interveniente num acidente de viação desta urbe e pretendia o arguido ludibriar as autoridades, policiais ou outras, bem como passar nas portagens e pórticos de auto-estradas e scuts, sem realizar o correspectivo pagamento, obtendo desta forma vantagem ilegítima e causadora de prejuízos a terceiros.

Fundamentação da convicção do Tribunal:
«A convicção do Tribunal alicerçou-se na análise crítica e ponderada, à luz dos princípios que regem a matéria nos termos do art.º 127.º do Código de Processo Penal1, da prova produzida e/ou examinada em audiência de julgamento, designadamente e no essencial, com base nos depoimentos prestados conjugados com a prova documental.
O arguido no uso de um seu direito não desejou prestar declarações, mas acabou por dizer, na audiência de julgamento que se encontrava arrependido e envergonhado com tal situação, arrependimento que não se julgou relevante e sério, pois que o arguido não quis prestar declarações e, assim, demonstrar de forma credível a assunção dos factos e a certeza de que não voltaria a praticá-los.
No entanto, existe prova cabal dos factos enunciados em 1) a 5), designadamente tendo em consideração o depoimento de A. M., agente da PSP, que tomou conta da ocorrência no referido dia, não levando a efeito qualquer diligência posterior de inquirição ou interrogatório do arguido, sendo válido o seu depoimento, referindo que encontrou o arguido na ocorrência, naquelas circunstâncias, estando estranho, a chorar, sendo que já era conhecido de outras ocorrências. Após diligências de pesquisa conseguiu apurar que matrícula que o veículo trazia não correspondia à verdadeira do veículo. Não interrogou o arguido, nem fez qualquer diligência de investigação, limitando-se a ir ao local da ocorrência como relatou.
Este depoimento foi conjugado com a prova documental junta aos autos, designadamente o auto de apreensão de fls. 7, do veículo automóvel com a matrícula …. na posse do arguido, no dia 6.12.2014, pelas 22h45, pelo que inequivocamente o arguido possuía este veículo, circulando com ele e mantendo a matrícula adulterada que não correspondia à verdadeiramente pertencente à viatura em causa.
1 O tribunal dará cumprimento à norma (374.º, n.º2 do CPP) e tendo presente o disposto no art. 205.º da CRP, ao identificar as provas que foram produzidas ou examinadas em audiência de julgamento e ao expor as razões de forma objectiva e precisa porque é que determinadas provas serviram para alicerçar a convicção e porque é que outras não serviram. – SÉRGIO POÇAS, “Da sentença Penal – fundamentação de facto”, Revista Julgar, n.3, pág. 37.
Também se considerou o auto de apreensão de fls. 32, datado de 7.12.2014, pelas 8h55, na posse do arguido, de duas matrículas com os dizeres 64-63-UP apostas no veículo Peugeot 206, preto, 7 vinhetas, sendo 5 de apólices de seguros e duas vinhetas de inspecção do veículo de matrícula ...., o que faz concluir que o arguido sabia bem que a matrícula aposta não correspondia à verdadeira, pois que, atentas as regras da experiência comum, mantendo a viatura com aquela matrícula e transportando outras com as referidas vinhetas, é pessoa que queria de forma ostensiva usar o veículo com a matrícula de um outro veículo, dissimulando a sua presença com a viatura com a matrícula original, bem sabendo que estava a lesar os interesses do Estado, garante da fé pública de tal documento autêntico.
Foi tido em conta, ainda, o registo fotográfico de fls. 45-46 e 59-63, para melhor explicar o modo de proceder o arguido e o estado do veículo quando foi interceptado.
Já os factos enunciados de a) a c) foram dados como não provados, por força do princípio in dubio pro reo (art.º 32.º da CRP, pois que apesar de existirem indícios concordantes, designadamente a posse do veículo com a matrícula aposta com os dizeres “....” no dia 6 de Dezembro de 2014, altura em que foi interceptado pela autoridade policial, não se apuraram tais factos.
Ficam dúvidas ao Tribunal se entre os dias 13 de Novembro de 2014 e 6 de Dezembro de 2014, o arguido apôs a matrícula vinda de referir e circulou nas auto-estradas descritas na acusação, nos dias 18, 19 e 21 de Novembro
Com efeito, A. F., apenas referiu, no seu depoimento, que vendeu o veículo com a matrícula …. a um stand em Vilarinho das Paranheiras, negando que fosse o da matrícula que estava aposta, sabendo apenas que não foi registado em nome do comprador, mantendo-se registado em seu nome, como se retira do registo automóvel do veículo de matrícula …., a fls. 64, em que figura como titular a testemunha A. F..
A. J., num depoimento totalmente coerente, explicou que não conhece o arguido e que é proprietário do veículo de matrícula ...., nunca permitindo a ninguém que o conduzisse nas datas em causa, muito menos ao arguido.
Teve o carro numa garagem/oficina da MC…, tendo-lhe sido retiradas as vinhetas do mesmo, sendo que presume que nessa altura tenha sido copiada a matrícula, disso apenas se apercebendo posteriormente. Nunca andou nas auto estradas referidas no libelo acusatório, nos dias 18, 19 e 21 de Abril, embora lhe fosse pedido o pagamento, por respeitarem à matrícula do seu veículo, tal como se depura do documento de fls. 55 quanto às passagens em auto-estrada, do veículo de matrícula .....
Assim, coloca-se a dúvida se foi o arguido a efectuar essas passagens. Se é certo que o arguido foi interceptado com o veículo que tinha a matrícula ...., não havendo assim dúvidas que, no dia 6 de Dezembro de 2014, o arguido usou tal viatura com essa matrícula, já certezas não existem de que foi o mesmo a efectuar as referidas passagens, pois que o veículo é propriedade de F. M., a qual, no uso de um seu direito (art.º 134.º, n.º 1, al. b) do CPP) não quis prestar o seu depoimento, que seria importante para se apurar, com a certeza que possa sustentar uma condenação, se foi o arguido a circular nas auto-estradas em causa.
Por força do princípio in dubio pro reo coloca-se ao Tribunal a dúvida que se considera irremovível quanto à real e efectiva actuação do arguido nos dias 18, 19 e 21 de Novembro de 2014, não se tendo apurado, com toda a certeza, quem foi o autor dos factos nesse período.
Com base na prova reunida é possível falar-se na existência de indícios de prova, mas como tal insuficientes para dar segurança probatória a uma condenação em julgamento, pelo que embora não se possa sustentar um juízo de negação da hipótese acusatória, o certo é que nasce irremediavelmente uma dúvida razoável do julgador em relação à veracidade dessa parte da hipótese acusatória, dúvida que sempre deve ser valorada a favor do arguido ( “In dubio pro reo”).
No entanto, atenta a materialidade da prova nos autos, nunca se poderia inferir necessariamente a prática dos factos em causa, elencados de a) a c), uma vez que as regras de experiência não suportam a mesma.
Com efeito, os únicos factos base – a posse do veículo ----, com a matrícula .... aposta, no dia 6 de Dezembro – não permite fazer concluir ter sido, efectivamente, o seu autor, pois que o veículo pertence a F. M., ex-companheira do arguido.
Assim, perante a incerteza dos factos que constituem o pressuposto da decisão, quanto a esses factos, deverá funcionar o princípio in dubio pro reo.
No que respeita às condições sociais, económicas e familiares do arguido, tomou-se em consideração o relatório elaborado pela DGRSP a fls. 278 e ss.
Os antecedentes criminais do arguido mostram-se comprovados com base no teor do CRC junto aos autos, a fls. 213 e ss.».
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Da valoração proibida de prova testemunhal.
A verdadeira pretensão recursiva do arguido/recorrente, apesar de invocar a nulidade da sentença, por omissão de pronúncia, nos termos do art. 379º, nº 1, al. c), primeira parte, e erro notório na apreciação da prova, nos termos do art. 410.º, nº 2, al. c), do CPP, visa a decisão proferida sobre a matéria de facto por a mesma se ter fundamentado em prova que aduz ser de “validade duvidosa”, consistente em depoimento indirecto e de ouvir dizer, prestado na audiência de julgamento pela testemunha A. M., agente da PSP.
Vejamos.
Prescreve o art. 129º, nº 1 do CPP, que se o depoimento resultar do que se ouviu dizer a pessoas determinadas, o juiz pode chamar estas a depor. Se o não fizer, o depoimento produzido não pode, naquela parte, servir como meio de prova, salvo se a inquirição das pessoas indicadas não for possível por morte, anomalia psíquica superveniente ou impossibilidade de serem encontradas.
Por outro lado, o art. 356º, nº 7 do CPP, dispõe que os órgãos de polícia criminal que tiverem recebido declarações cuja leitura não for permitida, bem como quaisquer pessoas que, a qualquer título, tiverem participado na sua recolha, não podem ser inquiridos como testemunhas sobre o conteúdo daquelas.
Visa o legislador, por esta forma, impedir que, indirectamente, através de depoimentos de órgãos de polícia criminal ou outras pessoas com participação na recolha de provas, se façam valer em audiência declarações cuja leitura não seria permitida.
Todavia, crê-se ser actualmente consensual o entendimento da jurisprudência de que constitui depoimento válido e eficaz o relato de agentes de investigação (OPC´s) sobre recolha de informações ou outros dados e contribuições de que tomaram conhecimento no campo dos actos de investigação e outros meios de obtenção de prova, portanto, fora do âmbito de diligências processuais formais – como sucede com os interrogatórios ou tomadas de declarações – desde que a recolha não devesse ter sido submetida a tal formalismo.
Assim, os órgãos de polícia criminal não estão impedidos de depor em audiência de julgamento sobre factos por si detectados e constatados durante a fase investigatória, como bem se sintetizou no sumário do Ac. STJ de 15-02-2007 [p. 06P4593 - Maia Costa e, no mesmo sentido, o Ac. da RP de 20-04-2016 (p. 271/03.0IDPRT.P1 - Nuno Ribeiro Coelho), recenseando variada jurisprudência e doutrina sobre a matéria]:
«I - Relativamente ao alcance da proibição do testemunho de “ouvir dizer”, pode considerar-se adquirido, por um lado, que os agentes policiais não estão impedidos de depor sobre factos por eles detectados e constatados durante a investigação e, por outro lado, que são irrelevantes as provas extraídas de “conversas informais” mantidas entre esses mesmos agentes e os arguidos, ou seja, declarações obtidas à margem das formalidades e das garantias que a lei processual impõe. II - Pretenderá, assim, a lei impedir, com a proibição destas “conversas”, que se frustre o direito do arguido ao silêncio, silêncio esse que seria “colmatado” ilegitimamente através da “confissão por ouvir dizer” relatada pelas testemunhas. III - Pressuposto desse direito ao silêncio é, no entanto, a existência de um inquérito e a condição de arguido: a partir de então, as suas declarações só podem ser recolhidas e valoradas nos estritos termos indicados na lei, sendo irrelevantes todas as conversas ou quaisquer outras provas recolhidas informalmente. IV - De forma diferente se passam as coisas quando se está no plano da recolha de indícios de uma infracção de que a autoridade policial acaba de ter notícia: compete-lhe praticar “os actos necessários e urgentes para assegurar os meios de prova”, entre os quais, “colher informações das pessoas que facilitem a descoberta dos agentes do crime” (art. 249.º do CPP). V - Esta é uma fase de pura recolha informal de indícios, que não é dirigida contra ninguém em concreto; as informações que então forem recolhidas pelas autoridades policiais são necessariamente informais, dada a inexistência de inquérito. Ainda que provenham de eventual suspeito, essas informações não são declarações em sentido processual, precisamente porque não há ainda processo. VI - Completamente diferente é o que se passa com as ditas “conversas informais” ocorridas já durante o inquérito, quando já há arguido constituído, e se pretende “suprir” o seu silêncio, mantido em auto de declarações, por depoimentos de agentes policiais testemunhando a “confissão” informal ou qualquer outro tipo de declaração prestada pelo arguido à margem dos formalismos impostos pela lei processual para os actos a realizar no inquérito. VII - O que o art. 129.º do CPP proíbe são estes testemunhos que visam suprir o silêncio do arguido, não os depoimentos de agentes de autoridade que relatam o conteúdo de diligências de investigação, nomeadamente a prática das providências cautelares a que se refere o art. 249.º do CPP.».
Ainda quanto ao que deve ser entendido por conversas informais, perfilha-se o entendimento expresso pelo Sr. Procurador-Geral Adjunto deste Tribunal, Dr. Vinício Ribeiro [in “Código de Processo Penal - Notas e Comentários”, Coimbra, 2008, p. 730]: «conversas não formais e, por isso não reduzidas a auto. Processualmente não existem. Podem ocorrer no local da infracção (e será até o caso mais vulgar) antes de o arguido ter sido constituído como tal, no posto policial ou até nos corredores do tribunal (já depois da constituição de arguido)».
No caso vertente, examinada a motivação que incidiu sobre a matéria factual, infere-se que o depoimento prestado pela testemunha A. M., conjugado com o teor dos autos de apreensão de fls. 7 e 32, constituiu meio de prova fundamental de que o tribunal se socorreu para dar como provada a matéria de facto que levou à condenação do arguido/recorrente.
Sendo assim, importa verificar se, como alegado pelo recorrente, tal depoimento teria incidido sobre matéria legalmente vedada e, não obstante, foi, nessa parte, considerado para a aquisição da matéria de facto tida por provada.
Ora, lida a motivação da decisão que fixou tal matéria, fica a perceber-se o modo como se formou, no essencial, a convicção do Senhor Juiz quanto ao núcleo fundamental da controvérsia verificada nos autos, ou seja, aos factos que fundamentaram a condenação, cometidos pelo recorrente: não obstante este se ter remetido ao silêncio – excepto para se dizer “arrependido e envergonhado com tal situação” –, essa convicção teve por base o exame do teor do depoimento da dita testemunha e dos autos de apreensão, devidamente ponderados à luz das regras da experiência.
Contudo, também se retira, cristalinamente, da formulação dessa motivação que a convicção do Sr. Juiz se alicerçou no questionado depoimento testemunhal apenas na parte em que o depoente se reportou ao por si percepcionado aquando da sua deslocação, no dia 6.12.2014, após uma chamada para o posto da PSP, à Rua …. Como informa o Senhor Juiz naquela formulação, a testemunha constatou que, nesse local, o arguido mantinha aparcado o veículo automóvel, com a matrícula …. e com o chassis n.º VR32CHFXF41712685, mas que, na ocasião, ostentava as chapas de matrícula com os dizeres “....”, sendo que «Após diligências de pesquisa conseguiu apurar que a matrícula que o veículo trazia não correspondia à verdadeira». Ou seja, a testemunha relatou o que percepcionou no âmbito de uma diligência cautelar, quando não existia qualquer inquérito pendente e num momento em que o arguido nem sequer era suspeito de qualquer acto, portanto, ainda numa fase incipiente e até iniciada anteriormente à notícia pela autoridade policial de qualquer infracção, sendo certo que, mesmo que tal assim sucedesse, sempre lhe competiria recolher indícios da infracção noticiada bem como praticar todos os actos necessários e urgentes para assegurar os meios de prova e recolher informações que facilitassem a descoberta dos respectivos agentes.
E, a par do depoimento dessa testemunha, o Tribunal valorou, e bem, o teor dos autos de apreensão de fls. 7 e 32, referentes ao veículo automóvel e aos objectos que se encontravam no seu interior designadamente, chapas de matrícula pertencentes a um outro veículo da mesma marca, cinco vinhetas de inspecção do veículo de matrícula ...., e duas vinhetas de inspecção do veículo ...., como se escreveu naquela decisão.
Assim, como flui do que acima mostrámos, o depoimento da dita testemunha até poderia ter sido admitido e valorado na parte em que fornecesse informações, necessariamente informais, que tivesse recolhido na fase de pura recolha de indícios, quando ainda inexistia inquérito, mesmo que provindas do eventual suspeito e posterior arguido porque essas informações nunca seriam declarações em sentido processual. Porém, até não foi considerado o eventual ou supostamente transmitido pelo arguido, informalmente, à testemunha e tanto assim sucedeu que ficou a constar do elenco dos factos não provados, precisamente, a demais matéria imputada ao recorrente, nomeadamente a imputada autoria da colocação no veículo das chapas de matrícula ostentadas no mesmo à data da sua apreensão.
Nessa decorrência, é descabido o argumentado pelo recorrente quanto à putativa reprodução de conversas de “ouvir dizer” e/ou “conversas informais”, de seguida reduzidas a auto, e que, como defende, não poderiam servir para fundamentar a convicção do Julgador. Realmente, como se disse, o depoimento da testemunha não serviu para alicerçar a convicção sobre factos que não tenham sido directamente observados pela mesma, nem a suposta conversa com o arguido foi reproduzida em qualquer auto formal de declarações. No processo apenas consta, sim, um auto de notícia e detenção elaborado pela testemunha (fls. 3), que não corporiza nem consubstancia qualquer auto de declarações do arguido.
Assim, atendendo aos termos em que o Senhor Juiz nos apresenta a formação da sua convicção, não estamos perante um depoimento que possa reputar-se de “ouvir dizer” ou como traduzindo a reprodução de uma conversa informal, que pudesse defraudar o direito do arguido ao silêncio. Donde, no caso concreto, em boa verdade, nem sequer se coloca a questão, anteriormente enfrentada, da admissibilidade e da valoração de informações obtidas no âmbito das conversas eventualmente mantidas entre a mencionada testemunha e o arguido, informalmente, ou seja, à margem e antes da instauração do inquérito.
Em conclusão, nenhuma censura merece a decisão recorrida, assente no exame do dito depoimento e dos autos de apreensão, do qual resultaram provados todos os factos que permitiram a condenação do arguido/recorrente como autor do crime de uso de documento falsificado. Como consequência, a leitura da expressão de tal exame arreda, imediatamente, a alegada omissão de pronúncia quanto ao valor do referido depoimento e, ainda mais evidentemente, o aduzido erro notório na apreciação da prova.
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Decisão:
Pelo exposto, julgando-se o recurso improcedente, decide-se manter integralmente a decisão recorrida.

Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em quatro UC´s.
Guimarães, 6/02/2017

Ausenda Gonçalves

Fátima Furtado